Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
JÚRI DO CONCURSO PARA VAGA DE PROFESSOR COORDENADOR DA ESCOLA SUPERIOR DE TECNOLOGIA [EST] DO INSTITUTO POLITÉCNICO DE CASTELO BRANCO [IPCB] - ÁREA DE ENGENHARIA CIVIL, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Coimbra, datada de 30/05/2006, que, com fundamento na procedência do vício de procedimental de preterição do direito de audiência, deu provimento ao recurso contencioso de anulação instaurado por M…, identificada nos autos, contra aquele e o recorrido-particular F…, igualmente identificado nos autos, e anulou a deliberação do Júri que determinou a exclusão da recorrida do mesmo concurso.
Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 206 e segs.), as seguintes conclusões:
“(…)
1.ª) A douta sentença recorrida está inquinada do vício de violação do art. 57.º n.º 1 da LPTA e do art. 268.º, n.º 4 da CRP, ao ter dado prioridade a um vício que não impossibilita a renovação do acto em detrimento de outros vícios arguidos que tal não possibilitariam;
2.ª) A audiência dos interessados, como decorre da letra do art. 100.º n.º 1 do CPA e tem sido entendimento da jurisprudência e da doutrina, destina-se a assegurar a sua participação nas decisões da Administração, nos procedimentos administrativos em que tenha havido instrução e após esta e não quando a decisão é proferida em resposta ao requerimento inicial dum procedimento administrativo;
3.ª) No caso sub judicio inexistiu instrução, mas o mero requerimento inicial da candidata e sobre este requerimento cabia tão só proferir a decisão final da sua admissão ou exclusão, decisão que tinha de ser fundamentada e que podia ser impugnada contenciosamente;
4.ª) Considera o júri que a sua decisão de exclusão da candidata foi proferida no exercício duma actividade vinculada, não estando comprovado que o júri violou a lei e assim a audiência da interessada seria inútil;
5.ª) A entender-se que a deliberação do júri apenas estava inquinada do vício de falta de audiência da interessada, sempre o princípio do aproveitamento dos actos administrativos, decorrente do art. 103.º n.º 2 do CPA, deveria determinar a não anulação com este fundamento da deliberação recorrida …”.
Termina no sentido da revogação da sentença recorrida
A aqui recorrida apresentou contra-alegações (cfr. fls. 214 e segs.) nas quais conclui nos termos seguintes:
“…
1ª - O art. 57.º, n.º 1, da LPTA não define uma ordem absoluta de prioridade de conhecimento dos vícios do acto recorrido, devendo o julgador, no âmbito da sua aplicação, ressalvar sempre a especificidade de cada caso concreto.
2ª - É ao prudente critério do julgador que compete eleger, em cada caso, a prioridade de conhecimento dos vícios cuja procedência determine a mais eficaz ou a mais estável tutela dos interesses ofendidos.
3ª - A Autoridade Recorrida e ora Agravante não dispõe de legitimidade, atento o escopo do normativo em apreço, para arguir uma alegada violação dos critérios do art. 57.º da LPTA.
4ª - A sentença recorrida não violou o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 268.º, n.º 4, da CRP, porquanto, satisfazendo assim a pretensão formulada pela Recorrente e ora Agravada, anulou o acto recorrido, embora com fundamento no conhecimento e procedência de um vício que não impossibilita a renovação do acto recorrido.
5ª - A audiência prévia dos interessados tem obrigatoriamente lugar em todos os procedimentos administrativos, tenha ou não tenha existido neles instrução, excepto nos casos previstos no art. 103.º do CPA.
6ª - No procedimento concursal de que a R. e ora Agravada foi excluída verificou-se, antes da prolação da deliberação do Júri que a excluiu, uma fase instrutória, pelo que a preterição que em tal procedimento se verificou da formalidade essencial da audiência prévia de interessados foi e é, em qualquer caso, geradora da invalidade do acto recorrido ….”.
Pugna pela manutenção do julgado.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso jurisdicional (cfr. fls. 232/235).
Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos remetidos à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir da impugnação deduzida pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 102.º da LPTA.
Ora as questões suscitadas reconduzem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial proferida nos autos de recurso contencioso de anulação “sub judice”, por um lado, incorreu em violação do disposto nos arts. 57.º, n.º 1 da LPTA e 268.º, n.º 4 da CRP (ao ter dado prioridade a um vício que não impossibilita a renovação de um acto em detrimento de outros vícios arguidos que tal não possibilitariam) e, por outro lado, infringiu o disposto nos arts. 100.º e 103.º, n.º 2 do CPA (ao ter julgado procedente o vício procedimental e não haver apelado ao princípio do aproveitamento do acto) [cfr. conclusões supra reproduzidas]3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Da decisão judicial recorrida, não objecto nesta sede de qualquer impugnação, resultaram provados os seguintes factos:
I) Pelo edital publicado no DR, II Série, n.º 190, de 17/08/2001, foi aberto concurso para preenchimento, entre outras, de uma vaga de professor coordenador para a Escola Superior de Tecnologia - EST - do Instituto Politécnico de Castelo Branco - IPCB -, na área de Engenharia Civil.
II) Tendo-se apresentado ao concurso, dito em I), nos termos do ofício n.º 3713, de 28/12/2001, foi a recorrente excluída do concurso - ACTO RECORRIDO.
III) Os elementos constitutivos do Júri para o concurso referido em I) foram nomeados pelo Presidente do IPCB sem qualquer intervenção do Conselho Científico da EST do IPCB.
IV) Antes da decisão, dita em II), não foi a recorrente previamente ouvida.«» 3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise das questões suscitadas para se concluir pela procedência ou improcedência da argumentação desenvolvida pelo recorrente no recurso jurisdicional “sub judice”.
*
3.2.1. DA VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTS. 57.º DA LPTA E 268.º, N.º 4 DA CRP
Sustenta o recorrente que a decisão judicial recorrida foi elaborada em infracção ao preceituado nos normativos legais em referência já que o Mm.º Juiz “a quo” ao iniciar a sua apreciação pelo vício procedimental de preterição de audiência prévia não respeitou a ordem de conhecimento dos vícios suscitados no autos.
Vejamos.
Em caso de pluralidade de vícios invocados nos autos decorre do art. 57.º da LPTA que se “… nada obstar ao julgamento do objecto do recurso, o tribunal conhece, prioritariamente, dos vícios que conduzam à declaração de invalidade do acto recorrido e, depois, dos vícios arguidos que conduzam à anulação deste …” (n.º 1), sendo que nos “… referidos grupos, a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte: a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos; b) No segundo grupo, a indicada pelo recorrente, quando estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior …” (n.º 2).
Em observância deste comando legal a jurisprudência tem entendido que, no conhecimento dos vícios conducentes à anulação do acto administrativo, deve, em regra, ser dada primazia aos vícios de violação de lei substantiva (vícios atinentes à legalidade interna) por serem aqueles cuja procedência conduzirá, em princípio, a uma mais estável e eficaz tutela dos interesses do recorrente.
Admite-se, todavia, também em termos jurisprudenciais que existem casos em que se impõe uma apreciação prioritária dos vícios de forma ou procedimentais (vícios atinentes à legalidade externa), designadamente quando estes afectam a manifestação da vontade administrativa (falta de fundamentação) e a formação dessa mesma vontade (preterição de audiência de interessado), revelando-se, nessa medida, o seu conhecimento prioritário essencial a uma correcta apreciação dos vícios de fundo (cfr., entre outros, Acs. STA de 07/03/2001 - Proc. n.º 044548, de 29/11/2001 - Proc. n.º 40973, de 05/12/2001 - Proc. n.º 046563, de 18/03/2003 - Proc. n.º 01749/02, de 19/05/2004 - Proc. n.º 041000, de 19/05/2004 - Proc. n.º 0228/03, de 11/05/2005 - Proc. n.º 01515/03, de 12/07/2005 - Proc. n.º 01586/03, de 15/11/2006 - Proc. n.º 01243/05, de 01/02/2007 - Proc. n.º 047540 in: «www.dgsi.pt/jsta»).
No caso vertente o aqui recorrente jurisdicional veio por em causa a correcção da ordem do julgamento dos vícios invocados.
Ocorre, no entanto, que o art. 57.º da LPTA se destina a tutelar os interesses do recorrente contencioso e não dos recorridos (públicos ou particulares), pelo que, tal como constitui entendimento consensual, em sede de recurso jurisdicional não se assume como juridicamente relevante a arguição pelo recorrido contencioso da violação dos critérios enunciados no citado comando legal [cfr., entre outros, Acs. do STA de 19/02/2004 (Pleno) - Proc. n.º 041000, de 09/02/2006 - Proc. n.º 0529/05 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Santos Botelho in: “Contencioso Administrativo - Anotado …”, 2.ª edição, págs. 313/314].
Nessa medida, não visando aquele normativo a tutela dos interesses do aqui recorrente jurisdicional (recorrido contencioso), o mesmo carecerá de legitimidade para invocar a sua violação, desatendendo-se, sem necessidade de outros considerandos, este fundamento.
Note-se, ainda, que a sentença em crise e o entendimento no qual a mesma se estribou na aplicação do art. 57.º da LPTA em nada viola o direito à tutela jurisdicional efectiva, mormente, o art. 268.º, n.º 4 da CRP, porquanto, desde logo, a mesma resulta e/ou é um produto ou manifestação prática daquele direito com a obtenção por parte da recorrida jurisdicional do reconhecimento da procedência da sua pretensão anulatória, constituindo inequivocamente a afirmação e prova da sua existência.
Improcede, por conseguinte, este fundamento de recurso. *
3.2.2. DA VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTS. 100.º e 103.º, N.º 2 CPA
Invoca também o recorrente que a decisão judicial recorrida fez errada interpretação e aplicação dos preceitos legais em epígrafe porquanto inexistindo instrução o acto de exclusão do concurso da concorrente, aqui recorrida jurisdicional, não haveria lugar à necessidade de audiência prévia tanto mais que se tratou de exercício de poderes vinculados, sendo que a ocorrer o vício sempre o mesmo deveria ter-se como não invalidante por força do operar do princípio do aproveitamento dos actos administrativos.
Vejamos.
Estatui-se no art. 100.º do CPA, sob a epígrafe "Audiência dos interessados", que "Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta” (n.º 1), sendo que no n.º 2 do artigo seguinte se prevê que a “… notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo poderá ser consultado”.
E do art. 103.º decorre que não “… há lugar a audiência dos interessados: a) Quando a decisão seja urgente; b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão; c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevada que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada …” (n.º 1), prevendo-se a possibilidade dispensa da audiência dos interessados nos seguintes casos “… a) … os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas; b) … os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados …” (n.º 2).
Refira-se, desde já, que os arts. 100.º e 101.º do CPA são aplicáveis salvo excepções previstas no art. 103.º do mesmo Código seguramente a todos os procedimentos administrativos de 1º grau [cfr. Freitas do Amaral e outros in: "O Código do Procedimento Administrativo" seminário Gulbenkian, 1992, pág. 26; Esteves de Oliveira e outros in: "Código do Procedimento Administrativo", 2ª edição actualizada, revista e aumentada, pág. 452, nota 1; Santos Botelho e outros in: "Código do Procedimento Administrativo", 5.ª edição, pág. 421, nota 14], sendo que o mesmo começa ou dá início à terceira fase do procedimento administrativo, a "fase do saneamento" nas palavras de Esteves de Oliveira.
O princípio da audiência prescrito nos arts. 100.º e segs. do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no art. 08.º do mesmo código e surge na sequência e em cumprimento da directriz constitucional inserta no art. 267.º, n.ºs. 1 e 5 da CRP. Constitui uma manifestação do princípio do contraditório através da possibilidade não só do confronto dos critérios da Administração com os dos administrados de modo a poderem ser obtidas plataformas de entendimento, mas também a possibilidade de estes apontarem razões e fundamentos, quer de facto quer de direito, que invalidem o caminho que a Administração intenta percorrer e levem a que outro seja o sentido da decisão.
Na verdade, a audiência prévia dos interessados antes da decisão final que os possa afectar constitui um princípio estruturante do procedimento administrativo, sendo que com as alterações introduzidas pelo DL n.º 06/96, de 31/01, ao nível da redacção do art. 02.º do CPA, passou a ficar claro que a actuação da Administração Pública, na sua globalidade, está sujeita aos princípios gerais da actividade administrativa constantes do CPA, o mesmo sucedendo em relação às normas que concretizam preceitos constitucionais (cfr. n.º 5 do citado artigo) e no domínio da actividade de gestão pública as restantes disposições do CPA são aplicáveis supletivamente aos procedimentos especiais, desde que não envolvam diminuição de garantias dos particulares (cfr. n.º 7 do mesmo preceito).
Daí que tal disciplina da audiência dos interessados contida no CPA, em particular a sua necessidade e oportunidade, a abertura a todos os interessados e as modalidades que pode revestir segundo o critério da Administração, correspondem a um princípio de participação que o código se limitou a acolher, termos em que a audiência dos interessados prevista no CPA não será aplicável aos procedimentos especiais formalizados preexistentes a título subsidiário mas sim directamente em virtude de a mesma corporizar um princípio jurídico geral (cfr. Pedro Machete in: "A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo", págs. 316 a 322, cuja posição neste particular seguimos de perto e que é aceite por Santos Botelho e outros in: ob. cit., págs. 453 e 454, nota 1).
No art. 100.º do CPA consagra-se de forma expressa o direito que assiste ao interessado, em determinado procedimento, de, como já referimos supra, ser ouvido antes de ser proferida decisão que lhe seja desfavorável.
Tal direito a ser ouvido e que se opera mediante a audiência prevista no citado normativo deve consistir na efectiva possibilidade que será conferida ao interessado no procedimento em questão de ter uma participação útil no âmbito daquele procedimento não devendo reconduzir-se ou traduzir-se num mero acto de rotina (cfr. Santos Botelho e outros in: ob. cit., pág. 419, nota 8; Pedro Machete in: ob. cit., pág. 453; Ac. do STA de 11/02/1999 - Proc. n.º 44508 in: Antologia de Acórdãos do STA/TCA Ano II, n.º 2, págs. 107 e segs.), impendendo sobre a Administração uma "obrigação de meios" no sentido de criar as condições necessárias e bastantes de molde a que ao interessado seja assegurada uma participação substancial no âmbito do procedimento em questão.
Como sustenta Agustin A. Gordillo (in: "Introducion al derecho administrativo - Teoria general del derecho administrativo", pág. 679 citado por Santos Botelho e outros in: ob. cit. pág. 419), reportando-se ao direito em análise, este é um "... direito transitivo, que requer alguém que queira escutar, para poder ser real e efectivo ...".
Ainda segundo o mesmo autor (in: ob. cit., págs. 679 e 682) o direito a ser ouvido pressupõe:
"...
a) A publicidade do procedimento, manifestada na possibilidade de o interessado em causa conhecer o expediente administrativo.
b) A oportunidade de exprimir as suas razões antes de ser praticado o acto final.
c) A consideração por parte da Administração de tais razões.
d) Obrigação de decidir expressamente as petições.
e) Obrigação de fundamentar as decisões analisando os pontos propostos pelos interessados.
f) Direito ao patrocínio judiciário.
g) Direito a oferecer e a produzir prova.
h) Direito a que toda a prova pertinente oferecida venha a ser produzida. i) Que tal produção de prova seja efectuada antes da decisão final.
j) Direito a controlar a produção de prova ...".
Note-se que a garantia dada pelo normativo em questão quanto à possibilidade ou princípio da contradição é uma garantia substanciosa que se confere a todos os interessados de que a sua versão dos factos e do direito ou a tutela dos seus interesses serão tomados em consideração na decisão do procedimento sem que tal signifique que a Administração tenha de ficar amarrada a tal versão apresentada pelo interessado já que a mesma tem liberdade de os desqualificar ou repudiar face a outros que a Administração tenha por prevalecentes (cfr. Esteves de Oliveira e outros, in: ob. cit., pág. 449, nota I).
Para além disso, a audiência do interessado deve ocorrer depois de concluída a instrução já que tal direito a ser ouvido só terá possibilidade de ser exercitado em termos eficazes e adequados se o interessado em causa tiver possibilidade de tomar uma determinada posição na sequência da análise de tudo aquilo que foi coligido no âmbito do procedimento, sendo que se posteriormente à audiência do interessado surgirem novos elementos susceptíveis de influenciar a decisão final terá de ser concedida, de novo, ao interessado a faculdade de se pronunciar sobre eles igualmente enquanto emanação do próprio princípio do contraditório.
Com efeito, tal como sustenta Pedro Machete (in: ob. cit. pág. 450) "... o particular deve poder pronunciar-se sobre o objecto do procedimento tal como o mesmo se apresenta perante o órgão competente para a decisão final …".
Tal direito de audiência deve ser facultado aos diversos interessados obrigatórios na decisão, mesmo àqueles que, tendo podido já intervir no procedimento, não o fizeram, sendo que são interessados tanto aqueles a quem a decisão prejudica ou desfavorece, como aqueles que com ela saem favorecidos pese embora quanto a estes haja a possibilidade de dispensa preenchida a previsão do art. 103.º, n.º 2, al. b) do CPA.
Feitos estes considerandos de enquadramento quanto ao direito de audiência prévia importa, agora, reverter à análise da alegação na qual se sustenta o recurso jurisdicional “sub judice”.
Ora temos para nós que a argumentação desenvolvida pelo aqui ora recorrente não procede.
De facto, desde logo o direito de audiência dos interessados, regulado nos arts. 100.º e seguintes do CPA, é aplicável ao procedimento de concurso aqui em causa por se assumir como a concretização do modelo de administração participada expresso no n.º 5 do art. 267.º da CRP, sem que do regime especial decorrente do DL n.º 185/81, de 01/07, resulte conclusão inversa.
Assente isto temos que considerando a factualidade apurada e documentação no mesmo inserta verifica-se que à aqui ora recorrida não veio a ser assegurado o direito de audiência no âmbito do procedimento administrativo em questão, não lhe sendo permitido tomar posição sobre a decisão de exclusão que veio a ser tomada tudo de molde a que a mesma pudesse participar no âmbito do processo concursal em termos prévios à tomada da decisão final posta em crise nos autos de recurso contencioso em presença.
Atente-se que o procedimento concursal em análise no seu devir normal assume-se como um processo com instrução traduzido, desde logo, pela junção da documentação de candidatura que constitui objecto de apreciação pelo júri.
Ora, não contendo o acto impugnado qualquer justificação para a dispensa de audiência prévia da recorrente contenciosa, nem se mostrando satisfeita a finalidade da formalidade por outra via de intervenção procedimental e não podendo concluir-se que o acto administrativo recorrido não poderia ser outro face aos contornos da própria decisão de exclusão em si, se a recorrente contenciosa tivesse tido oportunidade de se pronunciar antes da decisão final, visto, poder ter carreado para o processo outros elementos ou esclarecimentos a impor uma nova ponderação pela Administração e, eventualmente, uma decisão com outro conteúdo, a preterição da sua audiência é também ela, pela motivação antecedente, fundamento de anulação do acto contenciosamente recorrido.
Ao assim não proceder, em violação do arts. 100.º e 103.º do CPA, a autoridade recorrida impediu que a recorrente contenciosa pudesse exercer os seus direitos, mormente, de resposta e de participação na formação de decisão que poderia, eventualmente, ser diferente face às razões e alegações/motivações que viessem a ser apresentadas.
Por outro lado, não se vislumbra procedente a invocação do princípio do aproveitamento do acto “in casu” já que este princípio, tal como constitui entendimento uniforme, só assume relevância se, perante os elementos constantes do acto, o tribunal possa antever, com inteira segurança, que o acto a praticar pela Administração, uma vez expurgado o vício que o inquinava, teria conteúdo decisório idêntico ao do acto impugnado anulado.
No caso vertente o cumprimento da formalidade procedimental omitida poderia ter permitido a junção ao procedimento de elementos/argumentos que, devidamente ponderados, justificariam, eventualmente, decisão diversa daquela que foi tomada, inexistindo, pelos contornos apurados nos autos e decisão administrativa em crise, uma situação clara de inteira segurança no sentido da irrelevância do vício procedimental na e para a produção do acto administrativo.
A sentença recorrida não podia, pois, deixar de anular o acto impugnado por violação do art. 100.º do CPA pelo que, pelo exposto e sem necessidade de outras considerações, temos que improcedem, na totalidade, as conclusões da alegação do recorrente e, consequentemente, o recurso jurisdicional “sub judice”.  4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão judicial recorrida.
Não são devidas custas nesta instância dada a isenção legal de que beneficia o recorrente (art. 02.º da Tabela de Custas).
Notifique-se. D.N..Restitua-se ao ilustre mandatário do recorrente o suporte informático gentilmente disponibilizado.Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” art. 01.º da LPTA).Porto, 31 de Janeiro de 2008
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Maria Isabel São Pedro Soeiro |