Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01451/17.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/25/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:DECISÃO SUPRESA – VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO
Sumário:I- Como decorrência do princípio do contraditório, que constitui uma das traves mestras do direito processual, é proibida a decisão surpresa, ou seja, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.

II- Não tendo sido oficiosamente suscitada matéria de exceção conhecida no saneador e determinante do desfecho da causa, nem as partes ouvidas quanto à mesma, deparamo-nos com uma “verdadeira” decisão-surpresa, violadora daquele princípio, o que integra uma nulidade processual que influiu no exame ou na decisão da causa e se consumou com a prolação da mesma, determinando a anulação de todo o processado, nos termos do artigo 195º, nº.1 do C.P.C.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
L.., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença promanado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no âmbito da presente Ação Administrativa por este intentada contra o INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P., que, em 06.02.2019, julgou “(…) verificadas as exceções de inimpugnabilidade de acto administrativo, a intempestividade da prática de acto processual e improcedentes os pedidos indemnizatórios e, consequentemente, absolve[u] (…) totalmente a Entidade Demandada da instância e dos pedidos indemnizatórios (…)”.
Em alegações, o Recorrente formulou as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…)
1ª- Independentemente do respeito - que é muito - que a mesma lhe merece, não pode o Recorrente conformar-se com o despacho proferido pelo Ex.mo Tribunal a quo que, no caso dos presentes autos, julgando verificadas as exceções de inimpugnabilidade do ato administrativo, de intempestividade da prática do ato processual e da improcedência dos pedidos indemnizatórios, absolveu totalmente a Ré da presente instância;
2ª- Entendendo o Apelante - sempre com o devido respeito por distinta e melhor opinião - que na prolação do despacho recorrido é incorreta e insuficientemente apreciada a matéria de facto ao caso pertinente e efetuada uma errada aplicação e interpretação da lei, nomeadamente, entre outras, as normas legais que disciplinam o princípio do contraditório, a impugnabilidade dos atos administrativos e respetivos prazos, os efeitos da formulação de pedido de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário, designadamente, de nomeação de patrono, no que tange à data da instauração da ação e a interrupção dos prazos em curso;
3ª- Deve a Ré ser notificada para, no prazo doutamente concedido, juntar aos autos o procedimento administrativo em falta;
4ª- Na respeitosa opinião do Recorrente, o mui douto despacho saneador encontra-se ferido de nulidade, uma vez que, ao arrepio de todas as normas processuais ao caso aplicáveis, designadamente no N° 3 do artigo 3° do CPC, aos autos aplicável ex vi do artigo 1° do CPTA, o Ex.mo Tribunal a quo não observou e fez cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório;
5ª- Sucede que, por um lado, não obstante se ter realizado, nestes autos, uma audiência prévia no dia 06/11/2018 no âmbito se efetuou a discussão das matérias de direito ao mesmo pertinentes - cfr. ata de audiência prévia de fls. ... e seguintes destes autos, e ter sido concedida a palavra aos mandatários das partes para se pronunciarem sobre a pelo Ex.mo tribunal recorrido considerada exceção de alegada inimpugnabilidade do ato administrativo contido na decisão notificada pelo ofício N° 153633 datado de 13/10/2016, incompreensivelmente, não foram as partes advertidas da posição do Ex.mo Tribunal recorrido quanto matérias de exceção de intempestividade da prática de ato processual e condenação da entidade demandada na reparação dos danos;
6ª- Assim como também não foi concedido às partes a possibilidade de, previamente à douta decisão recorrida que julgou procedentes tais matérias, se pronunciarem quanto às alegadas exceções de intempestividade da prática de ato processual e condenação da entidade demandada na reparação dos danos;
7ª- Falta de contraditório que, por consubstanciar a prática de um ato que a lei não admite, ou seja, designadamente a prolação de uma decisão sem previamente ser concedido às partes o direito desse pronunciar sobre a matéria que é objeto de decisão e, bem como, por consubstanciar a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, isto é, a falta de prévia notificação das partes para exercer o direito de contraditório legalmente previsto no supra citado artigo 3°, N° 3, do CPC,
8ª- E, ainda, por a escrita irregularidade, de forma inequívoca, influir no exame ou na decisão da causa, uma vez que, se fosse concedido o exercício de tal direito seria possível explicar ao Ex.mo Tribunal recorrido que o Autor, ora Recorrente, solicitou e comprovou no procedimento administrativo, em 24/02/2017, o benefício de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário, designadamente de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e compensação de patrono;
9ª- Contudo, tal já não sucedeu relativamente às demais questões, não tendo sido conferida às partes a possibilidade de, nos termos legalmente exigidos exercer o direito de contraditório e, por via disso, se pronunciarem sobre as ditas matérias de exceção antes de prolatada decisão final quanto às mesmas:
10ª- Pelo que, erradamente, o Tribunal recorrido decidiu sem que fosse tida em causa a posição do Autor no que concerne às aludidas matérias;
11ª- Tudo o que, como tem vindo a ser entendimento dominante na corrente jurisprudencial, “constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa (...)” - cfr. exemplificativamente o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães de prolatado em 19/04/2018 no âmbito do Proc. N.° 533/04.0TMBRG-K.G1 e disponível em www.dgsi.pt;
12ª- Falta de contraditório que, nos termos legalmente previstos, determina a nulidade da decisão ora em crise - cfr. N° 1 do artigo 195° do Código de Processo Civil;
13ª- Nulidade que expressamente se invoca com todas as legais consequências dela decorrentes, designadamente quanto à revogação da prolatada decisão e substituída por outra que ordene a notificação das partes para que se pronunciem, no prazo doutamente concedido, quanto às alegadas intempestividade da prática de ato processual e improcedência dos pedidos indemnizatórios formulado nos autos;
14ª- Mesmo que assim se não entenda, o que se não concede nem concebe e por mera hipótese se acautela, a mui douta carece de fundamento, quer de facto quer de direito, quanto às propaladas decisões;
15ª- Não obstante a proposta de decisão contida no ofício datado de 13/10/2016 não consubstanciar uma decisão final de indeferimento da prestação de RSI requerida, tal não significa que a dita proposta de decisão não tenha produza efeitos na esfera jurídica do Autor/Recorrente;
16ª- Uma vez que com a notificação da proposta de decisão em apreço, deu-se início à contagem de prazos para o exercício de audiência prévia, o qual, em virtude dos vícios apontados, tem repercussão manifesta na esfera jurídica do Autor, nomeadamente impossibilitando-o de, como era seu direito, exercer de forma plena e eficaz o direito de se pronunciar quanto a esta proposta de decisão;
17ª- Tudo o que determina a produção de efeitos jurídicos externos na esfera jurídica do Autor e lhe conferem, em virtude da aludida eficácia externa, impugnabilidade e, na verdade e como resulta do alegado em sede da petição inicial, consubstancia o ato impugnado nestes autos no que tange à referida proposta de decisão;
18ª- Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, deve o referido ato contido na proposta de decisão agora em apreço, ser considerada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 51° do CPTA e 152° do CPA, como ato impugnável;
19ª- Acresce que, contrariamente ao entendimento plasmado no mui douto despacho recorrido, o prazo de legal para impugnação do ato administrativo em apreço nos autos não se encontrava precludido;
20ª- Sucede, porém, conforme resulta da petição inicial constante dos autos, o Autor peticionou, não a anulabilidade, mas a declaração de nulidade dos atos administrativos contidos nos ofícios nºs. 153633, datado de 13/10/2016, e 039507, datado de 08/02/2017;
21ª- Sendo que, como resulta do N° 1 do artigo 58° do CPTA, apenas os atos anuláveis estão sujeitos ao prazo legal de impugnação de três meses e a impugnação dos atos nulos não está sujeita a qualquer prazo;
22ª- Sem prescindir, caso assim se não entenda, -o que se não concede nem concebe e por mera hipótese se acautela - mesmo o referido prazo de três meses ainda não tinha decorrido;
23ª- Para efeitos de interposição de recurso contencioso do ato administrativo de indeferimento da concessão das prestações requeridas pelo Recorrente de rendimento social de inserção RSI) datado de 07/02/2017 contido no ofício datado do dia 08 seguinte e em crise nos presentes autos, o Autor, agora Recorrente, requereu, em 24/02/2017, o benefício da proteção jurídica na modalidade de proteção jurídica, designadamente de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono e atribuição de agente de execução - cfr. ofício remetido pelo Centro Distrital de Braga da Segurança Social que, sob o N° 3, acompanha a petição inicial;
24ª- Por via do disposto no N° 4 do artigo 33° da Lei N° 34/2004, de 29/07, havendo lugar a pedido de proteção jurídica na modalidade de nomeação de patrono, como resulta do N° 4 a ação considera-se proposta na data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono;
25ª- Pelo que a ação deduzida nestes autos considera-se apresentada no referido dia 24/02/2017, ou seja, decorridos apenas 17 dias sobre a data de decisão do ato administrativo de indeferimento impugnado e 16 sobre a data do ofício que contém a sua notificação;
26ª- Tudo em consonância com o entendimento perfilhado nos seguintes arestos decisórios: Acórdão prolatado pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães em 12/07/2015; Acórdão prolatado pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra em 07/06/2016; Acórdão prolatado pelo Venerável Supremo Tribunal de Justiça em 17/04/2013 e Acórdão prolatado pelo Venerável Tribunal Central Administrativo do Norte em 19/06/2015;
27ª- Deste modo, é manifesto que nos presentes autos, não se encontra decorrido o referido prazo de três meses a que alude a al. b) do N° 1 do aludido artigo 58° do CPT;
28ª- Ainda sem prescindir, tendo o Recorrente, solicitou e comprovado junto do competente procedimento administrativo, em 24/02/2017, o benefício da proteção jurídica na modalidade de proteção jurídica, designadamente de, entre outras, nomeação e pagamento da compensação de patrono, a contagem do prazo em curso interrompeu-se no aludido dia 24/02/2017, por via do disposto no n. 4 do artigo 24° da Lei N° 34/2004, de 29/07;
29ª - Sendo que a contagem do referido prazo três meses se reiniciaria, nos termos do N° 5 do supra referido preceito legal, a partir do terceiro dia útil após a notificação ao patrono nomeado da sua designação, ou seja, no terceiro dia útil após o dia 31 de março de 2017 - cfr. primeiro ofício de nomeação que, como parte do Doc. N° 04, se juntou com a inicial;
30ª- Contudo, nos termos da jurisprudência sufragada pelo mui douto Acórdão prolatado pelo Venerando tribunal da Relação de Lisboa em 17/12/2008, a contagem do prazo de impugnação em curso interrompeu-se, no dia 05/05/2017, com a apresentação junto da Delegação de Guimarães da Ordem dos Advogados o pedido substituição da Patrona nomeada, a Dr.ª. C.. e reiniciou-se com a nomeação do signatário do presente em 05 de julho de 2017;
31ª- Assim sendo, contrariamente ao que, como erradamente, se sustenta no douto despacho recorrido, o prazo legal de três meses para impugnação não se conta a partir da notificação do Autor dos atos administrativos sub judice mas apenas a partir do dia 05 de julho de 2017, data em que se procedeu à nomeação do patrono signatário do presente;
32ª- Por tudo supra exposto e como clara e cristalinamente se pode concluir, a invocada e deferida exceção de intempestividade do exercício do direito de impugnação do ato administrativo não se pode manter;
33ª- Acresce, também que, contrariamente à posição explanada na decisão recorrida, é admissível a apreciação dos pedidos indemnizatórios formulados para ressarcimento dos danos sofridos em virtude da prática/omissão de um ato ilegal, como aqueles que foram efetuados nestes autos, uma vez que, nos termos do disposto nos nºs. 1, als. a) e b), e 2, al.s a), f), do artigo 4° do CPTA, é legalmente admissível a cumulação de pedidos de impugnação de atos administrativos com o pedido de indemnização pelos danos provocados;
34ª- Mesmo que não se entenda, o que também se não concede nem concede, e por mero dever de patrocínio se acautela, a manter-se o entendimento e a interpretação plasmada na mui douta decisão recorrida, tal não determina a absolvição da Ré quanto aos ditos pedidos indemnizatórios, mas somente a absolvição da Ré quanto à presente instância;
35ª- Finalmente, como respeitosamente se entende ser, na douta decisão em crise, o Ex.mo Tribunal a quo, para além de outras que Vossas Excelências doutamente suprirão, não interpretou nem aplicou corretamente diversas normas legais, assim as violando, nomeadamente os artigos
36ª- A mui douta decisão recorrida foi prolatada sem ter em consideração que a Ré demandada, no prazo legalmente previsto e em evidente violação do disposto nos artigos 84° e 169°, ambos do CPTA, não retirou as legais consequências da falta de junção pela Ré do procedimento administrativo a que se refere os presentes autos;
37ª- A mui douta decisão recorrida foi prolatada sem ter em consideração que a Ré demandada, no prazo legalmente previsto e em evidente violação do disposto nos artigos 84° e 169°, ambos do CPTA, assim como não se retirou as legais consequências da falta de junção pela Ré do procedimento administrativo a que se refere os presentes autos;
38ª- Sendo obrigatória a remessa do procedimento administrativo aos presentes autos, por via dos nºs. 1, 2, 4 e 5 do artigo 84° do CPTA, no caso de falta de remessa do procedimento administrativo sem justificação aceitável, pode o juiz, ex v do N° 5 do mesmo preceito legal, determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169°, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar;
40ª- Pese embora a falta do envio do processo administrativo não obste ao prosseguimento da causa, por força do disposto no N° 6, tal omissão determina que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade;
41ª- Devendo, por tudo supra exposto e ao abrigo das supra citadas disposições legais, serem os factos alegados pelo Autor considerados como provados, com todas as legais consequências.
42ª- Finalmente, como respeitosamente se entende ser, na douta decisão em crise, o Ex.mo Tribunal a quo, para além de outras que Vossas Excelências doutamente suprirão, não interpretou nem aplicou corretamente diversas normas legais, assim as violando, nomeadamente os artigos: 1°; 4°, nº.s 1 als. a) e b) e 2 als. a) e f); 38°, nºs. 1 e 2; 51°, nºs. 1 e 2; 58°, nºs 1 e 2, al. b); 84°, nºs 1, 2, 4, 5 e 6; 88°, N3 1 als. a) e b); 893, nºs, 2 e 4 al. j), e 169°, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e, ainda, 152° este do CPA; 3°, N° e, este do Código de Processo Civil, e artigo 24°, nºs 4 e 5; da Lei N.° 34/2004 de 29/07 (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.
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Após algumas vicissitudes processuais, o Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da procedência parcial do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se o despacho saneador-sentença recorrido, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação ou errada interpretação dos artigos “(…) 1°; 4°, nº.s 1 als. a) e b) e 2 als. a) e f); 38°, nºs. 1 e 2; 51°, nºs. 1 e 2; 58°, nºs 1 e 2, al. b); 84°, nºs 1, 2, 4, 5 e 6; 88°, N3 1 als. a) e b); 893, nºs, 2 e 4 al. j), e 169°, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e, ainda, 152° este do CPA; 3°, N° e, este do Código de Processo Civil, e artigo 24°, nºs 4 e 5; da Lei N.° 34/2004 de 29/07 (…)”.
Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O Tribunal a quo não fixou factos, em face do que aqui se impõe estabelecer a matéria de facto, rectius, ocorrências processuais, mais relevante à decisão a proferir:
A. Em 27.07.2020, L.. intentou a presente ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [cfr. fls. 1 e seguintes dos autos -suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
B. Nela demandou o Instituto de Segurança Social, I.P. - Centro Distrital de Braga [idem];
C. E formulou o seguinte petitório: “(…)
Nestes termos e no mais de direito, que V. Ex.a mui doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência:
a)- Ser declarada a nulidade dos atos administrativos de proposta e indeferimento do peticionado RSI em 2016/09/01, constantes das proposta e decisão notificadas, respetivamente, através dos ofícios Nº 153633 datado de 13/10/2016 e Nº 039507 datado de 08/02/2017;
b)- Ser proferida decisão que condene o Réu na reparação de todos os danos provocados ao Autor, patrimoniais e não patrimoniais, nomeadamente no pagamento:
b.1)- Da quantia global de € 2.007,34 (dois mil e sete euros e trinta e quatro cêntimos), com as proveniências melhor descritas no artigo 42º supra, a título das prestações de RSI e correspondentes ao período compreendido entre Setembro de 2016 até Julho de 2017;
b.2)- Das prestações de RSI, que entretanto se vençam até trânsito em julgado da decisão prolatada nestes autos e cuja quantificação, por não ser possível efetuar nesta data, se relega para o competente incidente de liquidação de sentença;
b.3)- Dos legais juros de mora desde a data de vencimento de cada um das prestações de RSI, mensalmente vencidas desde Setembro de 2016 até integral e efetivo pagamento, sendo que os vencidos ascendem, nesta data, o montante de € 82,30 (oitenta e dois euros e trinta cêntimos);
b.4)- Da quantia nunca inferior a € 3.000,00 (dois mil e seiscentos e cinquenta e sete euros), na sequência dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, acrescida dos juros que, à taxa legal, se vencerem desde a citação até integral e efetivo pagamento,
c)- E, finalmente, em custas e no mais legal. (…)” [idem].
D. O Réu contestou pela forma inserta a fls. 26 dos autos [suporte digital], na qual se defendeu por impugnação, pugnando pela improcedência da presente ação.
E. Em 06.02.2018, o Tribunal a quo promoveu a realização de audiência prévia, a qual visou a (i) retificação de erros de escrita do libelo inicial e, bem assim, (ii) a audição das partes no tocante a eventual exceção de inimpugnabilidade da “(…) proposta de decisão notificada pelo ofício nº 153633, datado de 13/10/2016 (…)” suscitada oficiosamente [cfr. fls. 82 dos autos – suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzida].
F. Em 06.02.2019, o T.A.F. de Braga promanou decisão judicial a julgar “(…) verificadas as exceções de inimpugnabilidade de acto administrativo, a intempestividade da prática de acto processual e improcedentes os pedidos indemnizatórios e, consequentemente, absolve[u] (…) totalmente a Entidade Demandada da instância e dos pedidos indemnizatórios (…)” [cfr. fls. 87 e seguintes dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
G. Sobre esta decisão judicial sobreveio, em 12.03.2019, o presente recurso jurisdicional [cfr. fls. 112 e seguintes dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
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III.2 - DO DIREITO
Cumpre apreciar se o Tribunal a quo, ao julgar “ (…) as exceções de inimpugnabilidade de acto administrativo, a intempestividade da prática de acto processual e improcedentes os pedidos indemnizatórios (…)”, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação ou errada interpretação dos artigos “(…) 1°; 4°, nº.s 1 als. a) e b) e 2 als. a) e f); 38°, nºs. 1 e 2; 51°, nºs. 1 e 2; 58°, nºs 1 e 2, al. b); 84°, nºs 1, 2, 4, 5 e 6; 88°, N3 1 als. a) e b); 893, nºs, 2 e 4 al. j), e 169°, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e, ainda, 152° este do CPA; 3°, N° e, este do Código de Processo Civil, e artigo 24°, nºs 4 e 5; da Lei N.° 34/2004 de 29/07 (…)”.
Realmente, em concretização do imputado erro de julgamento de direito, o Recorrente clama que o Tribunal a quo promanou decisão judicial em desrespeito do princípio do contraditório no tocante à matéria excetiva traduzida de (i) intempestividade da prática de ato processual e (ii) condenação da entidade demandada na reparação dos danos [inidoneidade do meio processual utilizado - artigo 38º do CPTA], incorrendo, assim, em nulidade processual nos termos do artigo 195º, nº do CPC.
Quando assim não se entenda, mais apregoa que (i) a proposta de decisão posta em crise nos autos consubstancia um verdadeiro ato impugnável; que o (ii) prazo de legal para impugnação do ato administrativo em apreço nos autos não se encontrava precludido, seja pela circunstância da impugnação de atos nulos não estar sujeita a prazo, seja pelo facto de não se mostrar esgotado o prazo de três meses previsto para impugnação de atos anuláveis atento o disposto no n.º 4 do artigo 33º da Lei Nº 34/2004, de 29/07; (iii) e ainda que é admissível a apreciação dos pedidos indemnizatórios formulados para ressarcimento dos danos sofridos em virtude da prática/omissão de um ato ilegal, como aqueles que foram efetuados nestes autos, uma vez que, nos termos do disposto nos nº.s. 1, als. a) e b), e 2, al.s a), f), do artigo 4º do CPTA, é legalmente admissível a cumulação de pedidos de impugnação de atos administrativos com o pedido de indemnização pelos danos provocados.
De acordo com a substanciação que se vem de expor, cabe, desde logo, determinar se resulta [ou não] evidenciada a ocorrência de nulidade processual, por violação do princípio do contraditório.
Assim, e entrando no conhecimento da aludida questão, impera que se comece por sublinhar que as nulidades processuais devem ser arguidas no prazo legal, e perante o tribunal onde ocorrem, sob pena de considerarem sanadas.
Naturalmente, excetuam-se as nulidades a coberto de decisão judicial que sobre elas se tenha pronunciado e as que tenham conhecidas pelo interessado unicamente com a notificação da sentença, que devem ser ambas arguidas no recurso da decisão que lhes deu cobertura ou da sentença, respetivamente.
Com efeito, a propósito deste último cenário, pode ler-se no sumário do Acórdão prolatado pelo T.C.A.S. nº 12356/1, 31.07.2015, consultável em www.dgsi.pt, e que aqui se acompanha: “(…) É entendimento jurisprudencial corrente dos tribunais integrados na jurisdição administrativa e fiscal que as nulidades processuais, conhecidas pelo interessado unicamente com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades da sentença (cfr. n.ºs 2 e 4 do art. 615º, do CPC de 2013) e devem ser arguidas no recurso interposto desta, quando admissível – neste sentido, entre outros, Acs. do STA de 9.4.1997, proc. n.º 021070, 30.1.2002, proc. n.º 026653, 7.7.2004, proc. n.º 0701/04, 27.9.2005, proc. n.º 0402/05, e 6.7.2011 (Pleno), proc. n.º 0786/10, Ac. do TCA Sul de 7.5.2013, proc. n.º 06393/13, e Ac. do TCA Norte de 14.7.2014, proc. n.º 0875/10.5 BEBRG.(…)”.
No caso em análise, o ora Recorrente só com a notificação da decisão judicial recorrida teve conhecimento que não lhe foi oportunidade de exercer o contraditório no tocante a matéria excetiva determinante da absolvição do Réu da instância e do pedido, pelo que o recurso jurisdicional constitui o meio adequado para reagir contra essa alegada nulidade processual.
Por conseguinte, vejamos se ocorre a invocada violação do princípio do contraditório decorrente do nº 3 do art.º 3º do Novo Código de Processo Civil, e, em caso afirmativo, se a mesma é suscetível de gerar ou poder influir no exame ou na decisão da causa, conduzindo à nulidade da decisão recorrida.
Nesta problemática, destaca-se, de entre outros, o aresto produzido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.04.2018, tirado no processo nº. 533/04.0TMBRG-K.G1, cujo teor ora parcialmente se transcreve:
“(…)
A necessidade da contradição, aflorada, em diversas disposições do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, vem genericamente concretizada no artigo 3º, que, sob a epígrafe Necessidade do pedido e da contradição, presentemente, de modo mais justo, abrangente e amplo, dispõe:
1. O Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2. Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3. O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4. Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
O direito ao contraditório, decorrência natural do princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4º, na medida em que garante a igualdade das mesmas ao nível da possibilidade de pronúncia sobre os elementos suscetíveis de influenciar a decisão, “possui um conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma ação ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta” (1). Surge como estruturante e basilar no processo Civil.
A estrutura da ação regulada pelo direito processual civil apresenta bilateralidade, porquanto, em termos gerais, a relação processual se estabelece entre duas partes litigantes, o que exige, antes de mais, que qualquer pessoa ou entidade tenha conhecimento de que foi formulado contra si um pedido, dando-se-lhe oportunidade de defesa, mas ainda que, ao longo da tramitação, qualquer parte tenha conhecimento das iniciativas ou pretensões deduzidas pela outra parte, com a inerente possibilidade de pronúncia antes de ser proferida decisão. Esta vertente do contraditório – o direito de conhecimento de pretensão contra si deduzida e o direito de pronúncia prévia à decisão – corresponde ao sentido tradicional do princípio, tendo consagração legal na segunda parte do nº1 e no nº 2, do art. 3º (2)
Existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, a qual teve origem em garantia constitucional da República Federal Alemã, tendo a doutrina e jurisprudência começando a ligar ao princípio do contraditório ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema de comunicações entre as partes e o Tribunal.
Nos últimos tempos e nesta sociedade em que o direito de acesso à justiça é um direito fundamental do cidadão, vem-se assistindo a uma crescente tendência de substituição de um processo estritamente individualista, privatístico, por um direito processual mais justo e socialmente mais aberto, sendo notória a mudança das linhas de orientação adjetiva, passando o juiz a ser visto não como um mero garante das regras do jogo honesto mas, antes, empenhado na solução concreta do conflito e mais aberto na consideração das consequências das soluções, tendo sempre o dever de fundamentar a sua decisão e deixando-se às partes o direito de a influenciar.
Passou, assim, a ter uma maior amplitude, pois também está em causa assegurar às partes o direito de serem ouvidas como ato prévio a qualquer decisão que venha a ser proferida no processo. Nesse sentido, o nº3 do art. 3º, para além de estabelecer que o juiz “deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio do contraditório”, acautela que o juiz não decida “questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, só assim não sendo, como menciona este próprio preceito, em caso de “manifesta desnecessidade”. Nesta conformidade, para além de se evitarem as decisões-surpresa, passou a conferir-se às partes a possibilidade de intervirem e, com os seus argumentos, influenciarem a decisão (3)
Assim, o direito de acesso aos tribunais engloba a garantia do contraditório, quer num sentido mais restrito – visto como direito de, ao longo de todo o processo, cada uma das partes conhecer e responder à posição (iniciativa ou pretensão) tomada pela parte contrária – quer no sentido mais lato que presentemente lhe vem a ser dado – entendido como direito das partes intervirem, ao longo de todo o processo, para influenciarem, em todos os elementos que se prendam com o objeto da causa e que se antevejam como potencialmente relevantes para a decisão, – pois a colaboração das partes é vista como primordial para que o processo atinja plenamente o seu fim – a justa composição do litígio. Privilegiando-se a bondade da decisão de mérito em detrimento da de forma e sendo tudo processado segundo um esquema de cooperação recíproca, é mais facilmente obtida a verdade material e alcançada a verdadeira função dos tribunais – administrar a justiça resolvendo os conflitos de interesses das partes de acordo com o direito material.
Agora, o princípio do contraditório significa muito mais do que um jogo de ataque e defesa ao longo do qual o processo se desenvolve, sendo entendido como garantia do direito de influenciar a decisão, mediante a possibilidade de participação efetiva de ambas as partes em todos os elementos em que o litígio se manifesta - o plano da alegação de facto, o plano da prova e o plano do direito - que em qualquer fase do processo surjam como potencialmente relevantes para a decisão, ficando marcado por uma dupla crivagem ou entrelaçamento de perspetivas de grande valia para alcançar a justa decisão do caso concreto.
Os factos, as provas de tais factos e os critérios jurídicos aplicáveis aos mesmos são as três bases ou níveis em que assenta a decisão do Tribunal e, por isso, a possibilidade de ambas as partes influírem na decisão, pronunciando-se sobre a intervenção processual da outra, reporta-se a todos eles.
O princípio do contraditório, visto como o direito de influenciar a decisão, é uma garantia de participação efetiva das partes no desenrolar do litígio, acompanhando-o em toda a sua longevidade, mediante a possibilidade de as mesmas a influenciarem em todos os planos - quer no âmbito da alegação fáctica, quer na âmbito das provas quer quanto ao direito -, manifestando a sua perspetiva, garantindo-se a ambas condições de absoluta igualdade ou paridade (4).
O objetivo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou de resistência à atuação da parte contrária, para passar a ser a influência positiva e ativa na decisão, ou seja, passou a ser visto como o direito de provocar uma decisão favorável: o direito de intervir, participando para, usando os melhores argumentos, tentar convencer o julgador e obter um desfecho favorável, para si.
E tem por objeto quer os argumentos factuais, incluindo provas, quer os jurídicos.
Deste modo, o princípio do contraditório passou a ter um sentido amplo que abarca quer o direito ao conhecimento e pronuncia sobre todos os elementos suscetíveis de influenciar a decisão carreados para o processo pela parte contrária (contraditório clássico ou horizontal) quer o direito de ambas as partes intervirem para influenciarem a decisão da causa, assim se evitando decisões surpresa (contraditório vertical).
O nº 3, do referido artigo 3º, veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido, como vimos, como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo, trazendo para o nosso direito processual uma conceção mais alargada, visando-se prevenir as “decisões surpresa”.
Tal sentido amplo atribuído ao princípio do contraditório - que impõe que seja concedida às partes a possibilidade de, antes de ser proferida a decisão, se pronunciarem sobre questões suscitadas oficiosamente pelo juiz em termos inovatórios, mesmo que apenas de direito - já há muito vinha sendo afirmado pela jurisprudência constitucional, especialmente no processo penal, devido às garantias de defesa do arguido.
A referida conceção ampla do princípio do contraditório, também já há muito defendida pelo Professor Lebre de Freitas (5) para o processo civil, traduz um direito à fiscalização recíproca ao longo do processo visto como uma “garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” (6).
Esta vertente do contraditório, que surgiu no nosso direito processual como uma inovação, revela grandes potencialidades práticas em termos de cooperação, de lealdade recíproca dos vários intervenientes processuais e de eficácia das decisões judiciais que passam, sempre, a ser previstas pelas partes.
E, na medida em que garante a igualdade das partes - pela possibilidade de pronúncia e resposta - leva a que, mais fácil e frequentemente, se obtenha a verdade material e que a solução do litígio seja a mais adequada e justa, pois que, na verdade, da discussão é que nasce a luz, logrando-se atingir num maior número de casos a realização dos verdadeiros objetivos finais de que o processo é um mero instrumento para alcançar.
Como vimos, e como refere o Ilustre Professor Lebre de Freitas, cuja lição se vem a seguir, o princípio do contraditório materializa-se, pois, em todas as fases do processo - quer ao nível dos factos, quer ao da prova, quer ao do direito propriamente dito - tendo as partes, em todos estes níveis, direito a, de modo participante e ativo, influenciar a decisão, tentando convencer, em cada momento e ao longo de todo o processo, o julgador do acerto da sua posição.
Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de direito em que a ela vá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa (7).
É, ainda, uma decorrência do princípio do contraditório a proibição da decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, como dispõe o nº 3, do referido artigo 3º.
A proibição da decisão-surpresa reporta-se, principalmente, às questões suscitadas oficiosamente pelo tribunal. O juiz que pretenda basear a sua decisão em questões não suscitadas pelas partes mas oficiosamente levantadas por si, “ex novo”, seja através de conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve, previamente, convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer, conforme dispõe o nº 3, do art. 3º, em casos de manifesta desnecessidade.
Com este princípio quis-se impedir, essencialmente, que as partes pudessem ser surpreendidas, no despacho saneador ou na decisão final, com soluções de direito inesperadas, por não discutidas no processo, as quais, no regime anterior, eram permitidas.
Pretendeu-se, pois, proibir as decisões-surpresa embora tal não retire a liberdade e independência que o juiz tem, em termos absolutos, de subsumir, selecionar, qualificar, interpretar e aplicar a norma jurídica que bem entender, aplicando o direito aos factos de modo totalmente autónomo. Impõe, sim, ao julgador que, para além de dar a possibilidade às partes de alegarem de direito, sempre que surge uma questão de direito ainda não discutida ao longo do processo tem de, antes de decidir, facultar às partes a sua discussão.
A regra do contraditório passou, assim, a abarcar a própria decisão de uma questão de direito, decisiva para a sorte do pleito, inovatória, inesperada e não perspetivada pelas partes, tendo de ser dada a estas a possibilidade de, previamente, a discutirem sendo que tal “entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº3, do art. 3º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar” (8).
Não quis, pois, a lei excluir da decisão as subsunções que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, antes estabeleceu que a concreta decisão a tomar tem de, previamente, ser prevista pelas partes, tendo, por isso, de lhes ser dada “a priori” possibilidade de se pronunciarem sobre o novo e possível enquadramento jurídico.
Assim, o princípio processual segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação do direito” tem, presentemente, de ser compatibilizado com a proibição das decisões surpresa tendo, desse modo, antes da prolação da decisão, de ser facultado às partes o exercício do contraditório sempre que a qualificação jurídica a dar não corresponda ao previsto pelas partes e plasmado no processo.
Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios.
A citada norma, introduzida pela Reforma de 1995/1996, veio ampliar o âmbito tradicional do princípio do contraditório, consagrando mais uma garantia de discussão dialética entre as partes no desenvolvimento de todo o processo, consagrando, de forma ampla, o direito a exprimir posição para influenciar a decisão.
Nenhuma decisão deve, pois, ser tomada sem que previamente tenha sido dada efetiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, possibilitando-se-lhe, assim, influi ativamente na decisão. (9) A imposição de audição das partes em momento anterior à decisão é determinada por um objetivo concreto – o de permitir às partes intervirem ativamente na construção da decisão, chamando-as a trazerem aos autos a solução para que apontam.
Uma determinada questão, seja relativa ao mérito da causa seja meramente adjetiva, não pode ser decidida, quer em primeira instância, quer em via de recurso, com um fundamento jurídico diverso, até então omitido nos autos e não ponderado pelas partes sem que, antes, as mesmas sejam convidadas a sobre ela se pronunciarem. (10)
Porém, o dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão.
E, como vimos e se desenvolve em Acórdão desta Secção de 19/4/2018, proferido na apelação nº 75/08.4TBFAF.G1, relatado pelo Senhor Desembargador José Alberto Dias, “é o próprio art. 3º, n.º 3 do CPC que admite que esse princípio possa ser afastado nos casos de “manifesta desnecessidade”.
Note-se que a lei não esclarece quais são os casos em que o juiz pode afastar o princípio do contraditório por o respetivo cumprimento ser manifestamente desnecessário, cumprindo à doutrina e à jurisprudência preencher este conceito indeterminado, tendo sempre presente a finalidade central por ele prosseguido no âmbito do processo e as finalidades que o legislador visa acautelar com a consagração legal do mesmo.
Nesta sede, Abrantes Geraldes sustenta que são limitadas as situações enquadráveis nesse conceito genérico, em que o juiz fica legitimado a afastar o cumprimento do princípio do contraditório com fundamento em “manifesta desnecessidade”, apontando como exemplos do afastamento legítimo do mesmo: a) o indeferimento de qualquer nulidade invocada por uma das partes; b) em matéria de procedimentos cautelares, quando seja necessário prevenir a violação do direito ou garantir o resultado útil da demanda (11).
Por sua vez, Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto sustentam que o contraditório prévio pode ser dispensado em procedimentos cautelares, na execução, em que a penhora é, em certos casos, realizada sem audiência prévia do executado, propugnando que igualmente não deve ter lugar o convite dirigido às partes para discutirem uma questão de direito quando as mesmas “embora não tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente o tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente, por ter sido apresentada uma versão fáctica não contrariada que manifestamente não consentia outra qualificação” (12).
Como é bom de ver, a observância do principio do contraditório nesta dimensão positiva “tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal possa conhecer oficiosamente e que nenhuma das partes suscitou ao longo dos autos: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com a concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta necessidade”.
No entanto, se o princípio do contraditório nesta dimensão positiva de conferir às partes o direito de poderem influenciar ativamente o rumo do processo e a decisão a proferir assume especial relevância no âmbito das questões de conhecimento oficioso do tribunal, o seu campo de aplicação não se esgota nesses casos, na medida que esta dimensão positiva do princípio do contraditório é aplicável ao longo de todo o processo.
Além disso, impõe-se afinar o conceito de “manifesta desnecessidade” tendo presente que casos existem em que, não obstante se tratar de questões processuais ou de mérito, de facto ou de direito, não suscitadas pelas partes, estas tinham obrigação de prever que o tribunal podia decidir tais questões em determinado sentido, como veio a decidir, pelo que se não as suscitaram e não cuidaram em as discutir no processo, sib imputet, não podendo razoavelmente considerar-se que, nesses casos, a decisão proferida pelo tribunal configure uma decisão-surpresa”.
A referida disposição legal limitou a imperiosa observância do contraditório aos casos em que a considerou justificada, dispensando-a nos casos de “manifesta desnecessidade” isto é “quando – nomeadamente por se tratar de questões simples e incontroversas – tal audição se configure como verdadeiro ‘ato inútil’(…) só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela” (13).
Em nossa opinião, e concordando inteiramente com o ilustre autor anteriormente referido, não se pode, sob pena de se subverter o espírito da norma em causa, generalizar a audição complementar das partes de modo a considerar que toda e qualquer alteração do enquadramento jurídico dado por elas às suas pretensões impõe tal audição. O dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão. E não é uma qualquer divergência pontual e incontroversa da qualificação jurídica que impõe a audição das partes, a qual apenas deve ter lugar em situações de substancial convolação jurídica.
Assim, o exercício do contraditório só é justificável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal – pois, de outro modo, será inútil, tendo tal juízo de ser aferido em termos objetivos, isto é, de ser ou não absolutamente líquida a questão em termos de jurisprudência e doutrina.
E entendemos, também, que “a negligência da parte interessada que, v.g. omite quaisquer ‘razões de direito’, alega frouxamente, situando de forma truncada e insuficiente o óbvio enquadramento jurídico da sua pretensão ou deixa escapar questões jurídicas clara e inquestionavelmente decorrentes dos autos, não merece naturalmente tutela, em termos de obrigar o tribunal – movendo-se, no momento da decisão, dentro dos próprios institutos jurídicos em que as partes no essencial haviam situado as suas pretensões – a, sob pena de nulidade, realizar uma audição não compreendida no normal fluir da causa” (14).
São, pois, proibidas as decisões surpresa, isto é, as decisões baseadas em fundamento que não tenha sido previamente analisado pelas partes. A surpresa que se visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista. Visa-se evitar a surpresa de se decidir uma questão com que se não estava legitimamente a contar.
Tal solução legal confere ao juiz possibilidade de uma maior ponderação e contribui para uma maior eficácia e satisfação das partes ao verem, com o seu contributo, mais rapidamente resolvidos os seus interesses em litígio.
Assim, o exercício do contraditório é, sempre, justificável e desejável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal.
Na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração (15).
Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta desnecessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar (16).
O juiz tem o dever de participar na decisão do litígio, participando na indagação do direito – iura novit curia –, sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes. Porém, a indagação do direito sofre constrangimentos endoprocessuais que atinam com a configuração factológica que as partes pretendam conferir ao processo.(…) Há decisão surpresa se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta e atinada decisão do litígio. (…) Não tendo as partes configurado a questão na via adotada pelo juiz, cabe-lhe dar a conhecer a solução jurídica que pretende vir a assumir para que as partes possam contrapor os seus argumentos" (17).
Cabe ao juiz observar e fazer cumprir o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de se pronunciarem sobre as mesmas (18).
(…)
1. Acórdão do STJ de 27/10/98, processo 98A817, in www.dgsi.pt
2. Pimenta, Paulo, Processo Civil Declarativo, 2ª Edição, Almedina, pág 26-27
3. Ibidem, pág 27
4. Freitas, José Lebre de (2002). Estudos sobre direito civil e processo civil. Coimbra: Coimbra Editora, pág 17 a 19 e Freitas, José Lebre de (2006). Introdução ao Processo Civil. Conceitos e princípios gerais, 2ª ed.. Coimbra: Coimbra Editora, pág 107.
5. Freitas, Lebre de (1992). “Inconstitucionalidades do Código de Processo Civil”, em Revista da Ordem dos Advogados, 1992, I, pp. 35 a 38.
6. Freitas, José Lebre de; Redinha, João; Pinto, Rui (1999). Código de Processo Civil (anotado), vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, pág 8.
7. Freitas, 2006:115 a 118
8. Rego, Carlos Lopes do (2004). Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. I. Coimbra: Almedina, pág 32
9. cfr. Ac. do STJ de 04/05/99, processo nº 99057,in dgsi.net
10. cfr, neste sentido Ac. do STJ de 15/10/2002, processo nº 02A2478, Ac. da RL de 11/03/2008, processo nº 2051/2008-7, Ac. da RL de 21/05/2009, processo nº 1490/04.8TBPDL.L1-6 e Ac da RP de 10/01/2008, processo 0736877, todos in dgsi.net
11. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, 2006, pág. 82.
12. Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto, “Código de processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 10
13. Ibidem, p. 33.
14. Ibidem, pp. 33-34.
15. Acórdão de Relação de Coimbra de 13/11/2012, processo572/11.4TBCND.C1,in dgsi.net
16. Acórdão da Relação de Coimbra de 20/9/2016, processo 1215/14.0TBPBL-B.C1, in dgsi.net
17. Acórdão do STJ de 27/9/2011, processo 2005/03.0TVLSB.L1.S1, in dgsi.net
18. Acórdão do STJ de 3/12/2015, processo 210/12.8TTFAR.E1.S1, in dgsi.net
(…)”.
Temos, pois, assim que o princípio do contraditório constitui, a par do princípio do dispositivo, a trave mestra do direito processual, sem o qual dificilmente as decisões seriam substancialmente justas.
Como decorrência deste princípio, é proibida a decisão surpresa, ou seja, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
Assim, antes de decidir com base em factos ou questões de direito que as partes não tiveram oportunidade de se pronunciar sobre a mesma, o juiz deve convidá-las a pronunciarem-se sobre tal questão, independentemente da fase do processo em que tal ocorra.
A não observância do dever pelo juiz que se vem de expor, no sentido de ser concedido às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão, constitui violação do princípio do contraditório plasmado no artigo 3º, nº3 do CPC, incluindo-se tal violação na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artº 201º, nº1 do C.P.C., que, na medida que possa influir no exame e decisão da causa, a sua verificação determina a procedência de tal nulidade.
Espraiada em traços gerais a doutrina que emana do aresto supra transcrito, que aqui se acolhe sem reserva, importa agora determinar se in casu ocorre violação do principio do contraditório, e, em caso afirmativo, se tal violação devida influi [ou não] exame e decisão da causa.
E nesse domínio, dir-se-á que o probatório coligido nos autos é inequívoco na afirmação de que o Tribunal a quo, não obstante ter exercido o contraditório no que tange à exceção de inimpugnabilidade da proposta de decisão posta em crise nos autos, promanou decisão final sem cuidar de (i) suscitar oficiosamente a matéria excetiva traduzida de intempestividade da prática de ato processual e condenação da entidade demandada na reparação dos danos [inidoneidade do meio processual utilizado - artigo 38º do CPTA] e (ii) ouvir as partes quanto à mesma.
Deparamo-nos, portanto, com uma “verdadeira” decisão-surpresa, porque totalmente inesperada e sem facultar às partes a possibilidade de tomar posição sobre os factos e sobre a concreta matéria excetiva determinante do desfecho da causa.
A questão que se coloca, no seguimento, é a de saber se tal irregularidade processual é suscetível de gerar ou poder influir no exame ou na decisão da causa, designadamente, por violação do princípio do contraditório plasmado no artº 3º, nº3 do CPC, conduzindo à nulidade das decisões judiciais recorridas.
A resposta é claramente favorável às pretensões do Recorrente.
Na verdade, o respeito pelo princípio do contraditório visa, desde logo, evitar a prolação de decisões surpresa em obediência ao preceituado no artigo 3º, nº 3 do CPC.
Ora, não é possível formular um qualquer juízo de que a eventual resposta do Recorrente no que tange à invocada intempestividade da prática de ato processual e condenação da entidade demandada na reparação dos danos [inidoneidade do meio processual utilizado - artigo 38º do CPTA] não possa influir no exame ou na decisão da causa, de modo a que se possa considerar sem relevo no contexto da causa.
Além do que o princípio do contraditório não implica um juízo do juiz quanto à necessidade de ouvir as partes, nomeadamente por considerar que elas ainda têm algo a dizer-lhe com relevo para o que tem a decidir.
Implica, antes, que as partes têm o direito de dizerem ao juiz aquilo que naquele momento ainda entendem ser relevante.
Ora, podendo as partes estar impedidas de carrear novos factos para os autos, podendo ter já abordado todas as questões a apreciar, podem ainda, na perspetiva de uma decisão imediata, querer aprofundar algumas questões, ou, talvez mais relevante, podem querer infirmar a conclusão a que o juiz chegou de que lhe era possível decidir.
Essa é, pelo menos, uma oportunidade relevante cerceada.
E não pode presumir-se que, mesmo sendo exercida, a decisão seria a mesma.
Pela simples razão de que não foi exercida.
Desta feita, na medida em que o Recorrente viu defraudada essa expectativa que a lei lhes assegurava, e não podendo presumir-se que, mesmo sendo exercida, a decisão seria a mesma, impõe-se reconhecer a razão do Recorrente na invocação da nulidade processual em análise.
Nestes termos, o referido desvio processual - na medida em que é suscetível de influir no exame e na decisão da causa -, face ao disposto no art. 195º n.º 1, do CPC de 2013, conduz à anulação dos termos processuais subsequentes.
Consequentemente, deve ser anulado o despacho saneador-sentença recorrido, ordenada a baixa dos autos de modo a sanar-se as nulidades processuais situada a montante da decisão judicial recorrrida, se a tal nada obstar.
Ao que se provirá no dispositivo, o que determina a prejudicialidade no conhecimento das demais questões objeto de recurso [artigo 95º, nº. 1 in fine do C.P.T.A. e 608º nº.2 do CPC].
* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e, em consequência, anular o despacho saneador-sentença recorrido, e determinar a baixa dos autos de modo a sanar-se a nulidade processual situada a montante da decisão judicial recorrida, se a tal nada obstar.

Custas pelo Recorrido.

Registe e Notifique-se.
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Porto, 25 de fevereiro de 2022,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia