Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00048/12.2BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 03/27/2025 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
| Descritores: | IRS; MAIS VALIAS; PROVA DA TRADIÇÃO; CONTRATO DE PROMESSA; PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO; |
| Sumário: | I. O artigo 411º do Código do Processo Civil confere ao juiz o poder-dever de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências úteis e necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada, mas não pode substituir-se às partes sobre as quais recai o ónus da iniciativa probatória e a obrigação de carrear para os autos os elementos probatórios que sustentam a sua pretensão, sob pena de violar o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e a relação de equidistância e de imparcialidade. II. Para efeito da aplicação do regime de mais-valias ou menos-valias realizadas, a promessa de compra e venda de um imóvel constitui uma transmissão onerosa, quando seja acompanhada da transmissão da posse para o promitente comprador. III. Não tem aplicabilidade o artigo 10º, n.º 3 alínea a) do CIRS se do contrato promessa de compra e venda, conjugado com os demais elementos, não resulta provado que com a outorga daquele contrato se verificou a tradição ou a posse do imóvel objecto do mesmo, pelo que alienação do mesmo para efeito de mais valias ocorre com outorga da escritura pública de compra e venda.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. «AA», (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 21.04.2016, que julgou improcedente a impugnação, por si intentada, contra a liquidação de IRS n.º ...........398 respeitante ao ano de 2000, no montante de €167.022,17 e liquidação de juros compensatórios no montante de €24.849,71, inconformada veio dela recorrer. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(…) A) A douta sentença incorre em erro de julgamento em matéria de facto e de direito ao julgar improcedente a impugnação B) Deveria a douta sentença ter dado como provada a transmissão da posse do imóvel que está base da liquidação impugnada em 6/08/1999, data do pagamento da terceira e última prestação do preço e da outorga da procuração pela impugnante e seu cônjuge a favor de representante da promitente compradora, conferindo-lhe poderes para vender C) A demonstração de tal facto resulta da conjugação dos documentos dos autos, nomeadamente do contrato promessa de compra e venda, da procuração e da escritura de compra e venda D) Caso para o Tribunal se suscitassem dúvidas sobre o momento da transmissão da posse do imóvel, sempre lhe caberia o poder-dever de adoptar as diligências instrutórias adequadas ao apuramento da realidade dos factos, violando, na sua ausência, o princípio do inquisitório a que se encontra vinculado E) Tendo a tradição (transmissão da posse) do imóvel ocorrido em 6/08/1999, deveria a douta sentença sob recurso ter julgado procedente a impugnação com fundamento na alegada inexistência de facto tributário em 2000, já que o mesmo terá ocorrido em 1999 F) Ao julgar improcedente a impugnação com tal fundamento, a douta sentença viola o art.º 10.º, n.º 3, al. a). do CIRS G) A douta sentença incorre igualmente em erro de julgamento ao decidir pela improcedência da alegada ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios H) Constituindo pressuposto da exigência de juros compensatórios o retardamento da liquidação por culpa do contribuinte, a AT não demonstrou, como lhe competia, tal culpa, ficando, outrossim, demonstrada a ausência de culpa. I) A douta sentença, ao julgar improcedente a impugnação no que respeita aos juros compensatórios, viola o preceituado no art.º 35.ºda LGT e no art.º 91.º, n.º 1, do CIRS, na redacção então vigente. Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso com a consequente revogação da douta sentença recorrida e a final procedência da impugnação, como é de JUSTIÇA.» 1.2. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 142 do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas conclusões de recurso, em conformidade com o estatuído nos artigos 635º, nº 4, e 639º do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2º, e artigo 281º do CPPT, que in casu reconduz-se a saber se há erro de julgamento de facto e subsequentemente, se assim se entender, se há erro de julgamentos nos pressupostos de facto e de direito no que concerne a não consideração de inexistência de facto tributário no ano de 2000 e, bem assim do erro de julgamento de direito ao decidir pela improcedência da alegada ilegalidade da liquidação de juros compensatórios. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «1) Em 23.12.1998 foi outorgado contrato-promessa de compra e venda entre «BB» e marido como primeiros outorgantes e «CC» e marido como segundos outorgantes, «DD» e mulher («AA»), como promitentes vendedores e [SCom01...], Lda., promitente compradora relativo a prédio misto, descrito no todo na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 7..... daí decorrendo o seguinte: “SEXTA: A escritura pública será outorgada no dia do pagamento da referida terceira prestação do preço e sob condição de esta ser paga (…) DÈCIMA: A sisa e as despesas da escritura são da responsabilidade da promitente-compradora, sendo ainda da sua responsabilidade todas as obrigações fiscais relacionadas com os bens prometidos alienar e relativos à sua eventual posse que respeitem a todo o período posterior ao pagamento da terceira e última prestação do preço (…)”– cfr. fls. 29 a 34 do processo de reclamação graciosa (RG) e recurso hierárquico (RH) junto aos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 2) Em 9.03.2000 foi outorgado documento denominado “Compra e venda” tendo como primeiro outorgante «EE» como procurador de «CC» e marido, «BB» e marido e de «DD» e mulher («AA») e segundo outorgante «FF» como gestor de negócios de [SCom02...], Lda., de onde decorre o seguinte: “(…) O primeiro outorgante declarou: Que em nome dos seus representantes vende à representada do segundo outorgante, pelo preço de setecentos e trinta e seis milhões e quinhentos mil escudos, já recebido, o prédio (…) descrito na ... Conservatória do Registo predial ..., sob o número 7..... (…)” - cfr. fls. 25 a 28 do processo de RH junto aos autos. 3) «DD», casado com «AA», faleceu em 1.03.2002 – cfr. fls. 36 do processo de RG e de RH junto aos autos. 4) Em 30.05.2003 «AA» entregou declaração de rendimentos de substituição do ano de 2000, com anexo G, declarando a venda do imóvel a que se alude em 2). 5) Em 1.07.2003, «AA» requereu junto do Chefe do Serviço de Finanças ... o perdão dos juros de mora vencidos e vincendos e que fosse liquidado o respectivo imposto sobre mais-valias em singelo – cfr. fls. 37 a 39 do processo de RG e de RH junto aos autos. 6) Em 26.08.2003 foi emitida a liquidação n.º ...........398 de IRS do ano de 2000 no valor de €198.274,98, respeitando €24.849,71 a juros compensatórios – cfr. fls. 23 do processo administrativo (PA) junto aos autos. 7) Por despacho de 4.12.2003 foi indeferida a pretensão da Impugnante a que se alude em 5. – cfr. fls. 41 e 42 do processo de RG e de RH junto aos autos. 8) Do indeferimento descrito em 7), «AA» deduziu em 23.01.2004 recurso hierárquico – cfr. fls. 43 a 45 do processo de RG e de RH junto aos autos. 9) Sob o recurso hierárquico descrito em 8) recaiu em 11.08.2004 despacho de indeferimento – cfr. fls. 47 e 48 do processo de RG e de RH junto aos autos. 10) Em 25.10.2005, «AA» apresentou reclamação graciosa contra a liquidação descrita em 6) – cfr. fls. 77 do processo de RG e de RH junto aos autos. 11) Por despacho de 9.05.2011 foi indeferida a reclamação graciosa a que se alude em 10) – cfr. fls. 87 e 88 do processo de RG e de RH junto aos autos. 12) «AA» interpôs em 20.06.2011 recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa descrita em 11) – cfr. fls. 95 e 96 do processo de RG e de RH junto aos autos. 13) Por despacho de 6.09.2011 foi indeferido o recurso hierárquico a que se alude em 12) – cfr. fls. 110 a 118 do processo de RG e de RH junto aos autos. Factos não provados Não se mostram provados outros factos, além dos suprarreferidos. Motivação da decisão de facto O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, conforme predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil.» 2.2. De direito In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário do Porto que julgou improcedente a impugnação, intentada, contra a liquidação de IRS n.º ...........398 respeitante ao ano de 2000, no montante de €167.022,17 e liquidação de juros compensatórios no montante de €24.849,71, sustentada por si na inexistência de facto tributável e na ilegalidade de juros compensatórios. Invoca a Impugnante, ora Recorrente, na sua petição, que o facto tributário que subjaz à liquidação impugnada não se verificou no ano de 2000, argumentando que nos termos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 10.º do Código de IRS, no caso de contrato de promessa de compra e venda, as mais valias consideram-se realizadas logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato, o que terá ocorrido em 6.08.1999. Por sua vez, a AT, aqui Recorrida, defende que foi no ano de 2000 que ocorreu a escritura de transmissão da propriedade, facto tributário relevante para efeitos de tributação na categoria G de rendimentos, nos termos do que dispõe a alínea a) do n.º 1 do CIRS. Mais invoca a Recorrente que tendo por si e pelo seu marido sido outorgada procuração irrevogável a favor de «EE» para prometer, vender o prédio em questão, não tiveram conhecimento da formalização da escritura pública, como tal, sustenta que não teve culpa pelo atraso na liquidação, determinando a objectiva ilegalidade da liquidação de juros compensatórios. A posição da AT assenta em que foi devido a actuação negligente da Impugnante e seu marido que ocorreu a entrega fora de prazo da declaração subjacente a mais-valia em questão nos presentes autos, não existindo qualquer vício que inquine a liquidação de juros compensatórios. Estas as questões sobre as quais recaiu o julgamento do Tribunal a quo, o qual em sede de apelação cumpre a este Tribunal ad quem apreciar e decidir. 2.2.1. Do erro de julgamento de facto (conclusão B) e C) das alegações de recurso) A Recorrente não se conforma com o decidido e invoca, desde logo, erro de julgamento de facto, requerendo o aditamento de que “a transmissão da posse do imóvel que está base da liquidação impugnada ocorreu em 6/08/1999, data do pagamento da terceira e última prestação do preço e da outorga da procuração pela impugnante e seu cônjuge a favor de representante da promitente compradora, conferindo-lhe poderes para vender”. Sustentando que a “demonstração de tal facto resulta da conjugação dos documentos dos autos, nomeadamente do contrato promessa de compra e venda, da procuração e da escritura de compra e venda”. Conforme decorre da fundamentação expendida pelo Tribunal a quo, a matéria de facto dada por provada assenta exclusivamente da análise critica e conjugada dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, e de entre esses com especial relevo o contrato promessa de compra e venda e a escritura de compra e venda – vide nesse sentido o vertido nos itens 1) e 2) da matéria de facto dada por provada. Efectivamente, tentando alcançar o sentido da menção da outorga de uma procuração pela Recorrente a favor do representante do promitente comprador, cremos que por via da mesma pretende aquela lograr a prova que a “tradição” do imóvel em questão terá ocorrido na data de 06.08.1999 com a outorga da mesma. E, desde logo, apesar da falta de identificação da mesma e, da menção, da sua localização nos autos, procedeu este Tribunal ad quem a uma minuciosa procura da existência da mesma nos autos e apensos, a qual se mostrou totalmente infrutífera, o que esvazia por completo o sentido e indicio de “tradição” do imóvel subjacente à clausula sétima do contrato de compra e venda que previa: que aquando do pagamento da última prestação os promitentes vendedores se obrigavam a outorgar procuração com amplos poderes em conformidade com minuta anexa ao contrato, a que acresce que esta minuta também não consta dos autos. Por outro lado, a mera alegação de que determinado facto deve ser dado como provado, sem dar nota dos meios probatórios concretos que decretam que o mesmo tenha que ser levado ao probatório, impondo decisão diversa daquela que o Tribunal a quo teve, não constitui impugnação da matéria de facto de todo, mas sim, quanto muito, manifesta um desacordo com a valoração da prova documental, ou seja, da interpretação que o mesmo teve relativamente ao contrato promessa de compra e venda, o que nos reconduz ao erro de julgamento de direito. O artigo 662º do Código de Processo Civil determina que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou documento superveniente impuserem decisão diversa.”. Sucede que o poder de cognição deste Tribunal sobre a decisão da matéria de facto operada pelo tribunal a quo não implica um novo julgamento de facto, e limita-se aos pontos de facto que o Recorrente considere incorretamente julgados, desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 640º do Código de Processo Civil. Além disso, não pode colocar em causa o princípio da livre apreciação da prova do julgador (artigo 605º do Código de Processo Civil), que desde que fundamentado, mediante análise crítica das provas recolhidas, de molde a permitir o controlo da decisão, e não deve ser alterado se for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência (Acórdão do TCAN de 11/4/2014, Processo nº 00819/10.4BEPNF). A Recorrente insurge-se contra a valorização da prova documental, mas além de incumprir no ónus constante do artigo 640º do Código de Processo Civil, nos termos apontados supra, não carreou prova suficiente para sustentar a sua pretensão, sendo que da fundamentação da sentença recorrida não se antevê qualquer erro de julgamento da matéria de facto, nem os elementos dos autos apontam para a existência de um qualquer erro ostensivo na apreciação crítica dos meios de prova. Consequentemente, este tribunal está impedido de alterar a matéria de facto, posto que do confronto desse julgamento e dos meios de prova disponíveis no processo não é ostensivo que a decisão de facto não seja a que foi vertida pelo Tribunal a quo. Assim sendo, sem necessidade de outros considerandos, improcede o erro de julgamento de facto invocado. 2.2.2. Da violação do princípio do inquisitório pelo Tribunal a quo (conclusão D) das alegações de recurso) Mais alega a Recorrente que “Caso para o Tribunal se suscitassem dúvidas sobre o momento da transmissão da posse do imóvel, sempre lhe caberia o poder-dever de adoptar as diligências instrutórias adequadas ao apuramento da realidade dos factos, violando, na sua ausência, o princípio do inquisitório a que se encontra vinculado”. Vejamos. Dispõe o artigo 99º, nº 1, da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe “Princípio do inquisitório e direitos e deveres de colaboração processual”, que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”. E prescreve o artigo 13º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que “aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”. Por outro lado, o artigo 114º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, refere que “não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de produção de prova necessárias (…)”. De igual modo, o artigo 411º do Código do Processo Civil determina que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, numa clara referência ao poder-dever atribuído ao juiz que “opera no domínio da instrução do processo tendo o juiz aí poderes mais amplos do que no domínio da investigação dos factos, na medida em que pode determinar quaisquer diligências probatórias que não hajam sido solicitadas pelas partes” (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, volume 2, página 207). E no exercício deste poder-dever “cabe ao tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada. Para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados” (vide acórdão do TCAS de 10.11.2022, proferido no âmbito do Processo nº 2222/15.0BESNT). No caso vertente verifica-se que a Recorrente limitou a sua prova à junção de documentos, os quais já haviam sido apresentados no âmbito da Reclamação Graciosa e do Recurso hierárquico, que lhe sucedeu. Todavia, não provou, nem juntou aos autos a procuração outorgada a que alude no seu artigo 11º da petição inicial, a saber, que “De conformidade com o estabelecido na cláusula sétima do contrato promessa, logo na data do vencimento da terceira e Ultima prestação do preço (6 de Agosto de1999), foi pela impugnante e pelo seu falecido marido (bem como por uma irmã deste e respectivo marido) outorgada no ... Cartório Notarial ... procuração a favor de «EE», com as características de irrevogável, conferindo-lhe poderes para prometer vender o prédio em questão”, certo é que aquela procuração não foi junta, em momento algum pela Recorrente, o que muito se estranha, pois a mesma seria facilmente obtida no cartório em referência pela arguente. Como é sabido incumbe às partes a organização da sua defesa bem como a junção dos elementos probatórios que entenderem por convenientes, sendo certo que a consagração deste poder dever que recai sobre o juiz não dispensa as partes da obrigação de carrear para os autos os elementos probatórios que sustentam a sua pretensão. “O artigo 411.º do CPC estabelece um “poder-dever” do juiz que não se limita à prova de iniciativa oficiosa, como se conclui do segmento “mesmo oficiosamente”, incumbindo-lhe realizar ou ordenar as diligências relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, preservando sempre o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objetividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade.” (in acórdão da Relação do Porto de 08.9.2020, Processo nº 2856/15.3T8AVR-D.P1). Certo é, que o tribunal não pode nem deve substituir-se à parte, atento o princípio do dispositivo, pois como refere Paulo Pimenta, in “Processo Civil declarativo”, pág. 343, nota 802, “o equilíbrio do nosso quadro legal resulta da intersecção das duas dimensões: por um lado, o ónus da iniciativa probatória das partes; por outro, o poder-dever do juiz em sede instrutória. Daqui resulta o seguinte: jamais as partes podem encontrar naquele poder-dever um pretexto para negligenciarem a sua iniciativa probatória; jamais o juiz pode ver naquela iniciativa probatória um alibi para a sua própria inércia. O critério firmado no art. 411º coloca a questão ao nível da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litigo. Verificando-se o pressuposto da necessidade, o juiz tem um dever oficial de agir. Não se verificando o pressuposto, inexistirá aquele dever”. Como decorre dos autos, a Recorrente pretende fazer valer a tese da posse pelo promitente comprador do imóvel prometido vender ter ocorrido no momento do pagamento da 3ª prestação e outorga da procuração em 06.08.1999, pelo que inexiste o facto tributário a considerar em 2000 para efeitos de mais valias, desde da apresentação da Reclamação Graciosa, posição que retoma em sede de Recuso Hierárquico e, bem assim, em sede de impugnação judicial, mas limitou-se aqui, como ali, a juntar o contrato promessa de compra e venda e a escritura pública de venda, os quais não convenceram o Tribunal que tenha ocorrido posse do imóvel no âmbito do contrato promessa de compra e venda outorgado. Sucede que, recaía sobre a Impugnante, ora Recorrente, o ónus de requerer as diligências probatórias necessárias a provar os factos necessários à procedência da acção, ou a alegar a impossibilidade de os obter, sendo certo que notificado que o processo continha todos os elementos para decidir e apresentar alegações, nada requereu. Mais se aluda ao perigo que emana do acolhimento da tese da Recorrente, se assim fosse estava encontrada a via para se dispensar o contribuinte do encargo de carrear a prova de quaisquer factos, e na eventualidade do tribunal perspectivar a improcedência da acção por ausência de prova credível sempre teria de auxiliar o contribuinte, em desfavor da parte contrária, com manifesto desrespeito pelo princípio da igualdade das partes, e esvaziamento de conteúdo da regra do encargo do contribuinte de demonstrar os factos constitutivos do direito que se arroga, e das regras do ónus da prova consagrados no artigo 74º da Lei Geral Tributária e artigo 342º do Código Civil. Consequentemente, nesta parte não assiste razão a Recorrente, tendo o recurso de improceder. 2.2.3. Da violação do artigo 10º, n. º3 alínea a) do CIRS (conclusão F) das alegações de Recurso) Entende a Recorrente que o acto tributário de liquidação de IRS enferma de ilegalidade, porquanto o contrato promessa de compra e venda foi realizado com tradição do bem, pelo que o facto constitutivo da mais-valia ocorreu no âmbito do contrato promessa de compra e venda celebrado (pagamento da 3ª prestação e outorga de procuração irrevogável em nome do representante da promitente compradora), e não no exercício de 2000, em que teve lugar a outorga da escritura pública de compra e venda, o que determinaria aplicação do artigo 10º, n.º3 alínea a) do CIRS, a determinar a inexistência de facto tributário quando reportado ao exercício de 2000. Cristalizada que se mostra a matéria de facto, é nossa firme convicção que o Tribunal recorrido julgou esta questão com acerto, da seguinte forma: «Como decorre do artigo 10º n.º 1 do CIRS “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário; (…)”. Constituindo excepção à regra do momento da tributação (n.º 1), o n.º 3 do mesmo normativo legal estabelece que “os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes: a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato;(…)”. Tal preceito legal institui uma presunção de que em caso de tradição ou posse do bem ou direito ocorre o ganho tributável. Ora, mesmo que se admita a hipótese de aplicação da excepção decorrente do n.º 3 do artigo 10.º do CIRS, por se considerar a existência de contrato promessa, ainda assim têm que se verificar todos os demais pressupostos a que alude o preceito legal, tais como “a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato”. Desta forma e como decorre do decidido pelo TCA Norte em Aresto de 21.10.2004, rec. 92/04 “Estamos aqui perante uma presunção estabelecida a favor da Fazenda Pública, de modo a evitar que os contribuintes, em caso de tradição ou posse do bem ou direito, pudessem protelar indefinidamente a liquidação do imposto, bastando-lhes arrastar a data da celebração da respectiva escritura de compra e venda. Deste modo, existindo a tradição do imóvel, e mesmo que não celebrada a escritura definitiva, o ganho considera-se obtido logo que verificada a tradição ou posse do bem, pelo que o contribuinte deverá comunicar o facto à Fazenda Pública ou esta poderá efectuar a respectiva liquidação oficiosamente, se o facto chegar ao seu conhecimento.” Retornando ao caso sub judice e como decorre do probatório, ponto 1, em 23.12.1998 foi outorgado contrato-promessa de compra e venda pela Impugnante e pelo seu marido respeitante a bem imóvel, tendo sido realizada escritura de compra e venda em 9.03.2000 (cfr. ponto 2) do acervo probatório). Ora, a Impugnante apresentou em 30.05.2003, declaração de rendimentos de substituição do ano de 2000, com anexo G, declarando a venda do sobredito imóvel, cfr. ponto 4) da factualidade assente Assim, a Impugnante com os presentes autos pretende comprovar que a tradição e posse não ocorreu em 2000 mas sim em Agosto de 1999, considerando que tal decorre do texto do contrato-promessa de compra e venda. Ora, mesmo não tendo sido questionada a autenticidade do contrato-promessa, daí não decorre necessariamente que os factos contidos nas declarações aí produzidas se tenham de ter como provados, tendo de ser apreciadas com as demais provas apresentadas. Neste sentido vide Acórdão do STJ de 9.12.2008, rec. 08A3665 e de 23.11.2005, rec. 05B3318. A verdade é que para além de não passarem de meras declarações, que não traduzem por si só actos de posse, do mesmo também não decorre que a tradição do imóvel ocorreu na data invocada como a impugnante lhe parece assacar, pelo contrário, da cláusula décima do mesmo decorre que “A sisa e as despesas da escritura são da responsabilidade da promitente-compradora, sendo ainda da sua responsabilidade todas as obrigações fiscais relacionadas com os bens prometidos alienar e relativos à sua eventual posse que respeitem a todo o período posterior ao pagamento da terceira e última prestação do preço”. Isto é, a posse é tida como “eventual” após o pagamento da terceira e última prestação do preço. Ademais, considerar que se realizou o ganho para efeito de tributação de mais-valia na data do pagamento da 3ª e última prestação, 6.08.1999, não seria consentâneo com a apresentação da declaração modelo 3 onde foi declarada a mais-valia realizada (referente ao ano de 2000). Isto porque, nos termos do disposto no n. º1 do artigo 75.º da LGT “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei”, não se verificando tal presunção quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo” (cfr. alínea a) do n.º 2). É verdade que a Impugnante defende inexistir facto tributário no ano de 2000, mas, se assim o considerasse, aquela teria que ter declarado a mais-valia resultante da venda do terreno em 2000 (por referência ao ano de 1999) o que não fez. Também não resulta provado o pagamento de qualquer imposto sobre a transmissão, in casu, SISA, prova que teria que ter sido feita, na medida em que é a Impugnante que se arroga a afirmar um facto, como decorre do n.º 1 do artigo 74.º da LGT quando estabelece que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Com efeito, a Impugnante não logrou provar a efectiva tradição do imóvel em 1999, tendo inclusive agido fiscalmente no sentido contrário ao pugnado ao ter declarado a mais-valia relativamente ao ano de 2000. Por conseguinte, não se mostram preenchidos os pressupostos que decorrem do n.º 3 do artigo 10.º do CIRS, por forma a considerar que a mais-valia ocorreu com a realização do contrato promessa do sobredito imóvel.» (fim de transcrição, destacados nossa autoria) Importa aqui relembrar que nos ramos do Direito Tributário de mais ampla tradição civilística, como os que versam sobre a transmissão de bens, estão assentes em conceitos de Direito Privado, não estando em causa que o Direito Tributário possa qualificar qualquer conceito com o sentido que considere conveniente, mas não é menos certo que, normalmente, tais conceitos apresentarão, no âmbito tributário, um sentido semelhante ou muito próximo do que lhes é atribuído nos seus ramos de origem, permitindo, sobretudo, salvaguardar a unidade do Direito e a abordagem e manuseamento de conceitos já longamente estudados noutros ramos do Direito, como é o caso do direito de propriedade e formas de aquisição, o que permitirá uma maior certeza e segurança das relações jurídico-tributárias. LGT anotada e comentada, 4.ª Edição, Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa pág. 119 e seguintes. Este Tribunal está ciente, que por princípio o contrato-promessa não confere ao promitente-comprador do imóvel o animus sibi habendi, configurando-o, nessa medida, como um mero possuidor precário ou simples detentor. Contudo, excecionalmente pode ocorrer que se dê inversão do título de posse [cfr. artigo 1263.º e 1265.º do Código Civil], nomeadamente porque o promitente-vendedor se demita, para com o promitente-comprador, de exercer os atos correspondentes ao direito real de propriedade, ao mesmo tempo que este assuma tal intenção e do que constituirá, sem dúvida, um sinal forte e, eventualmente, bastante, a circunstância do último passar a dispor do imóvel, com pagamento integral do preço de aquisição acordado para a transmissão da propriedade. A jurisprudência do STA, no seguimento, sobretudo, da doutrina de Antunes Varela Na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124, n.º 3812, pág. 347 e seguintes., tem vindo a decidir no sentido de que “são concebíveis (…) situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excecionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse, dando-se como exemplo as situações em que “havendo sido pago já a totalidade do preço a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espirito, ele pratica sobre ela diversos atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade” [vide entre outros os acórdãos do STA de 10.02.2002 no recurso 026295 e de 27.10.2010 no processo 0453/10 e o acórdão do TCA Norte de 18.01/2012, no processo 00642/09]. Temos por certo, igualmente, que existem casos em que à luz de alguns “sinais factuais” se reunirem na pessoa do promitente-comprador, se bem que possa constituir uma presunção natural de passar a actuar como se dono fosse do imóvel, ainda assim, não implica que, inelutavelmente, se tenha de concluir em tal sentido, podendo tal presunção mostrar-se fundadamente abalada por outros quaisquer condicionalismos de sinal contrário. São disso exemplo o pagamento integral do preço estipulado em sede de contra de promessa, a natureza de obrigações assumidas pelo promitente comprador, que exigem uma valoração por se revelarem de sérios indicadores de que com aquele contrato se quis entregar o prédio, transferir a posse para o promitente comprador, o que se pretendeu foi a tradição dos imóveis, transferir a propriedade. Contudo in casu inexistem esses indícios. É que de uma análise da prova de forma critica e objectiva do contrato de promessa de compra e venda celebrado em 23.12.1998 e do documento de compra e venda outorgado em 09.03.2000, não ocorre um único elemento que permita alcançar a pretensão da Recorrente de que a posse do imóvel pelo promitente comprador ocorreu em 1999, ou seja em data anterior à celebração da escritura pública consentânea com o pagamento da 3ª prestação e outorga de procuração irrevogável a favor do comprador. Efectivamente, como disso já demos nota, a prova da outorga da procuração só poderia ocorrer por via da junção da mesma e, mais se diga, que mesmo a prova da data em que ocorreu o pagamento da 3ª prestação não foi objecto de prova. Assim, é apodítico que a Recorrente está sujeita ao pagamento das mais valias decorrentes da venda escriturada em 2000, porquanto não se mostram preenchidos os pressupostos que decorrem do n.º 3 do artigo 10.º do CIRS, por forma a considerar que a mais-valia ocorreu com a realização do contrato promessa do imóvel em questão. A sentença que assim decidiu, terá que ser mantida, improcedendo o recurso neste segmento. 2.2.4. Da ilegalidade dos juros compensatórios (conclusões G) e H) das alegações de recurso) Por ultimo alega a Recorrente que “(a) douta sentença incorre igualmente em erro de julgamento ao decidir pela improcedência da alegada ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios” argumentando que “Constituindo pressuposto da exigência de juros compensatórios o retardamento da liquidação por culpa do contribuinte, a AT não demonstrou, como lhe competia, tal culpa, ficando, outrossim, demonstrada a ausência de culpa.”. Neste segmento da ilegalidade dos juros compensatórios a sentença discorreu e conclui nos seguintes termos: «Nos termos do n.º nº 1 e 2 do artigo 35º da LGT, são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente ou ainda quando recebido reembolso superior ao devido. Acresce que, conforme dispõe o n.º 8 do mesmo preceito, “Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.” Ademais, o n.º 1 do artigo 91.º do CIRS estabelecia à data dos factos que “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35.º da lei geral tributária.” A este propósito, o TCA Norte Acórdão em Acórdão de 23.07.2009, rec. 00368/06.5BEPNF, considerou que “(…) Em suma, os juros compensatórios constituem “uma espécie de reparação cível”, legitimada pela “dupla presunção de que quem é privado da disponibilidade de uma quantia sofre um prejuízo patrimonial e de que este prejuízo é o que resulta da aplicação da taxa de juro prevista na lei à quantia de que o Estado esteve indevidamente privado” cfr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Juros nas Relações Tributárias, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, Vislis, pág. 145.” Acresce que, e como decidido pelo Pleno da Secção do CT em Acórdão de 2201-2014, rec. 01490/13 “E daqui decorre, desde logo, que para que o sujeito passivo deva juros compensatórios se exige um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto (Cfr. sobre esta matéria o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Lisboa, 1999, pp. 146 e ss.) e sendo que a desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, do critério adoptado, em divergência com o Fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa (cfr. ac. do STA, de 18/2/98, rec. n° 22.325).” Sendo ai entendido que “constitui entendimento jurisprudencial pacífico (Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 8-7-92, proferido no recurso nº 12147; de 28-6-95, proferido no recurso nº 19014; de 20-3-96, proferido no recurso nº 20042; de 2-10-96, proferido no recurso nº 20605; de 18-2-98, proferido no recurso nº 22325; de 3-10-2001, proferido no recurso nº 25034; de 16-02-2005, proferido no recurso nº 1006/04; de 12-07-2005 proferido no recurso nº 12649 e de 19-11-2008, proferido no recurso nº 325/08.) que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e que, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência). Ou seja, depende, da existência de culpa, a qual consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (face à diligência de um bom pai de família) e que, por isso, tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência e aptidão de um bónus pater famílias (Sobre a matéria pode ler-se o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa in “Juros nas relações tributárias”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 145, bem como o Professor Casalta Nabais no parecer junto aos presentes autos.).” Ademais, “Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos” – cfr. n.º 1 do artigo 262.º do Código Civil (CC), sendo certo que como dispõe o artigo 258.º do CC com a epígrafe “Efeitos da representação”, “O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.” Assim, e como resulta de tais preceitos legais, os efeitos da actuação do procurador produzem-se na esfera jurídica do mandante, no caso presente na Impugnante. Ora, no caso em dissídio, foram liquidados juros compensatórios, uma vez que a Impugnante retardou a liquidação de imposto devido, decorrente da entrega fora de prazo de declaração com menção da mais-valia verificada pela venda do sobredito imóvel. Com efeito, como resulta do n.º 1 do artigo 57.º do CIRS, “Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior (…)”, sendo que tem-se por sujeitos passivos as pessoas singulares nos termos do regulado pelo artigo 13.º do CIRS. Assim, a Impugnante estava obrigada a proceder à declaração dos seus rendimentos auferidos no ano de 2000. Ora, como aqui já foi enunciado, a outorga de procuração não desonerava a Impugnante de cumprir as suas obrigações fiscais, até porque, os efeitos dos actos do procurador produziram-se na sua esfera. Por outro lado, os fundamentos que a Impugnante invoca quando sustenta a inexistência do facto tributário não são consentâneos com os apresentados quando defende a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios. Senão vejamos. Se por um lado a Impugnante defende que o facto tributário ocorreu em 1999, por outro lado pretende afastar a culpa no retardamento da liquidação do imposto devido, sustentando que ao outorgar procuração em 1999, deixou de controlar o momento da formalização da venda. No entanto, com a entrega da 3ª prestação do preço acordado pela venda do terreno a Impugnante teria tido obrigatoriamente conhecimento do facto tributário, uma vez que, do contrato promessa, vertido na factualidade assente, ponto 1), resulta que o pagamento seria realizado em 3 prestações, por meio de cheque nominativo a favor de cada um dos promitentes-vendedores mediante a entrega ao promitente-comprador dos respectivos recibos, não podendo a Impugnante invocar que desconhecia o recebimento de tal montante. Assim, com o pagamento da totalidade do preço a Impugnante ficou em condições de declarar a mais-valia realizada, o que não logrou fazer. Acresce que, considera o Tribunal que se a Impugnante imputa a culpa pelo retardamento da liquidação em questão ao procurador, terá em sede própria que o responsabilizar, uma vez que, como já aqui vimos dizendo, o sujeito passivo de imposto é a Impugnante e não o procurador. Assim, perante a factualidade que aqui fomos dando conta, conclui-se pela existência de nexo de causalidade entre o comportamento da Impugnante e a falta de recebimento pontual de prestação, imperando formular um juízo de censura à actuação da Impugnante, na medida em que não actuou com a diligência que seria de esperar de um contribuinte normal ou médio, sendo esta responsável pelo pagamento de juros compensatórios por verificados os pressupostos consagrados no artigo 35.º da LGT, improcedendo o alegado.» (fim de transcrição, destacados nossa autoria) Acolhemos integralmente o assim julgado. Ao que acresce referir que a Recorrente verdadeiramente não ataca este segmento da sentença, antes renova a argumentação que de uma forma ou de outra já apresentava em sede de petição inicial. Não se olvide que o recurso é um ataque à sentença e a Recorrente no seu recurso não pleiteou no sentido de contrariar a decisão do juiz a quo no que concerne à alegada falta de fundamentação, uma vez que apenas renovou a argumentação que já havia apresentado em sede de petição inicial, pelo que, este Tribunal superior sempre se encontraria impedido de conhecer do recurso, por se verificar caso julgado quanto a este segmento do mesmo. Ressuma, assim, do que vem dito que soçobram todas as conclusões do recurso, o qual se mostra votado ao insucesso. 2.2.5. Sumário (artigo 663º, n. º7 do CPC) I. O artigo 411º do Código do Processo Civil confere ao juiz o poder-dever de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências úteis e necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada, mas não pode substituir-se às partes sobre as quais recai o ónus da iniciativa probatória e a obrigação de carrear para os autos os elementos probatórios que sustentam a sua pretensão, sob pena de violar o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e a relação de equidistância e de imparcialidade. II. Para efeito da aplicação do regime de mais-valias ou menos-valias realizadas, a promessa de compra e venda de um imóvel constitui uma transmissão onerosa, quando seja acompanhada da transmissão da posse para o promitente comprador. III. Não tem aplicabilidade o artigo 10º, n.º 3 alínea a) do CIRS se do contrato promessa de compra e venda, conjugado com os demais elementos, não resulta provado que com a outorga daquele contrato se verificou a tradição ou a posse do imóvel objecto do mesmo, pelo que alienação do mesmo para efeito de mais valias ocorre com outorga da escritura pública de compra e venda. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso. Custas a cargo da Recorrente. Porto, 27 de março de 2025 Irene Isabel das Neves (Relatora) Paulo Moura (1.º Adjunto) Paula de Moura Teixeira (2.ª Adjunta) |