Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00491/22.9BEAVR-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/20/2025
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:ORDEM DOS FARMACÊUTICOS; PROCESSO DISCIPLINAR;
DECISÃO PUNITIVA; RESPONSBILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL;
INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO;
Sumário:
1 - Enquanto lesada pela Ordem dos Farmacêuticos, como assim se apresenta nestes autos, impendia sobre a Autora ora Recorrida o ónus de agir judicialmente contra essa instituição, logo a partir do momento em que percepciona a ocorrência dos pressupostos da responsabilidade civil, o que se dá com a notificação da acusação, por via da qual lhe são imputados factos que a mesma [Autora] entende não lhe poderem ser assacados, pelas várias razões e fundamentos por si invocados.

2 - Enquanto pressuposto da constituição de responsabilidade civil, é no âmbito da respectiva acção que a lesada intenta, que a ilicitude é apreciada, não sendo para o caso relevante que o Tribunal tenha julgado, num outro processo, pela anulação da decisão administrativa aí objecto de impugnação, com fundamento, em termos gerais, numa actuação em desconformidade com a lei.

3 - Como assim resulta do disposto nos artigos 300.º a 327.º do Código Civil, o prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido, a qual [prescrição] se interrompe com a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, sendo que, se citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida e por causa não imputável ao requerente, a prescrição tem-se por interrompida logo que decorram os cinco dias.

4 - Perscrutado o articulado atinente à Petição inicial que motivou os autos de impugnação contenciosa da decisão disciplinar que lhe foi aplicada pela Ré, dela não se extrai outro fundamento do pedido, ou de outra forma, não é invocado pela Autora, designadamente que para além dessa sua pretensão impugnatória, que se reservava o direito de vir a demandar a Ordem dos Farmacêuticos em sede de responsabilidade civil extracontratual, e desse modo, que a citação para os termos desses autos que nela foi efectuada na pessoa da Ré Ordem dos Farmacêuticos, pudesse ter o pendor de vir a constituir fundamento para interromper o prazo de prescrição do direito a reclamar indemnização, que se tinha iniciado em 19 de maio de 2016.

5 - Se a ilicitude da actuação que a Autora identificou como sendo geradora de responsabilidade civil extracontratual se firmou no dia em que a Ré decidiu pela instauração de processo disciplinar, foi nesse dia que se iniciou o cômputo de um prazo, que então teve o seu início, que era de três anos, para que a Autora, munida do conhecimento comum que passou a ser detentora, de que a actuação protagonizada era ilegal/inválida, pudesse ir em busca de tutela jurisdicional nesse sentido, prazo esse que se completou decorridos 3 anos, o que é de dizer, que quando a Autora remeteu ao Tribunal a Petição inicial que motiva os presentes autos, em 04 de julho de 2022, há muitos anos que estava já transcorrido o prazo que a lei disciplina para esse efeito, sendo a citação da Ré operada no processo judicial impugnatório imprestável para efeitos de interromper o prazo em curso.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO



ORDEM DOS FARMACÊUTICOS [devidamente identificada nos autos], Ré na acção que contra si foi intentada por «AA» [também devidamente identificada nos autos], no âmbito da qual formulou pedido no sentido da condenação da Ré a pagar-lhe (i) a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados a partir da prolação do acórdão até efetivo e integral pagamento; e (ii) ao pagamento da quantia de € € 3.745,00 (três mil setecentos e quarenta e cinco euros), a título de danos patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados a partir da prolação do acórdão até efetivo e integral pagamento, inconformada com o despacho saneador proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 27 de fevereiro de 2024, pelo qual, entre o mais, foi julgada não verificada a excepção peremptória atinente à prescrição do direito à indemnização reclamada por parte da Autora como assim havia sido por si [ora Recorrente] invocado na Contestação, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
A. A questão que motiva o presente recurso é um exemplo claro de erro na interpretação e aplicação do direito em matéria de prescrição de responsabilidade civil extracontratual do Estado.
B. A Recorrida intentou ação de responsabilidade civil extracontratual em que peticiona a condenação da ora Recorrente no pagamento de uma indemnização, invocando o ressarcimento por supostos danos patrimoniais e não patrimoniais no valor total de € 13.745,00 (treze mil setecentos e quarenta e cinco euros), sendo esta pretensão fundada num suposto - mas inexistente - direito a ser ressarcida em virtude do procedimento disciplinar de que foi objeto, que correu termos nos órgãos disciplinares da Recorrente e acabou por ser anulado por sentença proferida pelo TAF de Aveiro no âmbito do processo n.° 652/17.2BEAVR
C. No referido procedimento disciplinar, a Recorrida veio a ser notificada da acusação em 19/05/2016 (facto não controvertido), sendo este o dies a quo do prazo prescricional previsto no artigo 498.°, n.° 1, do Código Civil, aplicável ex vi artigo 5.° da Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro (posição defendida pela Recorrente em sede de contestação e acolhida pelo Tribunal a quo no despacho recorrido).
D. O Tribunal a quo, tendo acolhido corretamente a fixação do dies a quo do prazo prescricional em causa (19/05/2016), decidiu que a ação de impugnação intentada pela Recorrida em 03/07/2017, citada à Recorrente em 04/09/2017 - que tinha como único pedido “ser revogada a decisão disciplinar de aplicação à A. da pena de suspensão do exercício da atividade farmacêutica pelo período de seis meses” - produziu o efeito interruptivo previsto no artigo 323.°, n.° 1, do Código Civil, mobilizando ainda o disposto no artigo 327.°, n.° 1 do Código Civil, no sentido de que o prazo prescricional não só foi interrompido, como só voltou a correr após o trânsito em julgado da decisão proferida no processo impugnatório que correu termos sob o n.° 652/17.2BEAVR.
E. É aqui que radica o erro na interpretação e aplicação do direito em que o Tribunal a quo incorreu, visto que aqueles autos impugnatórios não tiveram como efeito a interrupção do prazo prescricional iniciado em 19/05/2016, sendo que o presente recurso incide, pois, sobre o trecho do despacho recorrido que julga improcedente a exceção perentória de prescrição, na medida em que segmento decisório enferma de erro na interpretação e aplicação do direito.
F. Não deixa de se dizer previamente que, da leitura conjugada do disposto no artigos 142.°, n.° 5, do CPTA e dos artigo 644.°, n.° 1, b) e 595, n.° 1, alínea b) e n.° 3, 2.a parte, ambos do CPC, a presente apelação autónoma é processualmente admissível e é apresentada no tempo e modo próprio.
G. Sucede que as normas legais invocadas pelo Tribunal a quo para sustentar a improcedência da exceção perentória de prescrição não admitem a interpretação constante do despacho recorrido.
H. Ao prazo de prescrição previsto no artigo 498.°, n.° 1, do Código Civil, são aplicáveis as disposições constantes do artigo 323.°, n.° 1, do Código Civil e 327.°, n.° 1, do Código Civil. Todavia, para ocorrer um efeito interruptivo do prazo de prescrição, a Recorrida teria de ter levado a cabo qualquer "ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito”.
I. Mas tal nunca ocorreu (até 04/07/2022), visto que: (i) a ação intentada pela Recorrida que correu termos no processo n.° 652/17.2BEAVR não contém qualquer alegação de danos ou expressão de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o suposto direito ao ressarcimento; (ii) a referida ação nunca teve como objeto (primitivo ou ampliado) o ressarcimento de danos; (iii) a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro não se pronunciou (nem poderia fazê-lo) sobre supostos danos e seu ressarcimento, decorrentes do procedimento disciplinar movido pela Recorrente contra a Recorrida; (iv) a Recorrida nunca exprimiu perante a Recorrente, até aos presentes autos, seja de que forma for, a existência de danos e a sua pretensão de obter ressarcimento.
J. Ou seja, desde 19/05/2016 e até 04/07/2022 (data em que Recorrente intentou a presente ação), a Recorrente nunca realizou qualquer diligência que pudesse ter como efeito a interrupção do prazo prescricional de 3 anos.
Como resulta da vasta jurisprudência que apoia a alegação recursiva da Recorrente, a citação judicial da Recorrente no âmbito do processo n.° 652/17.2BEAVR só produziria um efeito interruptivo sobre o prazo prescricional previsto no artigo 498.°, n.° 1, do Código Civil, caso o objeto da ação fosse o mesmo ou, dito de outro modo, caso a Recorrida tivesse invocando o seu suposto direito ao ressarcimento e alegado danos no processo n.° 652/17.2BEAVR. Mas não o fez, inexistindo qualquer identidade de pedidos ou causas de pedir.
L. Com efeito, o facto de ter corrido uma ação em que a Recorrida peticionou a "revogação da decisão disciplinar" que lhe foi aplicada e que culminou com a anulação do ato que determinou a sanção, não se confunde minimamente com a alegação de danos e o exercício da pretensão de ressarcimento destes danos.
M. Deste modo a ação que correu termos no processo n.° 652/17.2BEAVR, não visando o exercício do suposto direito ao ressarcimento de danos, por indemnização, não tem qualquer relevância para o cômputo do termo do prazo prescricional iniciado em 19/05/2016.
N. E note-se que a Recorrida, tendo tido inúmeras oportunidades de exercer o seu suposto direito, desde 2016, apenas o veio fazer em 04/07/2022, quando tal pretensão já se encontrava sobejamente prescrita e já o seu suposto direito tinha precludido há mais de seis anos.
O. Aqui chegados, não se pode olvidar que o instituto da prescrição visa precisamente punir a inércia do titular do direito que não o exerce, bem como tutelar os valores da certeza e segurança das relações jurídicas, mediante a exigência da sua consolidação em prazos razoáveis.
P. A Recorrida, ao ter desencadeado os presentes autos 04/07/2022, veio reclamar um suposto direito que já se encontra há muito prescrito, visto que nem a ação que correu sob o processo n.° 652/17.2BEAVR, nem outra qualquer diligência (que não foi levada a cabo pela Recorrida), teve como efeito a interrupção do prazo de prescrição previsto no artigo 498.°, n.° 1, do Código Civil.
Q. O Tribunal a quo, ao ter entendido que a ação que correu sob o processo n.° 652/17.2BEAVR produziu a interrupção do prazo de prescrição previsto no artigo 498.°, n.° 1, do Código Civil, interpretou e aplicou mal o disposto no artigo 323.°, n.° 1, do Código Civil, visto que essa ação não tinha como objeto o direito agora alegado pela Recorrida e, como tal, não constitui qualquer "ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito”, tanto mais como, como resulta da larguíssima jurisprudência sobre esta matéria, é necessário que exista esta coincidência.
R. Face ao tudo o que antecede, fica absolutamente claro que o despacho recorrido padece de erro na interpretação e aplicação do direito quanto à verificação da invocada prescrição, em virtude da sua não conformidade com o direito substantivo aplicável, devendo o trecho decisório do despacho saneador que julgou a exceção perentória de prescrição do direito ser revogado e substituído por acórdão deste TRIBUNAL CENTRAL que julgue a exceção procedente, com a consequente absolvição da Ré, ora Recorrente, do pedido indemnizatório.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado, devendo ser revogado parcialmente o Despacho Saneador Recorrido, e devendo ser julgada procedente a exceção perentória de prescrição do direito, com a consequente absolvição da Ré, ora Recorrente, do pedido indemnizatório formulado pela Recorrida.
[...]“

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A Recorrida não apresentou Contra Alegações.

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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.


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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que passam por saber se o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido em torno da interpretação e aplicação do direito por si convocado visando o pedido de condenação da Ré ora Recorrente no pagamento dos reclamados montantes indemnizatórios.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

Para efeitos da prolação da decisão recorrida, apreciou e decidiu o Tribunal a quo, nos termos que, por facilidade, para aqui se extraem como segue:

“[…]
Da prescrição
A. Matéria de facto provada
A.1. Factos provados
1. Em 19/05/2016 a Autora foi notificada da acusação em sede de procedimento disciplinar - cf. facto não controvertido.
2. Em 03/07/2017 a Autora intentou a ação administrativa correspondente ao processo n.° 652/17.2BEAVR neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro tendo a Entidade Demandada sido citada em setembro de 2017 via CTT - correio registado - cf. consulta SITAF.
3. Em 07/03/2021 foi proferida sentença no âmbito do processo n.° 652/17.2BEAVR neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro - cf. consulta SITAF.
3. A sentença proferida no âmbito do processo 652/17.2BEAVR não foi objeto de recurso - cf. consulta ao SITAF.
5. Em 04/07/2022 a Autora intentou a ação administrativa correspondente ao processo 491/22.9BEAVR neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro - cf. fls. 1 do SITAF.
*
A.2. Factos não provados
Inexistem para a decisão da causa.
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Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal, quanto à decisão da matéria de facto, baseou-se na análise crítica da prova produzida nos presentes autos, designadamente nos documentos juntos pelas Partes e nos documentos constantes dos processos administrativos em apenso, que não foram impugnados, para eles se remetendo a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
[…]”

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que depois de finda a fase dos articulados e em sede do despacho saneador proferido, julgou pela não verificação [ao contrário do que assim havia sido sustentado pela Ré ora Recorrente na Contestação por si deduzida] da excepção peremptória de prescrição do direito à indemnização reclamada por parte da Autora, como assim formulado na Petição inicial apresentada.

Com o assim julgado não se conforma a Recorrente, que no âmbito das conclusões das suas Alegações de recurso sustentou, em suma, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em torno da interpretação e aplicação do direito em matéria de prescrição da responsabilidade civil extracontratual, a que se reporta a Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro, e o Código Civil.

Para tanto e em suma, sustenta que tendo a ora Recorrida sido notificada da acusação no dia 19 de maio de 2016, que é este e não outro, o termo inicial do prazo prescricional previsto no artigo 498.°, n.° 1, do Código Civil, aplicável ex vi artigo 5.° da Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro, por não ter ocorrido, de permeio, e até à data da apresentação da Petição inicial que motiva os presentes autos, em 04 de julho de 2022, qualquer acto passível de interromper o prazo prescricional de 3 anos que então se havia iniciado, porque a ora Recorrida não levou a cabo qualquer acto que exprimisse, directa ou indirectamente, a intenção de exercer esse direito, e desta forma, que à data em que veio exercer esse seu invocado direito, em 04 de julho de 2022, a sua pretensão já se encontrava prescrita há mais de 6 anos.

Referiu ainda que o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo adveio de ter considerado que a ação de impugnação intentada pela Recorrida em 03 de julho de 2017, produziu o efeito interruptivo previsto no artigo 323.°, n.° 1, do Código Civil, e por ainda ter o Tribunal a quo mobilizado o disposto no artigo 327.°, n.° 1 do Código Civil, no sentido de que o prazo prescricional não só foi então interrompido [com a citação da Ré ora Recorrente, em setembro de 2017], como só voltou a correr após o trânsito em julgado da decisão proferida nesse processo impugnatório, que correu termos sob o n.° 652/17.2BEAVR, e nesse sentido, enfatizou a Recorrente que desde 19 de maio de 2016 e até 04 de julho de 2022, a mesma nunca realizou qualquer diligência que pudesse ter como efeito a interrupção do prazo prescricional de 3 anos, e que o facto de ter corrido uma ação em que a Recorrida peticionou a "revogação da decisão disciplinar" que lhe foi aplicada e que culminou com a anulação do acto que determinou a sanção, não se confunde minimamente com a alegação de danos e o exercício da pretensão de ressarcimento desses danos.

A final referiu que o trecho decisório do despacho saneador que julgou não verificada a excepção peremptória de prescrição do direito, deve ser revogado e substituído por acórdão deste Tribunal de recurso que julgue a excepção procedente, com a consequente absolvição da Ré, ora Recorrente, do pedido indemnizatório contra si formulado.


Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a decisão judicial pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a decisão do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Cumpre pois, apreciar e decidir.

A Recorrente não imputa à Sentença recorrida qualquer erro de julgamento em torno da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo no probatório da Sentença recorrida, antes porém em torno do julgamento prosseguido em torno dos termos e pressupostos, de facto e de direito em que se julgou por não prescrito o direito à indemnização reclamada pela Autora ora Recorrida.

Como assim deflui da decisão recorrida, foi na sequência da fase dos articulados, que o Tribunal a quo proferiu o despacho saneador, tendo nesse conspecto, conhecido da matéria integrativa de excepção que foi suscitada pela Ré ora Recorrente na Contestação por si deduzida, atinente à prescrição do direito à indemnização, que o Tribunal a quo julgou pela sua não verificação, tendo logo após prosseguido pelos demais termos devidos nos autos, fixando para o efeito o objecto do litígio e os temas da prova.

Na decisão recorrida, o Tribunal a quo apreciou e decidiu neste conspecto, conforme para aqui se extrai parte da essencialidade da sua fundamentação, como segue:


Início da transcrição
“[…]
A Entidade Demandada apresentou defesa por exceção, tendo invocado a prescrição do direito da Autora a obter a indemnização peticionada. Para tal, invoca para tanto e em síntese que a determinação do termo inicial do prazo de prescrição do direito de indemnização é feita tendo em conta a data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, sendo que este termo inicial não depende do conhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos. Isto posto, aduz que em 19/05/2016 a Autora admite ter sido notificada da acusação, pelo que, nesta data, a mesma ficou ciente do alegado direito que vem aos presentes autos invocar, pois que a causa de pedir invocada radica na conduta da Entidade Demandada, consubstanciada na instauração de processo disciplinar contra a Autora e na acusação disciplinar formulada - contra a qual se insurgiu através da apresentação de defesa.
Conclui argumentando que sendo os danos alegados pela Autora decorrentes do processo disciplinar no qual foi proferida acusação, notificada em 19/05/2016, o direito à indemnização encontrava-se há muito prescrito em 04/07/2022, data em que a Autora deu entrada da ação.
Mais aduz que, ainda que se considerasse para efeitos de contagem do prazo prescricional a data de notificação do acórdão do Conselho Jurisdicional Nacional da Ordem, 20/04/2017, ou o cumprimento da sanção disciplinar aplicada, também se chegaria à mesma conclusão: o suposto direito à indemnização da Autora há muito que se encontra prescrito, dado que a Autora deu entrada da ação em 04/07/2022. Pelo que, peticiona a verificação da exceção perentória extintiva de prescrição do direito à indemnização, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 89.°, n.° 3, do CPTA.
A Autora apresentou réplica, pugnando pela não verificação da exceção perentória extintiva de prescrição do direito à indemnização, aduzindo que só conhece verdadeiramente a extensão dos seus danos, quando é declarada a ilegalidade da pena disciplinar que lhe foi aplicada, o que ocorreu em 07/03/2021.
Argumenta que apenas quando é proferida a decisão final que decide pela ilegalidade do ato e os fundamentos em que o faz, é que se encontram reunidas as circunstâncias delimitadoras do direito indemnizatório e apenas nesse momento é possível dizer, com objetividade, que o lesado percecionou a ocorrência dos pressupostos do direito que conduzem ou podem conduzir à procedência de uma ação de indemnização, designadamente, os derivados da ilicitude da atuação do órgão disciplinar e da culpa.
Termina, concluindo que apenas em 07/03/2021 se estabelece o dies a quo, ou seja, o início do prazo de prescrição, pelo que, não se tem por verificada a exceção perentória assacada pela Entidade Demandada.
[…]
O regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas - aplicável ao caso dos presentes autos - encontra-se regulado pela Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro.
[…]
Isto dito, cumpre a este Tribunal pronunciar-se sobre o dies a quo para a contagem do prazo de 3 anos, positivado no artigo 498.° do Código Civil, aplicável como vimos ao caso concreto pelo artigo 5.° da Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro.
[…]
Consequentemente, no domínio da responsabilidade extracontratual decorrente do exercício da função administrativa, o prazo de prescrição a que se refere o n.° 1 do artigo 498 ° do Código Civil conta-se a partir do conhecimento, pelo titular do respetivo direito, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento, isto é, que saiba que o ato foi praticado ou omitido por alguém - saiba ou não do seu carácter ilícito - e que dessa prática ou omissão resultaram para si danos.
No entanto, não se poderá olvidar a interrupção do prazo de prescrição, previsto no artigo 326.°, n.° 1 do CC que resultará na inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente, reiniciando-se o prazo prescricional após o evento interruptivo.
Assim, a lei tipifica as situações que são suscetíveis de interromper o prazo da prescrição nos artigos 323.° a 325.° do Código Civil. Para efeitos da presente análise interessa examinar o n.° 1 do artigo 323.°, o qual estabelece que “[a] prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.” (sublinhado e negrito nossos).
O artigo 323.°, n.° 1 do CC, não pode, contudo, ser lido isoladamente.
Nos termos do artigo 327°, n.° 1 do CC, resultando a interrupção de citação, notificação ou ato equiparado, o novo prazo prescricional só começará a correr após o trânsito em julgado que puser termo ao processo.
Realizado este breve introito sobre o instituto da prescrição e seu funcionamento, importará debruçarmo-nos sobre a factualidade in concretum dos presentes autos.
Ora, à guisa da argumentação supra gizada, considera este Tribunal que o nascimento do direito de indemnização da Autora ocorreu no momento em que esta foi notificada da acusação em 19/05/2016 (cf. ponto 1 dos factos provados), pelo que, nesta data, a mesma ficou ciente do alegado direito que vem aos presentes autos, sendo irrelevante que não tivesse o exato conhecimento da extensão dos (eventuais) danos causados pela instauração do aludido procedimento disciplinar, em consonância com o artigo 498.°, n.° 1 do CC.
No entanto, não pode deixar de se chamar à colação o artigo 323.°, n.° 1 do CC, respeitante à interrupção da prescrição, mormente por referência à citação da Entidade Demandada que ocorrera em setembro de 2017 (cf. ponto 2 dos factos provados) e, consequentemente, inutilizando todo o prazo até aí decorrido.
Isto posto, em consonância com o artigo 327.°, n.° 1 do CC, o novo prazo prescricional só iniciou a sua contagem após o trânsito em julgado que puser termo ao processo, tendo a sentença sido proferida a 07/03/2021 (cf. ponto 3 dos factos provados) e não tendo sido objeto de recurso (cf. ponto 4 dos factos provados).
Aqui chegados, apenas restará concluir em consonância com o artigo 327.°, n.° 1 do CC, que o prazo prescricional do direito à indemnização da Autora, iniciou a sua contagem em abril de 2021.
Assim o sendo, em consonância com o disposto nos artigos 5.° da Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro e o artigo 498.°, n.° 1 do CC, sendo tal prazo prescricional de 3 anos, e tendo a presente ação sido intentada a 04/07/2022 (cf. ponto 5 dos factos provados), resulta cristalino que não se tem por verificada a exceção perentória de prescrição do direito à indemnização por parte da Autora assacada pela Entidade Demandada.


Por remissão para a argumentação supra esgrimida, improcede, portanto, a alegação da Entidade Demandada.
[…]”
Fim da transcrição

Como assim está patenteado na Sentença recorrida, o Tribunal a quo apreciou e decidiu, e com acerto, que o termo início do prazo de prescrição convocável na situação em apreço nos autos, se deu no dia 19 de maio de 2016, data em que a Autora ora Recorrida foi notificada da acusação que contra si foi deduzida pela Ordem dos Farmacêuticos no âmbito do procedimento disciplinar por si instaurado contra aquela, e que ficou então [e chamando à colação a “teoria do homem médio”, concretamente colocado nas condições de tempo e lugar em que se encontrava a Autora ora Recorrida] a saber e a conhecer, designadamente, da ilicitude da actuação que imputa/imputou à Ré ora Recorrente, e que no seu entender é fundamento da sua responsabilidade civil extracontratual, e a final, determinante da efectivação do direito a ser indemnizada pelos danos causados, por entender que também se verificam os demais requisitos.

Ou seja, que se iniciou naquela data, o prazo de 3 [três] anos a que se reporta o artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil, ex vi artigo 5.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

E depois de alcançado esse julgamento, mais apreciou e decidiu o Tribunal a quo que aquele prazo se interrompeu, em setembro de 2017, quando a Ré ora Recorrente foi citada no âmbito do processo impugnatório, autuado sob o Processo n.º 652/17.2BEAVR, tendente à anulação da decisão do Conselho Jurisdicional Nacional da Ordem dos Farmacêuticos, datada de 18 de abril de 2017, pela qual foi decidido aplicar-lhe a pena de suspensão do exercício da actividade pelo período de 6 meses, e desta feita, tendo subjacente o disposto no artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil, que por força da instauração dessa acção, que foi inutilizado, ope legis, todo o prazo até aí decorrido, prazo esse [de 3 anos] que como assim julgou o Tribunal a quo só começou a correr de novo, após o trânsito em julgado da Sentença proferida nesse processo, o que como assim decidido, veio a ocorrer em abril de 2021 [Cfr. ponto 3 do probatório].

Aqui chegados, e em conformidade com o teor das conclusões das Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, a questão nuclear que está subjacente à pretensão recursiva, e que cumpre a este Tribunal de recurso apreciar, reside a final, em saber se a interposição por parte da Autora, da Petição inicial que motivou aquele Processo n.º 652/17.2BEAVR, reveste aptidão bastante para efeitos da consideração da ocorrência de facto determinante da interrupção do prazo de prescrição que estava em curso, iniciado no dia 19 de maio de 2016.

Deflui da Sentença recorrida, que o Tribunal a quo decidiu que a citação da Ré ora Recorrente naquele Processo constituiu fundamento para o julgamento por si prosseguido, de não verificação da prescrição do direito da Autora, com o que não se conforma a Recorrente.

E como assim julgamos, assiste total razão à Recorrente.

Vejamos então, por que termos e pressupostos.

Conforme emerge do que está patenteado nos autos, estamos perante um pedido de efectivação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, a qual é regulada pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, na base da qual está o prazo regra de prescrição de três anos, a que se reporta o artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil, por remissão do artigo 5.º daquele diploma legal.

Estando em apreço nestes autos o tempo do conhecimento dos pressupostos que fundamentam a responsabilidade civil extracontratual em torno da possibilidade de ser alcançado um ressarcimento por danos sofridos decorrentes de uma actuação de uma entidade de direito público, reputada de ilegal/ilícita – cfr. Acórdão do STA de 04 de novembro de 2009, proferido no Processo n.º 01076/07 -, e não havendo a interposição de qualquer facto ou evento a que possa ser atribuído efeito interruptivo do prazo prescricional em curso, de 3 anos, logo que este prazo esteja cumprido, está precludido o direito de o lesado poder exigir judicialmente a reparação dos danos sofridos em consequência da actuação administrativa prosseguida.

Como refere Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra Editora, 2008, página 96, o termo inicial do prazo prescricional é coincidente com o momento em que o lesado toma consciência da “ocorrência de um dano indemnizável (ainda que não completamente determinável) que proveio da prática de um facto ilícito e culposo“, ou seja, no tempo em que tomar conhecimento do facto portador de ilicitude e que reveste toda a aptidão para ser produtor de danos juridicamente relevantes e por que por isso mereçam a tutela do direito em termos de o lesado poder ser ressarcido, conquanto que, tempestivamente, exerça esse seu direito.
Neste patamar.

Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos o pedido deduzido a final da Petição inicial que motiva os presentes autos, apresentada pela Autora ora Recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVERÁ A PRESENTE AÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROVADA, E CONSEQUENTEMENTE SER A RÉ CONDENADA:
(I) AO PAGAMENTO DA QUANTIA DE € 10.000,00 (DEZ MIL EUROS), A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS, ACRESCIDO DE JUROS DE MORA, À TAXA LEGAL, CONTADOS A PARTIR DA PROLAÇÃO DO ACÓRDÃO ATÉ EFETIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;
(II) AO PAGAMENTO DA QUANTIA DE € € 3.745,00 (TRÊS MIL SETECENTOS E QUARENTA E CINCO EUROS), A TÍTULO DE DANOS PATRIMONIAIS, ACRESCIDO DE JUROS DE MORA, À TAXA LEGAL, CONTADOS A PARTIR DA PROLAÇÃO DO ACÓRDÃO ATÉ EFETIVO E INTEGRAL PAGAMENTO.
[…]”
Fim da transcrição

De igual modo, para aqui se extrai parte da referida Petição inicial, como segue:

Início da transcrição
“[…]
«AA», casada, residente na Travessa ..., ..., em ..., titular do Cartão de Cidadão... n.º ..., válido até 06/11/2028, contribuinte fiscal n.º ...08, vem, ao abrigo do disposto no artigo 7º da Lei n.º 67/2007, de 31.12, intentar, AÇÃO ADMINISTRATIVA, contra,
ORDEM DOS FARMACÊUTICOS, com sede na Rua ..., ...,
..., em ..., NIPC ...60,
O que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
I. DOS FACTOS
[…]
4.
Pelo ... da Ordem dos Farmacêuticos foi instaurado contra a aqui Autora, processo disciplinar pela alegada violação, por parte desta, das normas deontológicas previstas nos artigos 78º e 80º, n.º 2 do EOF e artigo 12º, alínea c) do Código Deontológico dos Farmacêuticos, porquanto teria vendido medicamentos sem receita médica, no tempo e lugar discriminados em Lista de movimentos de stock. - cfr. documento n.º 2 que aqui se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais
5.
Tendo decidido o ... da Ordem dos Farmacêuticos, proferir deliberação de aplicação à Autora da pena de suspensão do exercício da profissão pelo período de dois anos, por entender que aquela agiu de forma premeditada e com negligência grave. - cfr. documento n.º 3 que aqui se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais
6.
Da referida deliberação, resulta notório ter sido desconsiderada toda a matéria alegada pela Autora em sede de defesa; desconsideradas todas as nulidades e erros procedimentais que foram por aquela invocadas; rejeitada a realização da prova requerida por considerar a mesma impertinente/dilatória; tal como, olvidada a circunstância de que a tramitação do processo disciplinar não observou as regras legais que regulam esta matéria.
7.
Inconformada com tal decisão (a deliberação), a Autora interpôs recurso tutelar para o ... dos Farmacêuticos, que concedeu parcial provimento, alterando a medida da pena, reduzindo-a e fixando-a em seis meses de suspensão do exercício da profissão,
[…]
9.
A Autora, discordando da deliberação punitiva tomada pelo Conselho Jurisdicional Nacional da Ordem dos Farmacêuticos, não só quanto aos fundamentos, mas por considerar que a mesma se encontrava ferida de vícios grosseiros conducentes à sua invalidade, designadamente,
10.
Prescrição do procedimento disciplinar, violação de lei (decorrente de erro nos pressupostos de facto e inatendibilidade de circunstâncias especiais), e vício de forma (decorrente da invalidade das notificações efetuadas em momento anterior ao da nomeação do instrutor), de resto já alegados em sede de recurso, impugnou judicialmente essa decisão administrativa. - cfr. documento n.º 5 que aqui se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais
11.
De referir que nenhum dos meios de reação à disposição da Autora, e por si utilizados, não só não tiveram o efeito de suspender a medida disciplinar inicialmente aplicada – suspensão por 6 (seis) meses,
[…]
14.
Por sentença de 07 de março de 2021, foi a ação de impugnação de ato julgada procedente e, consequentemente, anulada a decisão administrativa proferida pela Ré. - documento n.º 8 que aqui se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
[…]
17.
Resulta, assim, da douta sentença, e tal como vinha sendo esgrimido pela Autora ab initio, que os factos que lhe foram imputados em sede disciplinar, pela Ré, foram incorreta e ilegalmente, apreciados por esta, porquanto,
18.
E tal como propalado pelo douto tribunal, a Ré deveria saber que, era ela a entidade responsável pela instauração e boa marcha do processo disciplinar instaurado contra a Autora; que o processo disciplinar em questão não observou as regras previstas no Regulamento Disciplinar da Ordem dos Farmacêuticos,
[…]
44.
Pelo exposto, fácil é constatar a grandeza do dano não patrimonial sofrido pela Autora, fruto da atuação da Ré,
45.
Por tais danos morais sofridos, reclama a Autora da Ré quantia não inferior a €
10.000,00 (dez mil euros).
46.
Além dos já mencionados danos não patrimoniais – desgaste, tristeza, ansiedade, depressão, insónia, vergonha, humilhação, etc. – a realidade é que a instauração do processo disciplinar e toda a tramitação que se seguiu, e que veio a culminar na sentença proferida no dia 07 de março de 2021, acarretou despesas várias para a Autora, que de outra forma não existiriam.
[…]
48.
Por tais danos patrimoniais sofridos, reclama a Autora da Ré a quantia de € 3.745,00 (três mil setecentos e quarenta e cinco euros).
49.
Conclui-se assim que, em face do que vai dito, tem a Autora direito a ser indemnizada por todos os danos não patrimoniais e patrimoniais por si sofridos, porquanto verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da R. pela prática de factos ilícitos, como se aprofundará infra.

II. DO DIREITO
50.
Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, conforme previsto na Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro são:
i. O facto, comportamento ativo ou omissivo voluntário;
ii. a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios;
iii. a culpa, o nexo de imputação ético-jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência.
[…]
57.
Sendo que se presume a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.
Volvendo ao caso concreto:
58.
O facto ilícito consiste na instauração e condenação em processo disciplinar numa situação em que tais atos não colhem fundamento legal.
[…]
64.
O facto ilícito que aqui se imputa à Ré, reside na instauração de um Processo Disciplinar com base em omissões e lapsos de interpretação ocorridos no âmbito desse processo disciplinar, quer na condenação e nos atos subsequentes, designadamente, na suspensão do exercício da atividade pelo período de seis meses, que a Autora teve, efetivamente, de cumprir.
[…]
69.
Bastaria ao instrutor disciplinar cuidar de saber o que é o poder disciplinar e as condições do seu exercício para ter evitado a errada condenação da A.
70.
Numa segunda fase, o Conselho de Disciplina embora tendo considerado a decisão do instrutor do processo disciplinar excessiva, manteve a condenação da suspensão de inibição do exercício da atividade por seis meses, ainda que confirmando que não existia prova de os factos terem sido praticados pela Autora, e da data em que o foram.

71.
A sentença (o já identificado Doc.8), ao anular a decisão disciplinar, reconhece a ilegalidade da instauração e instrução do procedimento, bem como da condenação e manutenção da pena disciplinar.
72.
Por força da ilegalidade de que padecia o ato que aplicou à Autora a pena disciplinar, mostra-se preenchido o conceito de ilicitude, bem como o de culpa, em virtude de à violação das normas legais ou regulamentares ser inerente um juízo de reprovabilidade e de censura, pelo que, provada aquela, também se deve considerar provada esta.
73.
Todo o procedimento, acarretou para a Autora os danos patrimoniais e não patrimoniais já referidos.
[…]”
Fim da transcrição

Em face do que deixamos extraído supra, é manifesto que o pedido e a causa de pedir que lhe está imanente têm como lastro e substrato, a invocação por parte da Autora ora Recorrida, da ilicitude da actuação da Ré ora Recorrente, que aliada à verificação dos demais requisitos determinantes da efectivação de responsabilidade civil extracontratual pela prática de acto ilícito, constitui a identificada Ré, como assim pretendido pela Autora, no dever de a indemnizar pelos danos por si sofridos, que por aquela lhe foram infligidos.

Atentemos agora, no teor do pedido deduzido a final da Petição inicial que motivou o Processo n.º 652/17.2BEAVR, que a Autora ora Recorrida, formulou contra a aí Ré ora Recorrida, que por facilidade, para aqui se extrai, como segue:



Início da transcrição
“[…]
V - DO PEDIDO
72º
Pelas razões referidas (ilegalidade do procedimento disciplinar, prescrição da infracção e erros nos pressupostos de facto), a decisão disciplinar do ... dos Farmacêuticos é ilegal, pelo que deve o R. ser condenado na sua revogação.
Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exª doutamente suprirá, deve a deve a presente ação ser julgada procedente e, em consequência:
a) Ser revogada a decisão disciplinar de aplicação à A. da pena de suspensão do exercício da atividade farmacêutica pelo período de seis meses.
[…]”
Fim da transcrição

De igual modo, para aqui também se extrai parte da Petição inicial que motivou o referido Processo n.º 652/17.2BEAVR, como segue:

Início da transcrição
“[…]
«AA», solteira, residente na Rua ..., no lugar..., ..., em ..., titular do Cartão de Cidadão... n.º ..., válido até 28.01.2020, e do contribuinte fiscal com o n.º ...08,
Vem, nos termos do disposto nos artigos 50º, n.º 1 e 51º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) do CPTA (na sua atual redação) e artigo 48º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Farmacêuticos, intentar e fazer seguir contra,
ORDEM DOS FARMACÊUTICOS, com sede na Rua ..., ...,
..., em ..., portadora do número de identificação fiscal ...60,
AÇÃO ADMINISTRATIVA
O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

I. Dos Factos

A aqui A., interpõe a presente ação administrativa por não se conformar com a “decisão do Conselho Jurisdicional Nacional da Ordem dos Farmacêuticos que recaiu sobre o recurso que interpôs em nome da Senhora Dr.ª «AA»”, decisão essa datada de 18.04.2017 e notificada à A. em 20.04.2017.
[…]

Discorda uma vez mais, a A. da deliberação punitiva tomada pelo Conselho Jurisdicional Nacional da Ordem dos Farmacêuticos, não só quanto aos fundamentos, mas por se encontrar a mesma ferida de vícios conducentes à sua invalidade, prescrição do procedimento disciplinar, violação de lei (decorrente de erro nos pressupostos de facto e inatendibilidade de circunstâncias especiais), e vício de forma (decorrente da invalidade das notificações efetuadas em momento anterior ao da nomeação do instrutor).
a) Da ilegalidade do procedimento disciplinar
8º No recurso que apresentou da decisão disciplinar proferida pelo Conselho Regional de Disciplina da Ordem dos Farmacêuticos, a A. suscitou várias questões, de entre elas, a da ilegalidade do procedimento disciplinar, alegando, em suma, que a A. foi notificada para ser ouvida e efetivamente inquirida, em momento em que o processo ainda não tinha sido distribuído a um Relator, sendo que do auto de inquirição não é sequer referido a pessoa por quem foi inquirida e a competência da mesma para o ato. […]
11º
Basta atender àquele reconhecimento expresso por parte do órgão nacional disciplinar, para se concluir que dúvidas não restam quanto à ilegalidade do procedimento disciplinar desde o momento «embrionário».
12º O que motiva que na presente impugnação, a A. mantenha a sua posição no sentido de entender que, mesmo em fase de apreciação liminar, era necessária a nomeação de um Relator para a instrução do processo disciplinar, tal com o era necessário o conhecimento da entidade ou pessoa que a terá inquirido.
[…]
19º
Sucede que, no próprio dia (16 de dezembro de 2015) em que o Presidente do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Farmacêuticos elaborou um despacho no sentido de o processo disciplinar instaurado contra a A., ser distribuído a um Relator, foi esta ouvida em declarações
[…]
26º
Assim, a inquirição da A. foi efectivada não se sabe por quem, nem que competências tinha para o efeito, para além de que o Relator, que era quem nos termos da lei podia ter promovido a diligência, ainda não se encontrar nomeado, nem ter sido este quem despachou no sentido de ordenar a realização da diligência de inquirição e a consequente notificação á A..
27º
Implicando, por tal, anulabilidade de todo o procedimento disciplinar deontológico, vício este que expressamente se invoca, com todas as legais consequências.
b) Da prescrição da infração disciplinar
28º
A A., no seu recurso jurisdicional, invocou a nulidade insuprível decorrente do facto de o procedimento disciplinar se encontrar prescrito.
[…]
48º
E daí também que, a atender-se a algum período temporal, este obedecerá sempre à referência que ficou provada no facto 3 do Relatório Final, ou seja, a 11 de junho de 2012.
49º Devendo ser a partir daquele momento, que começa a correr o prazo de prescrição da infracção disciplinar.
50º Prescrição essa que aqui se invoca e requer seja confirmada, com todas as legais consequências.
III) Do erro sobre os pressupostos de facto – Da ausência de culpa
51º
Da leitura da linha fundamentadora da decisão disciplinar punitiva, mormente dos excertos reproduzidos no artigo 45º, a única conclusão que poderá retirar-se é a de que a mesma padece de uma enorme incoerência, inconsistência e mesmo contraditoriedade, na medida em que, se por um lado refere que a ausência de documentação concreta ou testemunho credível não permite sustentar uma factualidade seja ela qual for, que permitam imputar à A. a prática deste ou daquele ato, por outro, justifica a pena de suspensão baseada nos factos que aquela livremente confessou, admitindo, contudo, que nos atos praticados pela A. de dispensa de medicamentos com receita médica passada por médicos espanhóis, e apesar de estas não obedecerem ao figurino do SNS, “(…) não deixam de constituir atos de reserva médica, in casu, a prescrição e, como tal, válidos.”
[…]
57º
Não alcança a A., de forma clara e inequívoca, o itinerário cognoscitivo e valorativo do segmento decisor e dos fundamentos em que se estribou o ato punitivo.
58º
Pelo que o Acórdão disciplinar enferma de ilegalidade já que tomada com ofensa ao princípio da presunção da inocência.
59º
Além do mais, resulta do Acórdão disciplinar que apenas foi dado como provado um único facto, proveniente das declarações da arguida, sendo que, para se concluir pela punição vertida no Acórdão disciplinar, necessário se tornava fazer novas diligências instrutórias para apuramento cabal daquele único facto agora dado como provado. 60º
Verifica-se, assim, ausência de prova nos autos disciplinares que sustente a imputação à A. e punição na pena de suspensão do exercício da atividade farmacêutica pelo período de seis (6) meses, e errada qualificação feita da realidade subjacente ao juízo disciplinar punitivo.
[…]
68º
Atentos os considerandos acabados de desenvolver e presente o lastro factual que se mostra apurado nos presentes autos, constitui juízo da A., o de que o Acórdão punitivo padece de erro sobre os pressupostos de facto, visto os elementos probatórios recolhidos nos autos disciplinares não permitirem sustentar ou julgar o único facto que o Conselho Nacional de Disciplina dá como provado.

69º
Na verdade, a prova que foi produzida e se mostra coligida no processo disciplinar em apreço, não permite fundar ou formular uma convicção segura da prova daquela materialidade factual aludida porquanto, desde logo, ao invés do afirmado pelo R. na motivação da decisão disciplinar proferida em sede de recurso, a A. quando foi ouvida em declarações, em momento algum confessou ou aceitou tal factualidade, nem tal resulta duma leitura integrada e devidamente articulada de toda a defesa por si apresentada, na certeza de que a demais prova testemunhal produzida também em momento algum a permite, minimamente, sustentar tal juízo.
70º
Pelo que, no caso vertente, só pode concluir-se que a decisão disciplinar punitiva se encontra inquinada de erro sobre os pressupostos de facto que a torna inválida.
[…]”
Fim da transcrição

Na decorrência do que deixamos extraído supra, é também manifesto que o pedido e a causa de pedir que lhe está imanente têm como pressuposto imediato, a invocação por parte da Autora ora Recorrida, da ilicitude da actuação da Ré ora Recorrente, não vindo invocada ou sustentada a perspectiva de fazer/de querer vir a fazer, num futuro próximo, qualquer pedido indemnizatório, que tendo aquele requisito por base e aliada à verificação dos demais que são determinantes da efectivação de responsabilidade civil extracontratual pela prática de acto ilícito, constituísse a identificada Ré, como assim pretendido pela Autora, no dever de a indemnizar pelos danos por si sofridos, que lhe foram infligidos por via do processo disciplinar que lhe foi instaurado.

Como assim resulta do disposto nos artigos 300.º a 327.º do Código Civil, o prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido, a qual [prescrição] se interrompe com a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, sendo que, se citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida e por causa não imputável ao requerente, a prescrição tem-se por interrompida logo que decorram os cinco dias.

Ou seja, como assim decorre do artigo 323.º do Código Civil, a interrupção da prescrição ocorre aquando da citação ou notificação judicial, ou de qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.

Como resulta do probatório, tendo a Ré ora Recorrente sido citada para os seus termos já depois do prazo de prescrição, resulta cristalino que se verifica a prescrição da invocada indemnização, ou seja, que em face da data da propositura da Petição inicial que motiva os presentes autos, prescreveu o direito de a Autora, enquanto lesada de poder reclamar qualquer indemnização pelos invocados prejuízos causados pela actuação da Ordem dos Farmacêuticos.

Enquanto lesada pela Ordem dos Farmacêuticos, como assim se apresenta nestes autos, impendia sobre a Autora ora Recorrida o ónus de agir judicialmente contra essa instituição, logo a partir do momento em que percepciona a ocorrência dos pressupostos da responsabilidade civil, o que se dá com a notificação da acusação, por via da qual lhe são imputados factos que a mesma [Autora] entende não lhe poderem ser assacados, pelas várias razões e fundamentos por si invocados.

Enquanto pressuposto da constituição de responsabilidade civil, é no âmbito da respectiva acção que a lesada intenta, que a ilicitude é apreciada, não sendo para o caso relevante que o Tribunal tenha julgado, num outro processo, pela anulação da decisão administrativa aí objecto de impugnação, com fundamento, em termos gerais, numa actuação em desconformidade com a lei.

Como deflui do que foi articulado pela Autora na Petição inicial que motivou o Processo n.º 652/17.2BEAVR, a mesma sustentou que a decisão punitiva que lhe foi aplicada pelo Conselho Jurisdicional Nacional da Ordem dos Farmacêuticos, e assim, de resto, também o próprio procedimento disciplinar em si considerado, está eivada de ilegalidades e de invalidades várias [v.g., ilegalidade e prescrição do procedimento disciplinar, violação da lei por erro nos pressupostos de facto e de direito], que a final são determinantes do pedido por si formulado, isto é, no sentido da anulação contenciosa [a Autora, refere revogação] da decisão disciplinar aplicada, atinente à pena de suspensão do exercício da atividade farmacêutica pelo período de seis meses.

Corridos termos nesse Processo n.º 652/17.2BEAVR, foi proferida Sentença que conheceu do mérito do pedido formulado, tendo a Autora logrado obter vencimento na sua posição, pois que foi anulado o acto impugnado, ou seja, a decisão punitiva foi arredada para todo o sempre do ordenamento jurídico administrativo, e muito particularmente, com destruição de todos os efeitos produzidos na esfera jurídica da Autora, que fossem decorrentes da relação jurídica administrativa controvertida que motivou a Ré ora Recorrente a instaurar-lhe procedimento disciplinar, com as legais consequências.

Aqui chegados.

Perscrutado o articulado atinente à Petição inicial daquele Processo n.º 652/17.2BEAVR, dela não se extrai outro fundamento do pedido, ou de outra forma, não é invocado pela Autora, designadamente que para além dessa sua pretensão impugnatória, que se reservava o direito de vir a demandar a Ordem dos Farmacêuticos em sede de responsabilidade civil extracontratual.

O que se extrai com clareza da Petição inicial, a que demos relevo na parte que deixamos extraída supra, é que a Autora tão somente pugnou pela anulação da decisão administrativa punitiva que a visou, e que teve êxito, mas nada tendo alegado em termos de poder vir a constituir fundamento que pudesse ser considerado como sendo a articulação pela sua parte de que vai exercer o direito para efeitos da efectivação de responsabilidade civil da Ré, e desse modo, que a citação para os termos desses autos que nela foi efectuada na pessoa da Ré Ordem dos Farmacêuticos, pudesse ter o pendor de vir a constituir fundamento para interromper o prazo de prescrição do direito a reclamar indemnização, que se tinha iniciado em 19 de maio de 2016.

Efectivamente, e como assim julgamos, em face do que alegou na Petição inicial, em termos de fundamentos e pressupostos para que o Tribunal viesse a dar provimento à sua pretensão impugnatória da decisão disciplinar que lhe foi aplicada, a Autora apenas visou, estritamente, a anulação desse acto administrativo, e assim o tendo alcançado atento o teor da Sentença proferida, por aí se poderia ter quedado a sua actuação, pois que, nesse conspecto, conseguiu alcançar a restauração da integridade dos seus direitos enquanto membro, enquanto sujeito submetido à tutela da associação de direito público que é a Ordem dos Farmacêuticos.

Daí que, pese embora a Sentença proferida naquele Processo n.º 652/17.2BEAVR, datada de 07 de março de 2021, ter transitado em julgado em abril de 2021, como assim apreciou o Tribunal a quo, para além do julgado nela [Sentença] consubstanciado, e no que se reporta aos efeitos jurídico-administrativos relacionais estabelecidos entre a Autora e a Ré, que são decorrentes da instauração do processo disciplinar e a final da aplicação da pena disciplinar, que foram fulminados com a sua anulação, do processado naqueles autos, designadamente por via da citação neles operada da Ré, em setembro de 2017, não pode retirar-se qualquer efeito interruptivo que pudesse aproveitar à Autora em sede da tramitação dos presentes autos [Processo n.º 491/22.9BEAVR].

A ratio essendi da prescrição está fixada no não exercício ou num exercício tardio do direito que foi colocado na imediação do interessado, e em que lhe era legítimo exercer esse direito, assim como, expectável por parte do lesante que o mesmo o viesse a exercer dentro de uma concreta temporalidade, sendo que, por razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas, esse não exercício tempestivo demanda consequências desfavoráveis para o respectivo titular. Daí que, como assim dispõe o artigo 306.º do Código Civil, o prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que o direito podia ser exercido, sendo certo que em determinadas circunstâncias a prescrição pode ser interrompida [Cfr. artigos 323.º a 327.º do Código Civil], em face da ocorrência de acto com aptidão para essa interrupção, pelo que o tempo até aí decorrido fica então inutilizado, começando o prazo a correr de novo a partir do acto interruptivo.


Neste conspecto, para aqui extraímos parte do Acórdão do STA, datado de 02 de dezembro de 2004, proferido no Processo n.º 0925/04, onde se apreciou questão de direito em tudo semelhante à que ora está em apreço, a cujo julgamento aderimos sem reservas [com as adaptações que mostrem necessárias, designadamente em sede da matéria de facto], e cuja fundamentação também aqui damos por enunciada tendo em vista alcançar uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º,
n.º 3 do Código Civil], como segue:

Início da transcrição
“[...]
Nos termos do art. 323º do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação, notificação ou «qualquer outro meio judicial» comunicador do acto pelo qual o titular do direito exprima ao respectivo obrigado, directa ou indirectamente, a intenção de o exercer. Ora, tais meios judiciais são apenas os modos legalmente relevantes de se comunicar o acto que expresse a intenção de exercício do direito. E, se tais meios ou instrumentos são simples veículos da comunicação a fazer ao obrigado, fácil é de ver que a verdadeira causa do efeito interruptivo consiste na prática do acto que, directa ou indirectamente, exprima a intenção de exercício do direito.
Ora, o acto exprime directamente a intenção de exercício do direito quando se integra no próprio processo onde ele é exercido; e exprime indirectamente essa intenção quando torna o obrigado ciente de que ulteriormente se instaurará o processo em que o direito será exercido. Portanto, e em qualquer das duas hipóteses, a expressão do propósito de exercer o direito ordena-se claramente a esse exercício; pois seria irrelevante e vã a intenção que, embora dita, não fosse acompanhada (logo) ou seguida (depois) pela respectiva concretização prática.
Mas, se assim é, temos que o efeito interruptivo da prescrição, que a lei atribui à expressão indirecta da intenção de exercer o direito, existe para possibilitar esse mesmo exercício – e não para possibilitar uma outra expressão indirecta da mesma intenção.
[...]“
Fim da transcrição

Ou seja, e em conclusão, se a ilicitude da actuação que a Autora identificou como sendo geradora de responsabilidade civil extracontratual se firmou no dia em que a Ré decidiu pela instauração de processo disciplinar, foi nesse dia que se iniciou o cômputo de um prazo, que então teve o seu início, que era de três anos, para que a Autora, munida do conhecimento comum que passou a ser detentora, de que a actuação protagonizada era ilegal/inválida, pudesse ir em busca de tutela jurisdicional nesse sentido, prazo esse que se completou decorridos 3 anos, o que é de dizer, que quando a Autora remeteu ao Tribunal a Petição inicial que motiva os presentes autos, em 04 de julho de 2022, há muitos anos que estava já transcorrido o prazo que a lei disciplina para esse efeito.

Assim, errou o Tribunal a quo no julgamento por si prosseguido, porque em violação do disposto no artigo 5.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro [que remete para as disposições do Código Civil], porque a citação da Ré no Processo n.º 652/17.2BEAVR, era imprestável para efeitos de interromper o prazo em curso.

Com efeito, a Petição inicial a que se reporta aquele Processo, e a consequente citação da Ré Ordem dos Farmacêuticos que aí foi efectuada, não constitui um acto com eficácia interruptiva da prescrição, pois que daquele articulado não se extrai a alegação, ou a exteriorização da intenção de vir a ser deduzido qualquer pedido indemnizatório.

Aqui chegados.

Alcançado este julgamento, a decisão recorrida tem assim de ser revogada, pois que a pretensão recursiva da Recorrente tem de proceder, sendo que, decidindo em substituição do Tribunal a quo [cfr. artigo 149.º, n.º 3 do CPTA], julgando pela verificação da excepção peremptória da prescrição do direito á indemnização reclamada pela Autora, o pedido deduzido a final da Petição inicial tem assim de ser julgado totalmente improcedente.


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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Ordem dos Farmacêuticos; Processo disciplinar; Decisão punitiva; Responsbilidade civil extracontratual; Interrupção do prazo de prescrição.

1 - Enquanto lesada pela Ordem dos Farmacêuticos, como assim se apresenta nestes autos, impendia sobre a Autora ora Recorrida o ónus de agir judicialmente contra essa instituição, logo a partir do momento em que percepciona a ocorrência dos pressupostos da responsabilidade civil, o que se dá com a notificação da acusação, por via da qual lhe são imputados factos que a mesma [Autora] entende não lhe poderem ser assacados, pelas várias razões e fundamentos por si invocados.

2 - Enquanto pressuposto da constituição de responsabilidade civil, é no âmbito da respectiva acção que a lesada intenta, que a ilicitude é apreciada, não sendo para o caso relevante que o Tribunal tenha julgado, num outro processo, pela anulação da decisão administrativa aí objecto de impugnação, com fundamento, em termos gerais, numa actuação em desconformidade com a lei.

3 - Como assim resulta do disposto nos artigos 300.º a 327.º do Código Civil, o prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido, a qual [prescrição] se interrompe com a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, sendo que, se citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida e por causa não imputável ao requerente, a prescrição tem-se por interrompida logo que decorram os cinco dias.

4 - Perscrutado o articulado atinente à Petição inicial que motivou os autos de impugnação contenciosa da decisão disciplinar que lhe foi aplicada pela Ré, dela não se extrai outro fundamento do pedido, ou de outra forma, não é invocado pela Autora, designadamente que para além dessa sua pretensão impugnatória, que se reservava o direito de vir a demandar a Ordem dos Farmacêuticos em sede de responsabilidade civil extracontratual, e desse modo, que a citação para os termos desses autos que nela foi efectuada na pessoa da Ré Ordem dos Farmacêuticos, pudesse ter o pendor de vir a constituir fundamento para interromper o prazo de prescrição do direito a reclamar indemnização, que se tinha iniciado em 19 de maio de 2016.

5 - Se a ilicitude da actuação que a Autora identificou como sendo geradora de responsabilidade civil extracontratual se firmou no dia em que a Ré decidiu pela instauração de processo disciplinar, foi nesse dia que se iniciou o cômputo de um prazo, que então teve o seu início, que era de três anos, para que a Autora, munida do conhecimento comum que passou a ser detentora, de que a actuação protagonizada era ilegal/inválida, pudesse ir em busca de tutela jurisdicional nesse sentido, prazo esse que se completou decorridos 3 anos, o que é de dizer, que quando a Autora remeteu ao Tribunal a Petição inicial que motiva os presentes autos, em 04 de julho de 2022, há muitos anos que estava já transcorrido o prazo que a lei disciplina para esse efeito, sendo a citação da Ré operada no processo judicial impugnatório imprestável para efeitos de interromper o prazo em curso.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência:

A) em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente Ordem dos Farmacêuticos.
e consequentemente,
B) em revogar o despacho saneador na parte afectada.
E julgando em substituição,
C) em julgar verificada a excepção peremptória da prescrição do direito à reclamada indemnização por parte da Autora, e assim, totalmente improcedente o pedido deduzido a final da Petição inicial.

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Custas a cargo da Recorrida – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 20 de junho de 2025.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Fernanda Brandão
Rogério Martins