Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00274/05.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/27/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Cristina da Nova
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA, FALTA DE MOTIVAÇÃO E APRECIAÇÃO CRÍTICA DA PROVA TESTEMUNHAL.
Sumário:1- A fundamentação do acervo factual deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que decidiu no sentido decidido e não noutro.

2- Indicar, apenas, os meios de prova que mobilizou para o julgamento de facto, não exteriorizando como chegou a tal resultado, não materializando o processo intelectual que se empreendeu na análise crítica da prova testemunhal produzida, leva à nulidade da sentença em virtude de não se entender a razão desse julgamento e, do mesmo passo, não permitir ao destinatário acompanhar o raciocínio de modo a avaliar o acerto do mesmo.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:M.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

A Representação da Fazenda Pública, junto do TAF de Aveiro, veio recorrer da sentença que julgou procedente a impugnação da liquidação adicional de IRS dos anos 2000 a 2002.

Formula nas respetivas alegações (cfr. fls. 296-307) e seguintes conclusões que se reproduzem:

«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M. contra as liquidações adicionais de IRS e respectivos juros compensatórios referentes aos anos de 2000, 2001 e 2002.
II. O douto Tribunal anulou as liquidações por ter entendido que os SIT tinham de “enunciar e demonstrar factos que indiciem claramente uma relação de dependência jurídica do trabalhador em relação à empresa” e, não tendo realizado “a demonstração de tais factos”, impunha-se à AT, “na dúvida acerca da qualificação e, portanto, da existência e quantificação do facto tributário” que se abstivesse de proceder às impugnadas correcções, “como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 100º do CPPT e do disposto no artigo 266º da CRP”.
III. Deste modo, as questões decidendas a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consistem em saber se:
a) a douta sentença padece de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
b) a douta sentença padece de erro de julgamento, por ter ordenado a anulação total das liquidações de 2000 e 2001, quando não foram impugnadas as correcções relativas à omissão de rendimentos prediais;
c) caso assim se não entenda, se o douto Tribunal recorrido incorreu em incorrecta apreciação e valoração da factualidade dada como assente, em deficiente selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida, em errónea subsunção da matéria considerada como provada aos comandos normativos contidos nos artigos 2.º n.º 1 alínea b) e 3.º n.º 1 alínea a), ambos do Código do IRS, 74.º da LGT e 100.º do CPPT e em incorrecta interpretação e aplicação daquelas mesmas normas.
II – A anulação total da liquidação
IV. Relativamente aos anos de 2000 e 2001, para além do reenquadramento dos rendimentos na categoria A e da omissão de rendimentos em espécie, a AT procedeu também a correcções por omissão de rendimentos prediais.
V. O impugnante, porém, não atacou as correcções técnicas relativas a estas omissões de rendimentos prediais, no montante de € 1.795,67, apurado em cada um daqueles anos.
VI. Deste modo, estas correcções consolidaram-se na ordem jurídica, não podendo ser objecto de qualquer anulação, pelo que não poderia o douto Tribunal a quo considerar a impugnação totalmente procedente e ordenar a anulação total das liquidações, por força do consagrado princípio da divisibilidade do acto tributário.
VII. Nestes termos, incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento, traduzido numa errada não aplicação do princípio do dispositivo, consagrado no n.º 1 do artigo 3.º e no n.º 1 do artigo 5.º, ambos do Código de Processo Civil.
III – A nulidade da sentença por falta de fundamentação
VIII. Na fundamentação da sentença devem ser observados os requisitos previstos nos artigos 123.º e 124.º do CPPT, em conjugação com o disposto nos artigos 607.º e seguintes do CPC, não podendo a mesma ser escassa, nem podendo o julgador deixar de realizar o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer (vide ponto 6 das alegações).
IX. A motivação da decisão recorrida não obedece a tais preceitos, dado que “na fundamentação da matéria de facto, para além da indicação dos factos provados e não provados, impõe-se efectuar uma análise crítica das provas, com especificação dos fundamentos decisivos para a convicção do julgador, o que não se poderá considerar satisfeito com a utilização de uma fundamentação vaga e genérica”.
X. Relativamente à prova testemunhal, o douto Tribunal incorreu também em erro de julgamento, visto que, apesar de se lhe exigir um especial cuidado ao nível da fundamentação neste particular (por ter essencialmente formado a sua convicção tendo por base este meio de prova), não procedeu a uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária»” (acórdão do TCA Norte, de 30-04-2015, processo n.º 00036/05.5BEPNF).
XI. Com efeito, o Tribunal a quo, em relação cada facto que considerou como provado com base na prova testemunhal, limitou-se apenas (e em todos os casos) a apor a indicação “depoimento das testemunhas”,
XII. O que torna impossível saber que testemunhas contribuíram com o seu depoimento para que tais factos fossem dados como provados, coarctando qualquer possibilidade de a aqui recorrente e o douto Tribunal ad quem aferirem do acerto ou desacerto da decisão recorrida,
XIII. Para além de que a mera indicação de que um facto foi dado por assente com base em “testemunhas” “nada nos diz sobre o percurso da convicção formada, as razões por que se deu valor probatório aos depoimentos, o conhecimento dos factos demonstrados e respectiva coerência, a isenção da testemunha, sem esquecer a credibilidade dos depoimentos no contexto de toda a prova produzida”.
XIV. Assim, não tendo o douto tribunal a quo realizado a imprescindível apreciação crítica da prova, tal omissão não pode deixar de conduzir à declaração de nulidade da douta sentença, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
IV - A factualidade dada como provada
XV. O Tribunal recorrido anulou as liquidações com base na factualidade que deu como provada.
XVI. No entanto, laborou o Tribunal a quo em erro de julgamento, visto que não poderiam ter sido dados como provados os seguintes factos:
XVII. “3 - No período de 2000 a 2002 o Impugnante marido atendia pacientes na clínica em Aveiro ao sábado, para além de outros dias da semana, cfr. documentos juntos aos autos a fls. 94 a 99 e depoimento das testemunhas”, dado como provado com recurso a prova documental e testemunhal, visto que:
a) os documentos n.ºs 11 a 16 juntos com a PI (fls. 94 a 99 dos autos) não permitem concluir que são referentes ao trabalho desenvolvido pelo impugnante ao sábado, dado que podem ser relativos ao trabalho realizado por qualquer outro médico na clínica;
b) desconhece-se quais as testemunhas cujo depoimento contribuiu para que que tal facto fosse dado como assente (vide ponto 8. das alegações) e por que motivo (razão de ciência) o seu depoimento foi decisivo para firmar a convicção do Tribunal a quo.
XVIII. “4 – Muitos dos equipamentos que o Impugnante usa na clínica, são de sua propriedade, cfr. depoimento das testemunhas”, dado como provado com recurso a prova testemunhal, visto que:
a) desconhece-se quais as testemunhas cujo depoimento contribuiu para que tal facto fosse dado como assente (vide ponto 8. das alegações) e por que motivo (razão de ciência) o seu depoimento foi decisivo para firmar a convicção do Tribunal a quo;
b) este facto, para além de não concretizar quais os equipamentos que seriam propriedade do impugnante (limitando-se à fórmula genérica “muitos”), é manifestamente conclusivo, dado que encerra “um juízo de valor que não permite uma apreensão unívoca pela generalidade das pessoas;
c) não pode resultar de depoimento testemunhal a prova da propriedade dos equipamentos que o impugnante utiliza na clínica, não só porque o conceito de «propriedade» é um conceito de direito e, logo, não pode integrar a matéria de facto, mas também porque as declarações das testemunhas não se encontram apoiadas em qualquer outro meio de prova, mormente documental.
XIX. “5 – Existem equipamentos que são usados pelo impugnante e que não constam do imobilizado da sociedade, cfr. documentos de fls. 100 a 117 destes autos e depoimento das testemunhas” dado como provado com recurso a prova documental e testemunhal, visto que:
a) os documentos n.ºs 17 a 19 juntos com a PI (fls. 100 a 117 dos autos), atendendo às designações genéricas do activo imobilizado neles constante, não permitem ser dado como provado que os bens que o impugnante exemplifica se não encontram na listagem do activo imobilizado da clínica, dado que qualquer um daqueles instrumentos de trabalho pode estar integrado numa daquelas rubricas;
b) desconhece-se quais as testemunhas cujo depoimento contribuiu para que tal facto fosse dado como assente (vide ponto 8. das alegações) e por que motivo (razão de ciência) o seu depoimento foi decisivo para firmar a convicção do Tribunal a quo;
c) ao dar-se apenas como assente que “existem equipamentos”, recorreu-se na sentença a um facto manifestamente conclusivo, dado que encerra “um juízo de valor que não permite uma apreensão unívoca pela generalidade das pessoas”.
XX. “9 – O Impugnante recebe cerca de 45% a 50% da faturação dos serviços que presta à sociedade, cfr. depoimento das testemunhas”, dado como provado com recurso a prova testemunhal, visto que:
a) desconhece-se quais as testemunhas cujo depoimento contribuiu para que tal facto fosse dado como assente (vide ponto 8. das alegações) e por que motivo (razão de ciência) o seu depoimento foi decisivo para firmar a convicção do Tribunal a quo;
b) as declarações das testemunhas não se encontram apoiadas em qualquer outro meio de prova, mormente documental (v.g. registo com os valores cobrados em cada consulta/tratamento, o médico que a/o realizou e o montante ou percentagem que lhe era atribuída).
XXI. EM CONCLUSÃO, constatamos que a factualidade dada como provada pelo douto Tribunal a quo se revela manifestamente insuficiente para que tenham sido extraídas as conclusões vertidas na sentença no sentido da anulabilidade das liquidações impugnadas.
V - A fundada dúvida do artigo 100.º do CPPT
XXII. O Tribunal recorrido considerou que a AT deveria ter-se “abstido” de realizar as presentes correcções por forçado disposto no n.º 1 do artigo 100.ºdo CPPT, atendendo à “dúvida acerca da qualificação e, portanto, da existência e quantificação do facto tributário”, assim decidindo no sentido da anulação das liquidações.
XXIII. No entanto, esta norma não determina a anulação do acto quando houver dúvidas sobre a qualificação do facto tributário, dado que “uma questão de qualificação de um facto tributário é uma questão jurídica e, no campo de aplicação do direito, o tribunal não pode ficar com dúvidas, tendo o dever de julgar mesmo em casos de falta ou obscuridade da lei”.
XXIV. Assim, incorreu o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, materializado numa incorrecta interpretação e aplicação do n.º 1 do art. 100.º do CPPT, ao determinar a anulação da liquidação sindicada, por considerar que a prova produzida pela AT originou fundada dúvida quanto à qualificação do facto tributário.
VI – As remunerações acessórias
XXV. O Tribunal recorrido entendeu que apenas poderia haver lugar a tributação como remunerações acessórias caso os rendimentos do impugnante fossem de qualificar como trabalho dependente.
XXVI. Não obstante, na eventualidade de o douto Tribunal ad quem concluir pela qualificação nos termos propostos pela AT ou ordenar o regresso dos autos à 1.ª Instância, esta questão terá de ser forçosamente apreciada pelo Ilustre Julgador.
XXVII. Por conseguinte, e com o devido respeito:
a) a douta sentença padece de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
b) a douta sentença padece de erro de julgamento, por ter ordenado a anulação total das liquidações de 2000 e 2001, quando não foram impugnadas as correcções relativas à omissão de rendimentos prediais, violando o disposto nos artigos 3.º n.º 1 e 5.º n.º 1, ambos do CPC;
c) caso assim se não entenda, o douto Tribunal recorrido incorreu em incorrecta apreciação e valoração da factualidade dada como assente, em deficiente selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida, em errónea subsunção da matéria considerada como provada aos comandos normativos contidos nos artigos 2.º n.º 1 alínea b) e 3.º n.º 1 alínea a), ambos do Código do IRS, 74.º da LGT e 100.º do CPPT e em incorrecta interpretação e aplicação daquelas mesmas normas.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise, considerando-se a impugnação improcedente, assim se fazendo
JUSTIÇA.»
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Os recorridos, M. e mulher, contra-alegaram manifestando-se pela manutenção da decisão recorrida.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de acompanhar os fundamentos do recurso da Fazenda Pública.
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Sem os vistos dos Exmos. Juízes adjuntos, por assim se ter acordado, foi o processo à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR.

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações,
Assentes no erro de julgamento de facto e de direito.

Antes, porém, aponta nulidade à sentença por não fundamentar o acervo factual identificando as testemunhas e o respetivo depoimento que para tal contribui, omitindo totalmente uma análise crítica da mesma não permitindo sindicar o acerto ou erro do julgamento, como é o caso dos factos provados sob os n.ºs 3, 4, 5 e 9.
*


3. FUNDAMENTOS de FACTO
Em sede de probatório a 1ª Instância, fixou os seguintes factos:

«1 – Os impugnantes foram objeto de uma fiscalização por parte dos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Aveiro, relativamente ao IRS dos exercícios de 2000, 2001 e 2002, cfr. fls. 4 a 45 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
2 - A fls. 2 do “Relatório da Inspeção” consta o seguinte: “importa desde já fazer uma breve apresentação das correcções propostas: Assim: Em sede de Imposto s/ Rendimento das Pessoas Singulares (IRS)
Exercício de 2000
Ponto do RelatórioResumo da InfracçãoArtigo(s) InfringidoMontante
III.1.1.1
III.1.1.2
Omissão de rendimentos prediais
Rendimentos (R) enquadrados na categoria B quando têm a natureza de rendimentos da categoria A
Artigo 8º do Código do IRS
Artigos 2º e 3º, ambos do Código do IRS
1.795.,67€
11.034,52€

Exercício de 2001
Ponto do
Relatório
Resumo da InfracçãoArtigo(s) InfringidoMontante
III.1.2.1
III.1.2.1
Omissão de rendimentos em espécie
Omissão de rendimentos prediais
Artigo 2º do Código do IRS
Artigo 8º do Código do IRS
23.969,30€
1.795,67
III.1.2.3Rendimentos (R) enquadrados na categoria B quando têm a natureza de rendimentos da categoria AArtigos 2º e 3º, ambos do Código do IRS33.152,60€

Exercício de 2002
Ponto do
Relatório
Resumo da InfracçãoArtigo(s) InfringidoMontante
III.1.3.1Rendimentos (R) enquadrados na categoria B quando têm a natureza de rendimentos da categoria AArtigos 2º e 3º, ambos do Código do IRS34.503,75€
fls. 6 do PA;

No ponto “II.3.2 Enquadramento fiscal” do Relatório consta:
“II.3.2.1. Em sede de IRS
O agregado familiar enquadra-se no regime geral de tributação para efeitos de IRS, pertencendo á área do Serviço de Finanças de Águeda (0019).
O sujeito passivo A, Dr. M. é colaborador das entidades que de seguida se identificam, tendo declarado os rendimentos que se apresentam:

Universidade (…)2000 –
20.097.56
2001 –
20.837,78
2002-
21.406,70
A., Lda. (…)2000 –
67.986,15
2001 –
94.721,72
2002-
98.582,15
Considerou que os rendimentos auferidos na Universidade (...) se enquadram na categoria A – Trabalho dependente – artº 2º do Código do IRS. Por seu lado, enquadrou os rendimentos obtidos na empresa “A., Lda.”, de que é sócio, na categoria B — trabalho independente — artigo 3.º do mesmo código. Apesar da entidade que processa as remunerações ser a ¯Universidade (...)”, o sujeito passivo desempenha assim funções de médico estomatologista nos “Hospitais da Universidade (...)”, ministra aulas na “Universidade (...)”, por outro lado dá consultas e leva a cabo intervenções cirúrgicas no âmbito da sua especialidade de estomatologista no consultório da empresa “A., Lda.”. Estas actividades naqueles centros sucedem-se no tempo ao longo da semana.
A sua esposa, a Sra. A. aufere rendimentos do trabalho dependente do ¯Banco (…)”, (...)
Residualmente, ambos os sujeitos passivos obtêm rendimentos da categoria E — artigo 5.º do Código do IRS que se referem a dividendos e de categoria F – artº 8º do Código do IRS ,(...)
Os rendimentos obtidos pelo sujeito passivo A, Dr. M. em sede da categoria B, referem-se a rendimentos profissionais em consequência dos serviços de estomatologista que presta, os quais se encontram identificados com o código 7016 na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, tendo sido pagos exclusivamente pela empresa de que é sócio, “A., Lda.”.
Estes rendimentos foram tributados em sede de IRS de acordo com os seguintes regimes:
Em 2000 de acordo com o regime geral, sendo o apuramento efectuado sem recurso à contabilidade organizada - com base nos livros de registo de serviços prestados e de despesas, tal como prevêem o artigo 116.º do Código do IRS (antes da renumeração do Decreto — Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho era o 108.º);
Em 2001 e 2002 de acordo com o regime simplificado a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º e o artigo 31.º do Código do IRS.” – (...) III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria Tributável; III.1 Em sede de IRS; III.1.1 Exercício de 2000; Omissão de rendimentos – artigo 8º do Código do IRS(...)O sujeito passivo B auferiu rendimentos do arrendamento de um prédio destinado a uma actividade comercial que ascendeu a 360.000$00 conforme recibos que se juntam(...)Uma vez que aqueles rendimentos(...) foram omitidos na declaração, (...)temos uma infracção ao nº 1 do artigo 1º e nº 1 do artigo 8º, ambos do Código do IRS.
III.1.1.2 Abordagem aos rendimentos da categoria B (...)A.DESPESAS(...) No exercício de 2000 o sujeito passivo declarou o montante de 11.034,52 que se refere a encargos dedutíveis aos rendimentos profissionais que ascenderam a 67.986,15(...)Tendo presente que estas deduções se referem ao exercício de 2000, importa referir que, para serem dedutíveis ao rendimento bruto da categoria B – trabalho independente terão de se enquadrar no disposto nos artigos 26º e 27º do Código IRS, (...)
B. CLASSIFICAÇÃO DOS RENDIMENTOS DECLARADOS NA CATEGORIA B
B.I. Apreciação dos rendimentos do trabalho independente
Como já se referiu, o sujeito passivo A é sócio da sociedade “A., Lda.” que se dedica à prestação de serviços de estomatologia e cardiologia e tem sede em Aveiro. O sujeito passivo A é, juntamente com o seu pai, o Dr. A., gerente daquela empresa, sendo os únicos membros dos corpos sociais por ela remunerados.(...) Aquela empresa encontra-se dotada de 3 consultórios, dois apetrechados com equipamento para a medicina dentária e outro simples, que de momento é utilizado exclusivamente por um médico cardiologista nas suas consultas.
Para assessorar estes consultórios, existem áreas comuns (uma sala de espera e um gabinete de recepção) e complementares (centro de desinfecção, vestiário, equipamento médico de radiologia e armazenagem de consumíveis médicos).
O equipamento que se encontra nas instalações da empresa é propriedade da mesma (2) e para uso exclusivo dos médicos que aí colaboram na prestação de serviços médicos de estomatologia que a empresa presta.
O sujeito passivo foi nomeado gerente desde a constituição da sociedade, sem que houvesse ao longo do tempo qualquer referência (quer no pacto social, quer nas diversas Assembleias Gerais) à remuneração a auferir por essa nomeação. Existe uma absoluta omissão de deliberação a este propósito.
Importa destacar o facto de o sujeito passivo A não auferir qualquer importância a título de remuneração do trabalho dependente — categoria A. (...) Já ficou dito que apenas o sujeito passivo A é remunerado pela empresa em função do trabalho prestado, tendo auferido no ano de 2000 o montante de 67.986,15 €. Este rendimento foi declarado para efeitos de IRS como rendimento do trabalho independente, portanto, na categoria B, tendo sido suportado com base num único recibo (a que se refere o artigo 107.º do Código do IRS, actualmente é o artigo 115.º), indicando que os serviços prestados revestem a natureza de “medicina”, emitido em 2000-12-31. A estes rendimentos foram deduzidas despesas que ascenderam a 11.034,52 €, obtendo assim um resultado líquido na categoria B de 56.951,64 €.
O facto de todos os rendimentos serem enquadrados na categoria B, permitiu a dedução em sede de IRS das despesas que lhe foram associadas, deixando de estar condicionado aos limites que se encontravam regulados pelo artigo 25.º do Código do IRS — dedução específica.
Este procedimento do sujeito passivo possibilitou uma economia clara em sede de Segurança Social, porque ao enquadrar os rendimentos auferidos na categoria B e não na A, beneficia (sujeito passivo e empresa) de isenção uma vez que já contribui para outro sistema obrigatório de protecção social por via do vínculo que mantém com as entidades de onde aufere rendimentos do trabalho dependente.” – (...) fls. 13 e 14 do PA;
(...)
B.VIII. Conclusões
Antes de destacar outras conclusões, refira-se que, se para situações tipificadas na lei 15 não é admissível a dedução de quaisquer encargos em sede de IRS, considerando-se o rendimento obtido dos sujeitos passivos de IRC como rendimento líquido, não nos parece que, neste caso de características próximas dessas situações de transparência fiscal em termos de imputação, se aceite qualquer dedução ao rendimento obtido.
Apenas assim estaremos a obedecer aos princípios da justiça e da igualdade que presidem ao direito tributário. Recordamos que as prestações de serviços, por não reunirem determinadas características que levem os respectivos rendimentos a serem enquadrados na categoria B, podem revestir a forma de rendimentos do trabalho dependente, enquadráveis, portanto na categoria A.
Como se identificou ao longo deste ponto do relatório, são diversas as contradições e inconsistências que existem no enquadramento dos rendimentos auferidos a título do trabalho independente.
Nesta fase estamos em condições de destacar a natureza pouco clara dos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo o que condiciona por si só o seu enquadramento linear para efeitos de tributação à luz do Código do IRS.
Na verdade, com a abordagem efectuada foi possível reunir factos que nos levam a concluir pela utilização abusiva de uma forma laboral que levou à tributação de rendimentos na categoria B prevista no Código do IRS. Este procedimento colide com os princípios de justiça e igualdade consagrados no direito tributário.
A eventual autonomia e independência resultam, por um lado, da condição de sócio-gerente e não de trabalhador independente, por outro da especificidade do trabalho prestado.
A forma de remuneração não é transparente, não correspondendo de uma forma directa e objectiva ao preço unitário ou mesmo global dos serviços prestados.
Importa ainda ter presente que a familiarização da sociedade e das relações de trabalho, não podem conferir ao sujeito passivo e à empresa a legitimidade para manter relações pouco tipificadas e isentas do cumprimento das regras do direito, apenas em função da sua chancela de solução menos onerosa do ponto de vista fiscal.
Relembra-se que os meios de produção à disposição do trabalhador são da empresa, sendo assim evidente a subordinação do sujeito passivo aos meios disponibilizados pela empresa, verificando nesta perspectiva uma dependência económica daquele relativamente a esta. Desta forma, não disponibilizado um resultado, mas sim um meio, um factor produtivo. Na verdade, o trabalho prestado pelo sujeito passivo representa mais um meio de entre aqueles de que a empresa necessita para levar a cabo a sua actividade. Um outro aspecto a realçar, cuja abordagem já efectuámos, é de que não é aceitável para efeitos de IRS a dedução de custos geradores de rendimento, uma vez que os mesmos se encontram a produzir efeitos em sede de IRC, na empresa “A., Lda.”.
Note-se que os clientes são da empresa e não do sujeito passivo, portanto, a actividade exercida pelo sujeito passivo antes da constituição da sociedade é diferente da actual onde não existe qualquer relação económica directa com os pacientes.
O sujeito passivo adoptou um enquadramento para efeitos de tributação em sede de IRS na categoria B que claramente o favorece no imposto apurado. Contudo, fê-lo com base em pressupostos que escapam aos pressupostos regulados pelo Código do IRS.
As características fundamentais da remuneração auferida pelo sujeito passivo não permitem considerá-la como rendimento do trabalho independente. Inclusivamente, quanto à forma da sua determinação, reveste as características dos rendimentos que são tributados de acordo com a categoria E — rendimentos de capitais.
Tornou-se aqui evidente a profunda deturpação que o contribuinte fez da forma de tributar os rendimentos obtidos na sociedade “A., Lda”.
A avaliação dos elementos caracterizadores da relação efectivamente existente, levam-nos ao enquadramento dos rendimentos obtidos na categoria A, considerando assim que os rendimentos são obtidos a título do trabalho dependente ou assimilado.
Por tudo aquilo que descrevemos a propósito, onde se destaca o facto de o sujeito passivo efectivamente disponibilizar o seu trabalho à empresa, entendemos que os rendimentos obtidos na empresa “A., Lda.” como compensação desse trabalho revestem a natureza de rendimentos do trabalho dependente a que se refere o artigo 2.º do Código do IRS, nomeadamente, nas alíneas a) e b) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 3.
Em consequência deste entendimento, temos que o rendimento obtido será considerado líquido para efeitos de tributação em sede de IRS — categoria A. Desta forma não será aceite qualquer tipo de abatimentos ao rendimento bruto, considerando-se assim indevida a dedução de 11.034,52 € referente a custos, por não ter enquadramento no artigo 25.º do Código do IRS.
O rendimento válido para efeitos de tributação em sede de IRS é de 67.986,15 € sob o desígnio da categoria A a que se refere o artigo 2.º do Código do IRS.” – (...)
Exercício de 2001 (...)
Remunerações acessórias- alínea b) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS(...) Nos termos do nº 2 do artigo 1º do Código do IRS ficam sujeitos a tributação os rendimentos auferidos quer em dinheiro, quer em espécie.(...)aquando da ação inspectiva aquela empresa verificou-se que a propriedade da viatura ligeira de passageiros Audi A3(...)adquirida pela “A., Lda(...)foi transferida da empresa para o sócio gerente Dr. M., tal como se referida a Nota de Lançamento(...)Note-se que não foi possível apurar com rigor a data em que se verificou a mudança da propriedade para o nome do Dr. M. uma vez que ainda não se verificou a actualização do Título de Registo de Propriedade. Simultaneamente a operação foi titulada com uma nota de lançamento Interna que se referia ao montante de venda de 1.496,39€ reportada a 31 de Dezembro de 2002.(...)Face aos elementos disponíveis conclui-se que a transferência da propriedade da viatura ocorreu em 2001-06-16, data do fim do contrato.(...)O rendimento de que o sujeito passivo beneficiou a título de remunerações acessórias auferidas em conexão com a prestação de trabalho que constituem uma vantagem económica para a sua esfera patrimonial resulta da diferença entre o valor de mercado(25.438,69€) e o valor efectivamente pago pelo sujeito passivo à empresa “A., Lda”(1.496,39), que desta forma ascende a 23.969,30.(...)De acordo com o que descreveu, temos que o sujeito passivo omitiu à declaração de rendimentos a que se referem os artigos 57º e 60º, ambos do Código do IRS o montante de 23.969,30€(4.805.414$00), o qual constitui rendimento sujeito a tributação em sede IRS nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 2º do respectivo Código.(...)
Omissão de rendimentos – artigo 8º do Código do IRS(...)
(...)Abordagem aos rendimentos da categoria B
No exercício de 2001 o sujeito passivo declarou rendimentos profissionais que ascenderam a 94.721,72 €. Pelo facto de se encontrar enquadrado no regime simplificado de tributação, o rendimento líquido da categoria é de 61.569,12 € correspondente a 65% daqueles rendimentos brutos.
No entanto, por força de tudo o que se referiu para o exercício de 2000 a propósito do enquadramento dos rendimentos considerados pelo sujeito passivo na categoria B, temos que o rendimento válido para efeitos de tributação em sede de IRS é de 94.721,72 € sob o desígnio da categoria A a que se refere o artigo 2.º do Código do IRS, considerando-se indevida a dedução ao rendimento do montante de 33.152,60 €. (...)Exercício de 2002(...) Abordagem aos rendimentos da categoria B
No exercício de 2002, o sujeito passivo declarou rendimentos profissionais que ascenderam a 98.582,15 €. Pelo facto de se encontrar enquadrado no regime simplificado de tributação, o rendimento líquido da categoria é de 64.078,40 € correspondente a 65% daqueles rendimentos brutos.
No entanto, por força de tudo o que se referiu para o exercício de 2000 a propósito do enquadramento dos rendimentos considerados pelo sujeito passivo na categoria B, temos que o rendimento válido para efeitos de tributação em sede de IRS é de 98.582,15 € sob o desígnio da categoria A a que se refere o artigo 2.º do Código do IRS, considerando-se indevida a dedução ao rendimento do montante de 34.503,75 €.(...)
IX – Direito de Audição (...)Qualificação dos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo A na sociedade “A., Lda.”
Sobre esta matéria o sujeito passivo veio destacar diversos aspectos. Alguns deles já tinham sido discutidos ao longo da acção inspectiva. Outros são referidos em resposta à nossa exposição apresentada no direito de audição.
No ponto 3. i) o contribuinte veio dizer que não houve deliberação da Assembleia Geral sobre a remuneração aos gerentes logo, qualquer uma que existisse seria nula. Ao que acrescentamos que, logo que existisse era tributada em sede de IRS numa das suas categorias.
No ponto 3. ii) veio lembrar que a relação existe desde 1991, data da constituição da sociedade, não tendo havido qualquer modificação. Este facto por nós constatado apenas nos leva a referir que desde aquela data que o procedimento do sujeito passivo conjugado com o da sociedade não tem merecido o melhor enquadramento para efeitos de tributação de IRS.
No ponto 3. iii) apresentou os médicos com total independência face à actuação dos gestores, mesmo sendo as mesmas pessoas. Distingue o que são as suas qualidades de gestão, chamando-lhe “saber de gestão” do “know-how do seu próprio métier”, considerando que este é alheio daquele. Com esta perspectiva, as nomeações dos gestores hospitalares não gerariam a repugnância que por vezes ocorre na comunidade médica nacional.
Na verdade, seria pacífica a nomeação de um gestor não médico para um hospital, logo que fossem reconhecidas essas suas capacidades. Note-se que a posição do contribuinte é exactamente a de que o gestor hospitalar deve ser oriundo da comunidade médica, uma vez que é necessário aliar conhecimentos médicos às funções de gestor. Desta forma, não admite que a gestão esteja a cargo de um “não médico”. Sendo o médico também o gestor, não é possível estabelecer uma distinção entre a actuação do sujeito passivo como médico e como gestor.
Mesmo na perspectiva do contribuinte, um médico que seja simultaneamente gestor hospitalar, não aufere remunerações de natureza distinta — dependente e independente. Até poderá haver um acréscimo remuneratório pelas funções de gestão relativamente às funções de médico, mas têm a mesma natureza — dependente.
No ponto 3. o sujeito passivo vem referir que há 12 anos estabeleceu um contrato de prestação de serviços. Sobre esta matéria remetemos para o que já se referiu, apetecendo-nos destacar que num contrato deste tipo é definida a forma de retribuição e de pagamento. No caso em apreço estas definições não existem. Desta forma, não é possível controlar se os rendimentos auferidos na sociedade correspondem ou não aos serviços prestados. Nós não podemos verificar os factos declarados. Não sabemos o montante dos serviços por si prestados. Não sabemos a parte dos serviços prestados pela sociedade imputados ao contribuinte.
Sobre a questão legal importa referir que o enquadramento dado pelo sujeito passivo aos rendimentos auferidos não tem cobertura legal de uma forma evidente, clara e inequívoca. Independentemente das razões que suportaram a opção, é um facto que foi “empurrada” para a categoria B.
Desta forma impunha-se uma análise cuidada da nossa parte para cuidar dos interesses legítimos do Estado. Quando o fizemos deparámo-nos com um enquadramento claramente contrário ao que é definido pelo Código do IRS, cuja abordagem já ficou exposta. Logo, impunham-se as correcções propostas.
No ponto 5, o sujeito passivo faz uma afirmação que não corresponde à verdade. É diferente a situação dos sócios — gerentes da dos outros médicos. Estes têm claramente uma forma pré-definida para determinar o rendimento que corresponde aos serviços prestados, está definida a forma de pagamento e emitem regularmente os recibos dos seus rendimentos. Por outro lado, não têm a componente de gestão, pelo que, esses sim têm destacado o seu carácter de independência.(...)”. Rendimentos em espécie(...)No ponto 11. O sujeito passivo insurge-se contra a tributação como rendimento acessório da afectação a uso pessoal de uma viatura. Suporta a sua posição no facto de entender que não há uma relação de trabalho, Mesmo que apenas houvesse um contrato de prestação de serviços esta não deixaria de ser uma operação tributável em sede de IAS, uma vez que lhe está associado um acréscimo de rendimento, que por si só é tributável.(...)Por outro lado, mesmo considerando que não existe remuneração formalmente reconhecida como gerente, a relação que lhe está associada é uma relação de trabalho. Ora se foi para o agregado familiar do gerente que foi transferida a viatura, não dúvidas de que o rendimento associado é tributável em sede de IRS.(...)”.
3 - No período de 2000 a 2002 o Impugnante marido atendia pacientes na clínica em Aveiro ao sábado, para além de outros dias da semana, cfr. documentos juntos aos autos a fls. 94 a 99 e depoimento das testemunhas.
4 – Muitos dos equipamentos que o Impugnante usa na clínica, são de sua propriedade, cfr. depoimento das testemunhas.
5 – Existem equipamentos que são usados pelo impugnante e que não constam do imobilizado da sociedade, cfr. documentos de fls. 100 a 117 destes autos e depoimento das testemunhas.
6 – Cada médico, tem o seu livro de recibos, cfr. depoimento das testemunhas.
7 - As empregadas assistentes de consultório fazem a gestão das agendas de doentes e emitem recibos, recebem pagamentos de clientes, sendo a contabilidade que trata do apuramento dos valores a pagar aos médicos, cfr. depoimento das testemunhas.
8 - Cada médico da clínica passa recibo à sociedade “A., Lda”, relativamente aos valores que recebe dela; cfr. depoimento das testemunhas.
9 – O Impugnante recebe cerca de 45% a 50% da faturação dos serviços que presta à sociedade, cfr. depoimento das testemunhas.
10 - O Impugnante marido encontra-se inscrito fiscalmente para o exercício da atividade como “médico estomatologista”, código 7016 da Tabela do CIRS, cfr. fls. 2 a 5 do relatório da inspeção,
11 - Dessa atividade resultam rendimentos pagos exclusivamente pela sociedade “A., Lda” e que os Impugnantes declararam às finanças no anexo B da respetiva declaração de rendimentos – fls. 2 a 5 do Relatório da inspeção.
12 – O impugnante em 11.11.2004 pagou IRS no valor de €6.066,86, €26.200,35 e €14.473,08, cfr. notas de liquidação constantes destes autos de fls. 36 a 44 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem com interesse para a presente decisão.
Motivação:
A convicção do Tribunal formou-se com base no teor dos documentos acima identificados e no depoimento das testemunhas que revelaram ter um conhecimento direto dos factos atenta a proximidade que possuíam com o impugnante.»
*
4. Apreciação jurídica do Recurso.

Como emerge das conclusões de recurso a nulidade da sentença é primeiro vício assacado à decisão recorrida, sendo que tal vício goza de primazia, pois, a sua existência interfere com restante recurso.
Nulidade por falta de fundamentação na vertente de falta de exame crítico das provas, desacompanhada de qualquer motivação quanto a factos provados que se basearam na prova testemunhal.

Para tanto enfatiza que o Tribunal a quo, em relação cada facto que considerou como provado com base na prova testemunhal limitou-se apenas (e em todos os casos) a apor a indicação “depoimento das testemunhas”, o que torna impossível saber que testemunhas contribuíram com o seu depoimento para que tais factos fossem dados como provados, coartando qualquer possibilidade de a aqui recorrente e o douto Tribunal ad quem aferirem do acerto ou desacerto da decisão recorrida.
Para além de que a mera indicação de que um facto foi dado por assente com base em “testemunhas” nada nos diz sobre o percurso da convicção formada.

Vejamos
Do processo resulta que foram inquiridas cinco testemunhas apresentadas pelos recorridos, tal como se apresenta a decisão recorrida há factos provados assentaram exclusivamente, nesta prova, como se extrai da mesma: formou-se com base no teor dos documentos acima identificados e no depoimento das testemunhas que revelaram ter um conhecimento direto dos factos atenta a proximidade que possuíam com o impugnante.
Os factos provados assentes na prova testemunhal são os seguintes:
3 - No período de 2000 a 2002 o Impugnante marido atendia pacientes na clínica em Aveiro ao sábado, para além de outros dias da semana, cfr. documentos juntos aos autos a fls. 94 a 99 e depoimento das testemunhas.
4 – Muitos dos equipamentos que o Impugnante usa na clínica, são de sua propriedade, cfr. depoimento das testemunhas.
5 – Existem equipamentos que são usados pelo impugnante e que não constam do imobilizado da sociedade, cfr. documentos de fls. 100 a 117 destes autos e depoimento das testemunhas.
6 – Cada médico, tem o seu livro de recibos, cfr. depoimento das testemunhas.
7 - As empregadas assistentes de consultório fazem a gestão das agendas de doentes e emitem recibos, recebem pagamentos de clientes, sendo a contabilidade que trata do apuramento dos valores a pagar aos médicos, cfr. depoimento das testemunhas.
8 - Cada médico da clínica passa recibo à sociedade “A., Lda”, relativamente aos valores que recebe dela; cfr. depoimento das testemunhas.
9 – O Impugnante recebe cerca de 45% a 50% da faturação dos serviços que presta à sociedade, cfr. depoimento das testemunhas.

O art. 123º, n. º2, do CPPT, estatui que o Juiz discriminará também a matéria de facto provada da não provada, fundamentando as suas decisões.

Trata-se de uma disposição privativa do contencioso tributário na medida em que, nesta jurisdição, é na própria sentença que o juiz faz o julgamento da matéria de facto, elencando e separando os factos provados dos não provados.
O juiz ao fazer, no momento da prolação da sentença, esse julgamento terá que em face do conjunto das provas produzidas, descriminar os factos que considera provados indicando os meios de prova criticamente analisados que lhe permitem consubstanciar, por um lado, os factos provados e, por outro, os factos não provados.

A fundamentação do acervo factual deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que decidiu no sentido decidido e não noutro. CPPT anotado Vol. I do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 123.º, pág. 877, edição de 2006.


Ora, ressalta da sentença que a M.ª Juíza apenas indicou os meios de prova que mobilizou para o julgamento de facto, mas não exteriorizou como chegou a tal resultado, ou seja, não materializou o processo intelectual que empreendeu na análise critica da prova testemunhal produzida de modo a que se possa entender a razão desse julgamento e, do mesmo passo, permitir ao destinatário acompanhar o raciocínio de modo a avaliar o acerto do julgamento.

Como vem expressando o Conselheiro Abrantes Geraldes“Sentença Cível” e Recursos no Novo CPC, 2013, páginas 238 e 239 e 242 a 244.
(…) Um dos segmentos principais da sentença deve reportar o resultado da convicção formada pelo juiz relativamente à matéria abarcada pelos “temas de prova”, em resultado da apreciação dos meios de prova que foram produzidos na audiência final ou da análise do processado. (…) Fora das situações da prova vinculada ou prova plena vigora o princípio da livre apreciação, nos termos do qual o juiz aprecia os meios de prova segundo a sua prudente convicção, aplicando no exercício desse “múnus” as “legis artis” adequadas (art. 607.º, n.º 5 do CPC) Tal revela ser especialmente relevante no que concerne à prova testemunhal (com as exceções previstas nos arts. 393.º a 395.º do C.C.), à prova por declarações de parte (art. 466.º, n.º 3, do NCPC) e à prova por presunções que sofre as limitações previstas para a prova testemunhal (art. 351.º do C.C.).
(…) Não é necessária, nem aconselhável que essa motivação se traduza na reprodução ou no resumo dos depoimentos prestados pelas testemunhas. A apreciação critica destes ou de quaisquer outros meios de prova basta-se com a exposição dos aspetos que para o juiz se revelarem decisivos para a enunciação dos factos provados e não provados, devendo reforçar a motivação quando tenha sido confrontado com meios de prova não coincidentes.
Este dever não se basta obviamente com a alusão genérica e indiscriminada a determinados meios de prova (v.g. “a prova testemunhal” ou “a prova pericial”). (…) A apreciação critica dos meios de prova deve permitir às partes e, depois, ao Tribunal da Relação, perceber as razões essenciais que levaram o juiz a pronunciar-se de determinado modo relativamente aos factos essenciais, com a indicação, por exemplo, das razões de ciência que revelou, por forma a ficar garantida tanto a impugnação da decisão, como a sua reapreciação pela Relação.

Recupera-se aqui acórdão deste tribunal, que exemplifica o que tem sido, nesta matéria, a jurisprudência dominante e uniforme deste TCA, acórdãos proferidos nos processos 735/09.2BEPNF (e 732/09.8BEPNF), ainda inéditos.
«O julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais. De acordo com o disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigos 123.º, n.º 2, do CPPT.
Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, pags 90 e ss.
O exame crítico da prova deve consistir, pois, na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. O julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos (v.g. “prova testemunhal” ou “prova por documentos”), impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida. O tribunal deve justificar os motivos da sua decisão quanto à matéria de facto, declarando por que razão deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc. Quer dizer: não basta apresentar, como fundamentação, os simples meios de prova, v.g., “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”, sendo necessária a indicação das razões ou motivos porque relevaram no espírito do julgador - cf. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 2ª, edição, a págs. 253 a 256.
Em suma, a fundamentação de facto não se deve limitar à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cogniscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto - assim, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Vol. II, pág. 321.
Também neste preciso sentido, entre outros, o Acórdão do TCAN, desta Sessão de 27 de Fevereiro de 2014, no processo 409/06.6BEPNF.
No caso dos autos, é manifesto que, desde logo, tal dever de fundamentação não foi observado pelo tribunal recorrido, designadamente no que concerne à análise crítica das provas.
Como resulta do exposto em sede de julgamento de facto, a M. Juíz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel apenas se limitou a remeter indistinta e genericamente para a prova documental e testemunhal todos factos provados (58), sendo referido na sentença recorrida: “A - Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa, base nos elementos de prova documental juntos aos autos e da prova que resultou da audição das testemunhas em sede de audiência contraditória de inquirição das testemunhas”.
Não foram, assim, especificados quais os factos que foram dados como provados com base na prova documental e quais os documentos, bem como e quais aqueles que resultaram da audiência contraditória das testemunhas arroladas especificando quais a(s) testemunha(s), sendo certo que foram ouvidas quatro testemunhas (três indicadas pela Impugnante e uma pela Fazenda Pública).
Ficamos sem saber, sequer que concretos depoimentos (e de que testemunhas) é que foram atendidos pelo tribunal para formar a sua convicção e as eventuais razões porque foram atendidos uns e não outros.
De acordo com o expendido no acórdão do TCAN, desta Sessão, de 17/6/2010 “(…) como facilmente se compreenderá, num processo em que foram ouvidas (…) testemunhas, não basta para se considerar preenchida, por qualquer forma, a exigência legal da explicitação mínima do exame crítico das provas uma mera remissão genérica para a “prova testemunhal” pois que dessa forma resulta de todo inviabilizada a percepção dos motivos da decisão ou, dito de outra forma, das razões que levaram o tribunal a decidir como decidiu.
Não podemos deixar de reter, como é doutrina e jurisprudência maioritária, que tal nulidade só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão. Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afecta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada - cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, pág. 687.
Todavia, como alerta o Cons. Jorge Lopes de Sousa In Código de Procedimento e de Processo Tributário 6ª edição 2011, Anotado e Comentado, Vol II, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão. Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Ainda como se afirmou no acórdão do TCAN, desta Sessão, de 27.02.2014, acima referenciado” (…) a inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a mera referência genérica aos meios de prova que a terão suportado e a falta da análise crítica dos mesmos, faz com que o tribunal de recurso também fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pela recorrente. Tal decisão de facto é, assim, ininteligível, o que é equivalente à falta absoluta de fundamentação.”
Padecendo a sentença recorrida da invocada nulidade, a decisão tem de ser eliminada da ordem jurídica, com a consequente remessa dos autos ao tribunal de primeira instância para prolação de nova decisão sem o vício apontado.
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5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso e declarar a nulidade da sentença recorrida, e, consequentemente ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supra o apontado vício.
*
Sem custas
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Notifique-se.
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Porto, 27 de maio de 2021

Cristina da Nova
Ana Paula Santos
Margarida Reis
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i) CPPT anotado Vol. I do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 123.º, pág. 877, edição de 2006.

ii) “Sentença Cível” e Recursos no Novo CPC, 2013, páginas 238 e 239 e 242 a 244.

iii) In Código de Procedimento e de Processo Tributário 6ª edição 2011, Anotado e Comentado, Vol II