Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00819/19.9BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/12/2024
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:VITOR SALAZAR UNAS
Descritores:LEI NOVA;
APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL;
Sumário:
I – O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação – cfr. artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias.

II – Em matéria penal, como em matéria contraordenacional, vigora por imperativo constitucional e legal a regra da aplicação retroativa da lei mais favorável – cfr. artigos 29.º, n.º 4 da CRP, 2.º, n.º 4 do Código Penal e 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT aplicável ex vi artigo 18.º da Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho.

III - Daí que o facto de em causa nos autos estar uma contraordenação praticada em data anterior à da entrada em vigor da Lei nova não constitui obstáculo a essa aplicação se esta lei se revelar mais favorável e enquanto não ocorrer decisão com trânsito em julgado.

IV – Assim sendo, impõe-se, em consequência, a baixa dos autos à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de rever ou renovar a decisão de aplicação da coima, em conformidade com o novo quadro legal.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:

I – Relatório:

«[SCom01...], LDA.», interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente o presente Recurso de Contraordenação, por si, apresentado contra a decisão de fixação de coima no valor de € 1.847,94, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças ..., no procedimento por contraordenação n.º ...62, por falta de pagamento de imposto (IVA) dentro do prazo.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«(…).
1.º A recorrente apresentou impugnação judicial, que foi admitida.
2.º A Arguida apresentou o respetivo recurso contraordenacional, ao abrigo do artigo 80.º do Regime Geral das Contraordenações, por via eletrónica com assinatura digital.
3.º O princípio da publicidade implica que qualquer ato derivado dos poderes públicos não produza efeitos enquanto o respetivo destinatário não o conhece ou não tem a possibilidade de o conhecer (1).
4.º Nesse sentido, há uma proibição de atos secretos dos poderes públicos (geheime Agieren der Verwaltung) dotados de eficácia externa.
5.º A notificação consiste no instrumento formal e oficial que possibilita a produção de efeitos de um ato cujo destinatário está devidamente individualizado. Assim, nos atos administrativos, tendo em conta que o destinatário está, em regra, individualizado, o princípio da publicidade obriga que, para que não haja atos secretos, o ato seja levado ao conhecimento do destinatário determinado através da notificação.
6.º Por força do artigo 268.º, número 3 da Constituição, a notificação não deve limitar-se a dar conhecimento da existência de determinado ato, mas deve igualmente incluir a totalidade do ato comunicado.
7.º O conteúdo da notificação há-de ser, por isso, o próprio ato.
8.º O ato que está a ser notificado tem de acompanhar obrigatoriamente a própria notificação – só assim se garante que o ato chegou à esfera de cognoscibilidade média do destinatário.
9.º O Tribunal recorrido, no ponto 3 e no ponto 4 dos factos provados da douta sentença, dá como provado que a autoridade administrativa praticou uma decisão contraordenacional que foi notificada à arguida.
10.º Para surpresa da Arguida – e permita-se o desabafo, não se olvida que também será a surpreendente para este Supremo Tribunal, a Arguida nunca recorreu da decisão referida no ponto 3 dos factos provados.
11.º A Arguida nunca foi notificada de outras decisões contraordenacionais, com outras fundamentações (“atos de ocultação, benefício económico, frequência da prática, negligência, obrigação de não cometer a infração, situação económica e financeira, tempo decorrido desde a prática da infração.
12.º Na decisão de que a Arguida recorreu não havia uma linha que provasse qualquer imputação subjetiva.
13.º Em suma, a Arguida foi notificada de uma decisão contraordenacional, recorreu da mesma, e foi surpreendida na decisão judicial ora recorrida com outra decisão contraordenacional, porventura mais fundamentada.
14.º Assim sendo, como se julga ser claro, não podia o Tribunal recorrido fundamentar a sentença numa decisão contraordenacional que à data do recurso contraordenacional, não existia; e de que a Arguida não recorreu.
15.º Exatamente nestes termos, veja-se a jurisprudência deste Supremo Tribunal, de 18-04-2018, processo n.º 0137/18, disponível no sítio em linha www.dgsi.pt .
16.º Desta forma, as decisões contraordenacionais (essenciais à decisão recorrida) são prova proibida, por violação dos direitos de defesa da Arguida e do princípio da publicidade, o que provoca a nulidade da sentença, por força do artigo 122.º, número 1, artigo 379.º, numero 2 e artigo 412.º, número 3, todos do Código de Processo Penal, ex vi artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações, por força do art.º 3.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
17.º Nestes termos, tendo o Tribunal recorrido admitido como válida uma prova proibida, a douta sentença incorre no vício de direito, o qual gera a nulidade da sentença, o que se invoca.
18.º A autoridade administrativa não produziu qualquer prova sobre a imputação subjetiva da culpa do agente;
19.º E o Tribunal recorrido, apesar de dar como provados factos sem qualquer produção de prova, teve o entendimento de que «a omissão da entrega do imposto devido, no prazo para o efeito, constitui por si só o tipo de ilícito subjectivo negligente»
20.º Assim, entendeu o Tribunal recorrido que é suficiente a simples menção da negligência.
21.º Salvo o devido respeito, que é muito, entende o Tribunal recorrido que a mera aposição da «negligência» serve de fundamento para imputar subjetivamente a culpa do agente.
22.º Não teve o Tribunal recorrido em conta que em qualquer Direito sancionatório, onde se inclui o Direito contraordenacional, (1) a culpa é pressuposta da sanção; (2) a culpa é a medida da sanção; e (4) a culpa não se presume.
23.º Grosso modo, sob pena da violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 6.º) e do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º, número 2 da Constituição, a responsabilidade contraordenacional é uma responsabilidade subjetiva.
24.º E o facto de se permitir que no Direito contraordenacional a prova da culpa seja menos exigente que a do Direito penal, não fundamenta a permissão jurisdicional de que a mera referência à negligência permite a responsabilidade subjetiva contraordenacional.
25.º Dito de outra forma: o enfraquecimento do controlo jurisdicional da prova da culpa no domínio contraordenacional, além de inconstitucional, por violação do princípio da culpa, dá o sinal preocupante de que a autoridade administrativa pode, a seu bel-prazer, transfigurar a responsabilidade sancionatória contraordenacional numa responsabilidade administrativa – com intuitos financeiros.
26.º Sendo esse o caminho da autoridade administrativa na fase organicamente administrativa, entende-se não dever ser esse o caminho dos órgãos jurisdicionais.
27.º Pior ainda, quando é o próprio tribunal que, erradamente, se substitui à autoridade administrativa, aprofundando a decisão condenatória.
28.º De facto, na decisão de que a Arguida recorreu não havia uma linha relacionada com qualquer imputação subjetiva de factos.
29.º Desta forma, a decisão contraordenacional é nula, por violação dos direitos de defesa da Arguida, o que provoca a nulidade da sentença, por força do artigo 122.º, número 1, artigo 379.º, número 2 e artigo 412.º, número 3, todos do Código de Processo Penal, ex vi artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações, por força do art.º 3.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
30.º A notificação para o exercício do Direito de audição e defesa define e delimita o objeto do processo, fixando o thema decidendum, sendo o elemento estruturante de definição desse objecto.
31.º Assim, nem o Tribunal, nem a autoridade administrativa não pode promover a decisão para além dos limites da notificação para o exercício do Direito de audiência e defesa, nem condenar para além dos limites.
32.º O Tribunal condenou no cumprimento de uma coima por uma conduta negligente.
33.º A imputação em causa não constava da notificação para o exercício do Direito de audiência e defesa.
34.º Desta forma, a presente decisão condenatória é nula, ex vi artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações e artigo 359.º do Código de Processo Penal

TERMOS EM QUE,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, proferindo-se douto Acórdão que decida pela revogação da, aliás douta, sentença recorrida.»

Apenas a Digna Procuradora da República apresentou resposta ao recurso, apresentando conclusões nos seguintes termos:
«(…).
1- Invoca a recorrente, que a Mmº Juiz a quo se terá pronunciado sobre os eventuais vícios de uma decisão contraordenacional distinta da que era objeto do recurso interposto e, mormente, julgado improcedente o recurso de contraordenação quanto a uma decisão de aplicação de coima em relação à qual não havia sido interposto qualquer impugnação judicial.
2- Assim, em seu entender, terá a sentença a quo emitido pronúncia quanto a questões lhe eram vedadas, o que determina a nulidade da decisão, ao abrigo do disposto no artº 379º, nº 1 c) do CPP, aplicável ex vi artº 3.º b) do RGIT.
3- Mas não se vislumbra qualquer erro ou lapso na identificação da decisão de aplicação de coima que foi apreciada na sentença sob recurso.
4- A arguida interpôs recurso da decisão da AT, proferida em 03.07.2019, no âmbito do processo de contraordenação nº ...62, que determinou a aplicação de uma coima no valor de €1847,94, e das custas processuais, pela prática do ilícito p.p. pelos artºs 27.º nº 1 e 41.º, nº 1 a. a) do CIVA, 114,º nº 2 e nº 5 a) e 26º, nº 4 do RGIT (falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo), respeitante ao período de 2019/01, sendo o termo do prazo para cumprimento da obrigação a data de 11.03.2019.
5- E a douta sentença recorrida apreciou precisamente tal decisão, como decorre dos pontos 3 e 4 dos factos provados e demais fundamentação ali exarada.
6- A “decisão” que a recorrente identifica como tendo sido objeto de impugnação judicial é, tão só, a notificação que lhe foi enviada da decisão de aplicação da mesma coima, no valor de €1847,94, no dito processo de contraordenação nº ...62, por decisão de 03.07.2019.
7- A decisão do Ex.mo Chefe do Serviço de Finanças, que determinou a aplicação da coima é um ato distinto da posterior notificação efetuada à arguida, com vista ao seu conhecimento.
8- A lei não impõe que a notificação da decisão de aplicação de coima em causa se faça acompanhar de cópia da mesma, mas, tão só, que reproduza os termos desta, o que foi feito.
9- A decisão de aplicação da coima e a notificação ao infrator do teor desta, contêm todos os requisitos legalmente exigidos, previstos no art.º 79.º, nº 1 e nº 2 do RGIT como, aliás, foi já considerado na douta sentença em crise.
10- Na decisão de fixação do montante da coima da ponderação dos elementos previstos no artº 27.ºdo RGIT o requisito de “descrição sumária dos factos” exarado no art. 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infração imputada ao arguido, pelo que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são, senão, os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa.
11- Tal requisito tem-se por cumprido se a decisão de aplicação de coima, embora de forma sintética e padronizada, refira os elementos que contribuíram para a fixação da coima.
12- Essa exigência deve ter-se por satisfeita no caso sub judice pois a decisão de aplicação da coima faz referência à culpa da Recorrente, imputando-lhe a prática do ilícito a título de negligência.
13- Para prova do elemento subjetivo da infração é suficiente a simples menção de que esta foi cometida por negligência.
14- Da notificação para apresentação de defesa ou pagamento antecipado enviada à arguida constam devidamente elencados todos os elementos legalmente exigíveis, mormente os factos apurados e que lhe eram imputados e a punição em que incorria, por referência à moldura penal do ilícito em causa, como determinado pelo artº 70º, nº 1 do RGIT.
15- A falta de comunicação, na notificação a que alude o artigo 50º do regime geral das contraordenações, de factos relativos ao elemento subjetivo da infração, não é causa de nulidade do processo administrativo.
16- Ao direito de defesa, neste âmbito, basta tão-só a descrição naturalística dos factos, para que o arguido possa defender-se, exercendo o contraditório. Donde resulta ser manifestamente improcedente o vício invocado a este propósito, pois que não houve qualquer alteração dos factos imputados à arguida, os quais constam devidamente explanados do auto de notícia, e dos quais esta tomou conhecimento, a tempo de apresentar a sua defesa
Pelo exposto, entende-se que não deverá ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida.»


*

A Digna Procuradora Geral Adjunta junto do TCAN emitiu parecer concluindo pelo provimento do recurso, nos seguintes termos:
«(…).
Acompanha-se na íntegra os termos da Resposta ao Recurso apresentada pelo Ministério Público na 1ª Instância, com data de 09/12/2020, e que constitui fls. 117/124 do SITAF.
A sentença recorrida não merece qualquer reparo, devendo o recurso interposto pela recorrente “[SCom01...], Lda.” ser julgado improcedente.»
*
Por despacho proferido a 24.06.2024, foram todos os intervenientes processuais notificados para se pronunciarem sobre questão de conhecimento oficioso, relacionada com a ponderação sobre a, eventual, aplicação do regime legal concretamente mais favorável, na decorrência da entrada em vigor da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01.01.2022, ou seja, em data posterior à das decisões impugnadas e da sentença recorrida, dando nova redação, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infrações Tributárias e aditando o artigo 28.º-A ao mesmo diploma.

Na sequência daquela notificação, a Recorrente apresentou requerimento com o seguinte teor:
«(…).
Vem dizer que efetivamente a lei nova traduz efeitos concretamente mais favoráveis, designadamente em sede de aplicação de decisão de admoestação.
Mais refere que o processamento contraordenacional pode estar irremediavelmente prescrito, atendendo ao artigo 33.º, número 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias e do artigo 28.º, número 3 do Regime Geral das Contraordenações.»

A Digna Procuradora Geral Adjunta emitiu pronúncia nos seguintes termos:
«(…).
Nada a opor ao entendimento vertido no douto despacho judicial proferido no dia 24/06/2024 (fls. 179 do SITAF), quanto à aplicabilidade ao presente procedimento de contraordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redação, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infrações Tributárias e aditando o artigo 28.º-A ao mesmo diploma, razão porque deverá ser proferida decisão nesse sentido.»
.
*
Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas do art.º 419.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do art.º 3.º do RGIT e n.º 4 do art.º 74.º do RGCO, sendo o processo submetido à conferência para julgamento.

*

II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAr
No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGCO) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
Não obstante, o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões (cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGCO), exceto quanto aos vícios de conhecimento oficioso.
Assim, será ponderada, numa primeira análise, a prescrição do procedimento contraordenacional, uma vez que a Recorrente colocou a possibilidade da sua verificação, seguida, caso a resposta à primeira questão seja negativa, da ponderação sobre a aplicabilidade a este mesmo procedimento da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, que entrou em vigor em 01.01.2022, dando nova redação, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infrações Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma, que pode influenciar a medida concreta da coima aplicada.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – MATÉRIA DE FACTO
No despacho decisório prolatado em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
«(…).
1. Em 9/6/2019, foi levantado o Auto de Notícia, com base no qual foi instaurado contra a Recorrente o processo de contra-ordenação n.º ...62, e do qual consta o seguinte:
[…].
(cfr. doc. a fls. 6 e 7 do pdf, sitaf);
2. Foi emitido ofício destinado a notificar a Recorrente para apresentar defesa ou efectuar o pagamento antecipado da coima, indicando os limites mínimo (€1.807,28) e máximo (€6.024,29) abstractamente aplicáveis.
(cfr. doc. a fls. 8, sitaf);
3. Em 3/7/2019, foi proferida decisão de aplicação de coima no âmbito do processo de contra-ordenação referido no ponto 1., da qual consta o seguinte:
[…].
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/07, constituindo contraordenação(ões).
Normas infringidas Normas punitivas Período Tributação Data Infração Coima Fixada
Art.º 27º n.º 1 e 41 n.º1 a) CIVA – Falta de pagamento do imposto (M)Art.º 114 n.º 2, 5 a) e 26º n.º 4 RGIT –
Falta entrega prest. Tributária dentro prazo (M)
2019012019-03-111847,94
Responsabilidade contraordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do artº 7º do Dec-Lei n.º 433/82, de 27/10, aplicável por força do art.º 3.º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contraordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objetiva e subjetiva da(s) contraordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) quadro(s) (Artº 27 do RGIT):
Requisitos / Contribuintes
...32
Atos de ocultação Não
Benefício económico 0
Frequência da prática Acidental
Negligência Simples
Obrigação de não cometer infração Não
Situação económica e financeira Baixa
Tempo decorrido desde prática da infração < 3 meses
DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art.º 79.º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 1.847,94 cominada no(s) Art(s) 114.º n.º 2, 5 a) e 26.º n.º 4 do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec-Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.
[…].
(cfr. doc. a fls. 9, 10, e 11 do sitaf);
4. Foi emitido ofício destinado a dar conhecimento à Recorrente da decisão referida no ponto anterior, o qual foi enviado para o ViaCTT em 6/7/2019. (cfr. fls. 12 e 38 do sitaf);
5. Em 13/8/2019, as presentes alegações de recurso foram enviadas, por e-mail, para o Serviço de Finanças ....
(cfr. fls. 13 do sitaf).
*
A decisão quanto à matéria de facto dada como provada realizou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.»

*
III.2 – DE DIREITO:
Conforme supra mencionado, a Recorrente colocou a possibilidade da verificação da prescrição do procedimento contraordenacional, que por ser prejudicial relativamente às restantes questões, cumpre, desde já, o seu conhecimento.
Comecemos por convocar o quadro jurídico que releva para o caso dos autos.
Estabelece-se na norma do artigo 33.º do RGIT:
«1 - O procedimento por contra-ordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.
2 - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento».
Sendo que nos termos do disposto no artigo 119.º do Código Penal, aplicável por força do artigo 32.º do RGIMOS, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
Significa, então, que, em regra, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de cinco anos, podendo ser encurtado para o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração dependa daquela liquidação.
Conforme doutrinam Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2.ª edição. 2003, pág. 283: «A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar o seu valor».
In casu, a infração que fundamentou a aplicação de coima à Recorrente punida pelos artigos 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea a) e 26.º, n.º 4, do RGIT, resulta do facto de a arguida não ter cumprido com o disposto nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a) do CIVA [falta de pagamento do imposto dentro do prazo]
Ora, o artigo 114.º, [n.º 2] e n.º 5, alínea a) do RGIT, considera que «[p]ara efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária: A falta de liquidação (…), ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente (…).», encontra-se, necessariamente, dependente do apuramento do imposto em falta, liquidado indevidamente, donde o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional tem de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, n.º 4, da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, concernindo, no caso do IVA, o respetivo cômputo ao início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
No sentido, ora, propugnado importa chamar à colação, entre outros, a doutrina vertida no Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo n.º 679/11, de 30 de abril de 2019, do qual se extrata o seguinte:
«As contra-ordenações p.p. nos artigos 114.º, 118.º e 119.º do RGIT dependem da prévia determinação do valor da prestação tributária devida para a determinação da coima aplicável, pois que os limites mínimo e máximo se determinam tendo por referência o valor do imposto em falta, no caso da p.p. no artigo 114.º, ou tais limites dependem de haver ou não imposto a liquidar, nos casos das previstas nos artigos 118.º e 119.º do RGIT, sendo-lhes aplicável o prazo de prescrição do procedimento correspondente ao prazo de caducidade do direito à liquidação.»
Assim, aplicando os aludidos conceitos ao caso dos autos, e tendo presente que a infração respeita ao período de 2019/01, temos que o dies a quo, é o dia 01 de janeiro de 2020, em conformidade com o consignado no artigo 45.º, n.º4 da LGT e artigo 7.º do CIVA.
Significa isto que, aplicando o aludido prazo de prescrição (4 anos) e na hipótese de não ter ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão, o procedimento contraordenacional prescreveria a 01 de janeiro de 2024.
Porém, na contagem do referido prazo de prescrição tem de ser ressalvado o tempo de interrupção e suspensão da prescrição.
De relevar, neste particular, que existindo causa de interrupção do prazo de prescrição o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, uma vez que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (cf. n.º 2 do artigo 121.º do CP ex vi artigo 32.º do RGIMOS, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).
Por seu turno, a suspensão do prazo de prescrição impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou, ou seja o prazo de prescrição só volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (cfr. n.º 6 do artigo 120.° do CP, ex vi artigo 32.º do RGIMOS, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).
Atentemos, ora, nas causas de interrupção e suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.
É que, em matéria de interrupção do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, preceitua-se no artigo 28.º do RGIMOS, na redação resultante da Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro, expressamente que:
«1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação do arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade». - sublinhado nosso.
Em matéria de suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação, o normativo contido no artigo 27.º-A do RGIMOS, aplicável ex vi artigo 33.º nº 3 do RGIT, estabelece o seguinte:
«1. A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa nos termos do artigo 40º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.»
Por sua vez, a norma do artigo 33.º n.º 3 do RGIT prevê causas específicas de suspensão do procedimento contraordenacional tributário consignando-se aí que a suspensão da prescrição se verifica também:
· Por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º;
· No caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.
Visto o direito aplicável ao caso sub judice, façamos a competente transposição para a situação fáctica dos autos.
No caso concreto, como já referimos, tendo por referência o período de dedução indevida de IVA de 2019/01, temos que a infração imputada à arguida/Recorrente se consumou a 01 de janeiro de 2020.
A partir desta data iniciou-se a contagem do prazo de prescrição, a qual terá sido interrompida com a notificação da aqui Recorrente para exercer o seu direito de defesa nos termos do artigo 70.º do RGIT e, mais tarde, com a decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima.
A interrupção da prescrição, ao contrário do que sucede com a suspensão, tem como consequência que o tempo decorrido antes da causa de interrupção fique sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se novo prazo logo que desapareça essa mesma causa, tal como resulta da norma contida no artigo 121.º, n.º 2 do Código Penal.
No entanto, como bem se compreende, a renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção conduziria a que pudesse, indesejavelmente, eternizar-se a possibilidade de prosseguir o processo contra o arguido.
Em ordem a evitar uma tal situação, estabeleceu-se no RGIMOS (como, de resto, já sucedia no Código Penal) um limite à admissão de um número infinito de interrupções e à ideia de que cada interrupção da prescrição implica um novo decurso da totalidade do prazo, através da norma do n.º 3 no artigo 28.º, supra citada, na qual, expressamente, se consagra que «a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade».
Desta norma resulta que o prazo máximo de prescrição em procedimento contraordenacional tributário in casu é de seis anos (4+2).
Assim, o procedimento contraordenacional em causa nos autos, em tese, apenas prescreveria a 01.01.2026, mesmo desconsiderando as causas suspensivas do prazo de prescrição:
· Decorrente da alínea c) do n.º 1 do art. 27.º-A, com prazo de máximo de suspensão de 6 meses [n.º 2], do RGIMOS, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º, n.º 3 do Código Penal;
· Resultante das leis especiais emanadas no âmbito da pandemia COVID19, com base nas quais todos prazos de prescrição estiveram suspensos, no âmbito do confinamento ocorrido nos anos de 2020 e 2021 [suspensos entre o dia 09 de março de 2020 e o dia 02 de junho de 2020, num total de 86 dias, conforme as disposições conjugadas do artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e do artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio; por força do artigo 6.º-B, n.º 3, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, ocorreu nova suspensão relativa no período temporal de 22 de janeiro de 2021 a 05 de abril de 2021, num total de 74 dias].

Na sequência do exposto, sem necessidade de maiores considerações, inelutavelmente, concluímos pela não verificação da prescrição do procedimento contraordenacional.
*
Considerando a resposta negativa à questão da prescrição, impõe-se prosseguir com a ponderação sobre a aplicabilidade a este mesmo procedimento da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, que entrou em vigor em 01.01.2022, dando nova redação, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infrações Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma, que pode influenciar a medida concreta da coima aplicada.
Trata-se de lei nova, em matéria contraordenacional, estabelecendo um novo regime sancionatório, com alterações relevantes no que toca à dispensa, redução e atenuação das coimas aplicáveis.
Ora, na determinação da coima aplicável, em caso de alteração do regime legal, há que verificar qual o regime concretamente mais favorável, considerando o disposto no n.º 4, parte final, do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal e no n.º 2 do artigo 3.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social.
A Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, que veio reforçar «as garantias dos contribuintes e a simplificação processual, alterando a Lei Geral Tributária, o Código de Procedimento e de Processo Tributário, o Regime Geral das Infracções Tributárias e outros actos legislativos».
Estando em causa nos presentes autos decisão de aplicação de coima por infração ao disposto nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, punível pelo artigo 114.º, n.º 2, n.º 5, alínea a) e 26.º, n.º 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), mostra-se relevante o RGIT ter sido objeto desta recente alteração e aditamento pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, que, em concreto, procedeu à alteração dos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 40.º, 41.º, 58.º, 70.º, 75.º, 79.º, 80.º, 83.º, 84.º, 92.º, 96.º, 97.º, 108.º e 128.º e aditamento dos artigos 28.º -A, 32.º -A e 112.º -A.
Para apreciação das inovações constantes na nova lei e da sua eventual aplicação ao caso objeto, louvamo-nos na fundamentação do acórdão deste TCAN de 27.06.2024, proc. n.º 162/22.6BEMDL, com intervenção do mesmo coletivo, relatado pela primeira adjunta desta formação, por inexistirem razões para dela divergirmos, antes pelo contrário, desenvolvida nos seguintes termos:
«Cumpre atentar às alterações impostas ao RGIT, em sede do regime de dispensa, redução e atenuação das coimas, cuja entrada em vigor ocorreu a 01 de Janeiro de 2022 (vide artigo 17.º da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro).
De entre as alterações ao RGIT, há precisamente a destacar as que directamente têm a ver com medida e aplicação da coima e sanções acessórias, entre as quais a dispensa, redução e atenuação das coimas.
Estabelece-se a dispensa de coima (artigo 29.º do RGIT) quando, nos cinco anos anteriores, o agente não tenha sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias, ou beneficiado de dispensa ou de pagamento de coima com redução.
A dispensa de coima aplica-se ainda às situações em que (i) não esteja em causa a falta de entrega da prestação tributária e (ii) o agente tenha cumprido as obrigações tributárias que deram origem à infracção. Deixa de ser expressamente exigido, nesta sede, um diminuto grau de culpa.
Fica estipulada a redução do valor da coima para 12,5% ou 50% do montante mínimo legal, respectivamente, nas situações em que as coimas tenham sido pagas, a pedido do agente, e o pagamento for apresentado (i) sem que tenha sido levantado auto de notícia, recebida participação ou denúncia ou iniciado procedimento de inspecção tributária, ou (ii) até ao termo do prazo para apresentação de audição prévia no âmbito de procedimento de inspecção tributária (artigo 30.º do RGIT).
Sublinhe-se que, adquirido o conhecimento da prática de infracção, se prevê a notificação do infractor informando-o de que pode, em 30 dias, regularizar a situação tributária e exercer o direito à redução de coima (artigo 28.º-A do RGIT).
Com relevo, surgem ainda as alterações em sede de atenuação especial das coimas. A reformulação do regime de atenuação especial das coimas (artigo 32.º do RGIT) esclarece o momento em que o infractor – que reconhece a sua responsabilidade e regulariza a situação tributária - pode pedir a atenuação da coima: no decurso dos 30 dias concedido para a defesa e, ainda que, nas situações em que haja lugar à atenuação especial da coima, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade, não podendo resultar um valor inferior ao que resultaria da aplicação do artigo 30.º, nem ser inferior a 25€. A entidade competente pode limitar-se a proferir uma admoestação quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique.
É manifesto, desde logo, de entre as alterações, a regra de notificação para regularização e para exercício do direito à redução, que consta do artigo 28.º-A, que não existia no regime anterior. Depois, temos o artigo 29.º que passa a prever a chamada dispensa das coimas (que anteriormente estava prevista no n.º 4 do mesmo artigo e no 32.º, n.º 1 do RGIT) quando o regime anterior só permitia tal possibilidade para pessoas singulares, não abrangendo as pessoas colectivas e, mesmo em caso de reincidência o n.º 2 não afasta agora a possibilidade de mesmo assim ser aplicada a dispensa de coima, a requerer em 30 dias, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias: “a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária; b) Estar regularizada a falta cometida”.
Mais, estarmos perante um regime mais favorável advém ainda do regime quanto à redução de coimas, pois tal como resulta do artigo 30.º, em que a redução que então no anterior regime oscilava entre 12,5%, 30% e 75% (artigo 29.º, n.º 1 da lei anterior), apresenta agora valores inferiores e, bem assim, do regime da atenuação especial das coimas agora previsto.
As principais alterações, referidas, prendem-se com a objectividade que as mesmas transmitem aos regimes de dispensa, redução e atenuação de coima, exemplos disso são: (i) passar, desde logo, a estar definido que não pode ser aplicada coima quando o agente, nos cinco anos anteriores, não tenha: a) Sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias; b) beneficiar de dispensa ou de pagamento de coima com redução nos termos do RGIT; (ii) ser eliminado o requisito do “diminuto grau de culpa” e definido o conceito de “prejuízo efectivo”; (iii) o alargamento aos sujeitos passivos colectivos da possibilidade de dispensa de coima nas situações em que o agente, nos cinco anos anteriores, não tenha sido condenado por decisão transitada em julgado em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias e beneficiado de dispensa ou de pagamento de coima com redução.
Posto isto, não podemos olvidar que, em matéria penal, como em matéria contra-ordenacional, vigora por imperativo constitucional e legal a regra da aplicação retroactiva da lei mais favorável – cfr. artigos 29.º, n.º 4 da CRP, 2.º, n.º 4 do Código Penal e 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT aplicável “ex vi” artigo 18.º da Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho – daí que o facto de em causa nos autos estarem contra-ordenações praticadas em data anterior à da entrada em vigor da Lei nova não constitui obstáculo a essa aplicação se esta lei se revelar mais favorável, enquanto não ocorrer decisão com trânsito em julgado (cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 21.10.2015 proferidos nos recursos n.ºs 719/15, 808/15, 833/15, 983/15, 1043/15 e 1059/15 e de 04.11.2015, nos recursos n.ºs 1042/15 e 1062/15 e vastíssima jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores em matéria penal).
E é precisamente isso que sucede in casu.
Com as alterações introduzidas ao RGIT, pela lei n.º 7/2021, ao dar nova redacção aos artigos do RGIT em matéria de dispensa, atenuação e redução da coima, o legislador introduziu, como já referimos, um conjunto de mudanças em sede das consequências jurídicas da infracção, no sentido de concretizar e tornar mais objectiva a aplicação daqueles regimes, ao alargar a sua aplicação às pessoas colectivas (e, estamos in casu, perante uma sociedade), ao introduzir ex novo determinados condicionalismos para funcionar o regime de redução (artigo 28º - A), aumentando os valores percentuais de redução da coima, e a possibilidade de substituição da coima por admoestação.
Qualquer destas hipóteses, não previstas no regime contra-ordenacional em vigor na altura da aplicação das coimas à Recorrente, a se justificar no caso em apreço, é mais favorável àquela.
Perante o exposto, impõe-se, necessariamente, nova graduação das coimas aplicadas, que tenha agora em conta as disposições do RGIT que entraram em vigor no dia 01 de Janeiro de 2022, o que necessariamente implica uma nova decisão administrativa de aplicação da coima, nomeadamente com cumprimento da imposição do artigo 28.º - A e verificação de determinados condicionalismos, havendo que apurar da regularização da situação tributária, o seu momento temporal, ocorrência ou não de situações anteriores de aplicação de coimas para aferir da reincidência e, perante tais elementos, proceder à atenuação/redução das coimas ou mesmo dispensa, a verificarem-se os pressupostos legais da sua aplicação, o que implica uma reapreciação para aplicação do novo regime – cfr., neste sentido, Acórdão deste TCA Norte, de 06/10/2022, proferido no âmbito do processo n.º 361/16.0BEAVR.
Pelas razões expostas, as decisões administrativas de aplicação das coimas sindicadas nos presentes autos, referentes a infracções praticadas em diversas datas dos anos de 2018, de 2019 e de 2020, não se podem manter, desde logo, porque haverá que graduar as coimas aplicadas, atendendo aos novos regimes de redução, dispensa e atenuação da pena e, eventualmente, retirar as legais consequências dos mesmos, o que apenas poderá ser feito de modo adequado e eficiente pelos próprios serviços da autoridade administrativa, que não por este tribunal ad quem, a quem não cabe substituir-se à Administração nas decisões de aplicação de coimas, antes escrutinar se tais decisões são conformes à Lei e ao Direito.
As decisões de aplicação de coimas que estão na origem dos presentes autos foram tomadas em momento anterior ao da entrada em vigor da nova Lei (01/01/2022), mas esta repercute-se inelutavelmente nela, como supra demonstrado, impedindo que possa subsistir nos termos em que foi proferida.
Impõe-se, em consequência, a baixa dos autos à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de a rever ou renovar, em conformidade com o novo quadro legal, o que se determina.»
Por transposição da fundamentação dos acórdãos citados, que acolhemos, e tendo em consideração todos os elementos aportados para os autos, somos levados a concluir que a decisão de aplicação de coima que está na origem dos presentes autos [e bem como a sentença] foi tomada em momento anterior ao da entrada em vigor da nova Lei [01.01.2022], mas esta repercute-se inelutavelmente nela, como supra demonstrado, impedindo que possa subsistir nos termos em que foi proferida e bem assim como não pode manter-se a sentença recorrida.
Impõe-se, em consequência, a baixa dos autos à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de rever ou renovar a decisão de aplicação da coima, em conformidade com o novo quadro legal, o que se determina.

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Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder total provimento ao presente recurso e, nessa conformidade, revogar a decisão recorrida e determinar a remessa do procedimento contraordenacional à autoridade administrativa, para que reveja ou renove a decisão de aplicação de coima, em conformidade com as alterações em vigor introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I – O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação – cfr. artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias.
II – Em matéria penal, como em matéria contraordenacional, vigora por imperativo constitucional e legal a regra da aplicação retroativa da lei mais favorável – cfr. artigos 29.º, n.º 4 da CRP, 2.º, n.º 4 do Código Penal e 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT aplicável ex vi artigo 18.º da Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho.
III - Daí que o facto de em causa nos autos estar uma contraordenação praticada em data anterior à da entrada em vigor da Lei nova não constitui obstáculo a essa aplicação se esta lei se revelar mais favorável e enquanto não ocorrer decisão com trânsito em julgado.
IV – Assim sendo, impõe-se, em consequência, a baixa dos autos à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de rever ou renovar a decisão de aplicação da coima, em conformidade com o novo quadro legal.
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IV – DECISÃO:
Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em:
· julgar não verificada a prescrição do procedimento contraordenacional;
· conceder provimento ao presente recurso e, nessa conformidade, revogar a decisão recorrida e determinar a remessa do procedimento contraordenacional à autoridade administrativa, para que reveja ou renove a decisão de aplicação de coima, em conformidade com as alterações em vigor introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro.


Sem custas.


Notifique.
Porto, 12 de setembro de 2024


Vítor Salazar Unas
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Maria do Rosário Pais