Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00510/09.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/12/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Canelas
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA; OBSCURIDADE; ININTELIGIBILIDADE
Sumário:
I – Nos termos do disposto no artigo 659º nº 1 alínea a) CPC antigo (anterior ao atual CPC aprovado pela Lei nº 41/2013), na versão decorrente do DL. nº 303/2007, de 24 de Agosto, podia qualquer das partes requerer ao tribunal que proferiu a sentença “…o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos”, não integrando, simultaneamente, a eventual obscuridade ou ambiguidade da sentença as causas de nulidade que então se encontravam elencadas no artigo 688º do CPC antigo.
II – Com o novo CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013) foi eliminada aquela disposição relativa ao pedido de aclaração da sentença com fundamento em alguma obscuridade ou ambiguidade, passando, simultaneamente, a integrar as causas de nulidade da sentença enunciadas no artigo 615º nº 1 do CPC novo, sob a alínea c), a ocorrência de “…alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
III – Decorre do disposto no nº 4 daquele artigo 615º do CPC novo que tal nulidade (como as demais enunciadas nas alíneas b) a e) do nº 1) só pode ser arguida “…perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades”.
IV – Se a sentença recorrida admitia recurso ordinário, e posto que, atenta a circunstância de ter sido já proferida no âmbito da vigência temporal do novo CPC, lhe é aplicável o regime neste contido, à luz da disposição do artigo 7º nº 1 da Lei nº 41/2013 e do artigo 136º nº 1 do CPC novo, tudo ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA, é lícito que o recorrente delimite o objeto do recurso que dela interpôs à invocação da nulidade da sentença prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, com fundamento em obscuridade que a torna ininteligível.
V – É obscuro o que não é claro, aquilo que não se entende. E é ambíguo o que se preste a interpretações diferentes. Mas não é qualquer obscuridade ou ambiguidade que é sancionada com a nulidade da sentença pela alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, mas apenas aquela que faça com que a decisão seja ininteligível. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MUNICÍPIO G...
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO, instaurou em 30/03/2009 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ação administrativa especial contra o MUNICÍPIO G..., sendo contra-interessada a sociedade JFS, S.A., (todos devidamente identificados nos autos) peticionando a declaração de nulidade dos seguintes atos assim identificados: a) despacho datado de 5/5/1998 que deferiu licenciamento de loteamento; b) despacho datado de 18/08/2000, que deferiu o licenciamento da operação de loteamento, estabelecendo as condições gerais para a emissão do alvará de loteamento nº 45/00; c) despacho proferido em 02/03/2001 que deferiu o licenciamento da operação de loteamento no processo 373/2000, que levou à emissão do alvará nº 21/02 em 6/05/2002; d) todos os atos consequentes dos atos de deferimento supra referidos, designadamente o despacho datado de 25/08/2005 que deferiu o licenciamento de construção para o lote 1 do loteamento nº 45/00, que levou à emissão do alvará nº 1136/2006, de 16/12.
Por sentença de 31/03/2016 o Tribunal a quo julgando procedente a ação declarou a nulidade dos atos impugnados e de todos os atos consequentes dos mesmos, com ressalva dos efeitos que os mesmos tenham produzido em relação aos contrainteressados.
Daquela sentença interpôs o réu MUNICÍPIO G... o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1ª) A sentença recorrida refere o reconhecimento dos efeitos putativos dos atos praticados em relação à contra-interessada, acabando por declarar a nulidade dos actos impugnados e de todos os actos consequentes dos mesmos, mas ressalvando os efeitos que tais actos tenham produzido em relação à contra interessada.
2ª) A obscuridade da sentença, que a toma ininteligível e, por isso, nula, consiste no facto de não enunciar os efeitos concretos e precisos que os actos declarados nulos produziram em relação à contra-interessada e que foram ressalvados de tal declaração de nulidade.
3ª) A decisão recorrida viola, por isso, claramente, as normas do artigo 615° n° 1 alínea c) e n° 4 do Código de Processo Civil.
Terminando pugnando pelo provimento do recurso, declarando-se a nulidade da sentença recorrida.
*
O recorrido MINISTÉRIO PÚBLICO contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, formulando a final o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
1- Não ocorre a nulidade da sentença nos termos e com os fundamentos invocados,
2- O vício de que poderá padecer a sentença em crise, deve ser delimitado ao vector da decisão relativa aos efeitos putativos dos actos declarados nulos em relação à contra interessada e com referência à al. d) do art. 615º, ou seja, quando “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”;
3- Caso se entenda que o Tribunal deve pronunciar e conhecer dos efeitos putativos dos actos declarados nulos, nas condições constantes dos autos, então deverá relegar o seu conhecimento para execução de julgado.
*
Os autos subiram a este Tribunal em recurso.
E após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte), foram submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DOS RECURSOS/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
Em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as respetivas conclusões de recurso, a única questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de nulidade a que alude o artigo 615º nº 1 alínea c) e nº 4 do CPC, por ocorrer obscuridade que a torna ininteligível no que respeita ao segmento em que ressalvou os efeitos que os atos declarados nulos tenham produzido em relação aos contrainteressados.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:
1. Em 08/10/1996, JFS, Lda., deu entrada no Município G... de um pedido de licenciamento das operações de loteamento que pretendia levar a efeito no prédio sito na Rua de T… do concelho de G… descrito na respetiva Conservatória de Registo Predial sob o n.º 2028, inscrito na matriz predial rústica sob os artigo 450 e 451, com a área de 14.573,50m2, a confrontar a Norte com LCMCM, a Sul com a Rua T…, a Nascente com Casal D… e a Poente com CMC (cfr. cópia de requerimento a fls. 13 do processo físico).
2. O pedido referido no ponto anterior deu origem aos processos n.º s 335/L e 59/96, com o registo n.º 302, datado de 02/04/1996 (cfr. fls. 14 do processo físico).
3. O pedido referido no ponto anterior foi objeto de informação proferida em 12/06/1997, na qual se referia que “(…) A presente proposta cumpre na generalidade o estudo de conjunto elaborado no âmbito do Plano de Ordenamento de zona residencial universitária pelo que no que respeita à tipologia e volumetria apresentadas poder-se-á considerar favoravelmente a pretensão.
Deverá contudo a inserção do arruamento principal do loteamento com a Rua T… ser reformulada de acordo com as condições previstas no estudo em anexo, elaborado nestes serviços (…)” (cfr. cópia da informação a fls. 14 do processo físico).
4. A referida JFS, Lda., deu entrada de um requerimento no processo n.º 51/98, correspondente ao registo n.º 210, datado de 16/02/1998, que mereceu a seguinte informação dos serviços do Município G... “(…) A presente proposta dá cumprimento à condição estabelecida no parecer anterior, de 12.06.96, pelo que será de aprovar.
No entanto, já que face ao Estudo Prévio do Plano de Pormenor da U.M. entretanto elaborado, é previsível a necessidade de posterior acerto na parte sul do loteamento, aliás já equacionado com o autor deste, deverá apenas ser passado alvará para a 1.ª fase (Desenho 03 – Planta de Síntese. (…)” (cfr. cópia da informação a fls. 15 do processo físico).
5. Em 05/05/98, foi proferido, no processo n.º 51/98, despacho de deferimento (cfr. cópia da informação a fls. 16 do processo físico).
6. Em 08/08/2000, JFS, Lda., deu entrada de um requerimento no processo n.º 51/98, no qual “(…) relativamente ao processo n.º 51/98, esclarece que o terreno a lotear engloba a totalidade da descrição predial 01203/A... e as confrontações atuais são as seguintes: “(…)
Norte: UM (…)
Sul: terreno sobrante (…)
Nascente: Rua T… (…)
Poente: UM. (…)” (cfr. cópia da informação a fls. 17 do processo físico).
7. O requerimento referido no ponto anterior foi deferido por despacho de 11/08/2000 (cfr. cópia da informação a fls. 17 do processo físico).
8. Foi proferida “Informação Geral” com as “(…) CONDIÇÕES PARA A EMISSÃO DO ALVARÁ DA OPERAÇÃO DE LOTEAMENTO COM OBRAS DE URBANIZAÇÃO (...)” e respetivo quadro sinótico relativos ao processo n.º 51/98, na qual se estabeleceram os encargos e condições e taxas de urbanização a observar (cfr. cópia da informação quadro sinótico, respetivamente a fls. 18 e 19 a 21 do processo físico).
9. Em 18/08/2000, foi emitido o alvará n.º 45/00, através do qual foi licenciado “(…) o loteamento e as respectivas obras de urbanização, que incidem sobre os prédios sitos na Rua T…, freguesia de A..., descritos na Conservatória do Registo Predial de G…, sob os n.ºs 01203/A... (parte), 0123/A..., a desanexar do omisso à matriz predial rústica, da respectiva freguesia (…)” (cfr. cópia do Alvará a fls. 26 a 31 do processo físico).
10. Em 28/08/2000 foi lavrado Edital a publicitar a emissão em 18/08/2000 do alvará de loteamento referido no ponto anterior (cfr. cópia do Edital a fls. 22 do processo físico).
11. O Edital referido no ponto anterior foi afixado nos Paços do Concelho de G…, no dia 28/08/2000 (cfr. cópia de certidão a fls. 23 do processo físico).
12. O alvará n.º 45/00, foi objeto das seguintes alterações: “(…) Adit. n.º 97/01 – Lotes 1-2 (…) Adit. 1/07 lote 1 - Liv. 36 – F.71- (…)Adit. 2/07 – Lot. 1 – Liv. 38 – f 32 (…) Adit 3/07 – Lote 1 e 2 Livro 38 fls. 52 (…)” e dos seguintes Averbamentos: “(…) Averb 1 –lotes 1-2 (…)Averb. 3 – obras provisoriamente. (…)” (cfr. cópia da relação das alterações a fls. 24 e 25 do processo físico).
13. Em 24/09/2001, foi emitido o aditamento n.º 97/01 ao alvará n.º 45/00, através do qual foi licenciada a alteração requerida por JFS, S.A., para os lotes n.ºs 1 e 2 que “(…) consiste na alteração do n.º de fogos dos edifícios a levar a efeitos nos lotes 1 e 2, alteração do n.º de pisos, comércios ou serviços e áreas de implantação, construção e volume de construção do edifício a levar a efeito no lote 1 e rectificação das áreas de implantação, construção e volume de construção do edifício a levar a efeito no lote 2. É ainda corrigida a configuração do terreno a Norte e alteradas as áreas parciais do domínio público (…).
A alteração (…) foi aprovada por despachos de 01/04/04, 01/08/28, 01/09/13 e 01/09/21 (do Vereador com poderes delegados (…)” (cfr. cópia do Aditamento a fls. 32 a 38 do processo físico).
14. Em 14/02/2007, foi emitido o aditamento n.º 1/07 ao alvará n.º 45/00, através do qual foi licenciada a alteração requerida por JFS, S.A., para o lote n.º 1 “(…) aprovada por (…) despachos datados de 2007/01/29 e 2007/02/13 (…)” (cfr. cópia do Aditamento a fls. 39 a 40 do processo físico).
15. Em 29/10/2007, foi emitido o aditamento n.º 2/07 ao alvará n.º 45/00, através do qual foi licenciada a alteração requerida por JFS, S.A., para o lote n.º 1 “ (…) aprovada por (…) despachos datados de 2007/10/04 e 2007/10/29 (…)” (cfr. cópia do Aditamento a fls. 41 a 44 do processo físico).
16. Em 22/12/2002 deu entrada no Município G... um pedido de licenciamento das operações de loteamento que pretendia levar a efeito no prédio sito no Lugar de Cancela da Veiga, freguesia de S. Pedro de A..., deste concelho e descrito na Conservatória de Registo Predial de G…, com a área de 6.339,70m2, a confrontar a Norte com a via que confina com os lotes 1 e 2 e residências Universitárias, a Sul com a Rua T…, a Nascente com a Rua T… e a Poente com terrenos da U.M. (cfr. cópia de requerimento a fls. 45 do processo físico).
17. O pedido referido no ponto anterior deu origem aos processos n.º s 373/00, com o registo n.º 2002, datado de 22/12/2000 (cfr. fls. 14 do processo físico).
18. O pedido referido no ponto 16. foi objeto de informação final, datada de 02/03/2001, no sentido do seu deferimento condicionado à apresentação e aprovação dos projetos de infra-estruturas (cfr. cópia da informação a fls. 56 do processo físico).
19. O pedido referido no ponto 16. foi objeto de despacho de deferimento, datado de 02/03/2001 (cfr. cópia da informação a fls. 56 do processo físico).
20. Foi proferida “Informação Geral” com as “(…) CONDIÇÕES PARA A EMISSÃO DO ALVARÁ DA OPERAÇÃO DE LOTEAMENTO COM OBRAS DE URBANIZAÇÃO (...)” e respetivo quadro sinótico relativos ao processo n.º 373/00, na qual se estabeleceram os encargos e condições e taxas de urbanização a observar (cfr. cópia da informação quadro sinótico a fls. 57 a 64 do processo físico).
21. Em 06/05/2002, foi emitido o alvará n.º 21/02, através do qual foi licenciado “(…) o loteamento e as respectivas obras de urbanização, que incidem sobre os prédios sitos na Rua T…, freguesia de A…, descritos na Conservatória do Registo Predial de G…, sob os n.º 01203/A..., omisso à matriz predial rústica, da respectiva freguesia (…) aprovados por despachos de 01/03/02, 02/03/08 e 02/04/22 (…)” (cfr. cópia do Alvará a fls. 65 a 70 do processo físico).
22. Em 06/05/2002 foi lavrado Edital a publicitar a emissão, em 02/05/2006, do alvará de loteamento referido no ponto anterior (cfr. cópia do Edital a fls. 74 do processo físico).
23. O Edital referido no ponto anterior foi afixado nos Paços do Concelho de G…, no dia 02/05/2006 (cfr. cópia de certidão a fls. 75 do processo físico).
24. O alvará n.º 45/00, foi objeto das seguintes alterações: “(…) Adit. n.º 97/01 – Lotes 1-2 (…) Adit. 1/07 lote 1 - Liv. 36 – F.71- (…)Adit. 2/07 – Lot. 1 – Liv. 38 – f 32 (…) Adit 3/07 – Lote 1 e 2 Livro 38 fls. 52 (…)” e dos seguintes Averbamentos: “(…) Averb 1 –lotes 1-2 (…)Averb. 3 – obras provisoriamente. (…)” (cfr. cópia da relação das alterações a fls. 24 e 25 do processo físico).
25. Em 11/09/2006, foi emitido o aditamento n.º 01/06 ao alvará n.º 21/02, através do qual foi licenciada a alteração requerida por JFS, S.A., para o lote n.º 4 “(…) aprovada por despacho (…) de 2006/08/10 e (…) 2006/09/11(…)” (cfr. cópia do Aditamento a fls. 71 a 73 do processo físico).
26. O prédio descrito na Conservatória de Registo Predial de G… sob o n.º 010203/06042000, da freguesia de A…, com a área de 9.084,7m2 resultou da anexação dos prédios n.ºs 00944/200397 e 0094/301297 (cfr. cópia da certidão da conservatória do registo predial a fls. 81 do processo físico).
27. Do prédio referido no ponto anterior foram desanexados, através da Ap.31/22092000, 2.745m2, que, por anexação ao prédio n.º 01213/10052000, deram origem ao prédio n.º 01233/11092000 (cfr. cópia da certidão da conservatória do registo predial a fls. 81 do processo físico).
28. Do prédio referido no ponto 26. foram desanexados, através da Ap.24/22032002, os n.ºs 01386/1405/2002 e 01387/14052002, cedidos ao Município para integração no domínio público com 2.114,91m2 (cfr. cópia da certidão da conservatória do registo predial a fls. 81 do processo físico).
29. A operação de loteamento titulada pelo Alvará de loteamento 45/00 tinha à luz do PDM do Município G... a seguinte implantação:
Zona de construção central 3445,00 m2
Zona de equipamento enquadrada no artigo 56.° do Reg do PDM 3430,00 m2
Zona de equipamento 1400,00 m2
Total 8275,00 m2 (…)”
(cfr. cópia da informação a fls. 95 e das plantas a fls. 96 e 97 todas do processo físico).
30. A operação de loteamento titulada pelo Alvará de loteamento 21/02 tinha à luz do PDM do Município G... a seguinte implantação:
“Zona de construção central 4485,00 m2
Zona de equipamento enquadrada no artigo 56.° do Reg do PDM 1854,70 m2
Total 6339,70 m2 (…)”
(cfr. cópia da informação a fls. 95 e das plantas a fls. 96 e 97 todas do processo físico).
31. Por despacho de 17/02/2003, foi deferido o pedido, que deu origem ao processo n.º 1205/01, de autorização administrativa para construção de um prédio de cave, r/chão, 1.º e 2.º andares destinado a habitação, comércio e serviços, no lote 1 do loteamento n.º 45/00, aditamento 97/01 (cfr. cópia do despacho a fls. 99 do processo físico).
32. Em 18/08/2006, foi emitido o alvará de obras de construção n.º 1136/2006, que veio titular a autorização administrativa referida no ponto anterior (cfr. cópia do alvará a fls. 105 do processo físico).
33. Em 18/07/1994 foi aprovado, pela respetiva Assembleia Municipal o PDM do Município G..., publicado, no Diário da República – I Série B – N.º 237, de 13/10/1994, Resolução do conselho de Ministros, n.º 101/94.
34. Em 04/05/2015 a Assembleia Municipal de G… aprovou a revisão do PDM, publicada, no Diário da República, 2.ª série — N.º 119 — 22 de junho de 2015.
*
B – De direito
1. Da decisão recorrida
Na sentença recorrida o Mmº Juiz a quo apreciando os fundamentos de invalidade assacados na ação aos atos nela impugnados e, julgando-os verificados, declarou a nulidade dos atos impugnados e de todos os atos consequentes dos mesmos.
Ressalvou, contudo, os efeitos que os mesmos tenham produzido em relação aos contrainteressados, o que verteu nos seguintes termos no segmento decisório da sentença: «Com os fundamentos supra expostos, julgo procedente a presente ação e declaro a nulidade dos atos impugnados e todos os atos consequentes dos mesmos, ressalvando-se, no entanto, os efeitos que os mesmos tenham produzido em relação aos contrainteressados».
2. Da tese do recorrente
Defende o recorrente, nos termos que expõe nas suas alegações de recurso e reconduz às respetivas conclusões, que a sentença recorrida padece de nulidade a que alude o artigo 615º nº 1 alínea c) e nº 4 do CPC, por ocorrer obscuridade que a torna ininteligível no que respeita ao segmento em que ressalvou os efeitos que os atos declarados nulos tenham produzido em relação aos contrainteressados.
3. Da apreciação e análise do recurso
3.1 A única questão a resolver no âmbito do presente recurso é a de saber se a sentença recorrida padece de nulidade a que alude o artigo 615º nº 1 alínea c) e nº 4 do CPC, por ocorrer obscuridade que a torna ininteligível no que respeita ao segmento em que ressalvou os efeitos que os atos declarados nulos tenham produzido em relação aos contrainteressados.
Com efeito, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.
E no caso o recorrente delimitou o objeto do presente recurso apenas ao segmento da sentença em que se ressalvou os efeitos que os atos declarados nulos tenham produzido em relação aos contrainteressados, imputando-lhe nulidade nos termos do artigo 615º nº 1 alínea c) e nº 4 do CPC novo (Lei nº 41/2013), dizendo ocorrer obscuridade que a torna ininteligível no que respeita àquele segmento decisório.
Questão que, assim, é a única que este Tribunal ad quem é chamado a conhecer e a apreciar.
3.2 Nos termos do disposto no artigo 659º nº 1 alínea a) CPC antigo (anterior ao atual CPC aprovado pela Lei nº 41/2013), na versão decorrente do DL. nº 303/2007, de 24 de Agosto, podia qualquer das partes requerer ao tribunal que proferiu a sentença “…o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos”, não integrando, simultaneamente, a eventual obscuridade ou ambiguidade da sentença as causas de nulidade que então se encontravam elencadas no artigo 688º do CPC antigo.
Com o novo CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013) foi eliminada aquela disposição relativa ao pedido de aclaração da sentença com fundamento em alguma obscuridade ou ambiguidade, passando, simultaneamente, a integrar as causas de nulidade da sentença enunciadas no artigo 615º nº 1 do CPC novo, sob a alínea c), a ocorrência de “…alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Decorrendo do disposto no nº 4 daquele artigo 615º do CPC novo que tal nulidade (como as demais enunciadas nas alíneas b) a e) do nº 1) só pode ser arguida “…perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades”.
Esta modificação visou, aliás, como foi assumido na respetiva exposição de motivo (in, “Novo Código de Processo Civil”, Porto Editora, 2013, pág. 38), eliminar o anterior incidente de aclaração ou esclarecimento “…de pretensas e, nas mais das vezes, ficcionadas e inexistentes obscuridades ou ambiguidades da decisão reclamada – apenas se consentindo ao interessado arguir, pelo meio próprio, a nulidade da sentença que seja efetivamente ininteligível”.
Referindo António Santos Abrantes Geraldes, in, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 24, que “…nos termos do art. 615º nº 4 quando as nulidades se reportem à sentença (ou a qualquer outro despacho, nos termos do artigo 613º nº 3) e decorram de qualquer dos vícios assinalados nas alíneas b) a e) do nº 1, a sua invocação deve ser feita em sede de recurso, restringindo-se a reclamação para o próprio juiz quando se trate de decisão irrecorrível”.
Vide ainda, a este propósito, a título ilustrativo, os acórdãos do STA de 14/12/2016, Proc. nº 0939/16; de 28/04/2016, Proc. nº 0978/15; de 31/03/2016, Proc. nº 01473/15; de 04/06/2014, Proc. nº 01639/13 e de 28/05/2014, Proc. nº 01638/13, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jsta.
3.3 Uma vez que a sentença aqui em causa admitia recurso ordinário, e posto que, atenta a circunstância de a sentença recorrida ter sido já proferida no âmbito da vigência temporal do novo CPC, lhe é aplicável o regime neste contido, à luz da disposição do artigo 7º nº 1 da Lei nº 41/2013 e do artigo 136º nº 1 do CPC novo, tudo ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA, é lícito que o recorrente delimite o objeto do recurso que dela interpôs à invocação da nulidade da sentença prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, com fundamento em obscuridade que a torna ininteligível no que respeita ao segmento em que ressalvou os efeitos que os atos declarados nulos tenham produzido em relação à contrainteressada, como fez.
3.4 Vejamos, pois, se assiste razão ao recorrente quanto à apontada nulidade da sentença.
3.5 A respeito da obscuridade e ambiguidade da sentença, dizia o Professor Alberto dos Reis, in, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, pág. 151, que a “…sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes”, explicitando que “…num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos”, mencionando ser “…evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade” por “….se a determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz”.
E Antunes Varela, José Manuel Bezerra e Sampaio e Nora, in, “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição, revista e atualizada, Coimbra, 1985, págs. 693 e 694, diziam, a respeito da aclaração da sentença com fundamento em obscuridade ou ambiguidade, nos termos do então previsto no artigo 669º nº 1 alínea a) do CPC antigo, que ali claramente transparecia a ideia de que a aclaração podia ser requerida, tanto a propósito da decisão, como dos seus fundamentos que também constituem parte integrante da sentença.
3.6 Nos termos do atual artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC novo, é causa da nulidade da sentença a ocorrência de “…alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
É obscuro o que não é claro, aquilo que não se entende. E é ambíguo o que se preste a interpretações diferentes.
Mas não é qualquer obscuridade ou ambiguidade que é sancionada com a nulidade da sentença pela alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, mas apenas aquela que faça com que a decisão seja ininteligível. A ambiguidade ou obscuridade que possam ocorrer na sentença só integrarão a nulidade decisória prevista neste normativo se algum desses vícios tornarem a decisão incompreensível, por inacessível ao intelecto, impedindo a compreensão da decisão judicial por fundadas dúvidas ou incertezas.
Situação em que os destinatários da sentença ficarão sem saber ao certo o que efetivamente foi decidiu ou se quis decidir e com que fundamentos, e que em que porá em causa, simultaneamente, a delimitação do concreto caso julgado e respetiva autoridade.
Vejam-se a este respeito, entre outros, os seguintes acórdãos do STA, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jsta:
- acórdão do STA de 22/11/2018, Proc. nº 0153/13.8NEPRT 0879/17, em que se sumariou designadamente o seguinte: «(…)II - É obscuro o que não é claro, aquilo que não se entende; e é ambíguo o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário da sentença ou acórdão sem saber ao certo o que efetivamente se decidiu, ou quis decidir; III - Mas não é qualquer obscuridade ou ambiguidade que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que torne a decisão ininteligível; (…)»;
- acórdão do STA de 08/11/2018, Proc. nº 0149/18.3BALSB, em que se sumariou designadamente o seguinte: «(…)II - A mesma alínea do artigo 615º do CPC sanciona, ainda, com a nulidade, o acórdão em que ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. É «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende; e é «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário do acórdão sem saber ao certo o que efetivamente se decidiu, ou quis decidir. Mas não é qualquer obscuridade, ou ambiguidade, que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que «torne a decisão ininteligível» (…)»;
- Acórdãos do STA de 14/09/2017, Proc. nº 01249/16 e de 14/09/2017, Proc. nº 01274/16, nos quais foi sumariado designadamente o seguinte: «(…)II - É «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende; III - É «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes; IV - Não é qualquer «obscuridade» ou «ambiguidade» que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que torne a decisão ininteligível; (…)»;
- Acórdão do STA de 14/12/2016, Proc. nº 0579/16, em que se sumariou designadamente o seguinte: «(…)II - Na nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC abarcam-se apenas as situações de ambiguidade ou obscuridade da decisão que a tornem ininteligível e de contradição localizada no plano da expressão formal da decisão, mercê da existência dum vício insanável no chamado “silogismo judiciário”. (…)»;
- Acórdão do STA de 01/06/2016, Proc. nº 01140/15, assim sumariado: «A nulidade da decisão por infração do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC só ocorre, por um lado, quando se verifique ambiguidade ou obscuridade que a tornem ininteligível, o que não sucede quando a decisão, lida à luz dos respetivos fundamentos, é perfeitamente compreensível; ou, por outro lado, quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, a uma solução distinta daquela que foi adotada».
3.7 O recorrente invoca que a obscuridade da sentença que a torna ininteligível, e por isso nula nos termos do artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC novo, consiste no facto de nela não serem enunciados os efeitos concretos e precisos que os atos declarados nulos produziram em relação à contra-interessada e que foram ressalvados da declaração de nulidade.
3.8 Atentemos, pois, na parte em que a sentença se debruça sobre a ressalva dos efeitos em relação aos contra-interessados, cuja respetiva fundamentação se mostra assim ali explanada, e que se passa a transcrever (vide págs. 22-27 da sentença):
«Aqui chegados, cumpre verificar que efeitos retirar da nulidade dos atos praticados.
De facto, conforme bem alega o Réu, a lei não é alheia à possibilidade de atos feridos de nulidade poderem surtir efeitos, sendo que, na data em que os atos impugnados foram praticados, o Código de Procedimento Administrativo (CPA), aplicável, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15/11, previa no seu artigo 133.º que:
“(…)
1 - São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2 - São, designadamente, actos nulos: (…)
i) Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente.(…)”
Já aqui indiciando que em certos casos, não obstante o rigor legal determinar a nulidade de atos, os efeitos produzidos por esses atos devem prevalecer.
Veja-se a esse propósito o referido no artigo 134.º do mesmo diploma, na redação aplicável, que, sob a epígrafe “Regime da nulidade”, dispunha que:
“(…)
1 - O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.
2 - A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.
3 - O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito. (…)”.
Revestem nesta sede especial relevância o princípio da proporcionalidade, da boa-fé, e da proteção da confiança, já que a atuação da Administração tem de ser adequada, necessária e proporcional, não podendo infligir aos particulares, para efeitos de reposição da legalidade, ónus desproporcionados, especialmente quando, por força da sua atuação, lhes tenha criado a convicção, e legítimas expectativas, quanto à legalidade da sua pretensão.
Tal entendimento foi mantido e clarificado no atual Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07/01 que dispõe no seu
artigo 162.º, sob a epígrafe “Regime da nulidade” que:
“(…)
1 - O ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.
2 - Salvo disposição legal em contrário, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer
interessado e pode, também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação.
3 - O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios da boa -fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo.(…)”.
Os princípios da boa-fé, proteção da confiança e proporcionalidade, estão previstos no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa que dispõe que: “(…) 2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé. (…)”.
E encontram-se plasmados no atual Código de Procedimento Administrativo, nos artigos 7.º e 10º, que estabelecem que:
“(…) Artigo 7.º
Princípio da proporcionalidade
1 - Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos.
2 - As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar. (…)
Artigo 10.º
Princípio da boa-fé
1 - No exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé.
2 - No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do Direito relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação
empreendida.(…)”
Nesse sentido tem alinhado também a doutrina e a jurisprudência, quando tal se afigure justificável em face da situação concreta.
O reconhecimento de tais efeitos putativos não afasta, porém, a nulidade dos atos praticados, na medida em que, conforme referido por MARCELO CAETANO [in Manual de Direito Administrativo – Vol I, pág. 421] “(…) não se trataria de sanar um ato nulo, o que seria impossível, mas sim atribuir certos efeitos ao tempo decorrido(…)”, e como referem PEDRO COSTA GONÇALVES, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e JOÃO PACHECO DE AMORIM [in Código de Procedimento Administrativo Anotado, 2.ª Edição, pág. 654] “nem todo o ato nulo tem efeitos putativos”.
Nesse mesmo sentido se pronunciou, recentemente, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23/09/2015, proferido no processo n.º 00015/10.0BEAVR [disponível em www.dgsi.pt], em que se refere que «(…) [e]m relação aos pretensos efeitos que alegadamente poderiam advir do ato nulo nos termos do disposto no artº 134º do CPA, aderimos ao que e a propósito se entendeu no acórdão deste STA de 16.01.2003, Rec. n.º 1316/02, onde se escreveu o seguinte: “O art. 134º, nº 1 do CPA dispõe que “o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade”, admitindo-se, no nº 3 do preceito, “a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito”.
Esta possibilidade de atribuição de “certos efeitos jurídicos” a situações de facto decorrentes de atos nulos tem em vista os chamados efeitos putativos, tradicionalmente admitidos relativamente aos funcionários ou agentes putativos, investidos por ato nulo, mas deve ser ponderada com extrema cautela, sendo imperioso distinguir entre “sanação de ato nulo” (legalmente impossível) e “admissão de certos efeitos decorrentes da manutenção prolongada de uma situação de facto”, à luz do interesse público da estabilização das relações sociais.
Por isso, importa reter que o nº 3 do art. 134º do CPA não consagra a sanação ou supressão da ilegalidade do ato nulo, o qual não é, segundo a jurisprudência pacífica e reiterada deste Supremo Tribunal Administrativo, passível de sanação jurídica.
Os denominados efeitos putativos, para além de deverem decorrer, em princípio, da necessidade de estabilidade das relações jurídico-sociais, dependem, em grande parte, de períodos dilatados de tempo em que tais situações se verificam, não podendo, por razões de coerência do próprio instituto, beneficiar aqueles que direta, ou mesmo dolosamente, deram causa à nulidade do ato à sombra do qual os referidos efeitos são reclamados, devendo a sua admissão estar sempre ligada à ideia de persecução do interesse público (cfr. Ac. STA de 16.06.98 – Rec. nº 43.415). (…)”
Aplicando este entendimento ao caso em apreço, será de considerar que, in casu, se verificam os requisitos para o reconhecimento dos efeitos putativos dos atos praticados, em relação aos contra-interessados.
Isto porque, atento o decurso do tempo e todas as licenças emitidas para o loteamento e construção nos lotes, foi criada nos contra-interessados uma convicção de legalidade da sua situação, que seria desproporcionado e violador do princípio da boa-fé fazer perigar.
No entanto, independentemente da verificação desses efeitos putativos, certo é que, conforme referido, estes não implicam a sanação da nulidade dos atos impugnados.
Do mesmo modo, o facto de, em 04/05/2015, ter sido aprovada a revisão do PDM do Município G..., pela respetiva Assembleia Municipal de G… (publicada, no Diário da República, 2.ª série — N.º 119 — 22 de junho de 2015), não implica, por si só, a imediata sanação da ilegalidade dos atos praticados, tanto mais que haveria de aferir da conformidade do ato com toda uma série de planos agora vigentes e de outros aspetos do próprio PDM (além da zona de implantação).
Isto sem prejuízo de, verificando-se as condicionantes para a legalização das situações de facto criadas por efeito dos atos nulos, deverem ser as mesmas legalizadas.
Assim sendo, cumpre declarar a nulidade dos atos impugnados (despacho datado de 5/5/1998 que deferiu licenciamento de loteamento; despacho datado de 18/08/2000, que deferiu o licenciamento da operação de loteamento, estabelecendo as condições gerais para a emissão do alvará de loteamento nº 45/00; despacho proferido em 02/03/2001 que deferiu o licenciamento da operação de loteamento no processo 373/2000, que levou à emissão do alvará nº 21/02 em 6/05/2002; e todos os atos consequentes dos atos de deferimento supra referidos, designadamente o despacho datado de 25/08/2005 que deferiu o licenciamento de construção para o lote 1 do loteamento nº 45/00, que levou à emissão do alvará nº 1136/2006, de 16/12), ressalvando-se, no entanto, os efeitos que se tenham produzido em relação aos contra-interessados.»
3.8 Perscrutado o teor da sentença na parte em que discorre sobre a ressalva dos efeitos que se tenham produzido em relação à contra-interessada, ressuma que o Mmº Juiz a quo o fez com apoio e aplicação do disposto no artigo 134º nº 3 do CPA antigo (aprovado pelo DL. n.º 442/91), e atualmente constante do artigo 162º nº 3 do CPA novo (aprovado pelo DL. nº 4/2015), nos termos do qual a circunstância de os atos nulos não produzirem quaisquer efeitos jurídicos não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do decurso do tempo, de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais.
Não se descortinando a existência de qualquer obscuridade ou ambiguidade no discurso, que o Mmº Juiz a quo ali expendeu, o qual é perfeitamente inteligível.
Ora, não se pode dizer, no caso, que a decisão recorrida incorra na nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, consistente na ocorrência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, se à luz da sua respetiva fundamentação, tal como foi externada, ela é compreensível.
3.9 Coisa diferente será a de saber se o Tribunal a quo decidiu com acerto, ou se pelo contrário fez incorreta interpretação e/ou aplicação da lei. Mas aí já se estará no âmbito da apreciação da eventual existência de erro de julgamento, bem distinto do da nulidade da sentença, na medida em que com aquele se visará a modificação do julgado.
Veja-se, a tal respeito, entre outros, os acórdãos do STA de 03/11/2017, Proc. nº 0550/17; de 28/04/2016, Proc. nº 0978/15; de 31/03/2016, Proc. nº 01473/15 e de 07/05/2015, Proc. nº 01327/14, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jsta.
Sendo que no presente recurso não vem apontado qualquer concreto erro de julgamento da decisão recorrida, recurso que o recorrente circunscreveu à questão da invocada nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, a qual não se verifica, nos termos sobrevistos.
3.10 Tem, pois, que fracassar o recurso, improcedendo as respetivas conclusões.
O que se decide.
***
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
Notifique.
D.N.
Porto, 12 de abril de 2019
Ass. Helena Canelas
Ass. Isabel Costa
Ass. João Beato