Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00415/23.6BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/09/2025
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRA A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (CGA);
NÃO RECONHECIMENTO DA INCAPACIDADE PERMANENTE E ABSOLUTA PARA O TRABALHO DA AUTORA;
FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE DO ACTO; NÃO PROVIMENTO DO RECURSO DA CGA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
«AA», residente na Rua ..., ... ..., instaurou Ação Administrativa contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, com sede na Avenida ... de outubro, 175, ... ..., com vista à anulação da decisão proferida pela Direção da Caixa Geral de Aposentações, em 02.05.2023, que indeferiu o seu pedido de aposentação por incapacidade.
Por sentença proferida pelo TAF de Penafiel foi decidido assim:
julgo totalmente procedente a presente Ação Administrativa, e, em consequência, anulo o ato administrativo proferido em 02.05.2023, pela Caixa Geral de Aposentações, que indeferiu o pedido de aposentação por incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções apresentado pela Autora, com todas as devidas e demais consequências legais.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a CGA formulou as seguintes conclusões:

1ª O acto impugnado foi praticado na sequência de uma sentença anulatória. A validade do acto deve por isso ser aferida em função da decisão que foi proferida no âmbito do processo nº 1134/15.2BEPNT. Essa avaliação, nos termos do artigo 157º do CPTA, faz-se no âmbito de uma acção executiva.

2ª Por conseguinte, a exceção dilatória arguida pela Caixa Geral de Aposentações deve ser julgada procedente, conduzindo à extinção da instância, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões.

3ª O acto impugnado está fundamentado e, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, está suficientemente fundamentado.

4ª Através da fundamentação da Junta Médica de 2 de maio de 2023 qualquer destinatário normal é capaz de apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão proferida pela Caixa Geral de Aposentações.

5ª A decisão recorrida padece de erro de julgamento, porquanto a lei não exige uma fundamentação detalhada e exaustiva dos pareceres da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, nos termos expostos pela Juiz a quo.

6ª O acórdão recorrido violou o disposto no 157º do CPTA, o artigo 96º do Estatuto da Aposentação e os artigos 152 e 153º do CPA.

Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
A Autora juntou contra-alegações, concluindo:
1. Vem a Recorrente, nas alegações e recurso apresentados, recorrer da douta sentença do Tribunal “a quo” porquanto considera, em síntese, que a exceção dilatória por si arguida de inadequação do meio processual deveria ter procedido e que o ato impugnado está suficientemente fundamentado.

2. Não se verifica qualquer dos vícios apontados à douta sentença.

3. Não assiste qualquer razão à Ré/Recorrente quando afirma que o ato impugnado foi praticado para execução de uma sentença anulatória e que deveria a Autora ter logrado obter os efeitos peticionados na sua PI através da execução do julgado prevista no artigo 173º do CPTA e não de uma ação impugnatória autónoma, ao abrigo do artigo 51º do CPTA.

4. Os efeitos daquela sentença anulatória esgotaram-se no momento em que a CGA realizou nova junta médica e proferiu nova decisão sobre o pedido de aposentação por incapacidade permanente e absoluta para o trabalho apresentado pela Autora/Recorrida, uma vez que a causa de pedir nestes autos não versou sobre aspetos tais como a sua insuficiência ou modo de execução da sentença em questão.

5. Acresce que na fundamentação do ato impugnado nem a destinatária do ato, nem o Tribunal a quo (ou qualquer outro destinatário com uma capacidade de entendimento médio) descortina qualquer menção à ponderação dos elementos médicos por si juntos ou sequer argumentos concretos que rebatam a opinião científica do seu médico acompanhante de psiquiatria.

6. É verdade que a Junta Médica não estava vinculada às conclusões formuladas por esses documentos clínicos. No entanto, não as acatando, era seu dever fundamentar essa sua decisão, de modo a que se tornassem compreensíveis para a interessada os motivos que levaram tais peritos a não acompanhar o parecer do clínico que acompanha a sua doença desde há cerca de 30 anos.

7. Exigência ainda para acrescida pelo facto de se tratar do parecer de um clínico da especialidade de psiquiatria, sendo que no auto de junta médica não foi feita qualquer menção à especialidade dos médicos que emitiram o juízo técnico.

8. A Autora/Recorrida foi notificada de um ato administrativo de indeferimento que não explicitou o quadro fáctico e circunstancial que motivou que o mesmo fosse dotado de tal conteúdo e não de outro; não deu a conhecer à interessada as concretas razões que justificaram as opções, escolhas e valorações administrativas efetuadas, o que não lhe permitiu conscientemente sindicar o ato nem permitiu o Tribunal promover a fiscalização que se impunha.

9. A exigência de fundamentação de todos os atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos é uma exigência constitucional (cfr. artigo 268.º, n.º 3 CRP).

10. Tal exigência decorre também do disposto nos artigos 152.º e seguintes do CPA que impõe que a forma da generalidade dos atos administrativos inclua a respetiva fundamentação.

11. A jurisprudência e a doutrina têm sido firmes no sentido de que a fundamentação dos atos administrativos é clara quando é permitido ao seu destinatário, na posse do ato que lhe foi dirigido, compreender sem incertezas, qual o caminho seguido pelo respetivo decisor, sobre os pressupostos valorados e como o foram, como uma espécie de percurso cognoscitivo, em que a decisão surge de forma lógica e necessária face aos factos e razões que lhe estão na base.

12. A necessidade de fundamentação é ainda mais exigente quando se está no domínio da discricionariedade técnica, como sucedeu com o ato impugnado nos autos.

13. Pelo que, como bem julgou a sentença, a fundamentação do ato de 02/05/2023 que indeferiu o pedido de aposentação por incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções apresentado pela Autora é insuficiente.

14. Tal vício afeta a sua validade e deve determinar a respetiva anulação e a condenação da Caixa Geral de Aposentações à sua repetição.

15. E prefigura-se ser, assim, de concluir que só poderão improceder as alegações e o que foi por si peticionado em sede de recurso e ser dados como conformes e legais os fundamentos e a decisão proferida na douta sentença recorrida.

Nestes termos e nos demais de direito, que suprirão, deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pela Recorrente Caixa Geral de Aposentações e, em consequência, ser confirmada a sentença recorrida, como é de JUSTIÇA!

O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. A Autora é licenciada e habilitada para o ensino. (cf. fls. 10 a 16 do processo administrativo apenso – PA)

2. A Autora encontra-se aposentada por antecipação, desde 22.01.2015. (cf. fls. 127 a 131 do PA)

3. Em 31.01.2012, a Autora requereu a aposentação por incapacidade. (cf. fls. 18 do PA)

4. Por decisão de 06.06.2012, foi indeferida tal pretensão. (cf. fls. 20 a 33 do PA)

5. Após realização de junta médica de recurso, por decisão de 18.04.2013, foi mantido o indeferimento do pedido de aposentação por incapacidade permanente e absoluta para o exercício das suas funções, com o seguinte fundamento: “síndrome depressivo que não determina a atribuição de incapacidade.” (cf. fls. 35 a 55 do PA)

6. Em 01.10.2013, a Autora requereu a submissão a nova junta médica para efeitos de lhe ser concedida a pensão de aposentação por incapacidade permanente e absoluta para o exercício das suas funções, com fundamento no agravamento do seu estado de saúde. (cf. fls. 65 a 66 do PA)

7. Para instrução do seu pedido, juntou declarações emitidas pela Dra. «BB», médica de clínica geral e pelo Dr. «CC», médico psiquiatra, que constam a fls. 79 a 82 do PA e cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido.

8. Por decisão de 08.01.2014, foi indeferido o pedido de aposentação por incapacidade permanente e absoluta para o exercício das suas funções, com o fundamento de que a situação da Autora se mantinha “tal e qual à anterior avaliação”.
(cf. fls. 90 do PA)

9. A Autora requereu a realização de junta médica de recurso. (cf. fls. 92 do PA)

10. Por decisão de 23.01.2015, foi mantido o indeferimento do pedido de aposentação por incapacidade permanente e absoluta para o exercício das suas funções, com fundamento de que a perturbação depressiva da Autora não determinava a alteração de incapacidade permanente. (cf. fls. 125 do PA)

11. Para integrar a junta de recurso, a Autora indicou o Dr. «CC», médico psiquiatra, que não acompanhou a posição dos demais médicos que integraram a junta de recurso, tendo votado contra a proposta de decisão que obteve vencimento.
(cf. fls. 125 do PA)

12. A Autora instaurou uma ação administrativa especial junto deste Tribunal Administrativo, que deu origem ao processo nº 1134/15.2BEPNF, pela qual impugnou o despacho constante do ponto 10 supra. (cf. fls. 148 e seguintes do PA)

13. Em 12.11.2020, foi proferida sentença no processo nº 1134/15.2BEPNF, que, julgando procedente a ação, anulou o ato administrativo proferido pela Caixa Geral de Aposentações em 23.01.2015. (cf. fls. 311 a 323 do PA)

14. Em 30.03.2023, foi exarado pelos serviços da Caixa Geral de Aposentações parecer, que concluiu o seguinte:
“(...)Em execução da mesma devem ser adoptados os seguintes procedimentos:
· O processo deve ser remetido à AAC7-Área de Verificação de Incapacidades;
· Deve ser realizada novamente a junta de recurso, a qual, se possível, deverá ter a mesma composição da que foi realizada em 13 de Janeiro de 2015;
· A junta deve fundamentar a sua decisão de acordo com os termos definidos pelo TAF de Penafiel, ou seja: deve ser feita a ponderação das provas de natureza médica constantes do processo, deve pronunciar-se sobre os vários argumentos e documentos juntos pela interessada, deve expor os factos em que se baseia para suportar as conclusões formuladas.”
(cf. fls. 366 e 367 do PA)

15. Sobre o parecer referido no ponto anterior, recaiu despacho de concordância da
Direção da Caixa Geral de Aposentações. (cf. fls. 368 do PA)


16. Em 02.05.2023, a Autora foi novamente submetida a junta médica de recurso que concluiu que a Autora não sofre de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão, fundamentando nos seguintes termos:
“Perturbação depressiva major em personalidade histriónica, sem evidência, em 2015, de falência terapêutica (não foram esgotadas todas as opções terapêuticas para o caso clínico, nomeadamente farmacológica ou ECT, indicado em perturbações depressivas major refractárias à terapêutica farmacológica) e sem evidência de défices cognitivos irreversíveis que justicassem a atribuição de incapacidade permanente para o trabalho. Esta patologia poderá condicionar períodos de incapacidade temporária para o trabalho, mas não justifica a atribuição de incapacidade permanente e total para o trabalho.”
(cf. fls. 443 do PA)

17. Por indicação da Autora, o Dr. «CC» integrou a junta médica de recurso, que não acompanhou a posição dos demais médicos, e exarou no auto da junta médica a seguinte observação:
“Não concordo com as conclusões. As perguntas feitas são de carácter automática para a doente com um treino de professora primária da 1ª classe. Quanto às terapêuticas, o signatário experimentou várias terapêuticas, sem resultados. Quanto à psicoterapia, não critico os métodos da psicóloga em causa. Trata-se de uma perturbação de personalidade hereditária (a mãe tem uma personalidade perturbada e o filho tem uma personalidade perturbada grave e incapacitante). A perturbação da personalidade em causa da examinada é de forma prejudicial ao ensino, sobretudo de crianças pequenas. Dada a impossibilidade de obter trabalho não docente permanente e vitalício, foi aconselhada a pedir reforma por doença.”
(cf. fls. 444 do PA)

18. Em 02.05.2023, o Conselho Diretivo da Caixa Geral de Aposentações, homologou o parecer da junta médica de recurso. (cf. fls. 443 do PA)

19. Por ofício datado de 02.05.2023, foi a Autora notificada da decisão de indeferimento do pedido de aposentação, de acordo com a junta médica realizada na mesma data. (cf. fls. 445 do PA)

20. A Autora apresenta um quadro depressivo desde 1994, sendo desde essa data acompanhada pelo Dr. «CC», médico especialista em psiquiatria. (cf. fls. 39 e 40 do PA)

21. A Autora foi diagnosticada com “Depressão Major” recorrente, com caraterísticas melancólicas, pelo Dr. «CC». (cf. fls. 27 a 30 e 39 a 40 do PA)

22. A presente Ação Administrativa deu entrada neste Tribunal Administrativo em 31.08.2023. (cf. consulta SITAF)

DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a acção.
É pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso.
Assim,
Da exceção dilatória de inadequação do meio processual -
Não assiste razão à Ré/Recorrente quando afirma que o ato impugnado foi praticado para execução de uma sentença anulatória e que deveria a Autora ter logrado obter os efeitos peticionados na sua PI através da execução do julgado prevista no artigo 173º do CPTA e não de uma ação impugnatória autónoma, ao abrigo do artigo 51º do CPTA.
Com efeito, atentando na situação sub judice, verifica-se que a Autora vem aos presentes autos requerer a anulação da decisão proferida pela Direção da Caixa Geral de Aposentações, em 02.05.2023, que indeferiu o pedido de aposentação por incapacidade por si requerido.
Conforme se retira do pedido deduzido não está em causa a execução de qualquer sentença anulatória, mas antes uma pretensão anulatória de um ato proferido pela Caixa Geral de Aposentações. Independentemente, da prolação do ato ter resultado da execução de uma sentença anulatória, o que está em causa nos presentes autos, é a impugnação do ato, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 51º do CPTA.
A Autora não se insurge quanto ao modo de execução da sentença ou mesmo quanto à suficiência e adequação da execução. A Autora vem reagir perante a prática de um ato de indeferimento, através da correta tutela declarativa, ou seja, neste caso, através de uma ação administrativa, conforme previsto no art.º 35º, nº 1 do CPTA. (sublinhado nosso).
Bem andou, pois, a decisão proferida pelo Tribunal a quo no julgamento que fez sobre esta matéria.
De facto, os efeitos daquela sentença anulatória esgotaram-se no momento em que a CGA realizou nova junta médica e proferiu nova decisão sobre o pedido de aposentação por incapacidade permanente e absoluta para o trabalho apresentado pela Autora/Recorrida, uma vez que a causa de pedir nestes autos não versou sobre aspetos tais como a sua insuficiência ou modo de execução da sentença em questão.
Desatende-se esta argumentação.
Do Dever de Fundamentação -
A este nível, a Recorrente alega que a sua decisão não enferma do vício de violação do dever de fundamentação, por considerar que a junta médica da CGA, quando emite os seus pareceres, não está obrigada a demonstrar que ponderou as avaliações clínicas trazidas ao processo pelos interessados. Acrescenta que, in casu, “tais relatórios foram ponderados na avaliação que a Junta Médica da Caixa fez da situação da Recorrida”.
Todavia, sem razão.
Na fundamentação do ato impugnado, nem a destinatária do ato, nem o Tribunal a quo descortinam qualquer menção à ponderação dos elementos médicos por si juntos ou sequer argumentos concretos que rebatam a opinião científica do seu médico acompanhante de psiquiatria.
É verdade que a Junta Médica não estava vinculada às conclusões formuladas por esses documentos clínicos. No entanto, não as acatando, era seu dever fundamentar essa sua decisão, de modo a que se tornassem compreensíveis para a interessada os motivos que levaram tais peritos a não acompanhar o parecer do clínico que acompanha a sua doença desde há cerca de 30 anos. Exigência ainda acrescida pelo facto de se tratar do parecer de um clínico da especialidade de psiquiatria, sendo que no auto de junta médica não foi feita qualquer menção à especialidade dos médicos que emitiram o juízo técnico.
Efectivamente, à luz do artigo 91º do Estatuto da Aposentação, as Juntas Médicas que apreciam este tipo de incapacidade não podem ser um mero repositório de três médicos de quaisquer áreas de especialidade, independentemente das enfermidades que justifiquem a submissão dos subscritores da CGA às mesmas, devendo assim adequar-se tendencial e funcionalmente às enfermidades de natureza específica que as justificaram. Só assim será possível, à luz do referido artigo 91º do EA, que os emergentes relatórios ponderem de forma adequada, justificada e fundamentada o processo clínico do subscritor, atentos os demais elementos de diagnóstico constantes do respetivo processo.
Voltando ao caso concreto, a Autora/Recorrida foi notificada de um ato administrativo de indeferimento que não explicitou o quadro fáctico e circunstancial que motivou que o mesmo fosse dotado de tal conteúdo e não de outro; não deu a conhecer à interessada as concretas razões que justificaram as opções, escolhas e valorações administrativas efetuadas, o que não lhe permitiu conscientemente sindicar o ato nem permitiu ao Tribunal promover a fiscalização que se impunha.
A exigência de fundamentação de todos os atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos é uma exigência constitucional (artigo 268.º, n.º 3 CRP).
Tal exigência decorre também do disposto no artigo 152.º do CPA que impõe que a forma da generalidade dos atos administrativos inclua a respetiva fundamentação.
Acresce que, nos termos do disposto no artigo 153.º do mesmo diploma, “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato”.
Dispõe, pois, o CPA, no seu artigo 152°, n° 1, que “Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem declaração de nulidade, anulação, revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior.”
Quanto aos requisitos de fundamentação, estatui o n° 1 do artigo 153° do CPA que “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.”
Refere, no que ao dever de fundamentação diz respeito, Mário Aroso de Almeida (Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 211 e seguintes) que “De acordo com o artigo 125º, a fundamentação do acto administrativo resulta de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão. A fundamentação do acto administrativo é, por conseguinte, uma declaração que deve constar do acto, na qual se justifica a sua prática e, quando seja caso disso, se expõem os motivos que determinaram a escolha do seu conteúdo, no caso de haver lugar à sua definição discricionária. A fundamentação do acto administrativo desdobra-se, assim, em dois elementos, um de presença necessária e outro de presença eventual: a justificação da prática do acto e a motivação do seu conteúdo. A justificação é uma declaração através da qual o autor do acto explica os termos em que procedeu ao preenchimento dos termos legais, ou seja, descreve as circunstâncias de facto que, correspondendo, no seu entender, à previsão legal, o levaram a concluir que existia uma situação de interesse público à qual se tornava necessário dar resposta através da prática daquele tipo de acto administrativo. No caso de as normas lhe conferirem um maior ou menor poder discricionário na definição do conteúdo do acto, permitindo-lhe, por hipótese, escolher entre a adopção de diferentes soluções alternativas, o autor do acto deve também motivar o acto, isto é, dar conta das razões, dos interesses públicos e privados, que o motivaram, induzindo-os a definir o conteúdo do acto daquela maneira.”
No mesmo sentido, e quanto à referida dualidade, pronuncia-se Rogério Ehrhardt Soares, nas suas lições de Direito Administrativo (sebenta da Universidade de Coimbra, 1978, págs. 306 e seguintes).
Nestes termos, a fundamentação exerce, no acto resultante do exercício de poderes, o mesmo papel que na sentença: mostra como os factos provados justificam a aplicação de certa norma e a dedução de determinada conclusão, esclarecendo o objecto e o porquê do acto, com aquele conteúdo (neste sentido, Marcello Caetano, Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 3ª Reimpressão, 2010, págs. 124 e seguintes).
O dever de fundamentação é, assim, um pilar fulcral da legalidade da acção administrativa e um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, merecendo tutela constitucional. Na verdade, prevê o n° 3 do artigo 268° da Constituição da República Portuguesa que “Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
O objectivo último deste dever de fundamentação é o de garantir, ao destinatário normal do acto administrativo, colocado na situação concreta, a compreensibilidade das razões de facto e de direito que determinaram o autor do acto a agir ou a escolher a medida adoptada. Serve também o dever de fundamentação a garantia de controlo, por parte deste destinatário, da legalidade do acto praticado, bem como de assegurar a este a tutela jurisdicional efectiva, conforme prevista no n° 4 daquele artigo 268° da CRP, após a aferição daquela legalidade (neste sentido, e a título de mero exemplo, Acórdão do STA de 27/05/2009, P. 0308/08, e doutrina e jurisprudência mencionadas neste aresto, disponível em www.dgsi.pt).
A jurisprudência e a doutrina têm sido firmes no sentido de que a fundamentação dos atos administrativos é clara quando é permitido ao seu destinatário, na posse do ato que lhe foi dirigido, compreender sem incertezas, qual o caminho seguido pelo respetivo decisor, sobre os pressupostos valorados e como o foram, como uma espécie de percurso cognoscitivo, em que a decisão surge de forma lógica e necessária face aos factos e razões que lhe estão na base. Neste sentido, cfr. Freitas do Amaral, e outros, in Código do Procedimento Administrativo, Almedina, Coimbra, 3ª edição, pág. 230, e Vieira de Andrade, em O dever de fundamentação expressa dos atos administrativos, Almedina, Coimbra, págs. 232 e seguintes.
Assim, por fundamentação de um ato administrativo entende-se como sendo a enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse ato ou a dotá-lo de certo conteúdo com vista a habilitar o interessado a optar conscientemente entre conformar-se com o ato ou impugná-lo; assegurando a devida ponderação das decisões administrativas, e permitindo um eficaz controlo da atividade administrativa pelos tribunais.
Na verdade, o administrado tem o direito de ser esclarecido da todas as concretas razões em que se baseou o autor do ato, e este o dever de as expressar em ordem a facultar àquele a sua efetiva tutela jurisdicional, o que de resto é postulado pelo princípio da transparência a que a Administração, no exercício das suas funções, está sujeita, irrelevando, nesta medida, como fundamentação, as referências vagas e genéricas ou do tipo conclusivo, por as mesmas não serem suscetíveis de esclarecer «concretamente a motivação do ato. (Ac. do TCAS de 12.11.2009, rec. 0920/05).
Como se pode ler no sumário do Acórdão do TCA Sul de 22.10.2009, processo 04174/08 «I- A discricionariedade não é um poder absoluto ou arbitrário, devendo ser entendida como uma reserva de prudência concedida pela lei à Administração, para valorar as situações concretas.
II- O poder discricionário não constitui, por si só, um fator de exclusão da fundamentação do ato administrativo.».
De facto, fundamentar uma decisão da administração pública é, sob pena de ilegalidade, justificá-la quanto aos seus aspetos legalmente vinculados e, ainda, motivá-la ou explicá-la quanto aos seus aspetos não vinculados estritamente pela lei, tudo de modo a que os pressupostos de facto e de direito e os raciocínios explicativos das opções ou valorações feitas possam ser compreendidos e questionados racionalmente. Independentemente de a motivação constar de um texto expositivo ou narrativo, de uma grelha ou de outro esquema gráfico previamente tipificado pelo decisor.
Resulta, assim, claro que a necessidade de fundamentação é ainda mais exigente quando se está no domínio da discricionariedade técnica, como sucede com a deliberação em causa. Pelo que, à luz do alegado, e como bem julgou a sentença, a fundamentação do ato de 02/05/2023 que indeferiu o pedido de aposentação por incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções apresentado pela Autora é insuficiente.
Tal vício afecta a sua validade e determina a respetiva anulação e a condenação da Caixa Geral de Aposentações à sua repetição.
Em suma,
Julgou bem o Tribunal ao concluir: Neste sentido, importava que a fundamentação do ato fosse de modo a permitir compreender em que medida é que a patologia mencionada não justifica o reconhecimento da incapacidade permanente e absoluta para o trabalho, quando é assumindo como provável a existência de períodos de incapacidade temporária para o trabalho e bem assim, a possibilidade de poderem vir a existir défices cognitivos irreversíveis. Ao que acrescem as especificidades das funções exercidas, mais concretamente de professora.
Crê-se que apesar do ato impugnado apresentar fundamentação, a mesma não se reveste suficiente atendendo à tecnicidade de juízo apresentado, à falta de menção ou demonstração da ponderação dos demais elementos médicos juntos, assim como da posição antagónica do médico acompanhante especialista em psiquiatria. Ademais não é despiciente referir, que no auto de junta médica não é feita qualquer menção à especialidade dos médicos que emitiram o juízo técnico, que seria relevante atenta a especificidade da doença da Autora e a especialidade do médico acompanhante.
Perante o exposto, conclui-se que a decisão de indeferimento da aposentação por incapacidade impugnada nestes autos não apresenta fundamentação suficiente, suscetível de permitir alcançar o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelos técnicos médicos que a exararam. Os juízos apresentados, sendo sobretudo conclusivos, prejudicam e comprometem a compreensão do ato, atendendo aos demais elementos constantes do processo administrativo, bem como às especificidades da doença e das funções exercidas pela Autora.
Padecendo o ato impugnado do vício de falta de fundamentação, procede a presente ação, no que concerne ao pedido de anulação, ficando prejudicada a apreciação do vício de erro sobre os pressupostos de facto, na medida em que tal análise fica comprometida pela falta de externação suficiente e adequada.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 09/5/2025

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Rogério Martins