Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00240/17.3BEVIS-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/02/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL; INCIDENTE DE LEVANTAMENTO DE EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO; ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:
1 – Dispõe o artigo 103º-A do CPTA, sob a epígrafe “Efeito suspensivo automático”, que “(…) A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.(…)” [cfr. nº.1].
Em qualquer caso, “(…) a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 120.º (…)” [cfr. nº.2], sendo que “(…) o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.”
2 - Não está em causa ponderar valores ou interesses em si, mas danos ou prejuízos, que numa prognose relativa às circunstâncias do caso concreto, possam emergir ou não, do levantamento do efeito suspensivo dos efeitos do ato impugnado.
3 - A ponderação a efetuar deve ser feita entre prejuízos ou danos e não entre os interesses em presença, sendo que a lei não consagra qualquer prevalência do interesse público face aos demais interesses em conflito, tanto mais que não se trata de ponderar o interesse público com o interesse privado, visto o que está em conflito são as consequências que podem resultar da concessão ou da sua recusa para todos os interesses envolvidos, independentemente da sua natureza.
4 – Em concreto, não tendo o Município logrado demonstrar que o adiamento da execução do ato concursado seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, não restará ao Tribunal outra alternativa que não a de conservar eficaz a regra da manutenção do efeito suspensivo automático.
5 – À instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, o que se não vislumbra, mormente enquanto erro de julgamento, muito menos, patente, ostensivo palmar ou manifesto. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de Viseu
Recorrido 1:RT SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Município de Viseu, devidamente identificado nos autos, no âmbito de Ação de Contencioso Pré-Contratual, intentada pela RT SA, relativa ao Concurso Público para concessão do Serviço Público para o Transporte de Passageiros Municipal – Mobilidade Urbana de Viseu – MUV, tendo suscitado incidente de levantamento do efeito suspensivo, nos termos do Artº 103º-A do CPTA, inconformado com a decisão proferida no TAF de Viseu em 6 de novembro de 2017, que manteve o efeito suspensivo automático, veio recorrer jurisdicionalmente da referida decisão para esta instância.

Concluiu-se no referido Recurso:
“I – OBJECTO DO RECURSO
1. Em 11.05.2017, a RT, SA, e ora recorrida, interpôs ação de contencioso pré-contratual com vista à impugnação do Concurso Público para a “Concessão do Serviço Público de Transporte de Passageiros Municipal – Mobilidade Urbana de Viseu - MUV”, lançado pelo Recorrente Município de Viseu através do Anúncio n.º 7473/2015, publicado no Diário da República n.º 236, II Série de 02.12.2015, e republicado, por força da prorrogação de prazo para a apresentação de propostas, no Diário da República, nº 135/2016, II Série, de 15/7/2016, sendo que, como é sabido, por força desta impugnação, nos termos do artigo 103º-A do CPTA, foi automaticamente suspensa a execução do contrato, celebrado em 16.05.2017.
2. O ora Recorrente requereu o levantamento do efeito suspensivo automático nos termos do artigo 103º-A do CPTA, mas, feita a produção de prova determinada, entendeu o Mmº Tribunal a quo não estarem preenchidos os requisitos necessários para o levantamento do efeito suspensivo requerido, indeferindo-o. É esta a Decisão objeto de recurso.
3. Entende-se - sempre com o devido e maior respeito - que o Tribunal a quo não avaliou nem julgou corretamente parte da prova produzida, o que teve como consequência direta o não ter dado como provados factos que o deveriam ter sido e que, necessariamente levariam à prolação duma outra decisão; está aqui em causa a modificabilidade da decisão relativa à matéria de facto, que será o objeto da primeira parte do presente recurso.
4. Mas, ainda que não se entenda haver lugar à alteração da matéria de facto e, consequentemente, uma decisão favorável - o que não se espera – entende o Recorrente, com os fundamentos que se explanarão, que sempre o MMº Tribunal a quo devia ter decidido em sentido diverso. Vejamos então…
II. MATÉRIA DE FACTO
5. Com interesse para o presente recurso o MMº Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos [FP] (cfr. Decisão em recurso fls.9):
1) O presente processo judicial tem por objeto o Concurso Público para a “Concessão do Serviço Público de Transporte de Passageiros Municipal – Mobilidade Urbana de Viseu-muv”, lançado pela ED através do Anúncio republicado no Diário da República, II Série nº 135/2016 de 15/7/2016.
2) O valor do preço base do procedimento era de € 8.000.000,00, sendo 5,67 milhões o valor proposto pelo concorrente para os circuitos urbanos C1+C2, 0,4 milhões o valor da Linha Azul do Centro Histórico, 0,93 milhão o DTR (Demand Responsiv Transport (oferta relativa à procura) e 1,0 milhão o valor para o funicular,
3) O critério de adjudicação era o da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com os fatores e subfactores acompanhados dos respetivos coeficientes de ponderação que constam do Anexo III do Programa de Procedimentos - (cfr. anúncio em D.R., Doc. nº 1 e programa de procedimentos e caderno de encargos juntos à p.i. como Doc.s nºs 3 e
4) Por Despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de Viseu, de 20 de Fevereiro de 2017 (publicado na plataforma na mesma data e, logo, desde então do conhecimento de todos os concorrentes), foi aprovada a adjudicação do serviço concursado à “EBC, Ld.ª”, cujo valor total da proposta foi de € 5.783.618,20 – como resulta do Doc. nº 13 junto à p.i..
5) Tal Despacho foi ratificado na reunião ordinária da Câmara Municipal de Viseu de 23 de Fevereiro de 2017 (Doc. nº 2).
6) No seguimento da entrega dos documentos de habilitação por parte do adjudicatário, o contrato de concessão foi celebrado e assinado a 16 de maio de 2017, tudo como resulta do documento que ora se junta e se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (Doc. nº 3).
7) Este serviço agora concessionado visa assegurar a continuidade do transporte coletivo de passageiros do concelho de Viseu, até aqui efetuado através do “Serviço de Transportes Urbanos de Viseu – STUV”, concessão da ED com a duração de 20 anos, com início em Junho de 1995, cujo termo ocorreu em 31 de Maio de 2015.
8) Para assegurar a continuidade do serviço de transporte urbano de passageiros no concelho de Viseu a ED recorreu a procedimento de ajuste direto.
9) O serviço de transporte urbano de passageiros do concelho de Viseu é atualmente assegurado pela EBC, Lda.
10) O Tribunal de Contas ainda não concedeu o “Visto”.
11) Com a comunicação da adjudicação à concorrente “EBC, Ld.ª”, esta realizou já investimentos, designadamente, na aquisição de viaturas novas - Docs. nºs 4, 5, 6, 7 e 8.
III. DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Factualidade:
6. Nos termos do disposto no art.º 103º-A, n.º 4, o efeito suspensivo será levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.
7. Entendeu o Mmº Tribunal não estarem preenchidos os requisitos necessários para decretar o levantamento, até porque, encontrando-se assegurada a continuidade do transporte coletivo de passageiros do concelho de Viseu até agora existente, nenhum prejuízo existe para o interesse público.
8. Acontece que, contrariamente ao entendido pela douta Decisão em recurso, o grande objetivo da concessão lançada a concurso não foi assegurar a continuidade do existente, mas, antes, alterar de forma significativa o serviço público de transporte de passageiros, serviço a que anterior concessão, de 1995, já não conseguia dar resposta.
9. Com a nova concessão fica assegurada a mobilidade de todos os munícipes (ou quaisquer outros utentes que visitem a cidade), dentro da própria cidade, com a criação de duas novas linhas urbanas, o que não existia; passam a existir mais linhas, com mais cobertura, com maior frequência, período de funcionamento mais alargado, tudo assegurado por uma frota de autocarros totalmente novos e por sistemas integrados de bilhética e de informação, que consubstanciam manifestamente um serviço novo, quantitativa e qualitativamente superior, que não existia na concessão anterior e que há muito era reclamado pelas populações; para além disso, o serviço de transporte escolar, como o serviço do funicular, passem a ser assumidos pelo novo concessionário sem custos para o Município. Esta factualidade foi alegada nos artigos 13º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 32º, do requerimento do incidente.
Vejamos o que a este propósito ficou demonstrado.
1.Prova produzida
«Prova testemunhal» Reapreciação da prova gravada
10. Em 16.10.2017, começou por ser ouvida a testemunha HCOD, engenheiro civil, Diretor de Departamento de Obras Municipais e Ambiente da Câmara Municipal de Viseu, que - acompanhou o concurso em causa nos autos, e explicou, com clareza, o conceito de mobilidade e as grandes inovações que de pretendem. [00’:00” a 51’:16” do registo digital dos depoimentos prestados]
11. Deste depoimento - designadamente aos minutos (05’:22”), (13’:38”), (15’:52”) e (16’:40”) - extraem-se os seguintes factos:
• Com o concurso sub iudice há a criação de duas novas linhas C1 e C2, que circulam no centro de Viseu, passando por vários pontos, por várias escolas, vários serviços públicos, pelos locais de maior densificação de unidades comerciais, de saúde, o que permite que no interior da cidade as pessoas, de 10 em 10 minutos, passem a ter um autocarro que liga os locais referidos dentro da cidade; este serviço que não existia.
• Permite-se que quem tem um bilhete das linhas concelhias o possa usar nestas linhas urbanas, sem qualquer custo adicional.
• Estas novas linhas urbanas, inexistentes na atual concessão, permitem que as pessoas se possam deslocar dentro da cidade em transporte público, o que até agora só podia ser feito a pé, em transporte próprio ou táxi.
• Os custos do transporte escolar que na anterior concessão significavam um encargo de cerca de 500.000,00€ anuais, vão ser absorvidos pela nova concessão.
• O objeto da nova concessão é totalmente diferente daquilo que existia; com a nova concessão o Município passa a ter transportes coletivos e transportes coletivos urbanos, que, com a atual não tem.
• Ao longo dos últimos anos, tem havido reclamações das populações quanto à necessidade de transporte dentro da cidade.
12. Em segundo lugar, foi ouvida a testemunha PCSAFMG, engenheira civil, chefe de Divisão de Estudos e Projetos da Câmara Municipal de Viseu, que teve intervenção no procedimento, aferiu que a qualidade do serviço não é a mesma, e concretizou o tipo de serviços que se pretende implementar [51’:17” a 01:23’:20” do registo digital dos depoimentos prestados]
13. Deste depoimento - designadamente aos minutos (55’:20”) e (01:01”:58”), extraem-se os seguintes factos:
• Com o desenvolvimento da cidade nos últimos 20 anos, os polos geradores de passageiros e utentes do serviço público de transporte saíram do centro da cidade, estão mais longe, junto ao Hospital, à Universidade Católica, a centros comerciais nos bairros mais suburbanos, que para se deslocarem entre esses polos e dentro da cidade não tinham transportes; só se podiam deslocar a pé ou em viatura própria;
• As duas novas linhas C1, C2, urbanas, vão permitir o transporte público destes utentes dentro da cidade, o que até aqui era inexistente, com um horário de 10 em 10 minutos, passando a ter mais mobilidade, e que também vai diminuir o número de viaturas na cidade;
• Os passageiros do exterior do concelho e das periferias, quando chegam ao centro da cidade têm o mesmo passe, permitindo-lhes andar nestas linhas C1 e C2 sem mais custos.
• As populações dos bairros novos, à volta do centro da cidade não tinham transporte para o centro da cidade, nem dentro do centro da cidade, pelo que, há muito reclamavam as mudanças trazidas com a nova concessão;
• O transporte escolar na concessão anterior é pago separadamente, representando um custo para o Município à volta dos 500.000,00€/600.000,00 €/ano, valores que vão ser absorvidos por esta concessão e que o Município deixa de pagar.
14. Foi também ouvida a testemunha CMCCR, engenheira civil, técnica superior da Divisão de Estudos e Projetos, da Câmara Municipal de Viseu, esteve na equipa do concurso, concretizou o tipo de serviços que se pretende implementar [01:23’:21” a 01:46’:13” do registo digital dos depoimentos prestados]
15. Deste depoimento - designadamente aos minutos (01:25’:50”) (01:28’:48”) (01:29’:57”) (01:31’:28”) (01:35’:17”) - extraem-se os seguintes factos:
• Em comparação com a concessão, até aqui em vigor e que se iniciou em 1995, esta nova concessão traz mais oferta, quer de horários, quer de frequências, nas linhas concelhias, únicas linhas que transitaram da anterior concessão para esta;
• Tudo o resto é novo: as duas novas linhas urbanas, a C1 e a C2, é nova a linha azul que é feita com os veículos elétricos não poluentes no centro histórico, é novo o transporte a pedido para as freguesias de baixa densidade, e é novo também incluir no mesmo bolo da concessão o funicular;
• As novas linhas urbanas tocam os polos geradores de passageiros, quer do centro da cidade, como dos bairros periféricos (seja do Politécnico, do Tribunal, algumas escolas, centros comerciais, os parques), linhas urbanas que pretendem criar uma oferta urbana que não existe e que tem sido reclamada pelas populações;
• Uma das obrigatoriedades que resulta da nova concessão é a absorção gradual do transporte escolar, o que é também uma vantagem em termos de custos para o Município
• Por força das reclamações, queixas e das manifestas necessidades das pessoas, o Município definiu uma estratégia de mobilidade que resultou nesta concessão e que permite que fiquem mais bem servidas, com uma oferta substancialmente maior do que aquela que hoje têm e que não responde às necessidades atuais.
16. Em último lugar, foi ouvida a testemunha HMPC, engenheiro mecânico, consultor da empresa adjudicatária e que acompanhou a elaboração da proposta. [01:46’:36” a 02:15’:18” do registo digital dos depoimentos prestados]
17. Deste depoimento - designadamente aos minutos (01:50’:55”), (01:52’:11”) (01:55’:15) e (01:59’:54”) - extraem-se os seguintes factos:
• Se se compararem as duas concessões, com mais de 20 anos de distância, a nova tem mais dois circuitos urbanos que serão efetuados por mais oito viaturas; são serviços dentro da cidade que permitem às pessoas que vêm do exterior do concelho e chegam ao centro, ter transporte para o seu destino, utilizando um único título de transporte para qualquer uma das linhas C1 e C2;
• Estas novas linhas e serviços que a nova concessão traz eram reclamadas pelas populações, designadamente a necessidade duma maior oferta de serviço, amplitude horária, maior frequência, soluções de mobilidade que permitissem chegar a locais dentro da cidade de transporte público, o que passará a ser possível com as linhas C1 e o C2;
• Para além disso, a nova concessão traz mais-valias, designadamente no que diz respeito às viaturas, que têm de ser novas, todas com acesso a pessoas com mobilidade reduzida, todas com suporte para bicicletas, todas com informação ao público em tempo real (próxima paragem, horários, tempo de chegada da viatura, aquisição de títulos de transporte), um conjunto de novas soluções que não eram possíveis em 1995.
• O adjudicatário já fez um conjunto de investimentos, designadamente no que diz respeito às viaturas, encomendadas propositadamente e de acordo com os requisitos e características estipuladas pelo concurso sub iudice.
«Prova documental
18. Acresce que, também quanto à prova documental se entende que não foi devidamente valorada e, consequentemente, também não foram dados como provados factos que o deviam ter sido.
19. Desde logo, no que diz respeito aos dois últimos factos resultantes do depoimento desta última testemunha, entende-se que conjugados com os documentos n.º 4, 5, 6, 7 juntos ao requerimento inicial do incidente, bem como com dos documentos 5 a), 6, 6 a) e 7 a) do requerimento de resposta apresentado pelo Recorrente em 21.07.2017, também devia ter sido dada como provada a factualidade alegada pelo ora Recorrente no artigo 46º, designadamente quanto ao montante dos investimentos já feitos pelo adjudicatário.
20. Para além disso, não foram tidos em consideração, quer o programa de procedimento, quer o caderno e encargos, constantes do p.a. e juntos à p.i. como documentos n.º 3 e 4, e que, conjugados com todos os depoimentos das testemunhas supra referidos levariam também a uma outra decisão.
21. Por sua vez, também não foi dada como provada em que data a ora Recorrida deu entrada da ação de contencioso pré-contratual, nem a data em que a mesma tomou conhecimento da adjudicação, factualidade alegada nos artigos 8º e 36º do requerimento inicial e que resulta inequívoca dos documentos dos autos.
2. Dos concretos pontos de facto que se entendem incorretamente julgados
22. Deste modo, e atento o acabado de expor, da factualidade resultante dos aludidos depoimentos e da identificada prova documental, o Mmº Tribunal a quo devia ter dado como provados os factos alegados pelo ora Recorrente nos artigos 8º, 13º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 32º, 36º, 46º e 47º do requerimento do incidente, o que, com o devido respeito, erradamente não fez.
3. Decisão relativa à matéria de facto a proferir
23. Assim sendo, como se entende, nos termos do artigo n.º 662º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, deverá ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto dando-se como provados, e aditando-os à matéria provada, os seguintes factos:
n) Só a 29 de Maio de 2017 a ED é citada para os termos da ação de contencioso pré-contratual intentada pela A. em 11 de Maio do corrente ano (cfr. art.8º RI).
o) Está em causa nos presentes autos a concessão do serviço público de transporte de passageiros municipal de Viseu, cujo desiderato é o de assegurar a mobilidade urbana dos munícipes e de todos quantos visitam a cidade, através de uma oferta integrada que envolve o transporte público de passageiros em autocarros, funicular e em viaturas ligeiras de passageiros - sistema denominado “DRT – Demand Responsive Transport” – cfr. programa de procedimento junto à p.i. como Doc. nº 3. (cfr. art.13 RI).
p) “este serviço transporta anualmente cerca de 1.750.000 passageiros (2013) (...) A área de concessão do serviço STUV abrange o concelho de Viseu (...) O perímetro urbano de Viseu possuí cerca de 52.500 habitantes, concentrando mais de metade da população concelhia (...) A amplitude/dispersão da malha urbana e das áreas funcionais, obrigam a população a estar dependente do STUV e das deslocações em automóvel que permitam a sua articulação entre as diferentes áreas funcionais (...).(cfr. art.24º RI).
q) O serviço ora concessionado almeja muito mais do que a simples continuidade do anterior serviço de transporte urbano de passageiros, o STUV. (cfr. art.25º RI).
r) Com o novo MUV, a ED pretende, de modo efetivo, aumentar a mobilidade das pessoas, dotando a cidade de “soluções inovadoras e otimizadas de mobilidade, com particular incidência no transporte público coletivo, que conduzam a melhorias efetivas e a um maior conforto nas deslocações urbanas” – ainda do ponto 1. Contextualização do Programa de Procedimentos. (cfr. art.26º RI).
s) A concurso estavam “para além de 20 das atuais 22 linhas da rede STUV (...) uma nova linha (entre a cidade de Viseu e Silgueiros, servindo as localidades de Silvares e Casal Meão), dois novos circuitos urbanos (que substituem a atual linha AZUL), uma Linha Azul (Centro Histórico), um sistema de Demand Responsive Transport (DRT) e um Funicular”, (cfr. art.27º RI).
t) “O Concessionário deverá ajustar, em período escolar, a oferta de modo a absorver o maior número de circuitos escolares” – cfr. Ponto 2.Sistema a Concurso do Programa de procedimentos. (cfr. art. 28º RI).
u) Do não levantamento do efeito suspensivo decorreria a impossibilidade da ED assegurar a continuidade da oferta de transporte coletivo de passageiros, como o incremento visado pelo novo concurso, a saber, a introdução de novas linhas e novas soluções de transporte, como o DRT - para melhor elucidação deste serviço, cfr. pág. 111 do caderno de encargos -, e incorporação dos circuitos escolares no serviço MUV. (cfr. art.29º RI).
v) Do novo serviço adjudicado resultará o aumento do número de linhas, de horários, de frequência (intervalos de passagem) e de período de funcionamento do transporte, a renovação total da frota, substituindo-se viaturas usadas por frota nova, de emissões reduzidas e dotada de outras comodidades, como GPS/GSM, ecrãs de informação interiores programáveis ou de transmissão em tempo real, novo sistema de bilhética sem contacto, sistema de informação e divulgação, planos de oferta e de procura, estratégias de eficiência energética e ambiental, de informação e promoção dos transportes sustentáveis, de modernização e inovação incluindo facilidades para pessoas com mobilidade reduzida, de uma nova imagem integrada no “branding” do município - tudo como melhor resulta do programa de procedimentos, caderno de encargos e proposta vencedora – cfr. Docs. nºs 3, 4 e 7 junto à p.i. pela A. RT. (cfr. art.30º RI).
w) É este interesse público, na sua dupla vertente, de continuação da disponibilização de um serviço público de transporte de passageiros e do incremento desse mesmo serviço com uma oferta mais alargada, quantitativa e qualitativamente superior que não pode ficar comprometido e que não pode ceder perante o interesse que a A. RT visa proteger. (cfr. art.32º RI).
x) A adjudicação ocorreu a 20 de Fevereiro de 2017, data em que foi publicada na plataforma informática a respetiva decisão, de que o A. teve conhecimento nessa data, face à dita forma de publicitação. (cfr. art. 36º RI).
y) Com a comunicação da adjudicação à concorrente “EBC, Ld.ª” e a ulterior assinatura do contrato, esta realizou já investimentos que ascendem a € 4.088.136,48, designadamente na aquisição de viaturas novas - (cfr. art.46º RI).
z) Aprestam-se ainda para realizar outros investimentos, designadamente na bilhética e outros acessórios para as viaturas (cfr. art.47º RI).
IV. DECISÃO A PROFERIR
24. A regra consagrada no novo artigo 103º - A do CPTA, depois da revisão de 2015 e que resulta da transposição da Diretiva nº 2007/66/CE, de 11 de Dezembro, que veio introduzir alterações à “Diretiva Recursos” (Diretiva nº 89/665/CEE, de 21 de Dezembro) (transposição em que, como tem sido dito, o legislador nacional foi bem mais longe do que as soluções vertidas na legislação comunitária, v.g., efeito suspensivo automático abranger a execução do próprio contrato), tem sido abordada na Doutrina e em diversa Jurisprudência no sentido de que na decisão a tomar não está em causa ponderar o interesse público com o interesse privado, mas sim os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou da recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados.
25. Da matéria que se entende dever ser dada como provada, resulta manifesto que a nova concessão de serviço público de transporte de passageiros objeto do concurso sub iudice, traz importantíssimas alterações ao sistema de transportes até aqui existente, alterações que foram impostas pelas reiteradas reclamações das populações que, com a anterior concessão, com mais de 20 anos e desajustada das realidades atuais, não tinham um verdadeiro serviço público de transporte.
26. Deste modo, caso o efeito suspensivo automático não seja levantado e, logo, não se possa dar início à nova concessão, todas as populações que a mesma pretende servir ficarão prejudicadas, com uma área de cobertura mais pequena – confrontando a área abrangida pelo atual serviço, STUV, e o concessionado, MUV -, havendo muitos locais que não terão transporte, assim como haverá menos horários, viaturas muito mais antigas, além de todas as outras virtualidades que o novo serviço visa alcançar, desde intermodalidade, DRT, transporte escolar mais amplo, sistema de bilhética e de informação inovadores, tudo em benefício do utente dos transportes; por outro lado, o Município continuará a ter que assegurar os custos inerentes quer ao transporte escolar, quer ao funicular.
27. Com o devido respeito, e contrariamente ao entendimento do Mmº Tribunal a quo, a continuidade do serviço de transportes anteriormente existente (por nada ter que ver com esta nova concessão), e o facto do Município dispor de meios jurídicos para o continuar a assegurar, não afasta estes prejuízos, já que o que está efetivamente em causa com o não levantamento do efeito suspensivo é o facto das populações não poderem usufruir do NOVO serviço de transportes, com as melhorias e os incrementos comprovados.
28. Por outro lado, e também não concordando com a Decisão em recurso, a possibilidade das populações virem a usufruir de todos os benefícios e incrementos da nova concessão assim que esteja decidida a ação de contencioso pré-contratual, também não afasta os referidos prejuízos.
29. É que na decisão a tomar, designadamente na apreciação dos prejuízos decorrentes do não levantamento da suspensão, tem que ser sopesado o tempo que poderá demorar o processo de contencioso pré-contratual sub iudice, que se adivinha longo, atento o volume, complexidade, prova a produzir e eventuais recursos da decisão final.
30. O MMº Tribunal a quo, fez uma errada interpretação do verdadeiro interesse público que está aqui em causa e que, de facto, o tempo que poderá correr até que seja decidido o processo de contencioso pré-contratual, pode efetivamente trazer prejuízos graves para este interesse.
31. Acresce que, outros e relevantes prejuízos estão em causa. Como resultou provado há investimentos que já foram feitos pela adjudicatária, no montante de €4.088.136,48, que se destinam exclusivamente à presente concessão.
32. Ora, o não levantamento do efeito suspensivo não permite que o investimento já realizado possa ser utilizado e rentabilizado na exploração do serviço a que se destinava, sendo que, o tempo expectável para a prolação duma decisão final num processo com esta dimensão, pode comprometer significativamente este investimento, com inegáveis prejuízos para adjudicatária.
33. Para além disso, não se pode concordar que, para desvalorizar “o tempo” e fundamentar a não existência de prejuízos, se diga que ainda não foi concedido o Visto do Tribunal de Contas, necessário para que o contrato possa produzir efeitos; no dia de amanhã esse visto pode existir e, logo, o adjudicatário já estaria em condições de executar o contrato, de rentabilizar o investimento já feito e comprovado.
34. Também a Recorrida não logrou provar qualquer prejuízo decorrente do levantamento do efeito suspensivo, como resulta manifesto que inexistirá qualquer dano nessa hipótese; mas ainda que assim seja sempre pode obter a reparação dos seus danos por via indemnizatória.
35. Por último, para a decisão a tomar também não pode deixar de se sublinhar a questão da caducidade do direito de ação alegada pelo Recorrente em sede de contestação na ação principal. Sendo manifesto, ainda que de forma perfunctória, que a ação de contencioso pré-contratual foi interposta fora de prazo e não resultando provados quaisquer prejuízos para a Recorrida que, em tese, sempre poderiam ser ressarcíeis a final – não é razoável, justo, nem consentâneo com os princípios subjacentes ao contencioso pré-contratual, que a suspensão perdure até que haja – não se sabe quando – uma decisão final, ou mesmo, até que esta questão seja apreciada em sede de saneamento processual.
36. Pelo exposto e da alteração a matéria de facto que se defende, entende-se que a situação fáctica apurada e provada permite concluir que há, de facto, graves e especiais prejuízos para o interesse público; há, de facto e também, consequências lesivas (quer para o interesse público, quer para a adjudicatária) claramente desproporcionais para os outros interesses envolvidos (os da Recorrida) se se mantiver a suspensão, quando comparados com hipotéticos prejuízos para o interesse público ou hipotéticas consequências lesivas (não provadas) que poderão advir com o levantamento que com o presente incidente se requer.
37. Dúvidas não restam que se encontram preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para o levantamento do efeito suspensivo automático nos termos do disposto do artigo 103º - A, n.º 4.
38. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da factualidade sub iudice e, por isso, uma incorreta aplicação de direito – violou designadamente os artigos 103º-A, n.º 2 e n.º 4, 120º, n.º 2 do CPTA, e o artigo 268º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa - pelo que deve, nos termos do artigo 662º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, revogada a Decisão em recurso e consequentemente proferida Decisão que julgue provado e procedente o pedido de levantamento do efeito suspensivo requerido, com todas as consequências legais.
V - SEM PRESCINDIR,
A não se entender assim, o que só por hipótese académica se admite.
39. A entender-se não haver lugar à alteração da matéria de facto – o que não se espera – entende-se que, ainda assim, a presente recurso deverá ser julgado procedente, já que mesmo com a matéria dada como assente o Tribunal a quo devia ter decidido em sentido diferente.
40. Tal conclusão tem fundamento no já alegado, designadamente os motivos de discordância relativamente à motivação que levou a essa Decisão (cfr. ponto IV supra) e que, por razões de economia processual se dão aqui por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais, permitindo-nos, no entanto, reiterar sucintamente o seguinte:
41. Na decisão proferida sobre a matéria de facto resulta provada a dimensão, importância e valores em causa com a nova concessão posta a concurso, cujo serviço, porque novo, não ficará assegurado se se mantiver a concessão de 1995; que no dia 20.02.2017, foi aprovada a adjudicação do serviço posto a concurso à contrainteressada Berrelhas, decisão publicada na plataforma na mesma data e, desde então, do conhecimento de todos os concorrentes, logo da aqui Recorrida; que no seguimento da adjudicação foi celebrado e assinado o respetivo contrato, em 16.05.2017, e que foram feitos investimentos pela adjudicatária Berrelhas, designadamente de viaturas novas, conforme resulta dos documentos n.ºs 4, 5, 6, 7 e 8 do RI.
42. Ora, face a esta matéria - e como se disse - caso não seja levantado o efeito suspensivo e, logo, não se possa dar início à nova concessão, todas as populações que a mesma pretende servir ficarão prejudicadas, pois – como decorre das peças do procedimento - tratam-se dum serviço completamente novo, há muito exigido que ao Município cabe assegurar. Para além disso, caso e mantenha a suspensão o Município terá de continuar a assegurar os custos inerentes quer ao transporte escolar, quer ao funicular.
43. Acresce que, como resulta provado, os avultados investimentos já feitos pela adjudicatária (constantes dos documentos nºs 4, 5, 6, 7 e 8 do RI), ficarão, também, gravemente comprometidos se a suspensão se mantiver, atento o tempo expectável - de nunca menos de 2 anos - até que haja uma decisão final. Como se disse, estes interesses não foram, erradamente, tidos em consideração pelo Mmº Tribunal e, tendo-o sido, exigiam uma outra decisão.
44. O Tribunal a quo desvaloriza o tempo que poderá decorrer até que haja uma decisão final - não avaliando devidamente as consequências graves que poderão advir desse tempo (longo) para todos os interesses envolvidos – entendendo-se que não pode de argumento para tal a inexistência do Visto do Tribunal de Contas que, em qualquer momento, mesmo próximo, pode ser concedido, permitindo o início da concessão.
45. Por fim, a douta Decisão em recurso não avaliou a inexistência de qualquer prejuízo para ora Recorrida com o levantamento requerido, (prejuízo que, a existir – o que não se concede – sempre seria indemnizável em sede principal), como não sopesou a possibilidade forte da procedência da invocada caducidade do direito de ação que não se coaduna com a manutenção da suspensão.
46. Pelo exposto, entende-se que mesmo face à factualidade dada como provada, sempre o Tribunal a quo devia ter concluído pela existência de graves e especiais prejuízos para o interesse público e pela existência de consequências lesivas (quer para o interesse público, quer para a adjudicatária) claramente desproporcionais para os outros interesses envolvidos (os da Recorrida) se se mantiver a suspensão, quando comparados com hipotéticos prejuízos para o interesse público ou hipotéticas consequências lesivas (não provadas) que poderão advir com o levantamento que com o presente incidente se requer.
47. Deste modo, e em todo o caso, deverá ser revogada a Decisão proferida por errada interpretação da factualidade sub iudice e por incorreta aplicação de direito – violando designadamente os artigos 103º-A, n.º 2 e n.º 4, 120º, n.º 2 do CPTA, e o artigo 268º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, e, consequentemente, proferida Decisão que julgue provado e procedente o pedido de levantamento do efeito suspensivo requerido, com todas as consequências legais. Assim,
E confiando-se no douto suprimento de Vossas Excelências, Deve ser dado provimento ao presente recurso, com todas as consequências legais.
Assim se fazendo inteira justiça!”
*
A RT SA veio a apresentar as suas Contra-alegações e Recurso em 8 de janeiro de 2018, nas quais concluiu (Cfr. fls. 205 a 221 Procº físico):
a) Ao invés do alegado pela Recorrente nas suas alegações de recurso, a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto teve em conta todos os elementos de prova relevantes que foram carreados para os autos, sendo insuscetível de qualquer espécie de censura;
b) Tal como resulta da motivação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo analisou todas as provas (documentais e testemunhais) relevantes, não restando quaisquer dúvidas sobre as bases em que fundou a sua livre convicção, ou seja, tendo em conta “todos os documentos juntos aos autos, complementados nos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de inquirição”, tal como consta da pág.10. da douta decisão recorrida;
c) A Recorrente, não conformada com a decisão recorrida, faz tábua rasa da prova produzida, pretendendo agora repetir o julgamento dos factos em sede de recurso. A sua pretensão é obter a apreciação da prova produzida quanto a toda a matéria subjacente aos presentes autos, independentemente da sua relevância para efeitos da decisão do presente incidente;
d) Ora, a pretensão da Recorrente é inadmissível em sede de recurso, como é entendimento pacífico da jurisprudência e da doutrina. O segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não pode equivaler a um segundo julgamento da matéria de facto (o Tribunal ad quem aprecia unicamente os aspetos sob controvérsia), nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o Tribunal a quo, apesar do registo da prova por escrito ou através da gravação dos depoimentos oralmente prestados;
e) Pelo que, a pretensão da Recorrente em obter um autêntico novo julgamento sobre a matéria de facto (e não uma reapreciação da decisão do Tribunal a quo) deve ser liminarmente rejeitada;
f) A Recorrente imputa à douta decisão do Tribunal a quo erro de julgamento quanto à matéria de facto, uma vez que deveriam ser aditados ao probatório os factos constantes dos artigos 8.º, 13.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º, 36.º, 46.º e 47.º do requerimento do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, tal como referido nos Pontos 9 e 22 das conclusões das suas alegações;
g) A Recorrente sustenta esta pretensão com base na prova documental correspondente aos DOCS. n.ºs 4, 5, 6 e 7 juntos ao requerimento inicial do incidente, bem como aos DOCS. 5 a), 6, 6 a) e 7 a) do requerimento de resposta apresentado pela Recorrente em 21.07.2017, e ainda com base no depoimento das testemunhas inquiridas pelo Tribunal a quo, a saber, HCOD, PCSAFMG, CMCCR e HMPC;
h) Em relação à prova testemunhal, é preciso ter em consideração que a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto deve ser harmonizada com o princípio da livre apreciação da prova, decidindo o Tribunal a quo de acordo com a sua prudente convicção acerca de cada facto. É pacífico na nossa jurisprudência que o duplo grau de jurisdição da matéria de facto em nada subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador, princípio vertido no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA;
i) Em sede de recurso jurisdicional, o tribunal superior apenas deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão judicial recorrida se, após ter sido a mesma reapreciada, for evidente que, segundo a razoabilidade, foi mal julgada na instância de origem;
j) Não basta, assim, que a Recorrente discorde da matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo e divirja do critério de relevância que foi tido em consideração. Tem de ser indicada prova evidente que permita ao Tribunal ad quem reapreciar a matéria de facto em causa e avaliar se, efetivamente, houve erro de apreciação da mesma por parte do tribunal de primeira instância;
k) O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do primeiro julgador não seja razoável, por se revelar manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, conciliando-se assim a relevância dos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova com a garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto;
l) Por outro lado, estamos no âmbito de um incidente processual e, nessa medida, o Tribunal a quo apenas aprecia a prova necessária para efeitos de verificação do cumprimento dos requisitos legais previstos no artigo 103.º A do CPTA. Logo, a Recorrente não pode pretender que o Tribunal a quo se tivesse debruçado sobre todos os factos alegados no seu requerimento, pois a maioria deles não relevam para a presente decisão (para além, bem entendido, de não estarem demonstrados);
m) Não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha desconsiderado quaisquer factos que devesse considerar ou que não tenha adequadamente ponderado a factualidade relevante, de entre a alegada pela Recorrente, para efeitos de decisão do presente incidente processual;
n) No artigo 8.º do requerimento do incidente, a Recorrente alega que foi citada para os termos da presente ação de contencioso pré-contratual no dia 29.05.2017, tendo a propositura da dita ação ocorrido no dia 11.05.2017;
o) Adicionalmente, no artigo 36.º do requerimento do incidente, a Recorrente alega que a adjudicação do contrato de concessão ocorreu no dia 20.02.2017, data em que foi publicada na plataforma eletrónica e que a Entidade Recorrida teve conhecimento da mesma;
p) Todavia, as alegações da Recorrente não procedem. Contrariamente ao que afirma, à data de apresentação da presente ação em Tribunal, a Entidade Recorrida não tinha sido notificada do despacho do Senhor Vice-Presidente datado de 20.02.2017, tendo apenas tomado conhecimento, pela consulta presencial do processo no dia 12.04.2017, da ratificação daquele despacho pela Câmara Municipal de Viseu em 23.02.2017. Assim, só no dia 09.06.2017 a Recorrente notificou a Entidade Recorrida, quer do despacho do Senhor Vice-Presidente de 20.02.2017, quer do ato de ratificação da Câmara Municipal de Viseu de 23.02.3017;
q) Para além de que, a referida matéria nada ter que ver com os factos que devem ser apurados para efeito do levantamento do efeito suspensivo automático ao abrigo do disposto no artigo 103.º A do CPTA, tal como resulta, aliás, da pág. 17 do douto despacho recorrido, em que se pode ler: “quanto à tempestividade da ação, a questão será apreciada em sede de saneamento processual e se a mesma proceder, a decisão do processo até será mais célere”;
r) Por conseguinte, os factos invocados nos artigos 18.º e 36.º do requerimento de incidente não devem ser aditados à matéria probatória, contrariamente ao solicitado pela Recorrente nas suas alegações de recurso;
s) A Recorrente alega, no artigo 13.º do requerimento do incidente, que está em causa nos presentes autos a concessão do serviço público de transporte de passageiros de Viseu, com vista a assegurar a mobilidade urbana dos munícipes e de todos quantos visitam a cidade, através de uma oferta integrada que envolve o transporte público de passageiros em autocarros, funicular e viaturas ligeiras de passageiros;
t) Sucede que, o douto despacho recorrido deu como provado o objeto do Concurso Público para a “Concessão do Serviço Público de Transporte de Passageiros Municipal – Mobilidade Urbana de Viseu-muv”, lançado pela Recorrente através do anúncio republicado no Diário da República, II Série, n.º 135/2016, de 15/7/2016, tal como consta da pág. 9;
u) Por conseguinte, o aditamento à matéria de facto dada como provada do teor do artigo 13.º do requerimento do incidente, com a redação proposta pela Recorrente, é na realidade desprovido de sentido, uma vez que o Tribunal a quo teve efetivamente em consideração o objeto do concurso em causa, único facto com relevo para a decisão do incidente em apreço;
v) Os artigos 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º e 32.º do requerimento do incidente invocados pela Recorrente respeitam, essencialmente, às vantagens que passam a existir na cidade de Viseu, no entendimento da Recorrente, com a adjudicação do contrato de concessão ao concorrente B…;
w) A Recorrente ao citar os referidos artigos está, pois, a referir-se ao alegado aumento da mobilidade das pessoas, ao aumento do número de passageiros que o serviço atualmente transporta, aos novos circuitos urbanos previstos, ao aumento do número de linhas, aos horários, frequências e de períodos de funcionamento do transporte, à renovação da frota, aos novos sistemas de bilhética sem contacto, ao sistema de informação e divulgação, aos planos de oferta e de procura, entre outros;
x) Por outras palavras, a Recorrente afirma que a solução de mobilidade ou de transporte público resultante da adjudicação do concurso público em questão ao concorrente B… é melhor do que a solução atualmente existente em matéria de transportes e, como tal, caso se mantenha o efeito suspensivo resultante do artigo 103.º A do CPTA, os cidadãos de Viseu não poderão usufruir das alegadas vantagens da nova solução;
y) Para demonstrar tal entendimento, vem invocar parte dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em sede de primeira instância e alguns documentos juntos com o requerimento do incidente;
z) Porém, a Recorrente seleciona arbitrariamente determinadas passagens dos depoimentos prestados pelas testemunhas, por forma a retirar as afirmações do contexto global em que foram realizadas, transcrevendo as respostas isoladas dadas às questões colocadas pela sua Ilustre Mandatária;
aa) É preciso ter em consideração que, apesar das respostas transcritas nas alegações de recurso da Recorrente, as testemunhas responderam a várias outras questões, essas sim com relevo para a decisão do presente incidente, mas que não foram valorizadas pela Recorrente, nem transcritas nas suas alegações de recurso;
bb) Da leitura do depoimento integral das testemunhas inquiridas, conclui-se que a cidade de Viseu está atualmente servida de transportes públicos, sendo assegurados os transportes escolar e flexível;
cc) Por conseguinte, ao contrário do alegado pela Recorrente, não ocorreu qualquer situação grave no plano da satisfação do interesse público da mobilidade e dos transportes, assim como não ocorrerá se se mantiver a mesma solução até que o Tribunal a quo julgue a presente ação administrativa;
dd) Na verdade, a Recorrente não analisou corretamente a proposta do concorrente B… porque, se o tivesse feito, teria constatado que a mesma é inexequível, desde logo porque os meios que apresenta são técnica e objetivamente insuficientes para cumprir os serviços que propôs (horários e frequências), pelo que é muito maior o risco para os cidadãos de Viseu que a execução da nova solução de mobilidade se inicie, com o risco sério de ser incumprida, do que manter por mais algum tempo a solução intermédia existente;
ee) Pelo que andou bem o Juiz do Tribunal a quo ao remeter para o julgamento da presente ação a análise das matérias acima indicadas, as quais em nada relevam para efeitos de determinação da verificação dos requisitos legais previstos no artigo 103.º A do CPTA;
ff) O que verdadeiramente importa, e o Tribunal a quo considerou bem, são as declarações das testemunhas em relação à atual situação dos transportes públicos na cidade de Viseu, das quais resulta que estes se encontram devidamente assegurados. Em relação a esta matéria, as testemunhas inquiridas foram muito claras;
gg) Tanto a testemunha COD, aos 00:44:13 e segs., como a testemunha CCCR, aos 01:41:54 e segs., afirmaram que o transporte escolar e o transporte flexível, se encontram assegurados pela Câmara de Viseu;
hh) Em relação às linhas de transporte público existentes, a testemunha CCR, salientou, aos 01:45:35 e segs., que as mesmas estão a funcionar e a servir as populações, não sendo prejudicadas pela propositura da presente ação judicial;
ii) Em relação às infraestruturas que devem estar finalizadas com vista a acolher e/ou implementar a nova solução de mobilidade, a testemunha HCOD, aos 00:49:06 e segs., e a testemunha PCMG, aos 01:21:58 e segs., evidenciaram que os parques de estacionamento e as ciclovias ainda não estão operacionais. Os parques de estacionamento estão em fase de adjudicação, na sequência de concurso público internacional e a construção das ciclovias encontra-se em fase de lançamento de concurso;
jj) Conclui-se, por conseguinte, que ao invés do alegado pela Recorrente, ainda se encontram em curso obras necessárias à concretização da implementação da nova concessão de transportes na cidade de Viseu, pelo que a manutenção do efeito suspensivo até que seja tomada uma decisão na ação principal em nada agravará o interesse público em causa nos presente autos;
kk) Acresce, com crucial relevo para a decisão dos presentes autos, que o visto do Tribunal de Contas ainda se encontra pendente. Esta circunstância deve-se, presumivelmente, ao facto de existirem sérias e fundadas dúvidas acerca da legalidade deste procedimento concursal. Este facto é reconhecido expressamente pela testemunha HCOD, aos 00:45:30 e segs.;
ll) Quanto aos factos constantes dos artigos 46.º e 47.º do requerimento inicial, respeitantes aos alegados investimentos que a concorrente B… terá realizado até à presente data, a Recorrente não faz prova dos mesmos tal como lhe competia;
mm) Os DOCS. 5 a), 6), 6 a) e 7 a) que a Recorrente invoca são declarações que por si mesmas não atestam nada, muito menos qualquer compromisso financeiro definitivo ou irreversível para o concorrente B…. Tratam-se de meras notas de encomenda, não assinadas por quem tem poderes para vincular a referida sociedade, estando desacompanhadas do comprovativo dos pagamentos realizados, não indicando quaisquer prazos e, em alguns casos, o preço ou outras condições comerciais;
nn) Quanto aos demais documentos invocados pela Recorrente nas suas alegações de recurso – Doc. 4, Doc. 5, Doc. 6, Doc. 7 e Doc. 8 –, os mesmos consubstanciam uma listagem de trabalhadores da concorrente B…, um contrato de leasing de autocarros datado de 09.05.2017, uma nota de encomenda e um contrato de compra e venda de carroçarias, todos anteriores à data do contrato de concessão e com prazos de entrega que não coincidem sequer com o início da execução do contrato de concessão;
oo) Se o concorrente B… já fez investimentos, fê-los por sua exclusiva conta e risco, uma vez que o n.º 2 da cláusula 5.ª do contrato de concessão é claro quando diz que: “o presente contrato não produz quaisquer efeitos antes do visto do Tribunal de contas, iniciando-se em pleno a exploração do serviço até 120 dias após a comunicação do visto do Tribunal de Contas”;
pp) Sem prejuízo do exposto, e tal como o Tribunal a quo salienta a págs. 17 da sua douta decisão, os investimentos realizados com a aquisição de viaturas não perdem a sua validade, nem o seu valor económico, por um eventual atraso, circunstância que foi tida em devida consideração pelo julgador, ao invés do alegado pela Recorrente nas suas alegações de recurso;
qq) Face ao exposto, ao invés do alegado pela Recorrente, concluímos que o Tribunal a quo não cometeu qualquer erro de julgamento da matéria de facto, máxime no que concerne à factualidade que considerou como não provada, devendo a este respeito ser julgado totalmente improcedente o recurso apresentado;
rr) Em relação à matéria de direito, vem a Recorrente alegar que, ao invés do decidido pelo Tribunal a quo, os pressupostos legalmente exigidos para o levantamento do efeito suspensivo automático se encontram preenchidos e que, por conseguinte, a decisão proferida viola os artigos 103.º A, n.º 2 e n.º 4, e 120.º, n.º 2 do CPTA, assim como o artigo 268.º, n.º 4, da CRP;
ss) Estatui o artigo 103.º A do CPTA, sob a epígrafe “Efeito suspensivo automático”, que a impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do atuo impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado;
tt) Dispõe ainda o referido preceito legal que a entidade demandada ou os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando para o efeito que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos;
uu) O levantamento do efeito suspensivo vai depender da demonstração – alegação e prova – por parte da Recorrida de que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos;
vv) No que aqui releva, mais se refere no n.º 4 do artigo 103.º A do CPTA que “o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento”;
ww) Deste modo, o deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático assenta numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e privados), por aplicação do n.º 2 do artigo 120.º do CPTA;
xx) In casu, e tal como expressou a decisão recorrida, é insofismável perante a factualidade apurada que a Recorrente não demonstrou que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. Aliás, como também flui da decisão recorrida, não há a possibilidade de no presente incidente se discutir a legalidade de quaisquer atos, mas unicamente proceder à ponderação de prejuízos, apelando a um juízo de proporcionalidade;
yy) O levantamento do efeito suspensivo automático exige a demonstração e prova da gravidade dos danos que resultariam para o interesse público e/ou da desproporcionalidade de todo o tipo de danos que da manutenção do efeito suspensivo resultariam para os demais interesses envolvidos, sendo que só depois se impõe realizar um juízo de ponderação dos prejuízos invocados;
zz) Ora, a convicção do Tribunal a quo foi no sentido de que a Recorrente não logrou demonstrar que a manutenção do efeito suspensivo será gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, nem muito demonstrou que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo são superiores aos que podem resultar do seu levantamento;
aaa) Os argumentos invocados pela Recorrente nas suas alegações de recurso não têm qualquer fundamento legal;
bbb) O primeiro argumento da Recorrente é o de que o procedimento concursal se arrastou e o Município de Viseu, alegadamente por força do artigo 5.º, n.º 5, do Regulamento n.º 1370/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23.10.2007, já não pode recorrer a nenhum ajuste direto para assegurar o serviço público de transporte de passageiros;
ccc) Ora, o citado Regulamento aplica-se a situações de rutura ou de risco iminente de rutura dos serviços, algo que nada tem que ver com o facto de ter cessado o contrato existente (com os Serviços de Transportes Urbanos de Viseu – STUV) e de o Município ter contratado por ajuste direto outro operador, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º do CCP, que não impõe qualquer limite temporal ao número de ajustes diretos;
ddd) O segundo argumento da Recorrente consiste em alegar que a solução de mobilidade ou de transportes que decorre do concurso é melhor do que a atualmente existente e, como tal, os cidadãos não vão beneficiar das vantagens da nova solução caso se mantenha o efeito suspensivo;
eee) Deve contrapor-se a este propósito que, para além de não existir ainda visto do Tribunal de Contas, é no mínimo discutível que a solução apresentada pelo concorrente B… seja de facto mais benéfica para os cidadãos da cidade de Viseu, porque os meios que apresenta são técnica e objetivamente insuficientes para prestar os serviços a que se propôs;
fff) Na realidade, o risco para o interesse público é muito maior caso se inicie a execução da nova solução de mobilidade do que o que resulta de se manter por algum tempo a solução existente;
ggg) No que respeita à ponderação de interesses, não assiste qualquer razão à Recorrente, porquanto não foram demonstrados graves prejuízos para o interesse público se não se proceder ao levantamento do efeito suspensivo;
hhh) A Recorrente limitou-se a invocar, genericamente, que o concorrente B… realizou um investimento no montante de €4.088.136,48, com base nos DOCS. 4, 5, 6 e 7 juntos. Sucede que os documentos em causa, como já se evidenciou, não demonstram o montante do investimento alegado;
iii) No plano da ponderação de interesses, é muito menos oneroso para a Recorrente aguardar que o Tribunal a quo aprecie a presente ação administrativa, mantendo até lá o serviço público de transporte de passageiros nos moldes em que está hoje a funcionar, do que ter de indemnizar, a posteriori, todas as partes envolvidas no presente diferendo;
jjj) Não está em causa, contrariamente ao alegado pela Recorrente, o facto de as populações passarem a ter transporte público com a nova concessão. Os habitantes da cidade de Viseu têm serviço público de transporte, o qual se encontra devidamente assegurado, tal como foi demonstrado por via do depoimento das testemunhas da própria Recorrente;
kkk) À luz do exposto, as consequências para o interesse público são as consequências normais do diferimento da execução imediata do contrato, que não são susceptíveis ipso facto de comprometer de modo grave, muito menos de modo excecionalmente relevante, o interesse público;
lll) In casu, apenas estão em causa as consequências naturais de uma suspensão de efeitos, consequências que o legislador – nacional e da União Europeia – obviamente equacionou quando traçou e definiu o regime da suspensão automática ope legis;
mmm) Portanto, considerando os factos alegados pela Recorrente e a prova junta, e uma vez ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo mostram-se claramente inferiores aos que podem resultar do seu levantamento;
nnn) Pelo exposto, não se verificam os pressupostos normativos previstos no artigo 103.º A do CPTA para o levantamento do efeito suspensivo dos atos impugnados, devendo a douta decisão recorrida que o indeferiu manter-se, julgando-se improcedentes as alegações de recurso da Recorrente.
Termos em que devem as presentes contra-alegações ser consideradas procedentes, por provadas e, em consequência, nos termos supra explanados, ser totalmente indeferido o Recurso interposto pelo Município de Viseu, mantendo-se na integra a sentença recorrida.”
*
Já neste Tribunal, foi o Ministério Público notificado em 15 de fevereiro de 2018, nada tendo vindo dizer, requerer ou Promover.
*
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscitam, predominantemente, questões conexas com a apreciação feita relativamente à apreciação da matéria de facto.

III – Dos Factos
Foi em 1ª instância, na decisão aqui Recorrida, fixada a seguinte factualidade provada:
1) O presente processo judicial tem por objeto o Concurso Público para a “Concessão do Serviço Público de Transporte de Passageiros Municipal – Mobilidade Urbana de Viseu-muv”, lançado pela ED através do Anúncio republicado no Diário da República, II Série nº 135/2016 de 15/7/2016.
2) O valor do preço base do procedimento era de € 8.000.000,00, sendo 5,67 milhões o valor proposto pelo concorrente para os circuitos urbanos C1+C2, 0,4 milhões o valor da Linha Azul do Centro Histórico, 0,93 milhão o DTR (Demand Responsiv Transport (oferta relativa à procura) e 1,0 milhão o valor para o funicular,
3) O critério de adjudicação era o da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com os fatores e subfactores acompanhados dos respetivos coeficientes de ponderação que constam do Anexo III do Programa de Procedimentos - (cfr. anúncio em D.R., Doc. nº 1 e programa de procedimentos e caderno de encargos juntos à p.i. como Doc.s nºs 3 e 4).
4) Por Despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de Viseu, de 20 de Fevereiro de 2017 (publicado na plataforma na mesma data e, logo, desde então do conhecimento de todos os concorrentes), foi aprovada a adjudicação do serviço concursado à “EBC, Ld.ª”, cujo valor total da proposta foi de € 5.783.618,20 – como resulta do Doc. nº 13 junto à p.i..
5) Tal Despacho foi ratificado na reunião ordinária da Câmara Municipal de Viseu de 23 de Fevereiro de 2017 (Doc. nº 2).
6) No seguimento da entrega dos documentos de habilitação por parte do adjudicatário, o contrato de concessão foi celebrado e assinado a 16 de maio de 2017, tudo como resulta do documento que ora se junta e se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (Doc. nº 3).
7) Este serviço agora concessionado visa assegurar a continuidade do transporte coletivo de passageiros do concelho de Viseu, até aqui efetuado através do “Serviço de Transportes Urbanos de Viseu – STUV”, concessão da ED com a duração de 20 anos, com início em Junho de 1995, cujo termo ocorreu em 31 de Maio de 2015.
8) Para assegurar a continuidade do serviço de transporte urbano de passageiros no concelho de Viseu a ED recorreu a procedimento de ajuste direto.
9) O serviço de transporte urbano de passageiros do concelho de Viseu é atualmente assegurado pela EBC, Lda.
10) O Tribunal de Contas ainda não concedeu o “Visto”.
11) Com a comunicação da adjudicação à concorrente “EBC, Ld.ª”, esta realizou já investimentos, designadamente, na aquisição de viaturas novas - Docs. nºs 4, 5, 6, 7 e 8.”

IV – Do Direito
Em síntese, o Recorrente/Município suscita a reapreciação da matéria de facto subjacente aos presentes autos, de modo a justificar que seja levantado o efeito suspensivo automático do ato de adjudicação discutido no Processo Pré-contratual, relativo à “Concessão do Serviço Público de Transporte de Passageiros Municipal – Mobilidade Urbana de Viseu MUV”.
No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...)
Tendo presente o que está consagrado no nº 2 do artigo 103º-A do CPTA importa determinar, aferir da matéria provada, se o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
Assim, resulta da matéria provada que este serviço agora concessionado visa assegurar a continuidade do transporte coletivo de passageiros do concelho de Viseu, até aqui efetuado através do “Serviço de Transportes Urbanos de Viseu – STUV”, concessão da ED com a duração de 20 anos, com início em Junho de 1995, cujo termo ocorreu em 31 de Maio de 2015.
Para assegurar a continuidade do serviço de transporte urbano de passageiros no concelho de Viseu a ED recorreu a procedimento de ajuste direto.
O serviço de transporte urbano de passageiros do concelho de Viseu é atualmente assegurado pela EBC, Lda.
O Tribunal de Contas ainda não concedeu o “Visto”.
Com a comunicação da adjudicação à concorrente “EBC, Ld.ª”, esta realizou já investimentos, designadamente, na aquisição de viaturas novas - Docs. nºs 4, 5, 6, 7 e 8.
Ora, deste novo serviço adjudicado resultará certamente um aumento do número de linhas, de horários, de frequência (intervalos de passagem) e de período de funcionamento do transporte, a renovação total da frota, substituindo-se viaturas usadas por frota nova, de emissões reduzidas e dotada de outras comodidades, como GPS/GSM, ecrãs de informação interiores programáveis ou de transmissão em tempo real, novo sistema de bilhética sem contacto, sistema de informação e divulgação, planos de oferta e de procura, estratégias de eficiência energética e ambiental, de informação e promoção dos transportes sustentáveis, de modernização e inovação incluindo facilidades para pessoas com mobilidade reduzida, de uma nova imagem integrada no “branding” do município - tudo como melhor resulta do programa de procedimentos, caderno de encargos e proposta vencedora – cfr. Docs. nºs 3, 4 e 7 junto à p.i. pela A. RT.
Havendo à partida vantagens inegáveis para os cidadãos e para a mobilidade destes, mas não se põe em crise em caso de não levantamento do efeito suspensivo, uma vez que poderá ser levado a efeito após a decisão dos presentes autos, tanto mais que há vários procedimentos concursais em curso e ainda em fase de lançamento, para efetivação deste nova solução de mobilidade integrada.
Pelo que, não poderemos concluir que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
Assim, no presente momento, nenhum prejuízo resulta provado para o interesse público, originado pelo diferimento da execução do contrato celebrado em execução da deliberação de adjudicação posta em causa, não se verificando, ao contrário do alegado genericamente pela entidade demandada, quaisquer consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, nomeadamente a adjudicatária que, para além de ter celebrado, com a entidade demandada, o contrato referido da matéria de facto assente, sempre poderá, em caso de improcedência da ação de contencioso pré-contratual, executar os serviços que lhes foram adjudicados no caso vertente.
Acresce que os investimentos efetuados não perdem a sua validade nem o seu valor económico pelo eventual atraso.
Ademais, o contrato ainda não foi objeto de Visto do Tribunal de Contas, sendo que o n.º 2 da Cláusula Quinta do Contrato de Concessão diz expressamente o seguinte: “O presente contrato não produz quaisquer efeitos antes do Visto do Tribunal de Contas, iniciando-se em pleno a exploração do serviço até 120 dias após a comunicação do visto do Tribunal de Contas” e o Município de Viseu confirmou que não tem o “Visto”, porquanto foram solicitados esclarecimentos pelo Tribunal de Contas, o que ficou patente pelo depoimento das testemunhas.
Se se mantiver o efeito suspensivo do procedimento concursal não está em risco o serviço público de transporte de passageiros na cidade de Viseu porquanto o Município de Viseu dispõe de meios jurídicos para continuar a assegurar o mesmo, estando os demais serviços a ser prestados, designadamente, os transportes escolares e o funicular.
Quanto à tempestividade da ação, a questão será apreciada em sede de saneamento processual e se a mesma proceder, a decisão do processo até será mais célere.
Logo, a presente ação produzirá os efeitos de suspensão automática previstos no dito artigo 103-A do CPTA.
Pelo exposto, sem necessidade de outros considerandos, indefere-se o pedido, mantendo-se o efeito suspensivo automático decorrente do disposto no n.º 2 do artigo 103.º - A do CPTA.”
Vejamos:
Impõe-se antes de mais, enquadrar normativamente a controvertida questão, seguindo de perto o referido no Acórdão deste TCAN nº 02296/16.7BELSB, de 11.05.2017.
Com efeito, dispõe o artigo 103º-A do CPTA, sob o título “Efeito suspensivo automático”, que “(…) A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.(…)” [cfr. nº.1].
Em qualquer caso, “(…) a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 120.º (…)” [cfr. nº.2], sendo que “(…) o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.”
Não está tanto em causa ponderar valores ou interesses em si, mas danos ou prejuízos, que numa prognose relativa às circunstâncias do caso concreto, possam emergir ou não, do levantamento do efeito suspensivo dos efeitos do ato impugnado.
Importa pois aferir e ponderar, designadamente, o interesse público entendido como “(...) manifestação direta ou instrumental das necessidades fundamentais de uma comunidade política e cuja realização é atribuída, ainda que não em exclusivo, a entidades públicas.”, [cfr. José Carlos Vieira de Andrade, Dicionário Jurídico da Administração Pública, Vol V, Lisboa/1993, págs. 275/282], fazendo-se um juízo de prognose no tocante às consequências para o interesse público das alternativas em presença.
Diga-se que o novel 103º-A do CPTA, resulta da transposição da Diretiva nº 2007/66/CE, de 11 de dezembro, que veio introduzir alterações à “Diretiva Recursos” (Diretiva nº 89/665/CEE, de 21 de dezembro), visando “(…) melhorar a eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos, atento às deficiências que estas apresentavam, onde «figura, em especial, a inexistência de um prazo que permita interpor um recurso eficaz entre o momento da decisão de adjudicação e o de celebração do contrato em causa», o que «conduz a que as entidades adjudicantes, que pretendam tornar irreversíveis as consequências da decisão de adjudicação contestada, procedam rapidamente à assinatura do contrato” (cfr. considerando nº 4 da aludida Diretiva).
A intenção dessa Diretiva foi, assim, e designadamente, a de evitar a constituição de situações de facto consumado na pendência dos processos judiciais resultante de uma «corrida à assinatura» dos contratos” (Acórdão do TCA Sul de 28/10/2010, proc. 06616/10).
Neste sentido, refere Carlos Cadilha que a “Diretiva 2007/66/CE teve por principal finalidade corrigir ou atenuar a situação (…) de défice de tutela jurisdicional dos participantes em procedimentos de contratação pública, em particular no que respeita à possibilidade de impugnação, em momento útil, do ato decisivo deste tipo de procedimentos (o ato de adjudicação).
Tal défice resultava de algumas deficiências que atingiam, em termos de configuração e eficácia, os sistemas de contencioso em matéria de contratação pública que vigoravam nos vários Estados-membros no início do processo de revisão da Diretiva “Recursos”. (…) A prática demonstrava que a «anulação de contratos públicos na sequência da anulação de atos pré-contratuais da entidade adjudicante era uma situação claramente excecional». A celebração e início de execução do contrato tendia a tornar material ou juridicamente irreversíveis as infrações ao direito da contratação pública - pelo menos no plano da reparação natural, por via da reconstituição da situação jurídico-procedimental existente antes de tais infrações” (Contencioso pré-contratual, in “Julgar”, 2014, pág. 208).
A regra consagrada no CPTA, após a revisão de 2015, é pois a de que a impugnação de ato de adjudicação faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado, reservando ao tribunal a faculdade de verificar o preenchimento dos pressupostos para a manutenção dessa suspensão.
Com efeito, assim não será se “o diferimento da execução do ato for gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (…)” (artigo 103º-A, nº 2, do CPTA).
À luz do mencionado artigo 103º-A do CPTA, a regra geral é a da proibição de execução do ato, podendo tal efeito suspensivo automático ser afastado se se demonstrar que tal é gravemente prejudicial para o interesse público ou que os danos que resultariam da sua suspensão seriam claramente superiores àqueles que resultariam do seu levantamento.
Como se sumariou no Acórdão de 23/09/2016, no proc. 00166/16.8BEPRT-A, “Tendo presente que, nos termos do artigo 103º-A do CPTA, o efeito suspensivo automático só pode ser afastado se se demonstrar que tal é gravemente prejudicial para o interesse público ou que os danos que resultariam da sua suspensão seriam claramente superiores àqueles que resultariam do seu levantamento, a circunstância de não resultar provado nenhum dano decorrente da manutenção desse efeito suspensivo é suficiente para, sem necessidade de mais ponderação, se indeferir o pedido apresentado pela Recorrente.”
Feito o enquadramento normativo da controvertida questão, analisemos então a mesma em concreto, em função do Recurso Jurisdicional apresentado.
Desde logo, há um conjunto de situações que não podem deixar de ser evidenciadas, qual sejam, estarmos em presença de um Processo Pré-contratual, por natureza urgente, e não ter sido ainda obtido o “visto” do Tribunal de Contas, o que determina a inexequibilidade do concursado, o que conjuntamente mitiga manifestamente a relevância do requerido levantamento do efeito suspensivo automático do ato objeto de impugnação.

Em qualquer caso, veja-se o suscitado:
Da Matéria de Facto
Refira-se que resulta dos elementos disponíveis que o Tribunal a quo fundamentou adequada e suficientemente a decisão adotada, atenta a prova documental e testemunhal a que se socorreu para firmar a sua convicção.
No entanto, invoca o Recorrente que o Tribunal a quo inadvertidamente não terá dado como provados os factos que alegou nos artigos 8.º, 13.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º, 36.º, 46.º e 47.º do requerimento do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático., o que determinaria a verificação de erro na decisão quanto ao julgamento da matéria de facto.
À instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, o que se não vislumbra, mormente enquanto erro de julgamento, muito menos, patente, ostensivo palmar ou manifesto.
O tribunal a quo, como lhe competia, limitou-se a socorreu-se, do princípio da livre apreciação da prova produzida, para dar como assente, a materialidade controvertida, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 362.º e seguintes do Código Civil e 607.º, n.ºs 4 e 5, do atual Código de Processo Civil.
Não se vislumbra pois que tenha ocorrido qualquer erro de julgamento, muito menos, patente, ostensivo, manifesto ou palmar, sublinhando-se até que não estamos perante uma decisão final do Processo, mas face à discussão de um mero incidente processual relativamente ao qual apenas será de apreciar a prova necessária para efeitos de verificação do cumprimento dos requisitos legais previstos no artigo 103.º A do CPTA.
Recorda-se que "Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida" (Vg. Acórdão do STA, de 14/04/2010, no Proc. n.º 0751/07).
No caso vertente, o tribunal a quo especificou os meios de prova que serviram de suporte à concreta decisão sobre a factualidade dada como assente, fundamentado suficiente e adequadamente a sua opção.
A Sentença do tribunal a quo fez, como se impunha, a ponderação, valoração e interpretação da prova disponível, designadamente testemunhal, em função das regras da experiência comum, de modo a firmar a sua livre convicção, não se mostrando objeto de qualquer censurabilidade, sendo que o Recorrente não logrou demonstrar o contrário ao longo das longas 45 páginas do recurso dedicadas à matéria de facto.
A apreciação recursiva não pode pois equivaler a um segundo julgamento da matéria de facto, sendo que o tribunal, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
Como se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 00595/13.9BEVIS, de 07/07/2017, “o tribunal a quo ao fixar a materialidade controvertida, terá de assentar na prova disponível, recorrendo ao princípio da livre apreciação da prova produzida, como resulta dos artigos 366.º do Código Civil e 607.º, n.ºs 4 e 5, do novel Código de Processo Civil.
Não é suposto que o tribunal cuide de selecionar e fixar todos os factos que se mostrem provados, mas tão-só aqueles que sejam relevantes para a boa decisão da causa.
O julgador deve proceder ao julgamento de facto, selecionando da alegação feita pelas partes aquela realidade factual concreta tida por provada e necessária à apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas da causa, não sendo de exigir a fixação ou a consideração de factualidade que se repute ou se afigure despicienda para e na economia do julgamento da causa, na certeza de que daquele juízo estarão sempre arredadas todas as alegações de direito e ou conclusões insertas nos articulados.”

Objetivando, sempre se dirá o seguinte:
Do erro quanto à apreciação da matéria de facto
Como se disse já, o Recorrente imputa à decisão do Tribunal a quo, erro de julgamento quanto à matéria de facto, uma vez supostamente deveriam ter sido incluídos na matéria dada como provada, os factos alegados nos artigos 8.º, 13.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º, 36.º, 46.º e 47.º do seu requerimento relativo ao incidente de levantamento do efeito suspensivo automático.
O invocado, decorreria dos Docs n.ºs 4, 5, 6 e 7 do requerimento inicial do incidente, bem como dos documentos 5 a), 6, 6 a) e 7 a) do requerimento de resposta que apresentou em 21.07.2017, e ainda com base no depoimento das testemunhas inquiridas pelo Tribunal a quo, a saber, HCOD, PCSAFMG, CMCCR e HMPC.
Em qualquer caso, o tribunal a quo, em função da prova disponível, designadamente testemunhal, firmou a sua convicção, como lhe competia, justificando as suas opções.
Como se sumariou no recente Acórdão do TCAS de 12 de dezembro de 2017 (Processo n.º 3177/12.9BELRS), “Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas”, sendo que “o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (…). O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados (…)”.
Não se vislumbra que o tribunal a quo tenha ignorado quaisquer factos relevantes, sem prejuízo de não ter analisado pontualmente cada um dos argumentos aduzidos nos articulados apresentados, pois que a isso não estava obrigado.
Para que não possam subsistir quaisquer dúvidas, vejamos, em qualquer caso:
Artigos 8.º e 36.º do requerimento incidente -
A Recorrente invoca que foi citada para os termos da presente ação de contencioso pré-contratual no dia 29.05.2017, tendo a propositura da dita ação ocorrido no dia 11.05.2017, sendo que a adjudicação do contrato de concessão ocorreu no dia 20.02.2017. A questão suscitada tem conexão com a necessidade de verificação da tempestividade do Recurso.
Independentemente das explicações dadas pela contraparte face à referida questão, é manifesto que a mesma não tem qualquer relação com a matéria aqui em apreciação, em face do que sempre seria despiciente introduzir aqueles factos na matéria de facto do presente incidente, ao que acresce que o tribunal a quo afirmou expressamente que “quanto à tempestividade da ação, a questão será apreciada em sede de saneamento processual e se a mesma proceder, a decisão do processo até será mais célere”.
Artigo 13.º do requerimento do incidente
A Recorrente invoca no artigo 13.º do requerimento do incidente, que está em causa nos presentes autos a concessão do serviço público de transporte de passageiros de Viseu, com vista a assegurar a mobilidade urbana dos munícipes e de todos quantos visitam a cidade, através de uma oferta integrada que envolve o transporte público de passageiros em autocarros, funicular e viaturas ligeiras de passageiros.
Sendo que a decisão recorrida deu como provado o objeto do Concurso Público para a “Concessão do Serviço Público de Transporte de Passageiros Municipal – Mobilidade Urbana de Viseu - MUV”, lançado através do anúncio republicado no Diário da República, II Série, n.º 135/2016, de 15/7/2016”, o pretendido facto a introduzir, sempre se mostraria redundante e inútil.
Artigos 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º e 32.º do requerimento do incidente
Os referenciados artigos reportam-se às vantagens que advirão para a cidade de Viseu com a adjudicação do concursado, circunstância que se admite, mas que não interfere em termos imediatos na apreciação aqui em causa, pois que a cidade não está desprovida de transportes públicos coletivos, designadamente de transporte escolar, até concretização do concursado.
Assim, a análise comparativa da atual situação e das soluções propostas pelos candidatos à adjudicação, é questão que necessariamente deverá ficar reservada à análise do Processo Pré-contratual e não restringida à ponderação do presente incidente.
Acresce que, tendo sido dado como provado (Facto 10) que o Tribunal de Contas não deu ainda o seu “visto” à presente Adjudicação, e constando do n.º 2 da cláusula 5.ª do contrato de concessão que “o presente contrato não produz quaisquer efeitos antes do visto do Tribunal de contas, iniciando-se em pleno a exploração do serviço até 120 dias após a comunicação do visto do Tribunal de Contas”, é manifesto que independentemente do efeito suspensivo aqui em discussão, o concursado não está ainda em condições de produzir quaisquer efeitos.
É pois patente que o Tribunal a quo apreciou e ponderou a prova documental e testemunhal disponível, o que não o significa que tivesse da dar razão ao município, mormente no que concerne ao mero efeito suspensivo aqui em discussão, em face do que se não reconhece a verificação dos invocados erros de julgamento da matéria de facto, em decorrência da factualidade dada como provada, que se reporta, sublinha-se e reitera-se, meramente ao incidente em apreciação.
Do erro de julgamento quanto à matéria de direito
Invoca o Município Recorrente singelamente que os pressupostos estabelecidos para o levantamento do efeito suspensivo automático se encontram preenchidos, em face do que a decisão recorrida violará os artigos 103.º A, n.º 2 e n.º 4, e 120.º, n.º 2 do CPTA, assim como o artigo 268.º, n.º 4, da CRP.
Podendo o Recorrente discordar da decisão recorrida, o que é legítimo e aceitável, tal não pode significar necessariamente que a mesma se mostre violadora nos referidos normativos.
Com efeito, e como tem vindo a ser recorrentemente afirmado pelos mais diversos tribunais administrativos superiores, o “Efeito suspensivo automático”, constante do Artº 103º-A do CPTA determina como regra, por natureza e até decisão expressa em contrário, a suspensão dos atos pré-contratuais objeto de impugnação.
O referido não obstará, nos termos do mesmo normativo, que possa ser requerido o levantamento do efeito suspensivo, demonstrado que seja que o referido efeito determinará consequências gravemente prejudiciais para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
O levantamento do efeito suspensivo automático pressuporá pois que a suspensão será causadora de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, ao que acrescerá a necessidade de efetuar uma ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.
O levantamento do efeito suspensivo automático dependerá assim da demonstração por parte da entidade que requeira o mesmo, de que o adiamento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
Aliás, é nesse sentido que o n.º 4 do artigo 103.º A do CPTA refere expressamente que “o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento”, sendo que o deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático assenta numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e privados).
De tudo quanto se apreciou, é patente que o Município não logrou demonstrar que o adiamento da execução do ato concursado seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, tanto mais que ficou provado que a cidade não ficará desprovida de transportes públicos.
Assim, devidamente ponderados os interesses em presença, e em face de tudo quanto ficou supra expendido, não merece censura a decisão recorrida de obstar ao levantamento do efeito suspensivo dos atos objeto de impugnação, no âmbito da identificada ação de contencioso pré-contratual.
***
V - Decisão
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão proferida em 1ª instância.
Custas pelo Recorrente
Porto, 2 de março de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Migueis Garcia