Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01022/17.8BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/20/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:TIAGO MIRANDA
Descritores:RECUSA DE ARTICULADO SUPERVENIENTE;
Sumário:
I – É ónus do Réu alegar e provar a superveniência do conhecimento do facto impeditivo ou extintivo por si invocado, ocorrido antes da apresentação do articulado da contestação, bem como os factos de que se possa concluir não ser imputável a culpa sua a não alegação temporã daquele facto.

II – O Recorrente, enquanto apresentante de um articulado superveniente, incumpre ostensivamente com tal ónus.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
«AA», Interveniente Réu melhor identificado nos autos, nos quais são Autora e co-Réu inicial, respectivamente, [SCom01...], Lda, e Município de ..., interpôs recurso de apelação autónomo do despacho proferido em 23/9/2024, pelo qual foi recusada admissão e ordenado o desentranhamento do articulado superveniente por si apresentado em 10/4/2025.
Rematou a alegação de recurso com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
Iª O presente recurso tem por objecto o despacho de fls...., pelo qual foi rejeitado o articulado superveniente apresentado pelo Recorrente.

2ª A fundamentação do despacho recorrido assenta em dois vectores: por um lado o Recorrente não alegou factualidade suficiente que justificasse a superveniência do conhecimento e por outro no processo crime em que foi julgado (e absolvido) seguramente tomou conhecimento do relatório.
3ª Como deu nota no seu requerimento o Recorrente não conhecia a data em que o relatório de auditoria chegou ao conhecimento do Município ..., pois no processo crime não se discutiu a prescrição de direito a exercer em sede de responsabilidade civil, ou seja, não se discutiu a data em que o relatório foi disponibilizado ao Município ... por se tratar de matéria que não relevava para a apreciação da conduta criminal do Recorrente.

4ª Não é correcta a afirmação do despacho recorrido que no processo crime o Recorrente tomou conhecimento da informação em apreço, não podendo este argumento proceder até porque era indispensável que o despacho recorrido concretizasse a afirmação.

5ª Não consta dos factos provados no processo crime que o Recorrente teve conhecimento do relatório em 12.01.2015, motivo pelo qual a justificação invocada no despacho recorrido é insuficiente e se trata de uma dedução/presunção (o que evidentemente não tem respaldo legal).

6ª A alegação (genérica) de que ocorreu uma violação da LPCA não é suficiente para o Recorrente poder invocar a excepção, pois a prescrição tem de ser verificada individualmente em cada processo, e por isso é que nos presentes autos a data do conhecimento do relatório se mostra relevante, e como do relatório não consta a informação, o Recorrente tratou de a requerer em sede de audiência prévia, pedido que o Tribunal deferiu.

7ª A informação solicitada não vinha anexada ao relatório de auditoria e teve de ser requerida pelo Recorrente, o que demonstra a dificuldade no seu acesso e demonstra que o Município ... não quis divulgar a informação (se assim fosse tê-la-ia junto com a contestação), tendo apenas sido prestada com a junção do processo administrativo (requerimento ref. Sitaf n° 841874, de 06.03.2024).
8ª O despacho recorrido incorreu em erro de julgamento de Direito, concretamente o disposto no artigo 86° do CPTA).

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-o por outro que admita o articulado superveniente.».

Notificado, o Recorrido não respondeu à alegação.

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II - Do objecto do recurso
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.
Assim, a questão que a Recorrente pretende ver apreciada em apelação consistem no seguinte:
Questão
O despacho recorrido, ao não admitir o articulado superveniente apresentado pelo ora Recorrente, incorreu em erro de julgamento de direito, violando o artigo 86º do CPTA?

III – Apreciação do recurso
Para apreciação desta questão relevam e bastam as ocorrências processuais seguintes (cf. o processo principal no SITAF):
1
No dia 27/4/2017 deu entrada no TAF do Porto a petição inicial da acção administrativa nº 1022/17.8BEPRT, na qual a Autora [SCom01...], Lda., pede a condenação do Réu Município de ... a pagar-lhe a quantia de 14 644,68 € acrescida de juros de mora “desde a instauração da acção até ao integral pagamento”, enquanto preço mais juros de mora do preço de um contrato de empreitada firmado entre a Empresa Municipal [SCom02...], entretanto liquidada, e a Autora, em 18 de Julho de 2013.
2
Em 19/9/2017, na sua réplica, a Autora deduziu o pedido de intervenção principal provocada do ora Recorrente, enquanto administrador da [SCom02...] ao tempo do contrato, alegando, entre o mais, o seguinte:
Assim, se se viesse a verificar nos presentes autos que, aquando da celebração do contrato em análise, existiu uma violação das regras e dos procedimentos previstos na Lei dos Compromissos que poderia levar à nulidade daquele e que esta pudesse ser oposta à A., o que não se concebe em hipótese alguma, os responsáveis pelo cumprimento da obrigação seriam e serão “os titulares de cargos políticos, dirigentes, gestores ou responsáveis pela contabilidade que assumam compromissos em violação da Lei”, art. 9º, n.° 3 e art. 11º da Lei dos Compromissos.
16
Quem assinou o contrato em nome e em representação da R, foram os seus representantes legais da R. [SCom02...], E.E.M.
17
Assim sendo, e na hipótese remota de ser declarada a nulidade do contrato celebrado, os devedores da quantia peticionada nos presente autos são, no estrito cumprimento da Lei dos Compromissos, os representantes legais que assinaram o contrato em análise, em nome e em representação da Ré - [SCom02...] E.E.M. e vincularam-na, cabendo-lhes assegurar que o faziam no estrito cumprimento de todos os procedimentos e formalidades legais.
18
A Lei n.° 50/2012, de 31 de Agosto, determina no seu art. 21° que a [SCom02...], E.E.M., enquanto empresa pública local, está sujeita aos regimes jurídicos previsto naquela lei, na lei comercial, nos estatutos e, subsidiariamente, ao regime do sector empresarial do Estado.
19
Sobre os Administradores impendia, na fase da celebração do contrato objecto do presente pleito, um especial dever de cuidado e de diligência, sendo-lhes exigido que cumprissem e fizessem cumprir a lei.
20
Tinham também o dever de assegurar uma prudente gestão na administração diária da empresa, no cumprimento das obrigações desta e na ultimação dos negócios que se encontravam pendentes.
21
Todos os Administradores (e, nomeadamente, aqueles que o assinaram) conheciam, e não podiam desconhecer, o contrato celebrado entre A. e a [SCom02...], E.E.M., o relevante interesse público do mesmo e as responsabilidades financeiras inerentes ao mesmo.
22
Todos os Administradores tinham o dever de assegurar que o contrato cumpria os exigidos procedimentos legais, nomeadamente se a [SCom02...] E.E.M. dispunha de fundos disponíveis para pagar a empreitada contratada, no estrito cumprimento dos deveres de cuidado a que estavam obrigados pela função que exerciam.
23
Assim, todos os Administradores são pessoal e solidariamente responsáveis, se houve alguma violação das regras e dos procedimentos impostos pela Lei por parte da [SCom02...], E.E.M., nos termos dos art. 9º, n.° 3 e 11º da Lei dos Compromissos.
24
Sendo neste caso a A. credora de «BB», «AA» e de «CC» pelo montante de € 12.750,00 (doze mil setecentos e cinquenta euros), acrescido dos juros vencidos no valor de € 1.894,60 (mil oitocentos e noventa e quatro euros e sessenta cêntimos) e vincendos até efectivo e integral pagamento, atinentes à empreitada supra referida, valor que a A. reclama desde já.
25
Deduz-se, pois, com os fundamentos que antecedem, o Incidente de Intervenção Principal Provocada:
(…)
- «AA», com domicílio na Rua ... drt° -4450-891 - ... e
(…)
Termos em que, a considerar-se procedente a argumentação deduzida na Contestação, devem os Intervenientes ser condenados no pagamento à A. de € 12.750,00 (doze mil setecentos e cinquenta euros), acrescido dos juros vencidos no valor de € 1.894,60 (mil oitocentos e noventa e quatro euros e sessenta cêntimos) e vincendos até efectivo e integral pagamento, atinentes à empreitada supra-referida.
3
No dia 20/04/2018 foi deferido o pedido incidental de intervenção e ordenada a citação do ora Recorrente e outros.
4
Enfim citado, o Recorrente apresentou a Respectiva contestação em 15/1/2019, mediante articulado cujo teor aqui se dá como reproduzido.
5
Em 16/2/2024 decorreu audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador fixando o objecto do litígio nos seguintes termos:
II. FIXAÇÃO DO OBJETO DO LITÍGIO Nos presentes autos de acção administrativa, em que é Autora [SCom01...], LDA. e Réu Município ..., e intervenientes principais os liquidatários da [SCom02...], «DD» e «EE», E «AA», «CC» E «BB» (ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA), o objecto de litígio consiste em saber, no contexto do contrato de Empreitada de Reparação do Muro do Complexo Desportivo de ..., se assiste à Autora o direito de obter do Réu MUNICÍPIO ou dos INTERVENIENTES o pagamento da quantia de € 12.750,00, correspondente ao montante factura do auto n.º 1, acrescida da quantia de € 1.894,68, a título de juros vencidos; e o montante referente aos juros vincendos desde a instauração desta acção até efectivo e integral pagamento.
6
Na mesma audiência prévia, a Autora verbalizou o seguinte requerimento:
“Requer que lhe seja concedido o prazo de 5 (cinco) dias, após a notificação da junção aos autos do processo administrativo, para que na eventualidade de no mesmo não constarem a totalidade dos documentos, ter a possibilidade de no referido prazo a Autora juntar aos autos documentos que porventura tenha na sua posse.”
7
Dado contraditório, a Mª Juiz verbalizou o seguinte despacho:
Em face do teor do requerimento quanto à eventual junção de documentos após apresentação do processo administrativo nos autos, informe as partes de que o processo administrativo deve ser junto aos autos de forma absolutamente completa, sem prejuízo de, caso o Réu Município não disponha de toda a documentação disso informar os autos, na sequência do qual naturalmente que o Tribunal concederá um prazo de pelo menos 10 (dez) dias para todas as partes, incluindo a Autora, juntarem aos autos documentos que disponha relativos a esse mesmo processo administrativo.”
8
Em 6/3/2024 o Réu Município requereu a junção de 8 documentos, nos seguintes termos:
Município ..., R. no processo em epígrafe, em que é A. [SCom01...], Lda, notificado para juntar diversos documentos, vem informar que não existe processo administrativo constituído, por razões inteiramente imputáveis à [SCom02...]. Assim, vem juntar aos autos:
a) Todos os documentos encontrados referentes a esta empreitada
b) Ficha de cumprimento de procedimentos referente à empreitada
c) Os demais documentos pedidos pelas partes, a saber:
Doc. n.º 1 - Acta do Conselho de Administração da [SCom02...] n.º 192/11, de 10 de Fevereiro de 2011
Doc. n.º 2 - Acta do Conselho de Administração da [SCom02...] n.º 199/11, de 12 de Maio de 2011
Doc. n.º 3 - Acta do Conselho de Administração da [SCom02...] n.º 227/12, de 20 de Dezembro de 2012
Doc. n.º 4 - Parecer do Revisor Oficial de Contas da [SCom02...], E.E.M., de 23 de Setembro de 2013
Doc. n.º 5 - Relatório de Auditoria do Contro Interno e Financeiro da [SCom02...], E.E.M., remetido ao Conselho de Administração a 31 de Maio de 2013, da autoria de “[SCom03...]”
Doc. n.º 6 - Actas da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal referentes à dissolução e liquidação da [SCom02...] 1
Doc. n.º 7 - Relatório de Gestão com Pareceres dos Revisores de Contas e do Fiscal Único e prestação de contas relativos aos exercícios de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015
Doc. n.º 8 - Documento comprovativo da data em que foi comunicado ao Município o relatório intermédio de auditoria.”
9
O teor do sobredito documento 8 é o seguinte:
Acta nº 01— Reunião Ordinária De 12 de Janeiro de 2015
Deliberação:
Deliberado por unanimidade aprovar a redução da taxa em 30% relativa ao licenciamento de divertimento público, solicitado por «FF», nos termos informados.
PÂRQUE BIOLÓGICO ... ALTERAÇÃO DE TITULARIPADE DE CONTA BANCÁRIA
Foi presente o documento referido em epígrafe que se anexa no final por fotocópia sob o n° 46, apenas no original, Despacho do Sr. Presidente: "À Câmara. 07.01.2015”
Deliberação:
Deliberado por unanimidade aprovar a alteração de titularidade da conta ...76 (NIB ...05) no Banco 1.../Agência ..., passando a ser titular o Município ... e que nessa conta apenas sejam creditados os recebimentos por Multibanco, Visa, cheques e transferência e depositados os recebimentos em numerário, nos termos informados.
CONSTITUIÇÃO DE FUNDO DE MANEIO
Foi presente o documento referido em epígrafe que se anexa no final por fotocópia sob o n° 47, apenas no original. Despacho do Sr. Presidente: “À Câmara. 07.01.2015"
Deliberação;
Deliberado por unanimidade aprovar a constituição de um Fundo de Maneio dos serviços do Parque Biológico no valor de € 6.000,00, para fazer face às despesas urgentes e inadiáveis, nos termos informados.
DIVERSOS
AVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÓMICA-FINANCEIRA E CONTEXTUALIZACÃO DA DISSOLUÇÃO DA [SCom02...]
Foi presente o documento referido em epígrafe que se anexa no final por fotocópia sob o n° 48, apenas no original. Deliberação:
A Câmara tomou conhecimento.
INSTALAÇÃO DE FUTURO CENTRO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL PE ... EDOC/2014/...87
Foi presente o documento referido em epígrafe que se anexa no final por fotocópia sob o n° 49, apenas no original. Despacho do Sr. Presidente: “À Câmara. 05.01.2015”
O Sr. Vereador «GG» disse que os Vereadores do PSD congratulam-se com a criação do centro de formação de ..., que se trata de uma iniciativa muito interessante e que deve ser acarinhada, atendendo que ... é um dos concelhos mais fustigados peio desemprego, pelo que, poderá ser uma oportunidade única para muitos desempregados.
Deliberação:
A Câmara tomou conhecimento.”
10
Em 1/6/2018, outros Réus intervenientes, chamados enquanto liquidatários da [SCom02...] - «DD» e «EE» - apresentaram a contestação, cujo teor aqui e dá por reproduzido, destacando o seguinte:
“51. Relevante é que os ditos Senhores Administradores foram julgados no âmbito do processo crime n.º 4887/15...., que correu termos pelo Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia, Juiz ..., onde é sindicada a sua actuação no exercício de funções.
52. E naquele processo foi dado como provado, no que aos presentes autos releva, o seguinte em relação aos administradores da extinta [SCom02...] e ao contrato de empreitada em causa nesta situação em apreço:
(…)
[SCom01...], Lda. Am) Ajuste Directo n.º ...13 - Empreitada de reparação do muro do Complexo Desportivo de ... – valor € 12.750,00 + IVA
1º- O coordenador da área de eventos e infra-estruturas, «HH», subscreveu o pedido de compra na requisição nº. ...24, datada de 24.01.2013, com vista à reconstrução de um muro do Complexo Desportivo de .... A fundamentação da necessidade de contratar encontra-se vertida na informação de 18.02.2013, sob a epígrafe, “Obras ao abrigo da participação à Seguradora, no seguimento das intempéries ocorridas a 19.01.2013”. Foram desde logo indicadas como empresas a consultar, a [SCom04...], Lda., [SCom05...], Lda. e [SCom06...], S.A.
2º- O departamento de compras consultou as empresas [SCom04...], Lda., [SCom05...], Lda. e [SCom06...], S.A., cujos representantes, de forma conluiada, apresentaram os seus orçamentos.
3º- A cabimentação da despesa foi autorizada na requisição, sem aposição de data, pelo arguido «AA». No mesmo documento, a direcção administrativa e financeira Página 17 de 22 (DAF) informou, com data de 02.04.13, que não existiam “fundos disponíveis”, eram negativos, em - 2.182.148,81. Não obstante o Arguido «BB» autorizou a emissão da “ordem de compra”.
4º- No gabinete jurídico foi elaborada minuta da carta-convite e respectivo caderno de encargos em 09.04.2013 e submeteu-os à apreciação da coordenadora do gabinete jurídico, «II», que exarou despacho a alertar para o facto da empresa municipal [SCom02...] estar sujeita à LCPA, que não podiam assumir compromissos que excedam os “fundos disponíveis”. O arguido «BB» lavrou em 9.04.2013 o seguinte despacho “Concordo, fundamental para o funcionamento do equipamento”. No dia 22.04.2013, em reunião ordinária, o Conselho de Administração da empresa municipal [SCom02...], deliberou, por unanimidade e com a presença de todos os membros do Conselho de Administração, ratificar os termos das minutas de carta-convite e de caderno de encargos a enviar à empresa [SCom01...], Lda., no âmbito do ajuste directo nº. 13/2013, referente à empreitada em causa, ratificando a decisão do PCA.
5º- A proposta foi apresentada por esta empresa, única convidada, com data de 20.05.2013, no valor de € 12.750,00 + IVA
6º- Após informação/parecer do gabinete jurídico, a coordenadora «II» alertou para o facto de não poderem assumir compromissos que excedam os “fundos disponíveis”, bem como para a circunstância de a empresa municipal estar em processo de liquidação, com as limitações legais daí decorrentes. No entanto, o arguido «BB», em 27.05.2013, proferiu despacho a adjudicar a obra à empresa proponente com o argumento de que era fundamental para o funcionamento do equipamento.
7º- No dia 3.06.2013, em reunião ordinária, o Conselho de Administração da empresa municipal [SCom02...], deliberou, por unanimidade e com a presença de todos os membros do Conselho de Administração, ratificar os termos da aprovação da proposta apresentada pela empresa [SCom01...], Lda., referente à empreitada de reparação do muro do complexo desportivo de ..., no âmbito do ajuste directo nº. 13/2013
8º- Todos os arguidos, membros do Conselho de Administração, sabiam que a decisão de abertura do procedimento contratual e de adjudicação da empreitada deveriam ter sido tomadas pelo Conselho de Administração e que os “fundos disponíveis” indicados eram negativos.
O arguido «BB» sabia que a despesa era assumida sem registo do compromisso no sistema informático de apoio à execução orçamental e sem emissão de um número de compromisso válido e sequencial.
10º- Os arguidos actuaram nos termos descritos, sabendo que agravavam a situação financeira da empresa municipal [SCom02...] ou da própria Câmara Municipal ..., que poderia ser obrigada a assegurar o pagamento da despesa em causa.”.
Tudo conforme decorre da cópia do Acórdão proferido naqueles autos, que se junta como Doc. nº 6 e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.”
11
Esse articulado foi acompanhado de seis documentos, entre eles o doc. n 6, constituído por uma cópia do acórdão proferido em 25 de Maio de 2018 no processo penal comum nº 4887/15...., acórdão cujo teor aqui se dá por reproduzido, no qual foram arguido o ora recorrente e assistente o aqui Réu Município de ....
12
Em 21 de Março de 2024 o ora Recorrente apresentou o “Articulado Superveniente” que mereceu o despacho recorrido, do qual articulado seleccionamos os seguintes excertos:
“3. De acordo com o doc. nº 8 junto pelo Réu (requerimento ref. 841874, de 06.03.2024) desde 12.01.2015 que o Município Réu tem conhecimento que o Interveniente «AA» alegadamente violou a LCPA, ou permitiu que fosse violada.
4. A responsabilidade que se pretende imputar ao Interveniente tem por fonte o artigo 11º/nº 1 da LCPA.
5. Como se refere naquele diploma legal, trata-se de efectivação de responsabilidade civil,
6. Que, por não ter na sua base um contrato, tem de se enquadrar na responsabilidade civil extracontratual.
7. Ora, o direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual está sujeito a um prazo de prescrição de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (cfr. artigo 498º/nº 1 do CCiv.).
8. Desde pelo menos 12.01.2015 que o Município ..., de acordo com a sua tese, frise-se, tomou conhecimento de um alegado incumprimento da LCPA pelos administradores/liquidatários da [SCom02...].
9. Neste enquadramento, quando o aqui Interveniente é citado para os presentes autos (03.12.2018) já o prazo para ser civilmente demandado tinha expirado.
10. Mostrando-se, assim, prescrito o direito que se pretende exercer contra o Interveniente.
11. A prescrição é uma excepção peremptória que determina a absolvição do Interveniente do pedido, pelo que expressamente vai invocada (artigo 89º/nºs. 1 e 3 do CPTA).
12. Esta factualidade foi conhecida do Interveniente por via do documento ora junto, pelo que se mostra provada a sua superveniência. 13. Os factos que suportam a prescrição são extintivos do direito que o Município e a Autora querem ver reconhecido, pelo que aproveitam ao aqui Interveniente.
TERMOS EM QUE se requer a V. Exa., nos termos do artigo 86º/nº 4 do CPTA, sejam as demais partes notificadas para, querendo, responder no prazo legal de 10 dias ao presente articulado.”

A fundamentação do despacho recorrido é redutível aos seguintes excertos do mesmo:
«Tal como decorre do artigo 86.°, n.° 2 do CPTA, estando em causa uma situação de superveniência subjectiva, não basta que o apresentante do articulado alegue o conhecimento posterior dos factos, impondo-se que faça prova da superveniência. E mais se diga que, neste caso, “(...) é necessário demonstrar que a parte desconhecia a existência do facto, sem que lhe seja imputável negligência grave por esse desconhecimento, e só nessa hipótese é que poderá alegá-lo em momento posterior aos articulados iniciais” (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Femandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.1 edição - reimpressão, Coimbra, Almedina, 2022, p. 689).
(…)
Reportando novamente ao caso, verifica-se que o Interveniente «AA», alega que o facto que justifica a apresentação do articulado superveniente — i.e., desde 12-01-2015 que o Município ... teria conhecimento que o interveniente violou (ou permitiu que fosse violada) a LCPA — apenas chegou ao seu conhecimento aquando da junção do aludido doc. n.° 8 junto pelo Município em 06-03-2024.
Quanto à superveniência do conhecimento desse facto, nada mais é alegado. Ademais, o Interveniente «AA» não demonstra que desconhecia a existência do invocado facto, sem que lhe pudesse ser imputável qualquer negligência grave por esse desconhecimento.
Além disso, e tal como sustentou o Réu, Município ... (cfr. fls. 3175 dos autos), não pode ignorar-se que constam já no presente processo documentos que permitem extrair conclusão diversa quanto à superveniência do conhecimento do facto invocado pelo Interveniente, como seja o acórdão proferido em 25-05-2018 no processo crime que envolveu os ex-administradores da [SCom02...], E.E.M. ([SCom02...]), entre os quais o Interveniente «AA», e em que o Réu, Município ... se constituiu assistente e deduziu pedido de indemnização cível (cfr. Doc. n.° 6 junto com a contestação apresentada pelos liquidatários da [SCom02...], em representação do Município, a fls. 257 dos autos).
Ora, o Interveniente «AA» foi arguido naquele processo crime, autuado em 2015 e cujo acórdão foi proferido em 2018, portanto não se afigura plausível que apenas com a junção do documento do Município, em 06-03-2024, tenha tomado conhecimento de que aquele Município sabia que o Interveniente violou (ou permitiu que fosse violada) a LCPA.
De tal modo, não se verifica a alegada superveniência do conhecimento do facto invocado, nos termos exigidos pelo artigo 86.°, n.° 2 do CPTA, pelo que só pode concluir-se pela inadmissibilidade do articulado ora em questão.»

Voltemos à questão acima enunciada.

Questão
O despacho recorrido, ao não admitir o articulado superveniente apresentado pelo ora Recorrente, erra no julgamento de direito, violando o artigo 86º do CPTA?

O Recorrente sintetiza bem um dos fundamentos do despacho recorrido, designadamente na primeira parte da conclusão na conclusão 2ª: “A fundamentação do despacho recorrido assenta em dois vectores: por um lado o Recorrente não alegou factualidade suficiente que justificasse a superveniência do conhecimento”.
Porém, ao indicar o segundo “vector”, - “no processo crime em que foi julgado (e absolvido) seguramente tomou conhecimento do relatório” – claudica, confundindo dois factos, a saber, o seu conhecimento do relatório de uma auditoria à [SCom02...], por um lado, e o seu conhecimento do conhecimento do teor deste relatório pelo Município de ..., por outro, sendo certo que é neste último conhecimento do conhecimento que ele pretende fundamentar o direito a alegar, após a contestação, no articulado rejeitado, esse outro facto novo, de que o Município tem conhecimento da alegada violação da lei dos compromissos mediante o firmar do contrato da Empreitada de Reparação do Muro do Complexo Desportivo de ..., desde pelo menos 12 de Janeiro de 2015.
Ora, precisamente, o que a Mª Juiz a qua expressa e concretiza, quando invoca o processo crime em causa é que, se o Município se constituiu assistente nesse processo, em que o Recorrente era arguido por factos integrantes da violação da Lei dos Compromissos, designadamente na outorga do contrato de empreitada da Reparação do Muro do Complexo desportivo de ..., já então poderia saber que a Município sabia da sua violação da lei dos compromissos hic et nunc invocada contra si.
E na verdade, neste circunstancialismo de facto não é, sem mais, verosímil que o ora Recorrente, quando apresentou a sua contestação, em 15/1/2019, desconhecesse e tivesse razões válidas para desconhecer que o Município de ..., detentor do capital da empresa Municipal [SCom02...] e assistente naquele processo penal, ignorava os factos integrantes da alegada violação da Lei dos compromissos na outorga do contrato da empreitada acima referido.
Cumpre ainda notar que, ante um “documento nº 8” com o singelo teor que acima transcrevemos, urgia que o Requerente, esse sim, explicitasse e concretizasse por que modo é que de tal teor, tão breve e conclusivo, resultava que ele, Requerente, tivesse sido, só então, surpreendido com o conhecimento de que o Município sabia desde pelo menos 12 de Janeiro de 2015 da alegada violação da lei dos compromissos na outorga do contrato de empreitada da “Reparação do Muro do Complexo Desportivo de ...”. Com efeito, o trecho susceptível de ser esse a que o Réu Recorrente se arrima não vai além destes dizeres:
“DIVERSOS
AVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÓMICA-FINANCEIRA E CONTEXTUALIZACÃO DA DISSOLUÇÃO DA [SCom02...]
Foi presente o documento referido em epígrafe que se anexa no final por fotocópia sob o n° 48, apenas no original. Deliberação:
A Câmara tomou conhecimento”
O documento “referido em epígrafe” será um escrito contendo ou intitulado “avaliação da situação da situação económica-financeira e contextualizacão da dissolução da [SCom02...]”. Isso consegue-se alcançar. Mas, não sendo alegado o teor desse escrito, especialmente do ou dos seus segmentos eventualmente alusivos ao contrato de empreitada da Reparação do Muro do Complexo Desportivo de ... e sua violação da “lei dos compromissos”, o Tribunal permanece sem poder concluir que do conhecimento do “documento em epígrafe” resultava o conhecimento de que o Réu ora Recorrente violara ou permitira que se violasse a “Lei dos compromissos” ao outorgar daquele contrato. Ora se nem o “conhecimento”, pelo Município, se mostra ilustrado no “documento 8” vindo a referir, muito menos esse “conhecimento do conhecimento”, pelo Reu Recorrente, pode resultar da simples junção de tal documento.
Em conclusão, quem ostensivamente incumpre com o ónus de concretizar os factos integrantes da superveniência do seu conhecimento do facto que agora pretende alegar é o Recorrente.
Assim sendo, jugamos que a fundamentação do despacho recorrido não incorre no alegado erro de julgamento de direito.

Conclusão
Do exposto resulta que o recurso improcede.

Custas
Vencido, o Recorrente arcará com as custas do recurso: artigo 527º do CPC.

Dispositivo
Assim, acordam, em conferência, os juízes da subsecção de contratos públicos da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 20/6/2025

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Maria Clara Alves Ambrósio
Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa