Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00408/24.6BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/06/2025
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRA O MUNICÍPIO (...);
PROCEDIMENTO CONCURSAL;
Sumário:
I-Tendo o Tribunal Administrativo e Fiscal a quo descurado a instauração, por parte da Autora/Apelante, de um processo de intimação para prestação de informações e passagem de certidões necessárias para a impugnação contenciosa do ato administrativo, impõe-se concluir que a ação foi apresentada dentro do prazo legal;

II- Necessidade de se conceder provimento ao recurso a fim de se conseguir o prosseguimento dos autos com vista à emissão de uma decisão de mérito sobre a pretensão da Autora.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
«AA», residente na Rua ..., ..., ..., ... ..., ..., propôs acção administrativa contra o MUNICÍPIO ..., com sede na Avenida ..., ..., visando a anulação do acto da Entidade Demandada que homologou a lista unitária de ordenação final dos candidatos aprovados no procedimento concursal com a referência “I” aberto através aviso (extracto) n.º 3694/2023, publicado no Diário da República, 2.ª série n.º 35, e a consequente nulidade dos contratos de trabalho celebrados na sequência dessa ordenação.
Indicou como contrainteressadas «BB», NIF ...54, Bairro ..., ... ... e «CC», NIF ...00, residente na Rua ..., ..., ... ....
Por Sentença proferida pelo TAF de Mirandela foi decidido assim:
julgo a presente acção manifestamente improcedente e, em consequência, indefiro liminarmente a petição inicial, com todas as legais consequências.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:

A- O presente recurso vem interposto da douta sentença, que julgou a presente ação improcedente e em consequência indeferiu liminarmente a petição inicial.

B- A decisão recorrida é do seguinte teor: “Julgo a presente ação manifestamente improcedente e em consequência indefiro a petição inicial, com todas as legais consequências.”

C- Assim, entende a sentença recorrida que se verifica a existência do fundamento de indeferimento liminar da petição inicial, sendo manifestamente intempestiva, o que determina a verificação da exceção da caducidade do direito de ação, não facultando sequer o exercício do contraditório, por manifesta desnecessidade.

D- Ora, a presente ação foi apresentada tempestivamente, ao abrigo do disposto na alínea b), n.° 2, do art.° 58.° e art.° 106.°, n.° 1 do CPTA.

E- A homologação da Lista Unitária de Ordenação Final dos candidatos aprovados no procedimento concursal foi publicada no Diário da República, aviso n.° ..., em 26.06.2024.

F- Em 13-08-2024, deu entrada, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela o processo n.° 296/24.0BEMDL, Intimação para prestação de informações e passagem de certidões.

G- Facto que não carece de prova porque o tribunal tem dele conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

H- Como decorre do disposto no, n.° 1, do artigo 106.° CPTA, a lei consagra a interrupção do prazo de impugnação do ato.

I- Ora, a interrupção do prazo acarreta a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente (artigo 326° do Código Civil) implicando que comece a correr novo prazo a partir das situações elencadas no n.° 1 do artigo 106.° do CPTA.

J- Assim, apesar de tal intimação judicial ainda se encontrar em curso e não tendo ainda sido proferida decisão, a recorrente apresentou em juízo a respetiva ação em 11.11.2024.

K- Contudo, a recorrente só obteve alguns dos elementos solicitados para a impugnação contenciosa do ato, em 30 de agosto de 2024, após a citação efetuada pelo Tribunal.

L- A aqui recorrente não ficou a aguardar a decisão de extinção da instância por satisfação do requerido na pendência do pedido de intimação.

M- Assim, quando deu entrada a presente ação ainda não tinham decorrido o prazo de 3 meses previsto para a impugnação do ato.

N- A presente ação foi apresentada dentro do prazo legal.

O- Não se verifica, assim, a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual, prevista na alínea K), do n.° 4, do artigo 89.° do CPTA.

P- A douta sentença padece de erro nos pressupostos baseado desde logo na insuficiência da matéria de facto porque, para aferir do cumprimento do prazo estabelecido no art.° 58.°, n.° 2, al. b) do CPTA, impunha-se conhecer da existência do processo n.° 296/24.0BEMDL, da intimação para prestação de informações e passagem de certidões, facto que não foi tomado em consideração na decisão.

Q- A decisão recorrida, viola, ainda, o princípio do contraditório, o artigo 3°, n° 3, do Código de Processo Civil;

R- Deve, pois, a douta sentença recorrida ser reformada, já que, contrariamente ao que dela se fez constar, por erro nos pressupostos, a Autora cumpriu o prazo estabelecido no art.° 58.°, n.° 2, al. b) do CPTA.

S- Disposições que a douta sentença recorrida violou, motivo pelo qual deverá ser revogada, ordenando-se o prosseguimento dos autos com vista à emissão de decisão final de mérito sobre a pretensão da Autora.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, com todas as legais consequências. Para que seja feita
JUSTIÇA!
Não foram juntas contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) Através do aviso (extracto) n.º 3694/2023, publicado no Diário da República em 17/02/2023, foi aberto pelo MUNICÍPIO ... “Procedimento concursal para recrutamento para ocupação de um posto de trabalho na carreira/categoria de assistente operacional (cozinheiro/a), em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.”, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial.
B) A Autora foi opositora ao concurso referido em A) - facto admitido pela Autora no artigo 1º da petição inicial.
C) A lista unitária de ordenação final dos candidatos ao concurso referido em A) foi homologada pelo Presidente da Câmara da Entidade Demandada em 21/05/2024 - cfr. doc. 15 junto com a petição inicial.
D) A homologação referida em C) foi publicada em Diário da República através do Aviso n.º ..., em 26/06/2024 - facto notório.
E) A presente acção foi apresentada em 11/11/2024 cfr. fls. 1 SITAF.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Assim,
É objecto de recurso a sentença que julgou a ação improcedente e indeferiu liminarmente a petição inicial.
Entendeu a sentença recorrida que se verifica a existência do fundamento de indeferimento liminar da petição inicial, sendo manifestamente intempestiva, o que determina a verificação da exceção da caducidade do direito de ação, não facultando sequer o exercício do contraditório, por manifesta desnecessidade.
Na óptica da Recorrente a decisão padece de erro de julgamento de Direito.
Avança-se, já, que lhe assiste razão.
Senão vejamos:
A aqui recorrente foi candidata ao procedimento concursal comum para recrutamento para ocupação de um posto de trabalho na carreira/categoria de assistente operacional (cozinheiro/a), em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, conforme caracterização no mapa de pessoal da Câmara Municipal ..., publicado o aviso (extrato) n.°3694/2023, no Diário da República, 2.ª série n.° 35, em 17.02.2023.
A homologação da Lista Unitária de Ordenação Final dos candidatos aprovados no procedimento concursal foi publicada no Diário da República, aviso n.º ..., em 26.06.2024.
Em 13-08-2024, deu entrada, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela o processo n.º 296/24.0BEMDL - Intimação para prestação de informações e passagem de certidões -, uma vez que o aí Requerido MUNICÍPIO ..., alegadamente, não facultava a consulta e a passagem de certidões do procedimento concursal, necessárias para a impugnação contenciosa do ato administrativo.
Como alegado, este Facto não carece de prova porque o Tribunal tem dele conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Assim, quando deu entrada no TAF de Mirandela o processo n.° 296/24.0BEMDL - Intimação para prestação de informações e passagem de certidões - tinham decorrido (apenas) 47 dias (27.06.2024 a 12.08.2024) dos 90 dias (três meses) do prazo para a impugnação do ato de homologação da Lista Unitária de Ordenação Final dos candidatos.
Ora, decorre do disposto no, n.° 1, do artigo 106.° CPTA, que “O efeito interruptivo do prazo de impugnação que decorre da apresentação dos pedidos de informação, consulta de documentos ou passagem de certidão, quando efetuados ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 60.º, mantém-se se o interessado requerer a intimação judicial e cessa com:
a) O cumprimento da decisão que defira o pedido de intimação ou com o trânsito em julgado da que o indefira;
b) O trânsito em julgado da decisão que extinga a instância por satisfação do requerido na pendência do pedido de intimação.”
De facto, a lei consagra uma faculdade para o particular, cujo exercício redunda no benefício de interrupção do prazo de impugnação do ato.
Como é sabido, a interrupção do prazo acarreta a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente (artigo 326° do Código Civil), implicando que comece a correr novo prazo a partir das situações elencadas no n.° 1 do artigo 106.° do CPTA.
Assim, apesar de tal intimação judicial ainda se encontrar em curso, a Recorrente apresentou a respetiva ação.
Com efeito, em 11 de novembro de 2024, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela a presente ação administrativa - al. E) do probatório.
Tal equivale a dizer que quando deu entrada a ação ainda não tinha decorrido o prazo de 3 meses previsto para a impugnação do ato.
A presente ação foi, assim, apresentada dentro do prazo legal.
Não se verifica, contrariamente ao decidido, a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual, prevista na alínea K), do n.° 4, do artigo 89.° do CPTA.
Procedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, determinando-se o prosseguimento dos autos com vista à emissão de decisão de mérito sobre a pretensão da Autora, caso a tal nada mais obste.
Sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.

Porto, 06/6/2025

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Rogério Martins