Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00325/13.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/24/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:NULIDADES DA SENTENÇA;
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO;
LIQUIDAÇÃO DE IMT;
Sumário:
I. A nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto, abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, prevista no artigo 659º, nº 3 do CPC.

II. A referida nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto só ocorre quando haja total omissão dos fundamentos de facto em que assenta a decisão.

III. A interpretação conjugada dos artigos 268º, nº 3 da CRP, 124º do CPA e 77º da LGT, exige que a fundamentação do acto tributário tem de ser expressa, clara, suficiente, congruente e contextual de modo a permitir ao destinatário do acto perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto

IV. Tal exigência, abrange, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do acto..*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 03.04.2017, que julgou procedente a presente Impugnação Judicial deduzida por «AA» contra a liquidação de IMT e correspondente Imposto de Selo, no montante global de € 15 617,97, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
1. Por via da douta sentença, aqui recorrida, o Mm.º juiz a quo decidiu julgar procedente a impugnação dirigida contra as liquidações oficiosas de IMT e de IS por considerar que as mesmas enfermavam de falta de fundamentação;
2. As liquidações impugnadas foram praticadas na sequência, e são o resultado da revisão oficiosa das liquidações iniciais despoletadas pela apresentação da Declaração Mod. 1 de IMT, na sequência da outorga da escritura de partilhas, por óbito da mãe do Impugnante.
3. Dita revisão oficiosa encontrou justificação em erro de direito, incorrido pelos serviços da AT que promoveram a liquidação inicial, ao ter considerado que a transmissão titulada pela escritura de partilhas, supra referida, resultava subsumível apenas ao facto ‘partilha’ na proporção de 3/4 do acervo hereditário;
4. Constatado o referido erro, promoveu-se a anulação parcial da referida liquidação e a emissão de nova liquidação, expurgada daquela pecha, mediante a elaboração do correspondente Mod. 1 de IMT oficioso 2013/...59, de 2013/05/02, considerando-se a quota-parte transmitida de 1/2, com a identificação do facto tributário – Código 1 – aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis, resultando no IMT devido por este facto de 13.454,57 €;
5. Não padecem os actos impugnados do vício de fundamentação, quer na dimensão formal como na material, pois, considerando as circunstâncias do caso concreto, mister será concluir que os mesmos observaram integralmente o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT e da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do Código do IMT; conclusão que decorre liminarmente da mera leitura do teor das notas de liquidação remetidas ao Impugnante;
6. Ao julgar a presente acção com fundamento em vício de que as liquidações impugnadas manifestamente não padecem, incorreu o Mmo. Juiz a quo em erro de julgamento em matéria de facto e, reflexamente, de direito, determinantes da revogação da douta sentença sob recurso;
7. Destarte, nos termos supra expostos e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deve ao presente recurso ser concedido integral provimento, revogada a douta sentença recorrida e reafirmada a legalidade das liquidações impugnadas, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA.».
1.2. O Recorrido («AA»), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, das quais constam as seguintes conclusões:
«(...)
A- A 2 de Maio de 2013, foi liquidado pela AT — autoridade tributária e aduaneira (Serviço de Finanças ...) um Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, bem como o correspectivo Imposto de Selo, no montante de 13.454,57 € e 2.158,40 €, respectivamente
B- Após indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo recorrido, defendeu o impugnante, em acção judicial entretanto interposta, a falta de fundamentação deste acto tributário por serem desconhecidas as razões de facto e de direito que levaram a Autoridade Tributária a procederem a esta nova liquidação de IMT e correspondente imposto de Selo quando, em 18 de Maio de 2009, já havia procedido a essa mesma liquidação, tendo o impugnante procedido atempadamente à sua liquidação.
C- Na verdade, aduziu-se como único argumento para esta nova liquidação o fundamento genérico e vago, constante de uma simples observação lançada no final de cada uma das notas de liquidação, de que respeitava à Aquisição da meação do cônjuge sobrevivo na Escritura de Partilha outorgada no CN «BB», livro ...55..., folhas ... de 06/05/2009, por óbito de «CC».
D- Mas da menção vertida na observação lançada no final de cada uma das notas de liquidação não é possível perceber que cálculos foram feitos para chegar ao montante liquidado, tanto mais que, com base nos mesmos factos descritos na escritura pública enunciada, a AT já havia liquidado o IMT.
E- Pelo que esta mesma liquidação não é nem expressa, nem clara, nem suficiente, nem tão pouco congruente, ou seja, carece de fundamento por ausência de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram.
F- Pelo que o acto tributário em questão, ou seja, o acto que esteve na base da liquidação deste novo IMT e correspectivo Imposto de Selo é de todo inexistente, não podendo deixar de ser, como o foi, revogado.
G- Acresce ainda que na douta sentença recorrida se deixou consignado que o Impugnante acordou com o seu pai, meeiro e co-herdeiro, que este preenche a sua meação e o seu quinhão em dinheiro — pelo que, para efeitos do art.º 2.9, n.º 5, al. c) do CIMT, não se pode concluir que o Impugnante tivesse feito "Aquisição da meação do cônjuge sobrevivo na Escritura de Partilha".
H- E a recorrente não pôs em causa, não atacou este segmento da douta sentença em seu recurso, pelo que o mesmo se impõe às partes neste processo, sendo este também um dos fundamentos que levou à procedência da impugnação.
Termos em que deve este recurso ser julgado totalmente improcedente e confirmada a douta sentença recorrida.»
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 152 e ss. do SITAF, em que pugna pela procedência do recurso, sem prescindir suscita questão prévia nos seguintes termos que se releva:

“9 - Apreciando o teor da decisão recorrida, parece-nos, que padece de NULIDADE por falta de especificação dos fundamentos de facto, que abarca não apenas a falta de descriminação dos factos provados e não provados, mas também a falta de exame critico das provas, prevista no art°615° n°1 al.b) do CPC e art° 125° n°1 do CPPT.

10 - Nos termos do disposto nos art°s 123° n°2 do CPPT e 607° n°4 do CPC, o juiz deve fundamentar as suas decisões, "...analisando criticamente as, provas; indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção...".

11 - A fundamentação da matéria de facto deve conter a indicação dos elementos de prova de que o juiz se socorreu para formar a sua convicção, procedendo a um exame crítico dos mesmos de forma a exteriorizar e dar a conhecer aos interessados as razões por que decidiu em determinado sentido e não noutro.

12 - O exame crítico das provas, no caso de provas e elementos divergentes que apontem para sentido diferentes, deve explicitar as razões por que se privilegiaram a credibilidade de umas em detrimento ou desconsideração de outras.

Assim,

13 - Analisada a sentença recorrida, verifica-se que o Sr. Juiz não especifica os factos não provados, não apresenta motivação da matéria de facto, não indica os elementos de prova e nem procede a qualquer exame crítico dos mesmos, inviabilizando a percepção dos motivos que levaram o tribunal a quo a decidir como decidiu.

14 - In casu, verifica-se falta de descriminação dos factos não provados e da motivação da matéria de facto provada, pelo que não se pode concluir com segurança quais os elementos de prova que serviram para formar a convicção do juiz.

15 - A propósito de situação idêntica se pronunciou este TCAN nos seus doutos Acórdãos de 8.3.12 in Proc. n° 329/05.1BEMDL, de 9.6.16, in Proc. n° 288/09.1BEMDL e de 1.6.17, in Proc. n°00032/10.0BEPRT, a cuja fundamentação se adere e para onde se remete.”
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa (i) aferir do erro de julgamento de facto (errada valoração da prova) e do erro de julgamento de direito em que incorreu a sentença recorrida ao ter julgado procedente a impugnação por considerar que as liquidações oficiosas de IMT e de IS enfermavam de falta de fundamentação e, bem assim, (ii) em sede de questão prévia suscitada pelo Ministério Público saber se a sentença recorrida é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, nomeadamente por falta de motivação e de fixação de factos não provados.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«
1. Em 2/5/2013 foi liquidado pela AT um imposto sobre transmissões onerosas de imóveis (IMT), bem como o correspectivo imposto de selo (IS), nos montantes de 13.454,57 € e 2.158,40 €, respectivamente – Docs 1 e 2 da PI;
2. Dão-se aqui por reproduzidos aqueles documentos (docs 1 e 2 ), com o seguinte destaque:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]




[Imagem que aqui se dá por reproduzida]


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]




[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”
3. O Impugnante apresentou, contra esta liquidação, reclamação graciosa - doc 3 e 4;
4. Após exercício de audiência prévia, em 12/8/2013 a reclamação foi indeferida – doc 4 da PI;
5. Em 18 de Maio de 2009 a AT já havia procedido à liquidação do IMT e IS relativos aos factos descritos na escritura notarial infra descrita – docs 5 e 6;
6. Mediante escritura notarial outorgada em 25/5/2009 procedeu-se à partilha dos bens deixados por óbito de «CC», pelos seus únicos herdeiros, quer eram o seu marido, «DD», e seu filho, ora Impugnante — Doc 8 da PI, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque: "(...)
- Que os referidos bens somam o valor atribuído total de duzentos e quinze mil novecentos e sete euros e noventa e cinco cêntimos, valor este que tem de ser dividido em duas partes iguais de cento e sete mil novecentos e cinquenta e três euros e noventa e sete cêntimos, correspondendo uma parte à meação do cônjuge sobrevivo e a outra à herança da falecida.
- A herança da falecida tem de ser dividida em duas partes iguais, do cinquenta e três mil novecentos e setenta e seis euros e noventa e oito cêntimos, cada, correspondendo cada parte ao quinhão hereditário de cada herdeiro.
- O representado do primeiro outorgante soma a sua meação ao seu quinhão, ficando a pertencer-lhe bens no valor global de cento e sessenta e um mil novecentos e trinta euros e noventa e cinco cêntimos.
- Que nas operações de partilha existe uma diferença de valores de dois cêntimos que é desprezada.
- Que procedem à partilha dos referidos bens adjudicando-os todos, pelo seu valor global atribuído (duzentos e quinze mil novecentos e sete euros e noventa e cinco cêntimos) ao co-herdeiro «AA», pelo que leva a mais em relação ao seu quinhão a quantia de cento e sessenta e um mil novecentos e trinta euros e noventa e sete cêntimos, que já repôs de tornas ao seu pai «DD».
- O meeiro e co-herdeiro, «DD», preenche a sua meação e o seu quinhão em dinheiro, que já recebeu de tornas de seu filho «AA» e delas dá a respectiva quitação.
(...)” »
2.2. De direito
2.2.1. Da nulidade da sentença recorrida
Impõe-se, antes do mais, conhecer da questão prévia alegada da falta de especificação dos fundamentos de facto não provados e, bem assim da falta de motivação do julgamento de facto da decisão, suscitada pelo Exmo. Procurador Geral no seu parecer, o que, a verificar-se, corresponde à nulidade da sentença prevista no artigo 125º, nº1 do CPPT.
Vejamos.
Como vimos, a sentença recorrida fixou os seis factos que se deixaram transcritos: a dar nota do teor das liquidações impugnadas, da sua notificação, da apresentação da Reclamação Graciosa, do exercício da audiência prévia por parte do Recorrido, da decisão proferida no âmbito da Reclamação Graciosa, e bem assim, do teor da escritura notarial outorgada em 25/05/2009.
Para além destes factos, nenhuns outros foram dados como provados, nem como não provados.
Ora, da consulta aos autos resulta que, a Impugnante alega a falta de fundamentação, por as mesmas serem completamente omissão as razões de facto e de direito para a emissão em sede de revisão oficiosa das liquidações que impugna, mais invoca que não adquiriu nem a meação, nem o quinhão do cônjuge sobrevivo, pelo que inexistiu qualquer alienação, que já havia procedido ao pagamento do IMT e correspondente Imposto de Selo relativamente à quota-parte do que recebeu a mais na partilha, carecendo de suporte factual e jurídicos a nova liquidação e, por último, da errónea aplicação da taxa de 6,50% a todos os prédios.
A sentença recorrida, conhecendo da falta de fundamentação invocada, julgou a impugnação procedente, a Recorrente inconformada alega que a mesma enferma de erro de julgamento de facto (errada valoração da prova) e em erro de julgamento de direito ao ter considerado que as liquidações oficiosas de IMT e correspondente IS estavam feridas de falta de fundamentação
Na perspetiva do Exmo. Procurador Geral a sentença sob recurso enferma de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, nomeadamente por falta de motivação e de fixação de factos não provados [artigos 123° n°2 do CPPT e 607° n°4 do CPC e artigos 615° n°1 al. b) do CPC e 125° n°1 do CPPT].
Efetivamente, a falta de exame crítico da prova configura uma causa de nulidade da sentença porquanto a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC e no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, mas também a falta de exame crítico da prova, requisito igualmente exigido no artigo 607.º, n.º 4, do CPC (cf. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 358; acórdão do STA, de 12.02.2003, proferido no rec.1850/02 e, acórdãos deste TCA Norte de 08.03.2012 in proc. n° 329/05.1BEMDL, de 09.06.2016, in proc. n° 288/09.1BEMDL e de 01.06.2017, in proc. n°00032/10.0BEPRT).
Na realidade, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa.
Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios.
Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária (cf. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.321 e seg. e acórdão do STA, de 15.04.2009, in recurso n.º 1115/08).
Como ensina M. Teixeira de Sousa “… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” Vide, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lx 1997, pág. 348.
Por outro lado, como bem salientou Tomé Gomes, in “Da sentença cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, e-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, jan. 2014, p. 39, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos, «(…) a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.»
Com efeito é jurisprudência assente que a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
Sendo que a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, que afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140, bem como os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 01.09.2010, recurso 653/10, 07.12.2010, recurso 1075/09 e de 02.03.2011, recurso 881/10.
Neste sentido, relativamente à fundamentação de facto, só a falta de concretização dos factos provados que servem de base à decisão, permite que seja deduzida a nulidade da sentença/acórdão. Quanto à fundamentação de direito, “o julgador não tem de analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes: a fundamentação da sentença/acórdão contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador” (cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, página 688).
Também assim sucederá quanto à falta de exame crítico da prova produzida, que apenas poderá configurar uma nulidade quando, sendo necessária, haja sido absolutamente omitida.
No caso concreto, como se extrai da fundamentação da decisão de facto constante da sentença recorrida, o Tribunal a quo discriminou tão só os factos provados e identificou, relativamente a cada um dos factos provados, o concreto meio probatório com base no qual formou a sua convicção, especificando por via da remissão para o respectivo documento atendendo a sua numeração em sede de apresentação com a petição inicial, a que acresce que nos presentes autos não foi requerida a produção de prova testemunhal, pelo que, se bem que destituída da melhor prática jurídica, certo é que a motivação existe, assente nos documentos evocados.
No mais, certo é que o Tribunal a quo, ainda que de forma sintética, fundamentou a falta de fundamentação com base nos factos dados como provados, e apenas assente nos mesmos fundamentou o seu julgamento de direito indicando os respectivos preceitos legais –artigos 268º da CRP e 77º da LGT.
Ora, tendo presente a matéria factual supra exposta e resultante dos autos, tanto basta para se poder concluir que a decisão recorrida não padece da invocada nulidade, poderá eventualmente ocorrer erro de julgamento da decisão recorrida, determinante da respectiva revogação, mas não nulidade desta.
Improcede, pois a arguida nulidade.
2.2.2. Do erro de Julgamento na apreciação dos vícios de falta de fundamentação do acto tributário – liquidações de IMT e correspondente Imposto de Selo emitidas na sequência de revisão oficiosa
Alega a Recorrente (AT) que os actos impugnados não padecem do vício de fundamentação, quer na dimensão formal como na material, pois, considerando as circunstâncias do caso concreto, mister será concluir que os mesmos observaram integralmente o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT e da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do Código do IMT; conclusão que decorre liminarmente da mera leitura do teor das notas de liquidação remetidas ao Impugnante. Mais defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito (conclusão 6. das alegações de recurso).
Mais enfatiza que, as liquidações impugnadas foram praticadas na sequência da revisão oficiosa das liquidações iniciais despoletadas pela apresentação da Declaração Mod. 1 de IMT, na sequência da outorga da escritura de partilhas, por óbito da mãe do Recorrido, revisão essa assente em erro de direito, incorrido pelos serviços da AT que promoveram a liquidação inicial, ao ter considerado que a transmissão titulada pela escritura de partilhas, supra referida, resultava subsumível apenas ao facto ‘partilha’ na proporção de 3/4 do acervo hereditário. Constatado o referido erro, promoveu-se a anulação parcial da referida liquidação e a emissão de nova liquidação, expurgada daquela pecha, mediante a elaboração do correspondente Mod. 1 de IMT oficioso 2013/...59, de 2013/05/02, considerando-se a quota-parte transmitida de 1/2, com a identificação do facto tributário – Código 1 – aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis, resultando no IMT devido por este facto de 13.454,57 € (vide conclusões 2., 3. e 4. das alegações de recurso).
Vejamos, então, se a decisão recorrida incorreu no erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente.
Comecemos por ter presente o juízo de razão em que assentou a procedência do vício de falta de fundamentação.
O Tribunal a quo após dilucidar sobre os considerandos atinentes à fundamentação aduz que “A resposta às perguntas formuladas é em sentido negativo porque, pela simples menção de “Observações: Aquisição da meação do cônjuge sobrevivo na Escritura de Partilha outorgada no CN «BB», livro ...55..., folhas ... de 06/05/2009, por óbito de «CC»” não é possível perceber que cálculos foram feitos para chegar ao montante liquidado, tanto mais que, com base nos mesmos factos descritos na escritura pública enunciada, a AT já havia liquidado o IMT.”
Sublinhando, neste particular, que “[pela] observação “Aquisição da meação do cônjuge sobrevivo na Escritura de Partilha outorgada no CN «BB», livro ...55..., folhas ... de 06/05/2009, por óbito de «CC»”, cremos que a AT líquida os impostos porque o Impugnante teria adquirido, do seu pai, a meação deste na herança da esposa (e mãe do Impugnante). Ora, se assim é, a liquidação também se apresenta incongruente porque de acordo com a escritura o Impugnante adquire, não só a meação na herança do cônjuge sobrevivo, mas também o quinhão hereditário do seu pai.”.
Concluindo que Procede a pretensão da impugnante baseada nesta causa de pedir” (leia-se falta de fundamentação).
E, de facto, nenhuma censura merece o juízo de entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, porquanto os atos impugnados padecem, efetivamente, de falta de fundamentação, cominada com a anulabilidade.
Senão vejamos.
Ab initio, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, ao preceituar que [o]s actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Por sua vez o nº 1 do art.º 124.º do CPA (em vigor à data) estabelece que “Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) (…)
c) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior.
Ao nível dos actos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
Com efeito, como afirma Ana Paula Dourado, in Fisco n.º 28, fevereiro de 1991, pág. 37 e ss., “A exigência de fundamentação é considerada como um princípio fundamental de um Estado de Direito e está correlacionado com os princípios da transparência da actividade administrativa e da boa administração, sendo condição para um controlo eficaz do acto administrativo quanto aos vícios de violação de lei e de desvio de poder.
E, como salientam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente”.
Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente, “[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto
" (in acórdão do STA de 12.03.2014, proferido no âmbito do processo n.º 01674/12)
Podemos poi afirmar, em conformidade com a expressão jurisprudencial unânime que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do acto e a sua conformação.
Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do acto.
“O imperativo da fundamentação do acto tributário, como acto administrativo, apresenta uma complexidade funcional que se não reduz apenas à vertente da garantia de protecção dos administrados, com vista ao efectivo direito ao recurso contencioso, antes exige também a satisfação de outros interesses, como o da racionalidade da própria decisão e o da transparência da actuação administrativa, de maneira a ficar claro porque não se decidiu num sentido e não noutro não se desprezando os critérios de vinculação elencados no regime legal em termos de não prejudicar a compreensão da sua motivação.” (…) “A fundamentação do acto administrativo tem como escopo fundamental evitar tratamento discriminatório e a permissão do administrado do uso correcto de todos os meios processuais de defesa em relação à Administração, defesa essa que só é susceptível de ser bem sucedida se àquele for dada a conhecer a razão de ser do procedimento tomado e que ao caso se ajuste.” (in acórdão do TCA Sul de 10.12.2003, proferido no recurso n.º 06737/02).
Assim sendo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o acto, implicando, por isso, uma análise casuística.
Em síntese, a fundamentação consiste (i) na indicação dos factos e normas jurídicas que o justificam; e (ii) na exposição das razões de facto e/ou de direito que determinam a assunção de uma determinada posição pela Administração Fiscal, de modo a permitir ao seu destinatário, considerando este como um destinatário normal ou razoável, optar entre a aceitação da legalidade do acto ou a sua reclamação/impugnação.
Antes de prosseguirmos, uma chamada de atenção, se bem que o recurso não questione o julgamento nesse segmento, de que o dever de fundamentação deve ser cumprido no momento em que a Administração Fiscal decide e não posteriormente, sendo irrelevante, em regra a fundamentação a posteriori.
Ora, atentando nos considerandos supra expostos não resulta que o Tribunal a quo tenha incorrido no erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente.
Explicitemos, então, porque assim o entendemos.
In casu, encontramo-nos, efetivamente, perante falta de fundamentação formal dos actos impugnados, porquanto, não obstante os mesmos resultarem de um conjunto de actos sucedâneos que o antecedem, emissão de uma liquidação “primitiva” (datadas de 18.05.2009 – vide item 5. Do probatório) despoletada pela apresentação da Declaração Modelo 1 de IMT e revisão oficiosa por iniciativa da AT decorrente como ela própria assume (em sede de Reclamação graciosa) de erro em que incorreram os serviços, todos os actos foram praticados na sequência da outorga da escritura de partilhas, verdade é que na sucessão dos autos não se consegue discernir quais os motivos que estiveram na génese dos valores liquidados na sequência daquela revisão e que alteraram o valor liquidado para mais.
Com efeito, perceciona-se que as liquidações impugnadas de IMT ou IS foram emitidas em 02.05.2013, sobre o mesmo facto (escritura de partilha), que já haviam sido emitidas liquidações em 18.05.2009, em que a única motivação adicional que consta das mesmas é em sede observações : “Aquisição da meação do cônjuge sobrevivo na Escritura de Partilha outorgada no CN «BB», livro ...55..., folhas ... de 06/05/2009, por óbito de «CC»”, daí dimanando uma alteração ao valor global do acto ou contrato de €107.953,98, quando nas anteriores liquidações contava o valor de € 163.054,99.
Sendo que, no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, não se perceciona da mesma a justificação e perceber “que cálculos foram feitos para chegar ao montante liquidado, tanto mais que, com base nos mesmos factos descritos na escritura pública enunciada, a AT já havia liquidado o IMT.”
Mais acresce referir, que em momento algum das mesmas consta 2ª de liquidação ou mesmo a norma ao abrigo da qual se procedia a nova liquidação, ou seja alusão e razões da AT rever oficiosamente as liquidações emitidas em 2009, diga-se volvidos, quase quatro anos 02.05.2013, nem mesmo a indicação de qual a norma legal ao abrigo da qual a liquidação de IMT foi emitido.
Ora, face ao supra aludido e perante o propugnado pela Recorrente, que tão só evoca em termos genéricos o erro de julgamento de facto e de direito sem contra argumentar ou debilitar as ilacções que discorrem do discurso fundamentador da sentença, somos de concluir nesta sede que efectivamente não se descortinam as razões que estiveram na génese das liquidações emitidas pela AT em 02.05.2013, desde logo, porque as mesmas revogaram e substituíram liquidações anteriores sem disso darem conhecimento e sem que da notificação das mesmas constasse uma qualquer fundamentação que permitisse ao sujeito passivo alcançar a emissão das mesmas.
Conclui-se, assim, que perante os actos impugnados um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos mesmos, já devidamente densificado anteriormente, não fica em condições de saber os pressupostos basilares em que assentou a determinação, apuramento e liquidação em contenda, padecendo, por isso, de vício de forma, por falta de fundamentação cominado com a anulabilidade, pelo que a sentença que assim o decidiu não padece de qualquer erro de julgamento, devendo, por isso, ser confirmada.

2.3. Conclusões
I. A nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto, abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, prevista no artigo 659º, nº 3 do CPC.
II. A referida nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto só ocorre quando haja total omissão dos fundamentos de facto em que assenta a decisão.
III. A interpretação conjugada dos artigos 268º, nº 3 da CRP, 124º do CPA e 77º da LGT, exige que a fundamentação do acto tributário tem de ser expressa, clara, suficiente, congruente e contextual de modo a permitir ao destinatário do acto perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto
IV. Tal exigência, abrange, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do acto.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 24 de abril de 2024

Irene Isabel das Neves
Serafim Carneiro
Carlos Fernandes