Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00969/24.0BEBRG |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 01/30/2025 |
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Tribunal: | TAF de Braga |
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Relator: | ROSÁRIO PAIS |
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Descritores: | OPOSIÇÃO; LEVANTAMENTO DO SIGILO BANCÁRIO; INCIDENTE; |
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Sumário: | I – Tendo o Tribunal a quo decidido pela legitimidade e justificação da recusa da instituição bancária, uma eventual quebra do sigilo bancário a decidir por este TCAN, a justificar a intervenção do tribunal superior no incidente de dispensa do segredo bancário, passa pelo entendimento de que os elementos bancários, em causa, se mostram indispensáveis à descoberta material dos factos em questão na Oposição deduzida, e nessa medida interessam à realização da justiça, devendo sobrepor-se ao interesse particular do cliente da instituição bancária, tais como a reserva à vida privada bem como das relações de confiança que se estabelecem entre as entidades bancárias e os respetivos clientes, de acordo com o princípio da prevalência dos interesses preponderantes. II - Considerando que, nos presentes autos de Oposição, se discute o pressuposto do exercício de facto da gerência, cuja prova incumbe à Exequente, a informação pretendida, de identificação das pessoas que, em 2022, podiam movimentar a conta bancária da SDO, configura um meio de prova que, pelo menos, pode contribuir para a formação da convicção do Tribunal quanto a este pressuposto da reversão, sabido que ele pode resultar demonstrado através de uma presunção natural ou judicial, formada com base no acervo probatório carreado para o processo. Acresce a informação pretendida não pode ser validamente obtida por outra via. Nessa medida, a dita informação interessa e é imprescindível à realização da justiça, que deve sobrepor-se aos interesses particulares assinalados.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Deferir o incidente de levantamento de sigilo bancário. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO No processo de oposição identificado em epígrafe, deduzido por «AA» (na qualidade de responsável subsidiária) à execução fiscal nº ...98 e apensos, estão em causa os pressupostos para a reversão contra ela realizada, designadamente, o do exercício da gerência. O Senhor Juiz a quo deferiu o pedido do IGFSS, IP, no sentido de Oficiar à Banco 1..., CRL para informar quem estava autorizado a movimentar, a débito e a crédito, a conta titulada pela sociedade executada originária no ano de 2022. Na sequência da recusa desta entidade bancária, fundamentada no seu dever de sigilo bancário, o Tribunal a quo decidiu que a escusa da instituição bancária em questão assenta em normativos legais adequados e determinou a subida dos autos a este TCAN para decisão do incidente. O EPGA junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer não se opondo a que seja deferido o levantamento do sigilo profissional invocado pela instituição bancária em causa, atento que tal levantamento se revela essencial para a descoberta da verdade material e boa decisão dos factos em apreço pelo IGFSS. * Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta. * 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir o incidente de levantamento de sigilo bancário, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 135º do Código de Processo Penal, ou seja, saber se, para a realização da justiça é necessário determinar o levantamento do segredo profissional (bancário) e o banco ser obrigado a enviar as informações pretendidas. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO Com interesse para esta decisão, resultam provados os seguintes factos e/ou ocorrências processuais: A) «AA», deduziu oposição à execução fiscal nº ...98 e apensos, originalmente instaurada contra a sociedade “[SCom01...], Lda”, por dívidas de contribuições e cotizações dos períodos de 2022/04 e 2022/05, invocando que «Pese embora a nomeação formal como gerente, (…) nunca exerceu de facto tais funções, sendo estas exercidas, desde a sua constituição, pelo Senhor «BB», cuja assinatura bastava para vincular a sociedade, conforme cópia da certidão permanente», e que «(…) foi destituída da gerência em junho de 2019» - cfr. p.i. B) Da informação prestada ao abrigo do artigo 208º do Código de Procedimento e de Processo Tributário consta, entre o mais, o seguinte: «(…) 15. Da informação constante dos autos do processo de execução, verifica-se que «AA»_..., responsável subsidiária da Devedora Originária, foi gerente, tendo desenvolvido de facto a atividade de gerente na empresa executada, mais o seu companheiro, também gerente, «BB», NIF ...97..., representando-a e obrigando-a perante terceiros. 16. Consta dos autos de execução requerimentos para pagamento em prestações, datados de 2020-04-16, 2020- 09-07, 2021-05-06, 2021-10-15, 2023-12-15 requeridos e assinados pela ora oponente, na qualidade de gerente de facto da devedora originária, arrogando-se dessa qualidade, sendo vista como tal, tomando, assim decisões sobre os destinos da sociedade devedora (após a dita “renúncia” que refere que ocorreu por “lapso”). 17. Consta dos autos procuração forense, datada de 19-08-2019, com termo de autenticação do solicitador «CC», cédula ...60, em que a ora oponente gerente da DO, constitui seu procurador «BB». 18. A 26-02-2020, o próprio «DD» perante o Departamento de Fiscalização do Centro Distrital da Segurança Social ..., declara e assina a consignar o seguinte: “Renunciou as funções de gerência em 20/05/2019 na empresa [SCom01...], Lda. Continuo a trabalhar para a empresa, desde que renunciou a gerência, visitando as várias obras que a empresa tem no Porto, em Valença e brevemente em Ponte de Lima. As obras de Valença começaram em maio de 2019. Acrescentou nesta inquirição uma procuração passada pela atual sócia gerente «AA», dando-lhe poderes para representar a empresa.” 19. Em 19-04-2020 (após a suposta renúncia ao cargo), a oponente assinou citação da DO, no âmbito do PEF ...59 e apensos, na qualidade de gerente da empresa “[SCom01...] lda” 20. Citação essa que foi junta e remetida pelo contabilista «EE», via e-mail ( ..........@.....). (…)» - cfr. Informação de pp. 105 e seguintes do sitaf. C) A entidade exequente contestou, por remissão para a Informação aludida no ponto antecedente, e, a final, arrolou testemunhas e requereu se oficiasse «à Banco 1..., CRL para informarem quem estava autorizado a movimentar, a débito e a crédito, a conta titulada pela sociedade executada no ano de 2022» - cfr. contestação. D) Deferindo este requerimento, o Tribunal a quo oficiou à Banco 1..., CRL, em conformidade com o requerido – cfr. pp 1353 do sitaf. E) A Banco 1... respondeu nos termos que seguem: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - cfr. pp. 1355 do sitaf. F) Por despacho de 12/11/2024, o Meritíssimo Juiz a quo considerou que «(…) A escusa da instituição bancária em questão assenta em normativos legais adequados. // Atendendo à informação cuja prestação foi requerida pelo IGFSS, IP, e à sua relevância para a boa decisão da causa, determina-se que subam aos ao Tribunal Central Administrativo Norte para a decisão do incidente de levantamento de sigilo profissional da instituição bancária Banco 1..., CRL.» - cfr. pp. 1368 do sitaf. 3.2. DE DIREITO Está em causa, neste incidente, a recusa da Banco 1..., CRL, de fornecer a informação solicitada sobre quem estava autorizado a movimentar, a débito e a crédito, a conta titulada pela sociedade executada originária no ano de 2022. Atentemos, antes do mais, ao quadro legal aplicável ao sigilo bancário, inserto nos artigos 417° e 497° do Código de Processo Civil e 182° e 135° do Código de Processo Penal: “Artigo 417º (Dever de cooperação para a descoberta da verdade) 1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados. 2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil. 3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: a) Violação da integridade física ou moral das pessoas; b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações; c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4. 4 - Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.”. “Artigo 497º (Recusa legítima a depor) 1 - Podem recusar-se a depor como testemunhas, salvo nas ações que tenham como objeto verificar o nascimento ou o óbito dos filhos: a) Os ascendentes nas causas dos descendentes e os adotantes nas dos adotados, e vice-versa; b) O sogro ou a sogra nas causas do genro ou da nora, e vice-versa; c) Qualquer dos cônjuges, ou ex-cônjuges, nas causas em que seja parte o outro cônjuge ou ex-cônjuge; d) Quem conviver, ou tiver convivido, em união de facto em condições análogas às dos cônjuges com alguma das partes na causa. 2 - Incumbe ao juiz advertir as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de se recusarem a depor. 3 - Devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional, ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo, aplicando-se neste caso o disposto no n.º 4 do artigo 417º.”. “Artigo 182° (Segredo profissional ou de funcionário e segredo de Estado) 1 - As pessoas indicadas nos artigos 135.° a 137. ° apresentam à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer objectos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem, por escrito, segredo profissional ou de funcionário ou segredo de Estado. 2 - Se a recusa se fundar em segredo profissional ou de funcionário, é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 135. °, n.º 2 e 3, e 136. °, n.º 2. 3 - Se a recusa se fundar em segredo de Estado, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 137.°, n.º 3.”. “Artigo 135° (Segredo profissional) 1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa, os advogados, os médicos, os jornalistas, os membros de Instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo. 2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento. 3 - O tribunal superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o plenário das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento. 4 - O disposto no número anterior não se aplica ao segredo religioso. 5 - Nos casos previstos nos n. °s 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.”. Acompanhando o Acórdão deste TCAN de 13.11.2014, proferido no processo nº 00020/10.7BECBR-A e disponível para consulta em www.dgsi.pt, cuja Relatora foi a Exmª Senhora Juíza Desembargadora que aqui intervém na qualidade de 2ª Adjunta, cabe dizer que: «O segredo profissional invocado nestes autos pelas instituições bancárias a quem foram solicitados os elementos referidos vem regulado nos artigos 78º e 79º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGISSF), aprovado pelo DL nº 298/92 de 31/12 (com alterações introduzidas pelo DL nº 246/95 de 14/9, DL nº 232/96 de 5/12, DL nº 229/99 de 22/7, DL nº 250/2000 de 13/10, DL nº 285/2001 de 3/11, DL nº 201/2002 de 26/9, DL nº 319/2002 de 28/12, DL nº 252/2003 de 17/10, DL nº 145/2006, de 31/7, DL nº 104/2007, de 3/4, DL nº 357-A/2007, de 31/10, DL nº 1/2008 de 3/1, DL nº 126/2008, de 21/7, DL nº 211-A/2008, de 3/11, Lei nº 28/2009, de 19/6, DL nº 162/2009, de 20/7, Lei nº 94/2009, de 1/9, DL nº 317/2009, de 30/10, DL nº 52/2010, de 26/5, DL nº 71/2010, de 18/6, Lei nº 36/2010, de 2/9, DL nº 140-A/2010, de 30/12 e Lei nº 46/2011, de 24/6 e DL nº 88/2011, de 20/7). Os referidos artigos 78º e 79º do RGISSF contêm as regras que definem o dever de segredo, os seus destinatários, as excepções e as sanções pela sua violação, estando abrangidos pelo segredo bancário os factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações destas com os seus clientes (artigo 78º, nº 1), designadamente, os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias (artigo 78º, nº 2). O segredo bancário pretende salvaguardar uma dupla ordem de interesses: (i) por um lado, um interesse de ordem pública, o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança, sendo o segredo um elemento decisivo para a criação desse clima de confiança; (ii) por outro lado, o segredo visa também a protecção dos interesses dos clientes da banca, para quem o segredo constitui a defesa da discrição da sua vida privada, tendo em conta a relevância que a utilização de contas bancárias assume na vida moderna, em termos de reflectir aproximadamente a «biografia» de cada sujeito, de forma a que o direito ao sigilo bancário se pode ancorar no direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa - cfr. acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ n.º 2/2008, de 13/2/2008, publicado no DR 1ª Série, n.º 63, de 31/3/2008, páginas 1879 e seguintes. Porém, dado o segredo bancário não constituir um fim em si mesmo, nem sequer um valor absoluto, a lei prevê diversas situações em que o mesmo pode ser derrogado em face de outros interesses públicos ou privados. Por isso, no artigo 79º do RGICSF, estão previstas excepções ao dever de sigilo: (i) autorização do cliente (nº 1); (ii) no âmbito dos poderes de supervisão e de controlo dos riscos [alíneas a) a c) do nº 2]; (iii) nos termos da lei penal e de processo penal [alínea d) do nº 2]; (iv) quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo [alínea e) do nº 2]. Daí que, embora o nº 1 do artigo 519º do Código de Processo Civil [atual artigo 417º] imponha a todas as pessoas (sejam ou não partes na causa) o dever de cooperação com o Tribunal para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que lhes for requisitado e praticando os actos que lhe forem determinados, segundo a alínea c) do nº 3 desse normativo seja legítima a recusa de colaboração com o tribunal se a obediência importar violação do sigilo profissional - o segredo bancário constitui uma modalidade de sigilo profissional - ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado. Isto, sem prejuízo do disposto no nº 4, que preceitua que uma vez deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado. À escusa em processo penal com o fundamento de segredo profissional, aplicável in casu, reporta-se o artigo 135º do Código de Processo Penal. Ora, de acordo com o disposto neste normativo (aplicável por força do disposto neste artigo 519º, nº 4 do Código de Processo Civil [atual artigo 417º]), tendo sido invocada escusa pela entidade bancária para fornecer os elementos solicitados, colocam-se duas hipóteses: (a) a autoridade judiciária tem dúvidas quanto à legitimidade da escusa e, neste caso, procede às averiguações necessárias e se, depois dessas averiguações e de ultrapassadas as dúvidas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ouvido o organismo representativo da profissão, decide, ordenando a prestação da informação; (b) a autoridade judiciária aceita a validade da escusa e, no caso de entender, apesar da legitimidade da escusa, serem indispensáveis os elementos recusados, pede ao tribunal superior (o competente para o efeito) que determine que sejam fornecidos os elementos pretendidos, com quebra do segredo profissional. […] No caso de uma instituição de crédito (rectius, dos funcionários ou administradores dessa instituição) se escusar a prestar uma informação que lhe foi solicitada pelo tribunal administrativo e fiscal no âmbito de um processo de [oposição] com fundamento no segredo bancário a que está obrigada (cf. art. 78.º, n.º 2, do RGICSF) - o segredo bancário constitui uma modalidade de sigilo profissional - deve o juiz desse tribunal, antes do mais, decidir se tal escusa é ou não legítima, ou seja, se estão ou não verificados os pressupostos que permitem àquela instituição escusar-se legalmente a prestar tal informação sendo que, somente, no caso de decidir que a escusa é legítima e está justificada deverá suscitar a intervenção do tribunal superior no incidente de dispensa do segredo bancário (cfr. artºs 135.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, 519º, nº 4 do CPC ex vi do art. 2.º, alínea e) do CPPT). […] Reproduzindo uma “breve nota quanto aos interesses tutelados”, o segredo bancário visa tutelar: «-interesses públicos, que têm a ver com o regular funcionamento da actividade bancária, sendo que o segredo contribui para a criação de um clima de confiança fundamental para o correcto e regular funcionamento da actividade creditícia, em especial, no domínio do incentivo ao aforro e - interesses privados, sendo estes dos clientes, que têm interesse na reserva ou discrição relativamente às relações com a banca, quer no domínio dos negócios, quer dos actos pessoais, mas também das instituições financeiras, surgindo aqui como manifestação da liberdade da iniciativa económica privada e do direito ao bom nome e à reputação das instituições». Porém, esse direito ao sigilo, embora com cobertura constitucional, não é um direito absoluto, até porque, pela sua referência à esfera patrimonial, não se inclui no círculo mais íntimo da vida privada das pessoas, embora com ele possa manter relação estreita. Pode, pois, ter de ceder perante outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, cuja tutela imponha o acesso a informações cobertas pelo segredo bancário – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 278/95, de 31 de Maio. Na verdade, a tutela de certos valores constitucionalmente protegidos pode tornar necessário, em certos casos, o acesso aos dados e informações que os bancos possuem relativamente às suas relações com os clientes. Assim sucede com os artigos 135º, 181º e 182º do Código de Processo Penal. Assim, este TCAN não tem, portanto, que indagar sobre a relevância dos elementos bancários solicitados no contexto da causa principal, nem sobre a legitimidade do Banco ..., S.A. ao escusar-se, em nome do sigilo bancário, a fornecer essa informação, questões que o Tribunal de 1ª instância já decidiu no exercício normal das suas competências no processo principal. Mas apenas ponderar e decidir se em face dos interesses públicos e privados contrapostos (“segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante” como preceitua o artigo 135º/3 CPP) se justifica no caso a derrogação do dever de sigilo bancário – cfr. Acórdão do TCAN, de 10/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 1026/12.7BEBRG-A. […].» - fim de transcrição. Isto posto, vejamos, então, se no caso concreto deve, ou não, ser determinado o levantamento do sigilo bancário, ponderando os interesses em contraponto. Relembramos que está em causa um meio de prova destinado a demonstrar o exercício da gerência pela Oponente/Autora, cujo ónus impende sobre a Entidade Exequente, por imposição do artigo 74º, nº 1, da LGT. Ou que, no mínimo, pode contribuir para a formação da convicção do Tribunal quanto a este pressuposto da reversão, sabido que ele pode resultar demonstrado através de uma presunção natural ou judicial, formada com base no acervo probatório carreado para o processo. Acresce que a informação em causa (quem eram as pessoas autorizadas a movimentar a conta bancária da SDO) não pode ser validamente obtida por qualquer outra via, donde que a prestação da informação pela referida entidade bancária se revela imprescindível. Trata-se de assegurar à Exequente o direito à tutela jurisdicional efetiva, a um processo justo e equitativo, à igualdade, ao exercício do contraditório e à obtenção da verdade material, que servem o interesse da efetiva realização dos fins da atividade judicial e, por isso, devem prevalecer necessariamente sobre o direito ao sigilo bancário relativo a informações bancárias. E, assim, no confronto entre o direito à reserva do titular das contas bancárias e o direito da Exequente à tutela jurisdicional efetiva e à verdade material, terá aquele direito que ceder perante este, na estrita medida do necessário para assegurar o processo equitativo, o princípio do contraditório e a igualdade das partes. * Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I – Tendo o Tribunal a quo decidido pela legitimidade e justificação da recusa da instituição bancária, uma eventual quebra do sigilo bancário a decidir por este TCAN, a justificar a intervenção do tribunal superior no incidente de dispensa do segredo bancário, passa pelo entendimento de que os elementos bancários, em causa, se mostram indispensáveis à descoberta material dos factos em questão na Oposição deduzida, e nessa medida interessam à realização da justiça, devendo sobrepor-se ao interesse particular do cliente da instituição bancária, tais como a reserva à vida privada bem como das relações de confiança que se estabelecem entre as entidades bancárias e os respetivos clientes, de acordo com o princípio da prevalência dos interesses preponderantes. II - Considerando que, nos presentes autos de Oposição, se discute o pressuposto do exercício de facto da gerência, cuja prova incumbe à Exequente, a informação pretendida, de identificação das pessoas que, em 2022, podiam movimentar a conta bancária da SDO, configura um meio de prova que, pelo menos, pode contribuir para a formação da convicção do Tribunal quanto a este pressuposto da reversão, sabido que ele pode resultar demonstrado através de uma presunção natural ou judicial, formada com base no acervo probatório carreado para o processo. Acresce a informação pretendida não pode ser validamente obtida por outra via. Nessa medida, a dita informação interessa e é imprescindível à realização da justiça, que deve sobrepor-se aos interesses particulares assinalados. 4. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em julgar procedente o presente incidente e, em consequência, decretar o levantamento do sigilo profissional a que a Banco 1..., CRL estava obrigada, dispensando-se a mesma da observância do sigilo bancário. Custas a cargo da parte vencida a final. Porto, 30 de janeiro de 2025 Maria do Rosário Pais – Relatora Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 1ª Adjunta Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 2ª Adjunta |