Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00579/12.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:CARLOS DE CASTRO FERNANDES
Descritores:DÉFICE INSTRUTÓRIO;
Sumário:
I- Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – A Representação da Fazenda Pública - RFP (Recorrente) veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual se concedeu provimento à impugnação intentada por «AA» (Recorrida), direcionada contra a liquidação adicional de IVA referente ao período 09.12T.

No presente recurso, a Apelante (RFP) formula as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, que julgou totalmente procedente, por provada, a impugnação judicial e, consequentemente, anulou a liquidação impugnada.
2. Sentença que, a nosso ver, e salvo o devido respeito por melhor opinião, padece de erro de julgamento no que toca à apreciação e valoração dos factos relevantes para a causa e à interpretação e aplicação das correspondentes normas jurídicas.
3. Na verdade, na douta sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
“A) Autora vem impugnar a liquidação adicional de IVA nº ...33..., datada de 2011.10.12, no montante de € 22.740,60, referente ao quarto trimestre de 2009 (09.12T);
B) A liquidação referida em A. resultou de uma ação de fiscalização levada a cabo, em ..., pelo Destacamento Territorial ... da Guarda Nacional Republicana, no decurso da qual foi detetado que no estabelecimento comercial e armazéns propriedade da impugnante, a existência de diversa mercadoria melhor identificada no auto de notícia de fls. 3 a 5 do verso do PA, presumivelmente contrafeita, que não se fazia acompanhar de qualquer documento de aquisição, fatura ou outro documento equivalente;
C) A GNR no auto de notícia que elaborou na sequência da ação de fiscalização mencionada na alínea imediatamente anterior, atribuiu à mercadoria o “…valor total presumível de € 120.903,00 (cento e vinte mil e novecentos e três euros);
D) Foi com base no valor mencionado na alínea imediatamente anterior que a AT apurou o montante do IVA em falta, daí resultando a liquidação mencionada em A; E) A mercadoria não concretizada na alínea B. é da propriedade da autora/impugnante.”
4. Tendo por base a matéria de facto dada como provada, e após ter considerado que “Analisando a PI verifica-se que a divergência entre a Impugnante e a AT resume-se à forma como foi calculado ou estipulado pela AT o valor atribuído à mercadoria apreendida, a qual limitou-se a basear-se no valor presumido pela GNR no Auto de Noticia”, entendeu a M.Ma. Juíza do Tribunal “a quo” que a Administração Tributária “não podia aceitar e dar de barato o valor “presumível” indicado no Auto de Notícia elaborado pela GNR.”, pelo que se impunha, assim, “…a realização posterior de exame pericial à avaliação da mercadoria encontrada pela GNR.”, pelo que, a final, a M.Ma. Juíza do Tribunal “a quo” concluiu: “Do exposto não restam dúvidas que a presente impugnação tem de ser julgada procedente visto a insuficiente falta de base de liquidação da mesma.”
5. Salvaguardado sempre o devido respeito, entendemos que, atendendo aos elementos de prova documentais constantes dos autos e às normas legais adiante invocadas, impunha-se conclusão diversa daquela a que chegou a M.Ma Juíza do Tribunal “a quo” na douta sentença ora em crise.
6. Antes de mais, importa referir que o facto elencado na alínea D) do probatório, acima transcrito, não corresponde à verdade.
7. Na verdade, e tal como se alcança dos elementos de prova constantes do Processo Administrativo, sendo certo que à mercadoria apreendida foi atribuído, inicialmente, o valor de € 120.903,00; valor esse que serviu de base, inicialmente, ao apuramento do IVA no montante de € (120.903,00 x 20%) € 24.180,60, também é certo que, em sede de análise do direito de audição oportunamente exercido pela impugnante, e atendendo ao aditamento ao auto de apreensão cuja cópia consta a fls. 19/20 do Processo Administrativo, foi entendido retificar para menos as quantidades apreendidas e, em consequência, diminui-se o valor atribuído às mercadorias, passando este a ser de € 113.703,00, com consequências ao nível do imposto liquidado, o qual passou a ser de (€ 113.703,00 x 20%) € 22.740,60.
8. Pelo que, correspondendo à verdade os factos constantes das alíneas A), B), C) e E) do probatório, impunha-se, no nosso modesto entendimento, que do probatório não constasse o facto elencado na alínea D) e constassem, em sua substituição, pelo menos, os factos antes referidos no ponto 7 das presentes conclusões.
9. Ademais, a douta sentença ora em crise não atendeu ao facto de a Administração Tributária ter recorrido ao método de avaliação indireta para determinação da matéria tributável, visto mostrarem-se reunidos, in casu, os pressupostos legalmente previstos para a sua aplicação, designadamente, a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável (alínea b) do artigo 87º e artigo 88º da LGT).
10. A nosso ver, a questão que se coloca é a de saber se, na liquidação do IVA em causa, se considera cumprido, por parte da Administração Tributária, o ónus da prova da verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indiretos, tal como determina a primeira parte do número 3 do artigo 74º da LGT e se, por sua vez, a impugnante cumpriu o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação, tal como determina a segunda parte do número 3 do citado artigo 74º da LGT.
11. Quanto à primeira questão, antes enunciada no ponto 10. das presentes conclusões, a resposta terá de ser, forçosamente, positiva, visto tal facto resultar demonstrado, à saciedade, dos elementos de prova constantes do Processo Administrativo e visto que tal facto se deverá considerar admitido por acordo entre as partes, na medida em que, em momento algum da petição inicial da presente impugnação judicial, a impugnante alega a falta de verificação, in casu, dos pressupostos que legitimaram a Administração Tributária a recorrer aos métodos indiretos para determinação da matéria tributável; tendo ainda a impugnante se proposto efetuar a prova a que alude a última parte do número 3 do artigo 74º da LGT em sede da presente impugnação judicial.
12. Quanto à segunda questão, antes enunciada no ponto 10. das presentes conclusões, a resposta deverá ser negativa atendendo a que, tendo a M.Ma Juíza do Tribunal “a quo” conhecido imediatamente do pedido, nos termos do artigo 113º do CPPT, sem, contudo, fundamentar na douta sentença as razões de facto e de direito que a levaram a assim decidir, não houve lugar às diligências de produção de prova a que alude o artigo 114º do CPPT.
13. Tendo a Administração Tributária efetuado a demonstração da verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a métodos indiretos e não tendo tal facto sido impugnado, e não tendo a prova do excesso de quantificação sido efetuada pela impugnante, visto ter sido dispensada a realização das diligências de prova necessárias e requeridas pela impugnante, a ser proferida sentença nos termos do artigo 113º do CPPT, como efetivamente o foi, e salvo o devido respeito por melhor opinião, a douta sentença ora em crise, tendo em conta o disposto nos números 1 e 3 do artigo 74º da LGT e o disposto no artigo 342º do Código Civil, deveria ter julgado totalmente improcedente, por não provada, a impugnação e, consequentemente, deveria ter mantido a liquidação impugnada, com todas as legais consequências.
14. Concluindo: ao decidir como decidiu, a M.Ma Juiz do Tribunal “a quo”, por inadequada interpretação e valoração dos factos assentes e relevantes, e por violação do disposto nos números 1 e 3 do artigo 74º, alínea b) do artigo 87º e alínea b) do artigo 88º, todos da LGT, bem como do disposto no artigo 342º do Código Civil, incorreu em erro de julgamento ao ter considerado totalmente procedente a presente impugnação.
Finaliza a Recorrente pedindo que seja julgado procedente o presente recurso, anulando-se a sentença recorrida.
A Recorrida («AA») apesar de regularmente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.
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Os autos foram com vista ao digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal (cf. fls. 183 dos autos – paginação do SITAF).
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Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.

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II – Matéria de facto provada indicada em 1.ª instância:
A) A autora vem impugnar a liquidação adicional de IVA n.º ...33..., datada de 2011.10.12, no montante de € 22.740,60, referente ao quarto trimestre de 2009 (09.12T);
B) A liquidação referida em A. resultou de uma acção de fiscalização levada a cabo, em 9-12-2009, pelo Destacamento Territorial ... da Guarda Nacional Republicana, no decurso da qual foi detectado que no estabelecimento comercial e armazéns propriedade da impugnante, a existência de diversa mercadoria melhor identificada no auto de notícia de fls. 3 a 5 do verso do PA, presumivelmente contrafeita, que não se fazia acompanhar de qualquer documento de aquisição, factura ou outro documento equivalente;
C) A GNR no auto de notícia que elaborou na sequência da acção de fiscalização mencionada na alínea imediatamente anterior, atribuiu à mercadoria o “valor total presumível de € 120.903,00 (cento e vinte mil e novecentos e três euros);
D) Foi com base no valor mencionado na alínea imediatamente anterior que a AT apurou o montante do IVA em falta, daí resultando a liquidação mencionada em A;
E) A mercadoria não concretizada na alínea B. é da propriedade da autora/impugnante.
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Na sentença recorrida considerou-se ainda que:
«2.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram, com relevância para a decisão da causa, outros factos que estejam em contradição com a factualidade provada.»
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A título de motivação factual, exarou-se na sentença apelada que:
«A convicção do tribunal formou-se com base nos elementos documentais indicados em cada alínea dos factos provados.»

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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões suscitadas, nomeadamente quanto ao erro de julgamento de facto e de direito invocados e quanto ao défice instrutório.

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IV – Da apreciação do presente recurso.
Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga pela qual se concedeu provimento à impugnação intentada pela ora Recorrida, direcionada contra a liquidação de IVA relativa ao período 09.12T
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
IV.1 – Do erro de julgamento de facto.
A Apelante começa por invocar no seu recurso que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento relativamente à matéria de facto que teria sido expressa na alínea «D» da factualidade assente.
Porém, antes da verificação do acerto ou desacerto do julgado na apontada matéria, a verdade é que coligidos os elementos de prova documental nos presentes autos, verificamos que a sentença recorrida não lhes faz a devida alusão, nem os traduz em factos que foram oportunamente alegados pelas partes e que são fundamentais para a decisão do presente pleito, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito.
Com efeito, concretizando, não é feita menção aos momentos procedimentais relevantes e aos meios de prova que aqui constam e que se expressam, designadamente, no Processo Administrativo e nos demais documentos junto aos autos. Momentos aqueles que foram invocados pela Recorrida em sede de petição inicial e pela ora Recorrente em sede de contestação. Tão pouco é feita qualquer referência na matéria de facto, à liquidação de IVA aqui alegadamente impugnada e que terá sido objeto de pagamento. Ora, tais factos são potencialmente relevantes para se aferir da legalidade do ato aqui supostamente impugnado, tendo em conta que a Recorrida invocou que o mesmo padeceria de erro sobre os pressupostos de facto, assim como de falta de fundamentação. Assim, desde logo, não se pode considerar a eventual existência de um erro sobre os pressupostos de facto do ato recorrido, sem se expressar factual e previamente quais são estes ditos pressupostos. O mesmo se diga da alegada falta de fundamentação (formal ou material), quando na sentença recorrida não se expressam os integrais fundamentos da liquidação supostamente impugnada e donde os mesmos eventualmente emergem.
Porém, há ainda antes que dar nota, que nos presentes autos, a Recorrente questionou o valor atribuído pelos serviços da AT à matéria coletável, mais concretamente quanto ao valor de determinadas mercadorias sobre as quais teria incidido o valor de IVA apurada (veja-se, por exemplo, o alegado no art.º 11.º da p.i.). Também, a final, arrolou testemunhas e pediu a realização de prova pericial no sentido de se aferir o valor das sobreditas mercadorias e fê-lo no sentido de provar “…o manifesto excesso na matéria tributável quantificada – art. 100.º nº 3 do CPPT…” (vide artigo 30.º da p.i.).
Ora, sobre as referidas diligências probatórias nenhuma posição tomou o Tribunal recorrido, como se lhe impunha, sendo que as mesmas incidiriam real ou pelo menos potencialmente, sobre factos sujeitos a um crivo probatório que foi indevidamente obnubilado.
Assim, há que ter presente que os factos alegados, quer pela Recorrente, quer até pela Recorrida, impunham-se ser objeto de consideração por parte do Tribunal recorrido, com a promoção das prévias diligências instrutórias que tivesse por pertinentes, com a posterior ampliação da matéria de facto e, só depois, ser proferida nova decisão final. Com efeito, impende sobre os Tribunais tributários um especial dever de resultante do princípio do inquisitório, previsto nos artigos 13.º e 99.º do CPPT.
Por isso, verifica-se o apontado défice instrutório, o que determina a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil Já aplicável por força do disposto no artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho que aprovou o novo CPC. ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, apresenta-se o seguinte sumário:
I- Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

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V – Dispositivo
Nestes termos, acordam em conferência os juízes desta Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto.

Custas pela Recorrida (por vencida), não sendo aqui por esta devida a taxa de justiça por não ter contra-alegado.


Porto, 15 de maio de 2025

Carlos A. M. de Castro Fernandes
José Coelho
Irene Isabel das Neves