Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00494/21.0BEAVR |
| Secção: | |
| Data do Acordão: | 10/31/2024 |
| Tribunal: | TAF de Aveiro |
| Relator: | VIRGÍNIA ANDRADE |
| Descritores: | FALTA DE INTERESSE EM AGIR REEMBOLSO PEC |
| Sumário: | I – “O interesse em agir consiste assim na verificação da necessidade ou utilidade da acção, sendo definido como a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção”. II – O interesse em agir afere-se atenta a pretensão formulada. III - Quando são vários os pedidos formulados na acção, há interesse em agir quando um deles não foi satisfeito.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO [SCom01...] SGPS, SA, contribuinte n.º ...97, vem interpor recurso jurisdicional do saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 29.12.2021, que absolveu a Autoridade tributária e Aduaneira da instância da acção administrativa deduzida contra o despacho da Direcção de serviços do IRC proferido em 25.02.2021, que indeferiu o pedido de reembolso dos pagamentos especiais por conta efectuados em 2006, no montante total de €289.025,88. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: “1. A douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento. 2. Desde logo, contrariamente ao que afirma a douta Sentença, a AT não reconheceu, sequer implicitamente, o direito ao reembolso dos PEC’s em causa. 3. O que a AT fez foi deduzir esses PEC’s à colecta corrigida/acrescida pela própria AT quanto ao exercício de 2008 – oficiosamente e à revelia do contribuinte, que tinha outrossim direito ao reembolso dos PEC’s, conforme factualidade provada. 4. Não se trata do mesmo efeito do ponto de vista do interesse do contribuinte – os PEC’s em questão reportam-se a 2006 (!) e se tivessem sido oportuna e efectivamente reembolsados (como deveriam), não estaria o contribuinte (como está) com o prejuízo financeiro inerente à demora nessa restituição, motivada por correcções ilegais operadas pela AT, o que obrigou o contribuinte a contestar judicialmente as mesmas, 5. sendo que a AT não reconhece à A./Recorrente o direito a quaisquer juros motivados por essa demora, conforme resulta da factualidade provada, 6. e que a A./Recorrente solicitou expressamente o pagamento de juros no pedido de reembolso de PEC’s em questão – como também se extrai da factualidade provada e do teor do correspondente requerimento de reembolso, 7. reiterando esse pedido de juros na presente acção, como dela resulta: juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º nº 3 a) ou c) da LGT, ou, alternativamente, juros de mora, nos termos do artigo 102º nº 2 da LGT. 8. Com efeito, negar o direito a juros ao contribuinte, sejam eles indemnizatórios ou de mora, significa que a R./AT pode continuar a protelar ilegítima e indefinidamente, até quando muito bem entender, o reembolso daqueles PEC’s, de € 289.025,88 - o que é manifestamente abusivo e inadmissível. 9. Sendo que a Recorrente reclama aqui o direito de ser reembolsada dos PEC’s, e não um mero direito de crédito/dedução à colecta, 10. não podendo a AT protelar indefinidamente esse reembolso, pois isso representa obviamente um prejuízo financeiro para o contribuinte - e estão em causa quase € 290.000,00 (!) de PEC’s, cuja restituição há muito deveria ter sido operada. 11. Com efeito, nos termos do artigo 57º nº 1 da LGT, a AT deveria ter concluído a restituição dos PEC’s no prazo de 4 meses (!) após pedido do contribuinte 12. Prazo, esse, terminado muito antes da AT ter feito a liquidação adicional de IRC de 2008 que própria AT invoca para inviabilizar o reembolso dos PEC’s. 13. Sendo certo que, como resulta da factualidade provada, a A./Recorrente tem direito a esses PEC’s – mas cujo reembolso a R./Recorrida/AT nega à A./Recorrente. 14. Tendo a AT colocado o contribuinte numa situação em que tem de aguardar e depende do trânsito em julgado de um processo de Impugnação Judicial motivado por correcções ilegais da AT – ou seja, de um processo judicial para o qual o contribuinte nada contribuiu. 15. Aliás, após o trânsito em julgado desse processo, e mesmo na eventualidade do mesmo ser procedente, mais tarde a AT pode eventualmente recusar o reembolso dos PEC's - alegando, por exemplo, a extemporaneidade do direito a esse reembolso. 16. Com efeito, perante o indeferimento actual do pedido de reembolso em causa, a AT, aquando do eventual trânsito em julgado da sobredita Impugnação Judicial em sentido favorável ao contribuinte, pode vir a considerar necessário novo pedido de reembolso dos PEC's, pelo facto do anterior ter sido indeferido (e esse indeferimento se ter consolidado na ordem jurídica), 17. e nessa altura esse (novo) pedido já ser extemporâneo, segundo a própria AT. 18. Essa interpretação da AT é plausível, se atentarmos na decisão de indeferimento aqui impugnada (cfr. factualidade provada e respectiva prova documental) -segundo a AT, o direito ao reembolso dos PEC’s realizados em 2006 não é perdido em caso de procedência da Impugnação Judicial relativa a 2008, “se então tal for peticionado”, 19. ou seja, segundo a AT, desde que o pedido de reembolso dos PEC’s efectuados em 2006 seja repetido pelo contribuinte após trânsito em julgado dessa Impugnação e em caso de procedência da mesma. 20. Ora, como é sabido, a lei estipulava e estipula um prazo para a apresentação desse pedido de reembolso de PEC’s (cfr. artigo 93º nº 3 do CIRC), 21. pelo que, perante o entendimento da AT – necessidade de repetição do pedido de reembolso dos PEC’s -, a A./Recorrente corre o risco do reembolso dos PEC’s vir a ser novamente negado, dessa feita por extemporaneidade, dado que na altura há muito que decorreu o prazo legal do pedido de reembolso 22. Daí que o pedido de reembolso dos PEC's não devesse ter sido indeferido, como foi, mas pelo menos suspenso, nos termos do artigo 38º nº 1 do CPA, até trânsito em julgado da decisão a proferir naquela Impugnação Judicial, como a A./Recorrente sempre propugnou (cfr. o antecedente Recurso Hierárquico). 23. Existindo, por isso, e no mínimo, uma relação de prejudicialidade entre essa Impugnação Judicial e o pedido de reembolso de PEC’s - pelo que a presente acção, pelo menos, deveria ter sido suspensa até trânsito em julgado daquela Impugnação, nos termos do artigo 272º nº 1 do CPC. 24. Seja como for, contrariamente ao decidido, não estamos perante uma situação de direito ao reembolso dos PEC’s inequívoco e sem qualquer dúvida, muito menos do direito a juros por atraso nesse reembolso – antes pelo contrário. 25. E ainda menos que esse reembolso já esteja na “esfera jurídica da Autora”, como se afirma na douta Sentença recorrida. 26. Com efeito, se o valor em causa já tivesse sido efectivamente restituído ao contribuinte, acrescido de juros, aí sim, haveria “falta de interesse em agir” – mas isso, infelizmente, ainda não sucedeu, conforme decorre da factualidade provada. 27. Do exposto resulta, pois, que a presente acção judicial está imbuída de um manifesto “interesse em agir”, contrariamente ao decidido. 28. Aliás, se por mais não fosse, esse interesse é claro, pelo menos, no que concerne ao direito a juros aqui igualmente reclamado pelo contribuinte – e que a AT claramente lhe denega. 29. Pelo que a presente acção, contrariamente ao decidido, não é inútil – muito pelo contrário, como resulta do referido. 30. Naturalmente que, em caso de procedência da presente acção e consequente reembolso dos PEC’s, a AT deverá operar a concomitante rectificação da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2008. 31. A douta Sentença recorrida incorre ainda em erro de julgamento quanto afirma que “a decisão de proceder à dedução do pagamento especial por conta à coleta de IRC do exercício de 2008 é um aspeto intrínseco à legalidade do correspondente ato de liquidação adicional”, que “a Autora teve já oportunidade de sindicar” – no processo de Impugnação Judicial da liquidação adicional de IRC de 2008, deduz-se. 32. Com efeito, essa dedução (e não reembolso/restituição de PEC’s, note-se) reporta-se a PEC’s de 2006, cujo reembolso foi oportunamente requerido pela Recorrente, o qual foi indeferido pela AT. 33. Pelo que essa questão – direito ao reembolso dos PEC’s de 2006 – não é “intrínseca” à liquidação adicional de IRC de 2008, não tendo sido suscitada (nem devendo sê-lo) na Impugnação Judicial apresentada contra essa liquidação adicional de IRC de 2008, motivada por correcções operadas pela AT que nada têm a ver com PEC’s, muito menos de 2006. 34. Do exposto resulta, pois, que o despacho administrativo de indeferimento aqui impugnado é claramente lesivo e prejudicial dos interesses da A./Recorrente, contrariamente ao decidido. 35. Foi aqui impugnado um despacho de indeferimento de pretensão legítima do contribuinte, pelo que não se vislumbra gravame maior para os interesses do contribuinte 36. E da factualidade provada resulta que a Recorrente não deduziu (à colecta de IRC) os PEC’s em questão. 37. Outrossim, que os mesmos foram deduzidos oficiosamente pela AT, à revelia e ao arrepio da vontade do contribuinte, que nunca nisso assentiu. 38. E que foram deduzidos pela AT à colecta de uma liquidação adicional de imposto efectuada pela AT judicialmente contestada pela A./Recorrente, porque ilegal. 39. Ou seja, foram deduzidos pela AT à colecta de uma liquidação adicional de imposto emitida pela própria AT, na sequência de procedimento inspectivo da A.. 40. E a AT não está legitimada a deduzir oficiosamente PEC’s, à revelia do contribuinte. 41. Com efeito, decorre do artigo 93º nº 1 e 3 do CIRC, redacção aplicável, que a dedução e reembolso dos PEC’s é um direito do contribuinte - e não um poder ou direito potestativo da AT. 42. Decorre da lei que a AT não se pode substituir ao contribuinte e, unilateralmente/à revelia deste, manipular aquele direito de dedução/reembolso do contribuinte como a AT muito bem entende, segundo as suas conveniências financeiras. 43. De modo que esses PEC’s sempre estiveram disponíveis para ser reembolsados à A. 44. No mesmo sentido, quer quanto ao “interesse em agir”, quer quanto ao direito ao reembolso dos PEC’s, veja-se a douta Sentença aqui em anexo, transitada em julgado, proferida sobre caso idêntico, cujo teor se dá por reproduzido. Assim 45. A douta Sentença recorrida interpretou e aplicou indevidamente os artigos 87º-B nº 1 e 89º nº 1, 2 e 4 do CPTA, violando ainda o artigo 93º nº 1 e 3 do CIRC, redacção aplicável. Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogando a douta Sentença recorrida, julgando a excepção dilatória da pretensa “falta de interesse em agir” improcedente e ordenando o prosseguimento dos ulteriores trâmites legais processuais da presente acção, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA” Foram apresentadas contra-alegações pela Recorrida, nos seguintes termos: “A. Não assiste qualquer razão à Recorrente, não enfermando a douta sentença dos vícios que a mesma lhe assaca, antes pelo contrário, o douto Tribunal a quo aplicou corretamente o acervo jurídico vigente e aplicável aos autos. B. Em suma, entende a Recorrente que a Sentença a quo padece erro de julgamento por interpretação e aplicação indevida dos artigos 87º-B nº 1 e 89º nº 1, 2 e 4 do CPTA, e violação do artigo 93º nº 1 e 3 do CIRC. C. A sentença recorrida não padece de nenhuma das ilegalidades que lhe são apontadas, tendo julgado com acerto estar verificada a exceção da falta de interesse em agir. D. Basta atentar na douta sentença, e na factualidade provada, para constatar que a pretensão da Recorrente foi satisfeita antes da interposição da ação, e para cair por terra a argumentação da mesma. E. Conforme se pode ler na douta sentença, fls. 14 e ss. “(…) O interesse agir, enquanto pressuposto processual que, embora de natureza atípica, tem caracter autónomo, exige a verificação objetiva de uma vantagem, juridicamente tutelada, que se visa obter com a eventual procedência do pedido. (…) No caso dos autos, interpretando os pedidos formulados, conclui-se que a Autora visa, no essencial, obter uma decisão que condene a Entidade Demandada a proceder ao reembolso do pagamento especial por conta que efetuou no ano de 2006. Sucede que, como resulta da matéria de facto provada, o pedido de reembolso que a Autora apresentou à administração tributária foi indeferido com fundamento no facto – não controvertido – de o referido pagamento especial por conta ter sido deduzido à coleta do exercício de 2008, no âmbito de liquidação adicional emitida em seu nome por aquela entidade. Assim, ao proceder à dedução do pagamento especial por conta, no preciso montante reclamado – € 289.025,88 –, a administração não só reconheceu – pelo menos, implicitamente – o direito a que a Autora se arroga, como praticou um ato que coloca na esfera jurídica da Autora o montante em causa. Conclui-se, portanto, que não assiste à Autora qualquer interesse em lançar mão da presente ação, pois a vantagem que pretendia obter com a mesma, ou seja, o reconhecimento do direito a obter o reembolso do pagamento especial por conta, estava já previamente assegurada, circunstância que era, aliás, do seu conhecimento à data em que intentou a ação. (…) Face ao exposto, conclui-se pela verificação da suscitada exceção de falta de interesse em agir, que constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, cuja verificação obsta ao conhecimento do mérito da causa, conduzindo à absolvição da instância – nos termos do disposto no artigo 89.º n.ºs 1, 2 e 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. (…)”. F. A falta de interesse em agir, constitui exceção dilatória, cuja procedência preclude o conhecimento das demais exceções e obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos do artigo 89º, n.º 1, 2 e 4 do CPTA. (cf. acórdãos do STA, P. 1477/14 e P. 1348/14). G. O interesse em agir consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial, para ver satisfeito o interesse substancial lesado pelo comportamento da parte contrária. H. Atenta a fundamentação da sentença recorrida, é indubitável que a mesma não incorreu em erro de julgamento, nem “interpretou e aplicou indevidamente os artigos 87º-B nº 1 e 89º nº 1, 2 e 4 do CPTA, violando ainda o artigo 93º nº 1 e 3 do CIRC”, muito pelo contrário. I. A sentença recorrida, face à materialidade subjacente aos autos, concluiu pela falta de interesse em agir, na medida em que o direito de que a Recorrente se arroga fora já concretizado, sendo a tutela jurisdicional dispensável. J. A Recorrente já obteve o crédito de PEC cujo direito se arroga, com a liquidação adicional (e não se discutindo nesta sede a legalidade desse ato tributário), não podendo o mesmo crédito ser objeto da presente ação / objeto de reembolso, porque já está na sua esfera jurídica. K. Não há qualquer obstáculo ao reembolso, o que não há é montante a reembolsar, sob pena de duplicação do crédito de PEC/enriquecimento sem causa, na medida em que os PEC’s operam por dedução à coleta de IRC, e, na impossibilidade desta, e só nesse caso, são reembolsados mediante os condicionalismos legais. L. Um dos quais é que o direito ao reembolso depende do mesmo se revelar justificado em ação inspetiva, o que não se revelou, pois em ação inspetiva concluiu-se existir coleta no período de 2008 da Recorrente. M. Não podem tais montantes ser deduzidos à coleta do imposto e, simultaneamente, ser a Recorrida condenada a reembolsar os mesmos. N. A tutela jurisdicional pretendida pela Recorrente cai face à inutilidade/impossibilidade originária da lide, pois a ação carece de objeto e não há interesse em agir, não se vislumbrando qualquer efeito útil da mesma. O. A sentença aplica corretamente os artigos 87º-B nº 1 e 89º nº 1, 2 e 4 do CPTA, considerando também o regime legal do IRC e do PEC, i.e, o regime conjugado dos artigos 90.º, 93.º, 99.º e 106.º do CIRC. P. O procedimento decorreu dentro dos trâmites legais, tendo-se concluído que à Recorrente já fora restituído o montante dos PEC’s, reiterando-se que a restituição dos PEC’s tanto opera por dedução (regime regra) como por reembolso (na impossibilidade daquela) Q. Não existiu uma dedução “oficiosa”, “à revelia e ao arrepio da vontade do contribuinte, que nunca nisso assentiu”, numa qualquer liquidação adicional de imposto, mas sim uma dedução do PEC do IRC à coleta do IRC, na sequência de correções à matéria coletável. R. A liquidação daí resultante, e respetiva utilização dos PEC’s, foi notificada à Recorrente que a impugnou judicialmente (o que configura causa prejudicial à presente ação). S. A Recorrente não compreende o mecanismo dos PEC’s nem a atuação da AT neste quadro, inclusivamente no que se refere à ação inspetiva T. Do regime conjugado dos artigos 90.º, 93.º, 99.º e 106.º do CIRC, resulta que a dedução efetuada pela R. não é oficiosa ou unilateral, nem é um ato discricionário, nem irregular, nem ilegal. U. Pelo contrário, ao montante apurado de IRC, é efetuada (obrigatoriamente, nos termos legais) a dedução relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106º do CIRC. V. Resulta de imperativo legal, consubstanciando um ato vinculado. W. Deixar tanto a possibilidade de dedução do PEC, como o pedido do seu reembolso na plena disponibilidade do Contribuinte e inteiramente da sua iniciativa, como pretende a Recorrente, levaria a resultado distorcido e perverso, pois bastaria ao Contribuinte não entregar a declaração de rendimentos para a dedução não poder operar, tendo automaticamente direito ao reembolso. X. A interpretação supra não tem acolhimento na letra nem espírito da norma, nem está de acordo com a unidade do sistema jurídico aplicável. Y. É, inclusive, ilegal e inconstitucional, violadora nomeadamente do princípio da legalidade e da indisponibilidade dos créditos fiscais, porquanto de tal entendimento decorre que a AT não poderia fazer a dedução a que está obrigada, ignorando os prazos para a dedutibilidade e/ou reembolso, e caso o sujeito passivo nada fizesse, o crédito consolidar-se-ia na esfera jurídica da Recorrida. Z. E dela resultando que o PEC apenas pode ser deduzido pelos próprios sujeitos passivos nas suas auto-liquidações. AA. O sentido vertido na sentença do P. 1456/14.0BEPRT, que a Recorrente defende, foi rebatido pela Recorrida na sua contestação. BB. Aderir a tal entendimento obrigaria a ter em conta as consequências que o mesmo teria na liquidação adicional que consumiu o crédito de PEC peticionado, sob pena de conceder um benefício do qual já se tirou proveito, potenciando uma eventual duplicação do crédito CC. E a questionar se tal não contende com a doutrina e jurisprudência do STA que defende que: “A liquidação de um tributo constitui um acto tributário definitivo, que dá lugar a uma obrigação de pagamento nos precisos termos em que o acto tenha sido efectuado, (…)”, colocando em causa a própria validade e eficácia dos atos tributários de iniciativa oficiosa. DD. Sem prescindir, o ato impugnado (decisão do recurso hierárquico facultativo) não consubstancia um ato lesivo, sendo antes um ato meramente confirmativo da decisão proferida sobre o pedido do reembolso do PEC. EE. A decisão do recurso hierárquico (emitido em 01/03/2021), não tem conteúdo decisório próprio nem define, por si, qualquer situação jurídica, nem tem, diga-se, qualquer efeito externo, pelo que é um ato inimpugnável, porquanto confirma a primeira decisão (de 02/03/2018), asseverando que, relativamente ao pedido de reembolso efetuado pela Recorrente, o montante possível de ser reembolsado, já foi deduzido à coleta do IRC. FF. Motivo pelo qual também se pugna pela caducidade do direito de ação, que leva à absolvição da instância (questão prejudicada pela solução dada ao litígio). GG.A petição inicial deu entrada em 05/07/2021, volvidos quase 2 anos do términus do prazo, sendo manifesto que foi apresentada para além do prazo legal previsto no artigo 58.º n.º 2 alínea b) do CPTA. HH. Sem prescindir, a solução de mérito seria improcedente à pretensão da Recorrente. II. Neste sentido, a sentença anexa, proferida pelo TAF Porto, no Proc. 3001/17.6BEPRT, em 02/11/2021, já transitada em julgado e que absolveu a AT do pedido: “(…) concluindo-se em ação inspetiva existir coleta no período (…) não se justificava devolver tal montante à Autora, mas imputar a tal exercício. (…) o direito ao reembolso depende do mesmo se revelar justificado em ação inspetiva, o que não se revelou, pois em ação inspetiva concluiu-se existir coleta (…). (…) não merece censura a atuação da AT (…). (…) tendo a Autora impugnado a (…) liquidação, cuja impugnação ainda se encontra pendente, enquanto tal liquidação não for anulada, não assiste à Autora o direito a ser reembolsada de tal montante, sob pena de locupletamento injustificado. (…) conferir o direito ao reembolso de tal montante do qual a Autora já beneficiou ao ser imputado na liquidação (…) seria beneficiar duplamente de tal PEC (…). (…) duas situações se perspetivam: ou a liquidação (…) é mantida e à Autora não assistirá qualquer direito de reembolso do PEC, pois já beneficiou do mesmo naquela liquidação; ou a liquidação é anulada e em sede de execução de julgado a Autora será compensada dos montantes indevidamente imputados.” JJ. Em face de todo o exposto, as alegações e conclusões do presente Recurso não devem merecer acolhimento, devendo o presente recurso ser julgado totalmente improcedente. Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença proferida pelo TAF de Aveiro” O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do CPTA não emitiu parecer. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. ** Objecto do recurso O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir do erro de julgamento. ** 2 - Fundamentação 2.1. Matéria de Facto O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz: “1. No decurso do ano de 2006, a Autora efetuou o pagamento especial por conta referente a esse ano, no montante global de € 289.025,88; 2. A Autora procedeu à entrega das declarações de rendimentos modelo 22 referentes aos anos de 2006 a 2010, nas quais, por não ter apurado coleta positiva, não deduziu o pagamento especial por conta mencionado no ponto anterior; 3. Na sequência de procedimento inspetivo realizado à Autora, a administração tributária emitiu liquidações adicionais de IRC com referência aos exercícios de 2006 a 2010; 4. Na liquidação adicional n.º ...35, referente ao exercício de 2008, a administração tributária deduziu à coleta o montante do pagamento especial por conta mencionado no ponto 1; 5. A Autora intentou impugnações judiciais contra cada uma das liquidações adicionais mencionadas nos pontos 3 e 4; 6. Em 29.07.2011, a Autora dirigiu ao Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira um requerimento a solicitar o reembolso do montante do pagamento especial por conta mencionado no ponto 1 – cfr. requerimento a fls. 19 do sitaf; 7. Em 23.02.2017, deu entrada no Serviço de Finanças ... um requerimento da Autora, dirigido ao Diretor de Finanças ..., solicitando informação sobre a fase em que se encontrava o requerimento mencionado no ponto anterior – cfr. documentos de fls. 86 a 89 do sitaf; 8. Em 28.04.2017, foi proferido despacho concordante com informação elaborada pela Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras II da Unidade dos Grandes Contribuintes, da qual consta, além do mais, o seguinte: “[…] II. Procedimento efetuados […] deu entrada em 2011-10-25 na DSIT […] um pedido de reembolso do pagamento especial por conta do período de 2006, efetuado pelo sujeito passivo „[SCom01...] SGPS, SA‟ […]. Por forma a responder a este pedido, foi emitida pela UGC a Informação n.º ...11, de 2011-12-26 […]. Na informação acima mencionada conclui-se que o pagamento especial por conta, no valor de € 289.025,88, referente ao período de 2006, pago pela [SCom01...] SGPS, SA, através das Guias Modelo P1 números ...27 (€ 144.512,94) e ...31 (€ 144.512,94), foi integralmente utilizado na liquidação nº ...55, referente ao período de 2008, não havendo portanto lugar ao reembolso do pagamento especial por conta referente ao período de 2006, no valor de € 289.025,88, solicitado pela [SCom01...] SGPS, SA, através do requerimento entregue em 2011-07-29 no Serviço de Finanças .... No entanto, dado que entre a data da informação supracitada […] e a data da presente informação decorreram cerca de 5 anos, tendo sido emitidos, entretanto, novos documentos de correção, procedemos à reanálise do pedido de reembolso do PEC de 2006, anteriormente apresentado pela [SCom01...] SGPS, SA, em 2011-07-29. […] o pagamento especial por conta, no valor de € 289.025,88, referente ao período de 2006, pago pela [SCom01...] SGPS, SA, através das Guias Modelo P1 números ...27 (€ 144.512,94) e ...31 (€ 144.512,94), faz parte integrante do montante de €1.094.412,88, inscrito a título de pagamento especial por conta, no campo 356 do quadro 10 da Declaração Modelo 22 de 2008, tendo o mesmo sido integralmente deduzido à coleta de IRC apurada na liquidação nº ...96, de 2015-02-25, referente ao período de 2008. […] III. Síntese Da reanálise efetuada ao pedido de reembolso do PEC de 2006, solicitado pela [SCom01...] SGPS, SA, […], ao abrigo do artigo 93º, nº 1 e nº 3 do CIRC, através do respetivo requerimento, entregue em 2011-07-29 no Serviço de Finanças ..., concluímos que o pagamento especial por conta, no valor de € 289.025,88, referente ao período de 2006, pago pela [SCom01...] SGPS, SA, através das Guias Modelo P1 números ...27 (€ 144.512,94) e ...31 (€ 144.512,94), faz parte integrante do montante de € 1.094.412,88, inscrito a título de pagamento especial por conta, no campo 356 do quadro 10 da Declaração Modelo 22 de 2008, valor este que foi integralmente deduzido à coleta de IRC apurada na liquidação n° ...96, de 2015-02-25, relativa ao período de 2008. Desta forma, reafirma-se que, à semelhança do que já foi referido na Informação n.º ...11, de 2011-12-26 […], consideramos que a pretensão do contribuinte, constante do requerimento acima mencionado, não deverá ser atendida, sendo que o PEC de 2006 foi integralmente deduzido à coleta de IRC apurada na liquidação de IRC supracitada […]” – cfr. documentos de fls. 94 a 97 do sitaf; 9. Mediante correio registado em 24.05.2017, o Serviço de Finanças ... notificou a Autora para, querendo, exercer o direito de audição sobre o teor da informação mencionada no ponto anterior, não tendo a mesma exercido tal direito; 10. Em 26.02.2018, foi proferida decisão a converter em definitiva a decisão mencionada no ponto 8 – cfr. documento a fls. 117 do sitaf; 11. Mediante correio registado com aviso de receção, que foi assinado em 02.03.2018, foi comunicado à Autora a decisão mencionada no ponto anterior, constando do respetivo ofício, no que respeita aos meios de reação, o seguinte: “[…] contra a decisão agora notificada poderá apresentar: a) Recurso hierárquico, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação, nos termos do artigo 80.º da Lei Geral Tributária e do n.º 2 do artigo 66.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT); b) Ação Administrativa, no prazo de 3 meses a contar da data da notificação, nos termos do disposto nos artigos 50.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA); Tratando-se de erros materiais ou manifestos, poderá ainda, no prazo de 10 dias a contar da mesma data, solicitar o pedido de correção a que se referem os artigos 95.º-A a 95.º-C do CPPT.” – cfr. documentos de fls. 118 a 120 do sitaf; 12. Em 29.03.2018, a Autora interpôs recurso hierárquico da decisão mencionada no ponto 10, peticionando “a suspensão da análise do presente pedido de reembolso do PEC do ano de 2006, até à decisão judicial final dos processos que com ele contendem, por forma a obstar que ocorra o prazo de caducidade e assim inviabilizando a dedução do PEC a que tem direito” – cfr. documentos de fls. 24 a 32 e 123 a 133 do sitaf; 13. Em 25.02.2021, foi proferida decisão de indeferimento do recurso hierárquico, remetendo para os fundamentos constantes de informação datada de 31.12.2020 e da qual consta o seguinte: “[…] IV - ANÁLISE E PARECER DA DSIRC Vícios Imputados ao Despacho Recorrido 23. Salientamos desde logo que, em abono da verdade, a recorrente sustenta o recurso em apenas um fundamento, que eventualmente colocaria em causa o despacho recorrido que decidiu no sentido do indeferimento do pedido de reembolso do PEC 24. Fundamento que se reconduz ao facto de contra os atos de liquidação respeitantes aos PT de 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 a recorrente ter interposto impugnações judiciais e, relativamente a estes processos, ainda não terem sido proferidas nem transitado em julgado quaisquer decisões. 25. Subsume-se, dos argumentos invocados que, no entender da recorrente, tais atos de liquidação, por se encontrarem sob escrutínio jurisprudencial, ainda não se encontram firmados no ordenamento jurídico. 26. Vejamos, nesta linha argumentativa, se lhe assiste razão. 27. Assim Da Natureza dos Atos de Liquidação 28. Os atos de liquidação são os atos tributários strictu sensu, conforme al. a) do n.º 1 do art.º 10.º do CPPT, os quais produzem efeitos nos termos do disposto pelo n.º 1 do art.º 36.º do CPPT, e após essa produção de efeitos são atos válidos, e materialmente definitivos 29. Com efeito, conforme refere Freitas da Rocha, o ato de liquidação é um ato unilateral, positivo e definitivo, que fixa direitos e obrigações na esfera jurídica do seu destinatário (SP da relação tributária). 30. Isto, não obstante os mesmos poderem ser objeto de contestação administrativa ou judicial. […] 33. Sendo atos materialmente definitivos, embora sujeitos a tutela jurisdicional, todos os seus efeitos se produzem no ordenamento jurídico até ao momento em que uma decisão judicial venha a ser proferida e da mesma resulte a anulação total ou parcial do ato ou atos de liquidação em causa. 34. Por outras palavras, os efeitos decorrentes de uma liquidação estabilizam-se no ordenamento jurídico até que, contra a mesma, seja proferida sentença judicial anulando total ou parcialmente esse ato de liquidação. 35. Teremos assim de concluir que, na medida em que o montante do PEC cujo reembolso é requerido foi deduzido à coleta no ato de liquidação adicional relativo ao PT de 2008 até ao momento em que contra esse(s) ato(s) seja proferida sentença judicial, anulando-os total ou parcialmente, os mesmos apresentam-se vigentes no ordenamento jurídico-fiscal. […] 39. Permanecendo tais atos vigentes, são os valores neles relevados/apurados, os que subsistem de pleno direito. 40. Donde decorre que, tendo o valor do PEC solicitado, já sido utilizado por dedução à coleta de um ato de liquidação, nesta data, não poderá ser reconhecido o direito ao reembolso pois não existe qualquer saldo dedutível de PEC. […] Considerações Finais 53. Não obstante, sem conceder ou prescindir, sempre se dirá: Decisões Judiciais - Reposição de Situação Tributária 54. Sobre a questão suscitada inerente à interposição de impugnações judiciais destacamos, muito sucintamente que, caso as decisões proferidas no âmbito dos processos de impugnação judicial interpostos contra as LA de IRC respeitantes aos PT de 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010, fossem ou venham a ser favoráveis (total ou parcialmente), decorrendo de tais decisões a anulação (total ou parcial) das correções promovidas pela AT aos resultados fiscais daqueles PT e, consequentemente, o reconhecimento (total ou parcial) da (im)possibilidade de utilização do saldo do PEC de 2006, em execução dessas decisões recai sobre a AT o dever - por imperativo constitucional - de corrigir e repor a situação tributária como se encontrava no momento que antecedeu a concretização dessas correções. […] Execução de Sentenças 57. Note-se que, ainda que o art.º 100.º da LGT não prescrevesse tal exigência, a mesma decorre da obrigação que impende sobre a AT, em matéria de execução de sentenças. 58. Assim ocorrendo na medida em que, no que concerne à execução das sentenças, o legislador fiscal ao invés de proceder a uma disciplina própria de execução das sentenças dos tribunais tributários / fiscais, optou por se limitar a remeter para a disciplina de execução das sentenças dos tribunais administrativos, como se encontra consagrado pelo art.º 102.º da LGT. […] 60. Deste modo, o legislador veio reforçar o dever que já decorre do art.º 100.º da LGT, na medida em que, por força deste último preceito legal – art.º 102.º da LGT, em sede de execução de sentenças observar-se-á o disposto pelos art.ºs 157.º a 179.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos 61. O n.º 1 do art.º 158.º do CPTA reafirma o princípio constitucional, contido no art.º 205.º da CRP, da obrigatoriedade das decisões dos tribunais e a sua prevalência sobre as decisões de quaisquer autoridades administrativas, o que implica a nulidade de qualquer ato que desrespeite uma decisão judicial, fazendo incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar. 62. No caso vertente poderá vir a estar em causa uma execução de julgado anulatório, ou seja, a execução de uma decisão judicial de ato administrativo, e nessa medida, há que ter em linha de conta o consignado no art.º 173.º do CPTA […] […] 64. Relativamente à execução de julgado anulatório é pacífico, tanto na doutrina e como jurisprudência superior, que a mesma não se atém à anulação do ato administrativo tout court, mas antes consubstancia uma obrigação de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, o que passa pela prática de todos os atos e operações materiais necessárias a colocar o interessado na situação que teria não fosse a prática do ato anulado, nos precisos termos que resultam da decisão anulatória. V – CONCLUSÃO 65. Do exposto conclui-se: A - Que, a recorrente não imputa ao ato recorrido qualquer vício ou ilegalidade capaz de condicionar a sua validade. B - Que, o despacho recorrido não se encontra ferido de qualquer ilegalidade. C - As questões colocadas na petição de recurso são questões novas que não foram, portanto, objeto de análise pelo órgão inferior e, consequentemente, não cabem na decisão recorrida. D - Mas, mesmo que assim não fosse, as questões colocadas respeitam a uma fase processual posterior pelo que, só em devido tempo poderão ser analisadas, se então tal for peticionado. […] VII - DIREITO DE AUDIÇÃO 69. Considerando que em sede de recurso hierárquico: » A recorrente não carreou ao processo quaisquer elementos factuais ou jurídicotributários suscetíveis de condicionar a AT invertendo o sentido da decisão, » e que a AT se limitou à interpretação e aplicação das normas em apreço, 70. Deverá nesta fase do procedimento ser dispensada a audição, face ao disposto pelo n.º 3 do art.º 60.º da LGT, observado ainda o disposto pela al. a) do n.° 3 da Circular 13/99 de 08 de julho. […]” – cfr. documento de fls. 143 a 153 do sitaf; 14. Através de ofício remetido por via eletrónica em 02.03.2021, foi comunicada à Autora a decisão mencionada no ponto anterior, constando desse ofício o seguinte: “[…] Fica por este meio notificado de que no procedimento supra identificado, em 25-02-2021 foi proferido despacho de Indeferimento, pelo Diretor de Serviço Central, ao abrigo de Subdelegação de competências. Fica ainda notificado de que deste despacho pode interpor impugnação de atos administrativos no prazo de três meses, nos termos do art.º 50.º e da al. b) do n.º 1 do art.º 58, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). A contagem dos prazos referidos inicia-se no dia útil seguinte aquele em que a notificação se concretizou, nos termos do n.º 10 do art.º 39.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT). […]” – cfr. documentos a fls. 34 do sitaf 15. Em 05.07.2021, a Autora apresentou a petição inicial da presente ação – cfr. comprovativo de fls. 155 a 156 do sitaf. * A factualidade enunciada nos pontos 1 a 5 foi dada como provada por acordo, atenta a posição coincidente assumida pelas partes na presente causa. O facto constante da primeira parte do ponto 9 foi dado como provado com base nos documentos a fls. 115 e 116 do sitaf, enquanto o facto indicado na segunda parte do mesmo ponto foi considerado provado por análise à integralidade do processo administrativo junto aos autos pela Entidade Demandada. Os restantes factos foram dados como provados com base na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.” *** 2.2 – O direito Constitui objecto do presente recurso o saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 29.12.2021, que absolveu a Autoridade tributária e Aduaneira da instância deduzida contra o despacho da Direcção de serviços do IRC proferido em 25.02.2021, que indeferiu o pedido de reembolso dos pagamentos especiais por conta efectuados em 2006, no montante total de €289.025,88. Com efeito, julgou o Tribunal a quo que a Recorrente não tinha interesse em agir, porquanto considerou inexistir “qualquer situação de dúvida sobre o direito ao reembolso do pagamento especial por conta, mormente porque o mesmo está já na esfera jurídica da Autora, sendo que a circunstância desse pagamento ter sido deduzido à coleta do exercício 2008 não é – na perspetiva da titularidade do direito a beneficiar do montante em causa – geradora de qualquer eventual prejuízo” Discordando do assim decidido, a Recorrente vem sustentar o erro de julgamento pois considera que tem interesse em agir, quanto mais não fosse porque peticionou juros indemnizatórios que ainda não foram pagos e que a Autoridade Tributária e Aduaneira claramente lhe denega, alegando a indevida interpretação e aplicação do disposto nos artigos 87.º-B nº 1 e 89.º nº 1, 2 e 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, violando ainda o artigo 93.º nº 1 e 3 do Código do IRC na redacção aplicável. Ademais, sustenta que a Autoridade Tributária e Aduaneira não está legitimada a deduzir oficiosamente PEC`s, à revelia do contribuinte, pois é um direito do contribuinte e não um poder ou direito potestativo da Autoridade Tributária e Aduaneira. A Recorrida, vem, no entanto, defender a improcedência do recurso interposto, por considerar que efectivamente a Recorrente não tem interesse em agir, na medida em esta já obteve o crédito dos PEC´s cujo direito se arroga, sendo a tutela jurisdicional, pois, dispensável. Ademais, vem sustentar que não tendo a decisão do recurso hierárquico conteúdo decisório próprio nem definindo, por si, qualquer situação jurídica, não tem qualquer efeito externo, pelo que é um ato inimpugnável, razão pela qual se verifica a caducidade do direito de ação, que leva à absolvição da instância (questão prejudicada pela solução dada ao litígio). Vejamos. Parafraseando Anselmo de Castro, (in “Direito Processual Civil Declaratório”, volume II, 1982, página 253) “O interesse em agir apresenta-se como um interesse instrumental em relação ao interesse substancial primário, pressupondo a lesão de tal interesse e a idoneidade da providência requerida para a sua reintegração ou tanto quanto possível integral satisfação”. “O interesse em agir consiste assim na verificação da necessidade ou utilidade da acção, sendo definido como a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção. Assim, tem de considerar-se que a sua verificação ocorre sempre que o demandante tenha necessidade de intervenção judicial para reconhecimento da sua pretensão, tal como a configura no exercício da sua liberdade de conformação da acção. (…) O interesse de agir assume-se como uma relação entre necessidade e adequação. De necessidade porque, para a solução do conflito é imprescindível a actuação jurisdicional, e adequação porquanto o caminho a seguir deve ter a virtualidade de corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configura.” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 21.03.2019, proc. 317/18.8BELSB-A. Ademais, como referencia Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, (in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, página 186) “tem-se entendido que não basta qualquer situação subjectiva de dúvida ou incerteza acerca da existência do direito ou do facto, para que haja interesse processual na acção”. (…) “Só quando a situação de incerteza, contra a qual o autor pretende reagir (…), reunir os dois requisitos postos em destaque – a objectividade, de um lado; a gravidade, do outro – se pode afirmar que há interesse processual”. (…) “Será objectiva a incerteza que brota de factos exteriores, de circunstâncias externas e não apenas da mente ou dos serviços internos do autor (…). A gravidade da dúvida medir-se-á pelo prejuízo (material ou moral) que a situação de incerteza possa criar ao autor”. Assim, “o interesse em agir assume-se como uma relação entre necessidade e adequação. De necessidade porque, para a solução do conflito é imprescindível a actuação jurisdicional, e adequação porquanto o caminho a seguir deve ter a virtualidade de corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configura” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 28.01.2021, proc. 964/20.8BELRS. Nesta senda “só se pode afirmar que há interesse processual quando a situação de incerteza, ou de dúvida, acerca da existência, ou não, de um direito ou de um facto, contra as quais o autor pretende reagir através da ação de simples apreciação, reunir objetividade e gravidade” – cfr. Acórdão do STJ de 9.05.2018, proc. 673/13.4TTLSB.L1.S1. O Tribunal a quo, decidiu pela falta de interesse em agir da Recorrente, por ter considerado que: “No caso dos autos, interpretando os pedidos formulados, conclui-se que a Autora visa, no essencial, obter uma decisão que condene a Entidade Demanda a proceder ao reembolso do pagamento especial por conta que efetuou no ano de 2006. Sucede que, como resulta da matéria de facto provada, o pedido de reembolso que a Autora apresentou à administração tributária foi indeferido com fundamento no facto – não controvertido – de o referido pagamento especial por conta ter sido deduzido à coleta do exercício de 2008, no âmbito de liquidação adicional emitida em seu nome por aquela entidade. Assim, ao proceder à dedução do pagamento especial por conta, no preciso montante reclamado – € 289.025,88 –, a administração não só reconheceu – pelo menos, implicitamente – o direito a que a Autora se arroga, como praticou um ato que coloca na esfera jurídica da Autora o montante em causa. Conclui-se, portanto, que não assiste à Autora qualquer interesse em lançar mão da presente ação, pois a vantagem que pretendia obter com a mesma, ou seja, o reconhecimento do direito a obter o reembolso do pagamento especial por conta, estava já previamente assegurada, circunstância que era, aliás, do seu conhecimento à data em que intentou a ação. Por outro lado, a decisão de proceder à dedução do pagamento especial por conta à coleta de IRC do exercício de 2008 é um aspeto intrínseco à legalidade do correspondente ato de liquidação adicional, a qual – independentemente de essa específica questão estar ou não suscitada na impugnação que intentou –, a Autora teve já oportunidade de sindicar. Assim, à data em que a presente ação foi intentada, inexistia qualquer ameaça, situação de incerteza ou fundado receio de que a administração adotasse uma conduta lesiva da posição jurídica subjetiva da Autora, para além daquela que se traduziu na emissão do ato de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2008, e cuja legalidade extravasa a questão do direito ao reembolso do pagamento especial por conta. Em suma, no caso em apreço, inexiste qualquer situação de dúvida sobre o direito ao reembolso do pagamento especial por conta, mormente porque o mesmo está já na esfera jurídica da Autora, sendo que a circunstância desse pagamento ter sido deduzido à coleta do exercício 2008 não é – na perspetiva da titularidade do direito a beneficiar do montante em causa – geradora de qualquer eventual prejuízo. E será assim ainda que, no âmbito da impugnação judicial que intentou contra a mencionada liquidação adicional, venha eventualmente a ser proferida uma decisão de (total ou parcial) procedência, porquanto daí sempre adviria a obrigação de repor (total ou parcialmente) a situação que existiria caso o ato de liquidação adicional não tivesse sido emitido, ficando portanto, e em qualquer caso, salvaguardado o direito de que a Autora se arroga.” – fim de citação. Com efeito, tendo sido intentada acção administrativa e configurando-se a acção como de condenação à prática de acto devido, ao Tribunal a quo cumpria apreciar e decidir do pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento do reembolso requerido. No entanto, do pedido formulado não consta tão só o pedido de reembolso dos pagamentos especiais por conta do ano de 2006, uma vez que do pedido formulado a final no articulado inicial decorre o seguinte: “Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exa., deve a presente acção ser julgada procedente, com a consequente (…) (iii) condenação da R. a reembolsar à A. os PEC’s de 2006, no valor de € 289.025,88, acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios ou de mora, com as legais consequências” Ora, como resulta da factualidade assente, pontos 1. e 4., “no decurso do ano de 2006, a Autora efetuou o pagamento especial por conta referente a esse ano, no montante global de € 289.025,88”, sendo que “na liquidação adicional n.º ...35, referente ao exercício de 2008, a administração tributária deduziu à coleta o montante do pagamento especial por conta mencionado no ponto 1”. Assim, dúvidas não subsistem que o pagamento especial por conta ora controvertido foi deduzido na liquidação adicional referente ao exercício de 2008, facto que se mantém estabilizado, uma vez que a Recorrente não recorreu da matéria de facto assente pelo Tribunal a quo. No entanto, não consta do acervo probatório que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha pago juros indemnizatórios ou de mora à aqui Recorrente, juros esses peticionados em sede graciosa e peticionados no articulado inicial, nem decorre da decisão recorrida que tal pedido tenha sido apreciado e decidido, não tendo o Tribunal a quo emitido qualquer pronuncia nesse sentido. Assim, certo é que, mesmo considerando-se que a presente acção se configura como de condenação à prática de acto devido, encontrando-se o Tribunal a quo dispensado de apreciar os demais argumentos, este teria sempre de aferir do pedido de condenação da Recorrida ao pagamento de juros indemnizatórios ou de mora. Nesta senda, a Recorrente tem interesse em agir, porque, se por um lado, esta teve necessidade de instaurar a acção para reconhecimento da sua pretensão, por outro, e uma vez indeferida a sua pretensão graciosamente, a Recorrente pretende com os presentes autos corrigir a lesão que defende ter sido perpetrada pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Com efeito, e tal como a Recorrente referencia na conclusão 28.º do presente recurso “se por mais não fosse, esse interesse é claro, pelo menos, no que concerne ao direito a juros aqui igualmente reclamado pelo contribuinte – e que a AT claramente lhe denega”. Nesta senda, e face ao que vem dito, concluímos pela procedência do alegado, revogando-se a sentença recorrida por padecer a mesmo de erro de julgamento. Considerando ainda que a sentença recorrida, face à procedência da excepção de falta de interesse em agir, julgou prejudicada a apreciação e julgamento do pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios ou de mora, assim como a excepção de caducidade da acção, alegada pela Recorrida, impõe-se, nos termos acima expostos revogar a sentença e recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª Instância para conhecimento das demais questões suscitadas. *** Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário: I – “O interesse em agir consiste assim na verificação da necessidade ou utilidade da acção, sendo definido como a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção” II – O interesse em agir afere-se atenta a pretensão formulada. III - Quando são vários os pedidos formulados na acção, há interesse em agir quando um deles não foi satisfeito. *** 3 – Decisão Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos à primeira instância para julgamento das restantes questões e prosseguimento dos seus ulteriores termos processuais, se a tal nada mais obstar. Custas pela Recorrente. Porto, 31 de Outubro de 2024 Virgínia Andrade Serafim José da Silva Fernandes Carneiro Isabel Ramalho dos Santos |