Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01075/24.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/16/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:OPOSIÇÃO;
INDEFERIMENTO LIMINAR;
INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA; ATO NULO;
Sumário:
I – A falsidade do título executivo, enquanto fundamento válido de oposição à execução fiscal, a que se refere a al. c) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, é a falsidade material do próprio título e a sua eventual desconformidade com o original.

II - A inexigibilidade da dívida respeita a factos externos ao ato exequendo que, temporária ou definitivamente, obstam à sua cobrança. Será, a título exemplificativo, o caso da falta ou nulidade da notificação do ato a executar ou da ocorrência de factos que determinam a suspensão da execução.

III - Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o despacho recorrido que não tomou conhecimento do mérito da oposição por ter julgado verificado fundamento legal de rejeição liminar da oposição.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA», devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 15/07/2024 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi liminarmente rejeitada a oposição que deduziu à execução fiscal nº ..................300, a correr termos na Secção de Processo Executivo ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., instaurada para cobrança coerciva de dívida proveniente da obrigação de restituição de subsídio de doença, concedido provisoriamente, do período compreendido entre 12 de abril de 2018 e 02 de setembro de 2020, no valor de € 13.516,28.
1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«I. A aqui Recorrente deduziu a presente oposição à execução fiscal, assacando à decisão que determinou a restituição de prestações que está na base do titulo, os vícios de ilegalidade da liquidação, a omissão de pronúncia suscetível de influir no exame ou decisão da causa e, ainda, a desconformidade do conteúdo dessa decisão de restituição face à base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime, mormente, a decisão judicial que refere lhe estar subjacente, o que se reconduz à falsidade do titulo executivo suscetivel de influir nos termos da execução.
II. Apesar de a falsidade do título executivo não ter sido expressamente mencionada pela Opoente, tal facto não inibe o tribunal de assim enquadrar os factos invocados, pois não releva a qualificação jurídica dos factos por aquele efetuada, atento o disposto no artigo 5º, nº3 do CPC.
III. Mas a verdade é que, a Opoente, ao alegar que as prestações atribuídas pela Segurança Social a título de subsídio de doença se referem a períodos de incapacidade distintos e não compreendidos na obrigação de indemnizar reconhecida no âmbito da ação judicial que subjaz ao título, configura uma situação de falsidade do titulo executivo.
IV. Afigura-se-nos que a decisão recorrida, ao indeferir liminarmente a oposição, com fundamento de que a petição inicial não conter nenhum dos fundamentos enquadráveis no nº1 do artigo 204º do CPPT, merece censura.
V. Pese embora a Recorrente, na sua petição de oposição, se insurja no essencial contra a legalidade da liquidação da divida exequenda, a verdade é que, a mesma se insurge igualmente:
− Por um lado, a invocada nulidade da nota de reposição por falta de fundamentação, mormente, quanto aos seus elementos essenciais como a menção da proveniência da dívida exequenda, os movimentos efetuados, as respetivas datas, os montantes de cada operação que originou a alegada divida, bem como, a forma de cálculo, salvo melhor e mais sábia opinião, comporta o seu enquadramento na inexigibilidade da dívida por falta de notificação da decisão de determinação do valor em dívida, subsumível na alínea i) do nº1 do art. 204º do CPPT.
− Por outro lado, contra a invocada omissão de pronúncia do Recorrido suscetivel de influir na decisão da causa, nomeadamente, quanto às nulidades previamente invocadas perante aquele OEF, tendo em conta que, sendo passíveis de determinar a anulação do ato que está na base da presente execução fiscal. O mesmo é dizer que se está perante a inexistência de um ato definitivo, dada a arguição de nulidades perante o órgão Recorrido sem que tivesse sido proferida decisão, com a consequente inexigibilidade da dívida exequenda, como adiante se demonstrará.
− E ainda, insurge-se a Recorrente contra o facto de as prestações atribuídas pela Segurança Social a título de subsídio de doença – cuja restituição vem exigida – se referirem a períodos de incapacidade distintos e não compreendidos na obrigação de indemnizar reconhecida no âmbito da ação judicial que lhe subjaz. O mesmo é dizer, que se está perante a falsidade do titulo executivo, suscetível de influir nos termos da execução.
É certo que tal falsidade do título executivo não vem expressamente mencionada no aludido articulado, mas tal facto não inibe o Tribunal de o enquadrar nesse mesmo fundamento.
VI. Entende a Recorrente que tais fundamentos são subsumíveis aos fundamentos previstos nas alíneas c) e i) do nº1 do artigo 204º do CPPT.
VII. Nomeadamente, os factos transcritos nos artigos 4º a 18º, 25º e 26º do articulado inicial, comportam o seu enquadramento na inexigibilidade da dívida por falta de notificação da decisão de determinação do valor em dívida.
VIII. Em momento algum, até à instauração do presente processo de execução fiscal, foi a Opoente notificada da decisão de determinação do valor em dívida cuja restituição é exigida. A Recorrente nunca foi notificada da nota de reposição e da decisão, mas tão-só, foi confrontada com uma “Listagem de valores a Pagamento”.
IX. Tal resulta do alegado pela Opoente, como pode também ser provado através da junção aos autos do processo administrativo instrutor pelo Recorrido.
X. Impunha-se ao Recorrido que tivesse notificado validamente a Recorrente do ato de liquidação, o que não sucedeu.
XI. A dívida exequenda não é, assim, certa quanto à sua existência e determinada quanto ao seu objeto e montante, facto que afeta a sua exigibilidade.
XII. Tal é subsumível na alínea i) do nº1 do artigo 204º do CPPT, o qual prevê como fundamento de oposição à execução “quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento (...)”.
XIII. Os factos transcritos nos artigos 30º a 39º da Oposição, relativamente à omissão de pronúncia do Recorrido suscetível de influir na decisão da causa, nomeadamente, quanto às nulidades previamente invocadas perante aquele OEF, tendo em conta que, sendo passíveis de determinar a anulação do ato que está na base da presente execução fiscal, conduzem à inexistência de um ato definitivo, com a consequente inexigibilidade da dívida exequenda.
XIV. A Recorrente assaca ao à nota de reposição que corporiza a dívida exequenda, os vícios de falta de fundamentação do ato e da preterição de formalidade essencial consistente na falta de audiência prévia, vicios esses arguidos perante o órgão Recorrido.
XV. Porém, não tendo aquele OEF proferido qualquer decisão quanto a tais nulidades, ou sequer se pronunciado num ou noutro sentido, veio a praticar o ato reclamado sem mais.
XVI. A verdade é que, não tendo o órgão Recorrido se pronunciado, até à presente data, sobre tais vícios, os quais, são suscetíveis de determinar a anulação do ato que está na base da presente execução fiscal, tal conduz à inexistência de um ato definitivo que corporize a divida exequenda.
XVII. O alegado sob os artigos 41º a 53º da petição, nomeadamente, quanto ao facto de as prestações atribuídas pela Segurança Social a título de subsídio de doença – cuja restituição vem exigida – se referirem a períodos de incapacidade distintos e não compreendidos na obrigação de indemnizar reconhecida no âmbito da ação judicial que lhe subjaz, tal reconduz-se à arguição da falsidade do titulo executivo, suscetível de influir nos termos da execução.
XVIII. Não é possível que a alegada dívida seja respeitante à concessão provisória de subsidio de doença dos períodos compreendidos entre 2018-04-12 a 2020-09-12, como referido na “Listagem de valores a Pagamento” a que se refere a Nota de Reposição – a qual não foi notificada à Recorrente –, até porque, e como resulta dos documentos juntos aos presentes autos, a indemnização que a Recorrente recebeu por parte da Seguradora não se refere a esses mesmos períodos, mas outros, distintos e não compreendidos nos períodos de incapacidade a que se referem as prestações atribuídas pela Segurança Social a título de subsidio de Doença.
XIX. Foram, pois, invocados fundamentos que legitimam o recurso ao presente meio processual de oposição à execução fiscal.
XX. A falta de notificação validamente efetuada da liquidação dos valores contidos na nota de reposição, bem como, a falta de notificação da decisão administrativa de restituição, porque determinam a inexigibilidade das dividas a que tenham dado origem, nos termos vindos de expender, integram, em abstrato, o fundamento previsto na alínea i) do nº1 do artigo 204º do CPPT.
XXI. A discrepância entre o conteúdo da redita “Listagem de valores a pagamento”, nomeadamente, quanto aos períodos referidos, face ao processo judicial que reflete corretamente o suporte de onde foi extraído, nomeadamente, quanto às indemnizações efetivamente pagas pela Seguradora e aos períodos a que as mesmas se referem (vide o documento junto aos autos sob os nº2), reflete-se na falsidade do titulo executivo, suscetível de influir nos termos da presente execução.
XXII. Questão diferente é a de saber se tais fundamentos são válidos, contudo, tal situa-se na questão da viabilidade do pedido e não na propriedade do meio processual, questão que ora nos ocupa.
XXIII. A Oposição apresentada pela Recorrente deveria ser recebida e apreciada.
XXIV. A rejeição liminar da oposição, sem que o Tribunal a quo se tivesse pronunciado sobre tais questões, que devia apreciar, tem como consequência a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC.
XXV. A douta sentença recorrida, decidindo como decidiu, violou ainda, frontalmente, o disposto no artigo 209º, nº1, alínea b) a contrario e 204º, nº1, als. c) e i) do CPPT.
XXVI. A decisão recorrida fez desadequada aplicação do direito, devendo, por isso, ser revogada e, baixados os autos à 1ª instância, ser proferido novo despacho liminar que admita a presente oposição à execução.
Termos em que, pelos fundamentos expostos e nos demais de direito, com douto suprimento de V.ªs Ex.ªs., deverá a douta sentença recorrida ser revogada e ser proferido douto Acórdão, por este Venerando e Ilustre Tribunal Central e Administrativo Norte, que ordene a baixa dos autos à 1ª Instância para aí ser proferido novo despacho liminar, que admita a Oposição à Execução Fiscal, nos termos referidos. Assim decidindo, farão V.ªs Ex.ªs sá e inteira Justiça!».

1.3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. O EPGA junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer, concluindo pela improcedência do recurso.
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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de erro de julgamento, ao concluir que não foi invocado qualquer fundamento de oposição, e de nulidade, por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre as questões suscitadas na p.i..

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida não autonomizou qualquer factualidade, pelo que passamos a transcrevê-la, na parte relevante:
«(…), alega, em síntese, que:
Antes de tudo o mais, cumpre referir que a Oponente desconhece quais os motivos de facto e de direito que fundamentam a instauração do processo de execução fiscal “supra” referenciado, pois, o ato de citação não faz qualquer referência aos pressupostos que lhe subjazem;
A falta de menção da proveniência da dívida exequenda no título executivo, não permite à Oponente saber, com segurança, a que dívida se refere, pelo que não estão eficazmente assegurados os seus direitos de defesa;
Contudo, fazendo uma mera suposição, a presente execução fiscal terá por subjacente a nota de reposição n.º ...99 para restituição de valores pagos em virtude da concessão provisória de subsídio de doença à aqui Oponente;
Ora, a Oponente, através de requerimento datado de 16 de abril de 2024, suscitou a nulidade da apontada nota de reposição, por falta de fundamentação e preterição da formalidade essencial de audiência prévia, não tendo o Oponido se pronunciado quanto à matéria, inquinando o ato dado à execução de ilegalidade, determinante da respetiva anulação;
Não se verificam os pressupostos de facto e de direito que se encontram pretensamente na base da liquidação da dívida exequenda e que subjazem à presente execução fiscal, uma vez que a Oponente tinha direito ao subsídio de doença, devendo tal direito ser reconhecido.
Termina pedindo a procedência da presente oposição e, em consequência, que seja proferida decisão que, conhecendo os vícios assacados, declare a ilegalidade da execução, e, sempre, reconhecida a inexigibilidade da restituição peticionada, tudo com as legais consequências.
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II – DA APRECIAÇÃO LIMINAR
A questão que importa decidir, desde logo, nos termos do disposto no art. 590.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável “ex vi” art. 2.º, alínea e) do CPPT, é a viabilidade do prosseguimento dos presentes autos, tendo em conta a causa de pedir e o pedido formulados, sob pena de ser determinada a prática de atos inúteis, igualmente proibidos por lei, em situações como a presente em que dos autos constam todos os elementos necessários à apreciação liminar.
Cumpre, pois, apreciar se foi alegado algum dos fundamentos que legitimam o recurso ao presente meio processual de oposição à execução fiscal, constantes do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Nos termos do citado art. 204.º, n.º 1 do CPPT, são fundamentos do processo de oposição à execução fiscal:
a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação;
b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;
c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;
d) Prescrição da dívida exequenda;
e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;
f) O Pagamento ou anulação da dívida exequenda;
g) Duplicação de coleta;
h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação;
i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.”
Por sua vez, estabelece o art. 209.º, n.º 1 do CPPT que recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição por um dos seguintes fundamentos:
a) Ter sido deduzida fora do prazo;
b) Não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º;
c) Ser manifesta a improcedência.
Ora, “[em] qualquer caso, para haver lugar a indeferimento liminar é necessário que se trate de uma razão evidente, indiscutível, em termos de razoabilidade, que permita considerar dispensável a audição das partes, em sintonia com o preceituado no n.º 3 do art. 3.º do CPC” - cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 554.
No presente caso, a Oponente começa por sustentar que o ato de citação não faz qualquer referência aos pressupostos que lhe subjazem, mais alegando que do título executivo não constam elementos essenciais, como seja a menção da proveniência da dívida exequenda, o que equivale à invocação de nulidade da citação e de nulidade insanável do processo de execução fiscal por falta de requisitos essenciais do título executivo.
Sucede que: “Quer a falta de citação quer a nulidade da citação, por inobservância das formalidades prescritas na lei, não constituem fundamento de oposição à execução fiscal, devendo ser arguidas perante o órgão de execução fiscal, sendo a eventual decisão desfavorável passível de reclamação para o tribunal tributário” - cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de maio de 2011, proc. n.º 0187/11, disponível em www.dgsi.pt.
Da mesma forma: “A falta de requisitos do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal - art.º 165.º, n.º 1, al. b) do CPPT -, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do seu art.º 204.º” - cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de julho de 2019, proc. n.º 0860/08.7BEPRT, também disponível em www.dgsi.pt.
Efetivamente, tanto a nulidade da citação como a nulidade do título executivo não têm como efeito a extinção do processo de execução fiscal, não constituindo, assim, fundamentos de oposição, devendo antes ser arguidas perante o órgão de execução fiscal, sendo a eventual decisão desfavorável passível de reclamação para o tribunal tributário nos termos do art. 276.º do CPPT.
Não restam, pois, dúvidas que a pretendida arguição de nulidades não se mostra abstratamente ajustada à finalidade proposta pela lei para a forma processual de que a Oponente lançou mão: a oposição judicial prevista nos artigos 203.º e seguintes do CPPT.
No restante, a Oponente limita-se a invocar a invalidade da decisão que determinou a restituição das prestações de subsídio de doença, concedido provisoriamente, relativo ao período compreendido entre 12 de abril de 2018 e 02 de setembro de 2020, imputando-lhe vício de forma por preterição da formalidade essencial de audiência prévia e erro sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito, por, na sua ótica, ter direito ao subsídio de doença em causa - i.e. a Oponente funda a sua pretensão na ilegalidade concreta da dívida dada à cobrança, como a própria reconhece na sua alegação.
Ora, prevê-se na alínea h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT que constitui fundamento de oposição a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda. Sucede que, atenta a fórmula legal constante do assinalado preceito, a discussão da legalidade da dívida exequenda, em sede de oposição à execução fiscal, depende de se verificar um condicionalismo adicional: a lei não assegurar outro meio judicial de impugnação ou recurso contra o respetivo ato definidor.
O que significa que relativamente às dívidas criadas por atos administrativos e/ou tributários não existe a possibilidade de se discutir a sua legalidade em concreto em sede de oposição à execução fiscal, se ao interessado foi concedida a possibilidade de os impugnar contenciosamente - não se pode perder de vista que a norma ínsita no art. 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT pretende acautelar as situações em que o sujeito passivo não dispõe de meios de impugnação contenciosa do ato administrativo/tributário, como é o caso das contribuições para a segurança social, em que se permite a extração de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que haja um ato administrativo ou tributário prévio, definidor da situação (neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., Vol. III, pp. 495-497).
Na situação vertente, a Oponente apresentou requerimento de resposta à nota de reposição n.º ...99 - que apelidou de “defesa escrita” -, onde expressamente reconhece ter sido notificada daquele ato (cfr. doc. n.º 1 da petição inicial), mostrando-se, assim, patente que lhe foi assegurado meio judicial de impugnação da decisão que determinou a restituição das prestações de subsídio de doença (a efetivar através da apresentação de ação administrativa, nos termos dos artigos 37.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Ademais, é do conhecimento funcional deste tribunal que a ora Oponente apresentou também impugnação judicial daquele ato de “restituição”, a qual foi tramitada sob o n.º 1074/24.4BEBRG, tendo sido proferida naquele âmbito decisão liminar que decidiu, precisamente, que “este Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [é] incompetente em razão da matéria para conhecer da pretensão do Autor”, uma vez que “a determinação do indeferimento e consequente reposição de prestação de subsídio de doença não é um ato referente ao exercício da função tributária acometida à Segurança Social, não importando por isso a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal”, considerando-se, para o efeito, “competente o Juízo Administrativo Social, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga”, para o qual a Oponente já solicitou a remessa daqueles autos.
E, assim sendo, não pode pretender, agora, através da oposição à execução, a apreciação da legalidade da dívida exequenda, não se mostrando, pois, preenchido o fundamento de oposição à execução fiscal constante da alínea h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Do erro de julgamento
A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, pois entende que, «ao alegar que as prestações atribuídas pela Segurança Social a título de subsídio de doença se referem a períodos de incapacidade distintos e não compreendidos na obrigação de indemnizar reconhecida no âmbito da ação judicial que subjaz ao título, configura uma situação de falsidade do titulo executivo». Mais refere ter invocado na p.i a «nulidade da nota de reposição por falta de fundamentação, mormente, quanto aos seus elementos essenciais» e «invocada omissão de pronúncia do Recorrido suscetivel de influir na decisão da causa (…) se está perante a inexistência de um ato definitivo, dada a arguição de nulidades perante o órgão Recorrido sem que tivesse sido proferida decisão».
A sentença recorrida, já supra transcrita, enunciou, e bem, os normativos aplicáveis dos quais resulta que a oposição só pode ser deduzida com um dos fundamentos taxativamente elencados no artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, os quais também discriminou.
Assim, cabe agora dizer que a falsidade do título executivo, enquanto fundamento válido de oposição à execução fiscal, a que se refere a al. c) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, é a falsidade material do próprio título e a sua eventual desconformidade com o original.
Como se refere no acórdão do STA, de 26/4/2012, no proc. nº 01058/11, ( Cfr., igualmente, os acórdãos daquele Colendo Tribunal de 2/5/2012, proferido no proc. nº 01094/11, e de 23/05/2018, proferido no processo nº 0677/17), “... esta falsidade consiste, na desconformidade do conteúdo do título face à realidade certificada, não sendo falso o título que reflecte correctamente o suporte de onde foi extraído, ainda que o conteúdo desse suporte seja, porventura, inverídico. Ou seja, a falsidade do título executivo a que se refere o citado normativo legal, enquanto fundamento válido de oposição à execução fiscal, é tão só a falsidade material do próprio título, a sua eventual desconformidade com o original, e não a eventual falsidade intelectual ou ideológica porventura traduzida na atestada desconformidade entre a realidade e o teor do título executivo.
Este fundamento de oposição não deve, portanto, confundir-se com a inveracidade dos pressupostos de facto da liquidação.
«A falsidade do título executivo, que se refere nesta alínea c) como fundamento de oposição à execução, é, segundo o entendimento que vem sendo feito pela jurisprudência do STA, apenas a que resulta da desconformidade entre o título executivo e os conhecimentos ou outros instrumentos de cobrança que nele se referem lhe estarem subjacentes, por serem esses os factos em relação aos quais ele tem força probatória plena, por poderem ser apercebidos pela entidade emissora (arts. 371º, nº 1, e 372º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).
Estará, assim, fora do conceito de falsidade a eventual divergência entre o teor do título e factos que não são objecto da percepção da entidade emitente.
A divergência entre o conteúdo do título e os referidos instrumentos que são a sua base fáctica, para além dos casos em que a entidade emitente não relata fielmente os factos de que se apercebe, poderá resultar também da falta de genuinidade do título (falsidade material), designadamente por o título não ter sido emitido por quem nele é indicado como emitente, ou por ter ocorrido alteração do conteúdo de um título originariamente genuíno, por aditamento, supressão ou substituição do seu teor levada a cabo por quem não é o seu emitente (Jorge Sousa, in CPPT anotado, Vol. II, págs. 357 e 358).
Neste sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos desta Secção do STA de 15/1/03, in rec. nº 1.696/02; de 4/6/03, in rec. nº 596/03 e de 22/11/06, in rec. nº 825/05).» (acs. deste STA, de 16/11/2011, rec. nº 0662/11 e de 21/3/2012, rec. nº 01119/11, supra mencionados)”.» - fim de citação.
No caso que nos ocupa, o que a Recorrente invocou foi a desconformidade entre a decisão exequenda e a realidade que, na sua ótica, se verificou; ou seja, está invocado o erro nos pressupostos de facto daquela decisão e não a desconformidade entre esta e o título executivo.
Assim sendo, o que a dita alegação configura é a mera ilegalidade da decisão que determinou a restituição das verbas agora exigidas à Recorrente e não qualquer falsidade do título executivo.
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Na tese da Recorrente, também a invocada nulidade da nota de reposição por falta de fundamentação, mormente, quanto aos seus elementos essenciais, comporta o seu enquadramento na inexigibilidade da dívida por falta de notificação da decisão de determinação do valor em dívida, subsumível na alínea i) do nº1 do artigo 204º do CPPT. Para além disto, entende que “omissão de pronúncia” da autoridade Recorrida sobre o requerimento apresentado pela Recorrente, após notificada da nota de reposição, importa a falta de definitividade do ato exequendo, o que também determina a inexigibilidade da dívida.
Como se sabe, a inexigibilidade da dívida respeita a factos externos ao ato exequendo que, temporária ou definitivamente, obstam à sua cobrança. Será, a título exemplificativo, o caso da falta ou nulidade da notificação do ato a executar ou da ocorrência de factos que determinam a suspensão da execução.
Sucede que, analisada a p.i., verificamos que não foi invocada a falta de notificação da decisão administrativa que determinou o pagamento da dívida exequenda. Por outro lado, também não há qualquer indício de ter sido prestada garantia ou requerida, perante o OEF (entidade competente para o efeito), e concedida a dispensa da respetiva prestação, pelo que não ocorre qualquer causa que determine a suspensão da execução fiscal.
Em suma, o que a Recorrente invoca respeita apenas ao próprio ato que determinou a restituição das quantias que agora lhe estão a ser exigidas, o que contenderá com a sua legalidade e, já não, com a sua exigibilidade, a qual não pode ser apreciada nesta sede, como bem o salientou a sentença recorrida.
Cabe dizer que, não prevendo a lei a reclamação ou recurso hierárquico necessários do ato administrativo exequendo, este é, desde logo, definitivo, ao contrário do que a Recorrente sustenta nas suas alegações.
3.2.2. Da nulidade da sentença
As nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas nos artigos 615º CPC e 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e respeitam a vícios estruturais ou intrínsecos da sentença, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
Segundo o artigo 615º, nº 1 al. d), do CPC queé nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento”. (sublinhado nosso)
Este receito deve ser articulado com o nº 2 no artigo 608º do CPC, onde se dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo não se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.
Impõe-se ali um duplo ónus ao julgador, traduzidos nos deveres de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes (salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras) e de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes (a não ser que a lei lhe permita ou imponha o seu conhecimento oficioso).
Por conseguinte, só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
No caso, a decisão recorrida é de indeferimento liminar da oposição, por não estar invocado qualquer dos fundamentos admitidos pelo artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Ora, constitui já jurisprudência assente que, numa circunstância como esta, não se verifica qualquer omissão de pronúncia da sentença recorrida, pois que, invocando fundamento para a rejeição liminar da oposição, o juiz não pode apreciar o mérito desta, sob pena de excesso de pronúncia (cfr. Acórdãos Supremo Tribunal Administrativo de 30.10.2010, recurso 199/10, e de 16.11.2011, recurso 0584/11, in www.dgsi.pt.).
Improcede, por isso, também este fundamento do recurso.

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Ante tudo o que vem considerado, resta concluir pela improcedência deste recurso, mantendo-se a sentença recorrida, nos seus precisos termos.


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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – A falsidade do título executivo, enquanto fundamento válido de oposição à execução fiscal, a que se refere a al. c) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, é a falsidade material do próprio título e a sua eventual desconformidade com o original.
II - A inexigibilidade da dívida respeita a factos externos ao ato exequendo que, temporária ou definitivamente, obstam à sua cobrança. Será, a título exemplificativo, o caso da falta ou nulidade da notificação do ato a executar ou da ocorrência de factos que determinam a suspensão da execução.
III - Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o despacho recorrido que não tomou conhecimento do mérito da oposição por ter julgado verificado fundamento legal de rejeição liminar da oposição.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Porto, 16 de janeiro de 2025

Maria do Rosário Pais – Relatora
Cristina Paula Travassos de Almeida Bento Duarte – 1ª Adjunta
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 2ª Adjunta