Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00072/23.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/17/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR;
APLICABILIDADE DA LEI N.º 38-A/2023, DE 02 DE AGOSTO;
REINCIDÊNCIA;
Sumário:
1 - A ocorrência de causa de exclusão da aplicação da amnistia de penas disciplinares, a que se reportam os artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º, n.º 1, alínea j) da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, deve ser apreciada e decidida à data da decisão que declare a amnistia, tendo que ser levada em conta a data em que a infracção foi praticada, e se antes dela outra foi anteriormente aplicada e que se tenha consolidado no ordenamento jurídico, mormente, que tendo ido decidida a sua aplicação, que a mesma não tenha sido objecto de impugnação administrativa graciosa e/ou contenciosa por parte do arguido, ou que tendo-o sido, tenha já sido proferida decisão final que se tenha entretanto consolidado.

2 - Em termos do momento de aplicação da amnistia, o que releva, tempus regit actum, por um lado, é a data em que a sanção disciplinar foi aplicada ao arguido, independentemente de ter sido objecto de impugnação tendente a aferir da sua invalidade/ilegalidade quando tomada por parte do autor do acto administrativo que assim a decidiu, e por outro lado, a data produtora dos efeitos da amnistia, in casu, quanto a infracções praticadas até às 00,00 horas do dia 19 de junho de 2023.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


INSTITUTO POLITÉCNICO ... [devidamente identificado nos autos] Réu na acção que contra si foi intentado por «AA» [também devidamente identificado nos autos], inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 30 de novembro de 2023, pela qual foi julgada amnistiada a infracção disciplinar que lhe foi [ao Autor] imputada no âmbito do processo disciplinar n.º IPP/PD-06/2022, e declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES:
1 - O Autor e aqui Recorrido intentou a presente ação visando a impugnação da decisão disciplinar proferida pelo IPP em 12 de outubro de 2022, que aplicou ao arguido Autor nos presentes autos a sanção disciplinar de repreensão escrita.
2 - O Tribunal a quo entendeu ser de aplicar ao Autor a amnistia resultante da vigência do artigo 6º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto.
3 - Consequentemente, sentenciou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
4 – Para lograr essa conclusão, o Tribunal a quo entendeu que “relativamente à infração disciplinar, em crise nos presentes autos, não se verificam os pressupostos da reincidência, previstos no n.º 3 do artigo 191º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pois, a partir do registo disciplinar do Autor, constata-se que, aquando do cometimento da infração disciplinar, aqui em crise, não tinha ocorrido sancionamento disciplinar em virtude de infração anterior”.
5 - Como tal, entendeu não ser de aplicar ao Autor a exceção prevista na alínea j) do
n.º 1 do artigo 7º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto.
6 – Com o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que a Lei em apreço deve aplicar-se às situações (decididas e pendentes) que preencham o disposto no artigo 6º e que não se encontrem excluídas do âmbito de aplicação da Lei pelas exceções contantes do artigo 7º.
7 - No caso do Autor e pese embora a decisão que constitui o objeto destes autos estar prevista pelo artigo 6º da Lei, não podemos conceder com a mencionada aplicação por força do disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 7º (“Exceções”). 8 – Conforme consta dos autos, o Autor tem no seu registo disciplinar a aplicação da sanção que constitui objeto destes autos e que foi proferida em 18 de julho de 2022, e uma sanção de multa aplicada em 30 de maio de 2023.
9 - Ora, a aferição da aplicação das exceções constantes do artigo 7º da Lei deve ocorrer no momento da aplicação da Lei da amnistia e não retroagir ao momento do cometimento das infrações.
10 – Reiteramos que por estarmos em presença de uma causa de exclusão da aplicação da lei de natureza subjetiva, não faz qualquer sentido aferir a sua aplicação à data dos factos disciplinares em apreço.
11 - Esse exercício de verificação das causas de exclusão consagradas na Lei n.º38- A/2023 deve ocorrer no momento de aplicação da lei.
12 – Assim, a decisão recorrida não procedeu à correta interpretação e aplicação do disposto no artigo 7º, n.º 1, alínea j) da Lei 38-A/2023.
13 – Conforme resulta dos autos, existe uma causa de exclusão de aplicação da Lei 38-A/2023 que não foi considerada, pelo que a sentença que decidiu pela inutilidade superveniente da lide, deve ser revogada, com as devidas e legais consequências.
Nestes termos deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, cumprindo o Direito e fazendo a Justiça!
[…]”

**

O Recorrido não apresentou Contra Alegações.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido da sua improcedência.

***
Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações [Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Conforme assim foi delineado pelo Recorrente [Cfr. conclusão 10 das suas Alegações de recurso] sendo o Recorrido reincidente, sustenta que o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido em torno do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea j) da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ao não ter julgado pela ocorrência de causa de exclusão da amnistia.

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III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO
Para efeitos da prolação da Sentença recorrida, apreciou e decidiu o Tribunal a quo, nos termos que, por facilidade, para aqui se extraem como segue:

“[…]
«AA», titular do NIF ...93 e residente na Rua ..., ..., ... ..., veio propor acção administrativa contra o INSTITUTO POLITÉCNICO ... tendo em vista a impugnação da sanção disciplinar de repreensão escrita, aplicada, no âmbito do processo disciplinar n.º IPP/PD-06/2022, por despacho do Vice-Presidente do INSTITUTO POLITÉCNICO ..., de 12.10.2022, na sequência de ilícito disciplinar que terá sido praticado no dia 07.12.2021.
Por despacho, de fls. 469 do SITAF, foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a aplicação, ao caso dos autos, da amnistia de infracções, prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.
Por requerimento, de fls. 474 do SITAF, o Autor veio manifestar a sua concordância com a aplicação do aludido regime e consequente extinção da lide por inutilidade superveniente.
Porém, a Entidade Demandada, por requerimento de fls. 477 e 478 do SITAF, pronunciou-se no sentido de que o aludido regime não se aplica ao caso dos autos, em virtude de o Autor ser reincidente, em matéria disciplinar, o que constitui uma excepção à aplicação da amnistia, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.
Em contraditório, por requerimento de fls. 483 e 484, o Autor veio refutar aquele entendimento, uma vez que não se pode invocar a reincidência em face de uma sanção disciplinar posterior àquela a que respeitam estes autos.
Isto posto, cumpre apreciar e decidir da inutilidade superveniente da lide.
Nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, a inutilidade superveniente da lide constitui uma causa de extinção da instância. Ou seja, a instância extingue-se sempre que, por facto ocorrido na pendência da mesma, a continuação da lide não tenha qualquer utilidade.
Vejamos.
A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, veio estabelecer a amnistia de infracções disciplinares: (i) praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023; (ii) que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei; (iii) e cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão (cfr. artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º do referido diploma).
Pela presente acção, o Autor pretendia obter a anulação da sanção disciplinar de repreensão escrita, aplicada, no âmbito do processo disciplinar n.º IPP/PD-06/2022, por despacho do Vice-Presidente do INSTITUTO POLITÉCNICO ..., de 12.10.2022, na sequência de ilícito disciplinar que terá sido praticado no dia 07.12.2021, consubstanciado na violação dos deveres de zelo, de obediência e de correcção, considerando, por um lado, o teor de um email enviado pelo Autor (“Este é mais um dos múltiplos episódios protagonizados pela Presidência do INSTITUTO POLITÉCNICO ..., desde 2018, contra as unidades de investigação residentes, e contra o CISTER em particular. Esses episódios são uma demonstração de inabilidade, conjugada com abuso de poder, assédio”) e, por outro, o não acatamento de ordens dos superiores hierárquicos e desrespeito perante as decisões superiores (cfr. documentos juntos a fls. 36, 37, 38 e 40 e seguintes do SITAF).
Neste contexto, o caso sub judice, subsume-se ao âmbito da aplicação da amnistia de infracções disciplinares, prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, porquanto:
- A infracção terá sido praticada até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023 (concretamente, em 25.10.2019); - data que foi rectificada para 07 de dezembro de
2021, por despacho datado de 30 de novembro de 2023. [nosso escrito e sublinhado] - A infracção não constitui simultaneamente ilícito penal não amnistiado, pois não se subsume a nenhuma das situações previstas no artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto;
- A sanção aplicada de repreensão escrita não é superior à sanção de suspensão (cfr. escala de sanções disciplinares, prevista no n.º 1 do artigo 180.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho). Sem embargo, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, os reincidentes não beneficiam da amnistia, prevista nesta lei.
Ora, de acordo com o n.º 3 do artigo 191.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, “a reincidência ocorre quando a infração é cometida antes de decorrido um ano sobre o dia em que tenha findado o cumprimento de sanção disciplinar aplicada por virtude de infração anterior”.
Assim, são pressupostos da reincidência que (i) ao arguido tenha sido aplicada sanção disciplinar em virtude de infracção anterior e que (ii) entre a prática da infracção anterior e a prática da infracção nova não tenha decorrido um ano sobre o dia em que tenha findando o cumprimento da sanção aplicada àquela (anterior) infracção.
Isto posto, compulsado o documento, juntos a fls. 479 do SITAF, do mesmo consta o seguinte registo disciplinar do Autor:
- Processo disciplinar n.º IPP/PD-06/2022, instaurado a 18 de Julho de 2022, por Despacho do Exmo. Senhor Presidente do INSTITUTO POLITÉCNICO ..., que culminou com aplicação de pena de repreensão escrita;
- Processo disciplinar n.º IPP/PD-10/2023, instaurado a 30 de Maio de 2023, por Despacho do Exmo. Senhor Presidente do INSTITUTO POLITÉCNICO ..., que culminou com aplicação de multa graduada em € 895,00.
Com efeito, resulta do registo disciplinar transcrito que não há registo de sanção disciplinar aplicada ao Autor antes daquela que lhe foi aplicada no Processo disciplinar n.º IPP/PD-06/2022, sobre que versa o presente processo. Ademais, o Processo disciplinar n.º IPP/PD-10/2023 é posterior ao Processo disciplinar n.º IPP/PD-06/2022.
Assim, relativamente à infracção disciplinar, em crise nos presentes autos, não se verificam os pressupostos da reincidência, previstos no n.º 3 do artigo 191.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pois, a partir do registo disciplinar do Autor, constata-se que, aquando do cometimento da infracção disciplinar, aqui em crise, não tinha ocorrido sancionamento disciplinar em virtude de infracção anterior. Como tal, não se aplica, ao caso sub judice, a excepção prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.
Destarte, por força da amnistia ocorre uma suspensão retroactiva das normas punitivas, pelo que a conduta praticada deixa de ser considerada censurável e, como tal, extingue-se a responsabilidade disciplinar (cfr. acórdão do STA, de 16.11.2023, Processo n.º 0262/12.0BELSB).
Extinguindo-se a responsabilidade disciplinar, pela aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, na pendência da acção, impõe-se concluir que a prossecução da presente lide não tem qualquer utilidade.
À luz do exposto:
- Amnistio a infracção disciplinar imputada a «AA», no âmbito do processo disciplinar n.º IPP/PD-06/2022;
- Declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. […]”

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi amnistiada a infracção disciplinar de repreensão escrita que o INSTITUTO POLITÉCNICO ..., ora Recorrente, aplicou ao Autor ora Recorrido no dia 12 de outubro de 2022, no âmbito do processo disciplinar n.º IPP/PD-06/2022, visando a infracção disciplinar praticada no dia 07 de dezembro de 2021, tendo o Tribunal a quo, a final, declarado extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Conforme assim deflui da fundamentação aportada na Sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou pela aplicabilidade à situação dos autos, da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, e para tanto, que não se verificava a excepção prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 7.º deste diploma legal [como também previsto no n.º 3 do artigo 191.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas], e assim, que não ocorre causa de exclusão da aplicação da amnistia, com fundamento em que a partir do registo disciplinar do Autor se constata que aquando do cometimento da infracção disciplinar em apreço, não tinha ocorrido sancionamento disciplinar pela prática de infracção anterior.

Como assim resulta das conclusões das Alegações de recurso, o cerne da pretensão recursiva do Recorrente encerra-se no entendimento que prossegue, de que o Tribunal a quo efectuou um incorrecta interpretação e aplicação do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea j) da Lei 38-A/2023, de 02 de agosto, ao não ter levado em consideração na data em que assim decidiu, que em momento anterior, mais concretamente em 30 de maio de 2023, do registo disciplinar/biográfico já constava o registo de uma pena de multa que lhe foi aplicada.

Sustenta assim o Recorrente, portanto, que a causa de exclusão não deve ser verificada por referência ao momento do cometimento da infracção disciplinar, antes porém, que a causa de exclusão deve ser aferida ao tempo da vigência e aplicação da lei da amnistia.

Ou seja, para além da pena de repreensão escrita que lhe foi aplicada por despacho do Vice-Presidente do IPP datado de 12 de outubro de 2022, que foi por si impugnada e a que se reportam os presentes autos, que tendo o Autor ora Recorrido sido punido disciplinarmente, , numa outra pena disciplinar, de multa, em 30 de maio de 2023, que dessa forma, ao tempo em que foi proferida a decisão judicial recorrida, tendo o Autor sido já incurso em dois procedimentos disciplinares que culminaram na aplicação de duas penas, que tem de ser considerado reincidente, e nesse patamar, que a amnistia a que se reportam os artigos 2.º, n.º 2, alínea b) e 6.º, ambos da Lei
n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, não lhe pode ser aplicada.

Mas como assim julgamos [de resto, como assim também defendeu o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Parecer por si emitido], não assiste razão ao Recorrente, porquanto, efectivamente, à data em que é aplicada ao Autor ora Recorrente a pena de repreensão escrita, não lhe tinha sido aplicada, anteriormente, qualquer outra sanção disciplinar, com decisão que constitua caso julgado administrativo, ou com trânsito em julgado judicial.

Tendo o IPP aplicado ao Autor uma pena disciplinar em 18 de julho de 2022, e tendo a mesma sido impugnada judicialmente pelos termos patenteados neste autos, não pode assim essa pena ser tida e considerada para efeitos da apreciação de reincidência do Autor na prática de infracções disciplinares, para efeitos da aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, situação que a prosseguir-se, apenas seria possível para efeitos da fixação e graduação da pena disciplinar que, após essa, lhe viesse no futuro a ser aplicada por parte IPP.

Ou seja, para efeitos da fixação da pena de multa que o IPP aplicou ao Autor em 30 de maio de 2023, e aquando da sua aplicação, deviam ter sido ponderadas, se é que o não foram, entre o mais, a ocorrência de circunstâncias dirimentes, designadamente, a privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais no momento da prática da infração [cfr. artigo 190.º, n.º 1, alínea b) da LTFP ] e a ocorrência de circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, designadamente, a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo [cfr. artigo 191.º, n.º 2, alínea a) da LTFP ], assim como, a ocorrência de circunstâncias agravantes especiais, designadamente, a reincidência [cfr. artigo 191.º, n.º 1, alínea f) da LTFP].

Na situação em apreço nos autos, nela não vindo invocada pelo Recorrente, que com referência à data em que foi aplicada ao Autor ora Recorrido a sanção disciplinar de repreensão escrita, constasse já do seu registo disciplinar/biográfico uma outra qualquer pena disciplinar, no quanto o faria constituir como reincidente na prática de infracções disciplinares, bem apreciou e decidiu o Tribunal a quo quando julgou pela amnistia dessa infracção que lhe foi aplicada em 12 de outubro de 2022, e pela impossibilidade legal de ser convocado o disposto no artigo 7.º da referida Lei n.º 38A/2023, de 02 de agosto, em particular do seu n.º 1, alínea j).

A ocorrência de causa de exclusão da aplicação da amnistia de penas disciplinares, a que se reportam os artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º, n.º 1, alínea j) do referido diploma legal, deve ser apreciada e decidida à data da decisão que declare a amnistia, tendo que ser levada em conta a data em que a infracção foi praticada, e se antes dela outra foi anteriormente aplicada e que se tenha consolidado no ordenamento jurídico, mormente, que tendo ido decidida a sua aplicação, que a mesma não tenha sido objecto de impugnação administrativa graciosa e/ou contenciosa por parte do arguido, ou que tendo-o sido, tenha já sido proferida decisão final que se tenha entretanto consolidado.

Ou seja, em termos do momento de aplicação da amnistia, o que releva, tempus regit actum, por um lado, é a data em que a sanção disciplinar foi aplicada ao arguido, independentemente de ter sido objecto de impugnação tendente a aferir da sua invalidade/ilegalidade quando tomada por parte do autor do acto administrativo que assim a decidiu, e por outro lado, a data produtora dos efeitos da amnistia, in casu, quanto a infracções praticadas até às 00,00 horas do dia 19 de junho de 2023.

Para efeitos da fixação e graduação da sanção disciplinar aplicada ao Autor no âmbito do processo disciplinar n.º IPP/PD-06/2022, não resulta dos autos que tenha sido valorada circunstância disciplinar agravante, designadamente a punição por outra sanção disciplinar antecedente, donde, de outro modo não poderia julgar o Tribunal a quo, como acertadamente o fez, quando decidiu pela extinção da instância por ocorrência de inutilidade superveniente da lide, devido ao surgimento de questão que impede o conhecimento do mérito do pedido, neste caso, de norma jurídica que faz cessar a responsabilidade disciplinar.


Termos em que, face ao que deixamos expendido supra, não padecendo a Sentença recorrida do erro de julgamento que lhe vem apontado pelo Recorrente, a sua pretensão recursiva não pode assim proceder.

*
E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Processo disciplinar; Aplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto; Reincidência.

1 - A ocorrência de causa de exclusão da aplicação da amnistia de penas disciplinares, a que se reportam os artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º, n.º 1, alínea j) da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, deve ser apreciada e decidida à data da decisão que declare a amnistia, tendo que ser levada em conta a data em que a infracção foi praticada, e se antes dela outra foi anteriormente aplicada e que se tenha consolidado no ordenamento jurídico, mormente, que tendo ido decidida a sua aplicação, que a mesma não tenha sido objecto de impugnação administrativa graciosa e/ou contenciosa por parte do arguido, ou que tendo-o sido, tenha já sido proferida decisão final que se tenha entretanto consolidado.

2 - Em termos do momento de aplicação da amnistia, o que releva, tempus regit actum, por um lado, é a data em que a sanção disciplinar foi aplicada ao arguido, independentemente de ter sido objecto de impugnação tendente a aferir da sua invalidade/ilegalidade quando tomada por parte do autor do acto administrativo que assim a decidiu, e por outro lado, a data produtora dos efeitos da amnistia, in casu, quanto a infracções praticadas até às 00,00 horas do dia 19 de junho de 2023.

***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da
Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente INSTITUTO POLITÉCNICO ....

*

Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

*

Porto, 17 de maio de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Maria Fernanda Brandão

Rogério Martins, com o voto de vencido que se segue:
“Voto de vencido.
Voto vencido a posição que fez vencimento pelas seguintes razões, consignadas nos acórdãos por mim relatados no dia de hoje, 1778/15.2BEBRG, 269/17.1BEMDL 95/22.6BEAVR, com declarações de voto e um voto de vencido, a ressalvar esta parte:
Os tribunais não são segunda instância administrativa sob pena de violação do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
O objecto da decisão do Tribunal de Primeira Instância não é processo disciplinar em si – a que possa pôr termo por aplicação da Lei da Amnistia ou outra razão qualquer -, mas a decisão punitiva que pode, por exemplo, ter recusado a aplicação da Lei da Amnistia.
A posição que aqui fez vencimento parte, quanto a mim, de um equívoco básico quanto ao objecto do procedimento administrativo, da acção judicial em primeira instância e do objecto do recurso jurisdicional em instância de recurso jurisdicional. Quanto aos tribunais superiores nem de forma indirecta o processo disciplinar é objecto do recurso jurisdicional. O objecto do recurso jurisdicional é a decisão do tribunal de primeira instância. O objecto da decisão do tribunal de primeira instância também não é processo disciplinar em si – a que possa pôr termo por aplicação da Lei da Amnistia ou outra razão qualquer -, mas a decisão punitiva que pode, por exemplo, ter recusado a aplicação da Lei da Amnistia.
A aplicação da Lei da Amnistia em processo disciplinar movido por entidade administrativa, como é o caso, cabe à Administração e não aos Tribunais.
Neste sentido, de resto, dispõe o artigo 14.º da Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08):
“Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação.”
A ideia subjacente a este preceito é a seguinte: competente para aplicar as medidas previstas na Lei da Amnistia é quem aplicou a sanção criminal ou disciplinar.
Os juízes, em qualquer instância judicial, não são os juízes do “julgamento” da infracção nem da condenação. E apenas podem aplicar a Amnistia a sanções aplicadas nos processos judiciais, como decorre, a contrario, do citado preceito. Não podem aplicar a Lei da Amnistia, directamente, nos processos administrativos, disciplinares. A expressão “Nos processos judiciais” não deixa, quanto a mim, qualquer dúvida neste sentido. Fazendo-o, violam o referido artigo 14.º da Lei da Amnistia e, com ele, o princípio constitucional da separação de poderes.
Sendo neste aspecto irrelevante a concordância das partes, por não terem reagido, quanto à aplicação da Lei da Amnistia à infração disciplinar, directamente, pelo Tribunal “a quo”, por a lei ser imperativa e, por isso, não estar na disponibilidade das partes.

E sendo certo que retirar efeitos jurídicos para o processo judicial da Lei da Amnistia aplicável ao processo disciplinar é aplicar a Lei da Amnistia ao processo administrativo.
No caso concreto, mostra-se à evidência, que o entendimento que aqui fez vencimento viola o princípio da separação de poderes: o tribunal decidiu aplica a Lei da Amnistia ao processo disciplinar e não conhecer de mérito da validade do acto punitivo – que assim fez desaparecer da ordem jurídica -, contra o entendimento de quem detém o poder disciplinar, a Entidade Demandada.
Os artigos 6º e 14º da Lei da Amnistia de 2023, na interpretação feita na decisão recorrida, são inconstitucionais, por violação deste princípio constitucional, da separação de poderes.
Pelo que não cabia ao Tribunal recorrido aplicar à acção judicial a Lei da Amnistia, antes se impunha conhecer de mérito.
Revogaria, portanto, a decisão recorrida e ordenaria a baixa dos autos para conhecimento de mérito da acção.“