Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02447/09.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/30/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULA MOURA TEIXEIRA
Descritores:IRS; MAIS VALIAS;
VALOR DE REALIZAÇÃO;
VALOR DE AQUISIÇÃO; TERRENO PARA CONSTRUÇÃO;
Sumário:
Resulta da interpretação do 3 do art.º 6.º do CIMI que são terrenos para construção os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Recorrentes, «AA», contribuinte n.º ...50 melhor identificado no auto, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial relativa as liquidações adicionais de IRS e juros, referente ao ano de 2006, no montante de € 49.031,34.

O Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão proferida em primeira instância, que veio julgar parcialmente improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente contra o acto de liquidação de IRS referente ao exercício do ano de 2006.
B. Em causa, estava a alienação onerosa de um prédio de que o Recorrente foi comproprietário, pelo mesmo adquirido por doação, e o modo de cálculo da mais-valia para efeitos de tributação em sede de IRS, concretamente, o valor de aquisição a atender.
C. Pese embora toda a prova produzida e apresentada pelo Recorrente, veio o Tribunal a quo decidir pela improcedência da impugnação judicial alegando, em síntese, que: «a fracção de território que foi objecto de transmissão por via da escritura outorgada em 27.10.2006 é a antes constituída pelo prédio referente ao artigo ...41, isto é, um prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e sobre loja, destinado a garagem ou armazém, em nada relevando para a tributação da mais-valia em questão - quer quanto ao valor de aquisição, quer quanto ao valor de realização - o valor patrimonial do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...28, terreno para construção, improcedendo, nesta parte, a pretensão da impugnante».
D. O Recorrente não se conforma, pelos motivos que abaixo se exporá, com o sentido da sentença proferida pelo Tribunal da primeira instância. Com efeito, salvo o devido respeito, entende o Recorrente que a decisão recorrida merece censura porquanto padece de anulabilidade por erro de julgamento sobre a matéria de direito, em violação do disposto no n.° 1 do artigo 123.° do CPPT e do n.° 2 do artigo 659.° do CPPT.
E. Podemos concluir que o Tribunal baseia a sua conclusão - de que a fracção «objecto de transmissão por via da escritura outorgada em 27.10.2006 é a antes constituída pelo prédio referente ao artigo ...41, isto é, um prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e sobre loja, destinado a garagem ou armazém» - no texto constante da escritura de transmissão da propriedade do imóvel em questão nos presentes autos.
F. Contudo, salvo o mais devido respeito, parece o douto Tribunal olvidar-se dos factos trazidos pelas partes.
G. A 25 de Maio de 2006, cerca de 5 meses antes da doação & venda do imóvel em discussão, foi aprovado o Pedido de Informação Prévia, efectuado pelo proprietário à data - «BB» -, através de despacho emitido pelo Senhor Vereador com o Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal ..., Dr. «CC».
H. É pois inegável que o facto de ter sido reconhecida viabilidade construtiva, pela Câmara Municipal ..., através de Pedido de Informação Prévia, determinou a qualificação jurídica do mesmo enquanto «terreno para construção».
I. Dispunha o n.° 3 do artigo 6.° do CIMI, à data dos factos, que «Terrenos para construção são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vendem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a esquipamentos públicos» (sublinhado e destaque nosso).
J. Certamente por lapso, o douto Tribunal a quo concluiu que «nos termos do n.° 3 do artigo 6.° do CIMI (na redacção à data dos factos), um terreno deve ser qualificado como terreno para construção se, relativamente ao mesmo, tiver sido emitida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, ou se assim tiver sido declarado no titulo aquisitivo, mas já não com o mero deferimento do pedido de informação prévia da viabilidade construtiva do prédio».
K. É inegável considerarmos essa interpretação do disposto no n.° 3 do artigo 6.° do CIMI como manifestamente ilegal, na medida em que se pretende conferir-lhe um carácter mais exigente, do que aquele que a própria norma estabelece.
L. Aliás, tanto foi sempre esta a intenção do legislador, que na Lei do Orçamento de Estado para 2009, acrescentou-se precisamente a referência a situações idênticas àquela em juízo «consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido (...) emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção».
M. Como se vê, apercebendo-se das barreiras criadas pelo texto normativo anterior, que fazia apenas referência à concessão de «licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção», o legislador teve o cuidado de esclarecer o sentido que pretendia atribuir ao n.° 3 do artigo 6.° do CIMI.
N. Termos em que, tendo sido aprovado um Pedido de Informação Prévia, no sentido da existência de viabilidade construtiva do prédio urbano em discussão nos presentes autos, com data anterior à da realização da Doação, este prédio urbano não tem porque não ser considerado, do ponto de vista formal e material, como um terreno para construção.
O. Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do recurso n.° 6380/02, com data de 10/15/2002.
P. Também no mesmo sentido, veja-se, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.° 0127/15, a 03/15/2017, em que foi Juíza Relatora, a Meritíssima Juiz de Direito, DULCE NETO.
Q. JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES in «Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012», 2ª edição pp104, conclui, para efeitos de avaliação dos terrenos para construção, no mesmo sentido.
R. A autorização de operação de construção, a que o anterior n.° 3 do artigo 6.° do CIMI fazia referência, contempla-se, nomeadamente, na aprovação de um Pedido de Informação Prévia que atesta a viabilidade construtiva.
S. Isto é, diz-nos a AT e o Tribunal a quo que a inscrição como terreno para construção, recebida a 11.01.2007, apenas pode operar para o futuro, defendendo assim que «o prédio em questão passou a qualificar-se como terreno para construção, em 31.1 2.2006» ... Contudo, a inscrição recebida na mesmíssima data - 11.01.2007, com valor patrimonial tributário de € 207.240,00 já opera no ano anterior e já é suficiente para qualificar o prédio como habitacional...1
T. Então, mais uma vez se pergunta: se a própria AT reconhece que esta avaliação alterou a configuração do prédio urbano em juízo nos presentes autos para terreno para construção, e que a situação se reportaria a 26.05.2006 - dia seguinte ao reconhecimento da viabilidade construtiva pela Câmara Municipal ... -, como é que depois considera que o valor patrimonial de € 1.258.830,00, já não se reporta (também) a 26.05.2006.
U. Ou seja, houve uma declaração entregue, dentro do prazo, para actualização de prédio urbano na matriz, que, obrigatoriamente e nos termos da lei, sempre teria que suceder à Modelo 1 entregue em virtude da 1ª transmissão na vigência do IMI.
V. Ambas foram recebidas precisamente no mesmo dia - 11.01.2007.
W. Então, com que fundamento é que uma serve para a data da transmissão por doação, e a outra para a transmissão por compra e venda?! Isto quando ambas as transmissões ocorreram na mesma data - 27.10.2006.
X. Quer isto dizer que, independentemente de, nos actos de transmissão de propriedade acima referenciados, constar o prédio inscrito na matriz sob o n.º ...41, a verdade é que a realidade a ser objecto de tributação era já outra, designadamente um terreno para construção, o que não pode deixar de ser relevado em sede de tributação do rendimento, sob pena de manifesta violação do princípio - com assento constitucional - da capacidade contributiva e, bem assim, do princípio da substância sob a forma.
Y. Na verdade, desde 25 de Maio de 2006 que o imóvel em causa era já um terreno para construção, pelos motivos acima explanados, de cumprimento do preceituado no n.° 3 do artigo 6.° do CIMI.
Z. Mais tarde, o Recorrente foi notificada de duas avaliações efectuadas pela AT, a 22 de Maio de 2007. Ambas recaindo sobre o mesmo exacto imóvel, no exacto mesmo dia, configurando a mesma realidade material, mas com avaliações totalmente díspares.
AA. Numa, a AT entende que o prédio urbano em juízo tem um valor patrimonial tributário de € 207.240,00, noutra o valor patrimonial tributário de € 1.258.830,00...
BB. Como demonstrado ao longo da exposição supra realizada, o Recorrente entende que à data da doação, o imóvel era já um terreno para construção nos termos legais, razão pela qual deveria (e deve) o valor patrimonial apurado relativamente a esse imóvel ser o valor de referência para efeitos de valor de aquisição e valor de realização, ao abrigo do disposto nos artigos 44.° e 45.° do Código de IRS.
CC. No caso em apreço, o imóvel era um terreno para construção, pelo que o valor de realização deverá ser apurado nos termos da avaliação efectuada - de € 1.258.830,00.
DD. Quanto ao valor de aquisição, deverá ser considerado o valor que serviria de base à liquidação do referido imposto
EE. Quanto à violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, da verdade material e da igualdade tributária, entendeu o Tribunal a quo que «questões relativas à (in)capacidade da Autoridade Tributária e Aduaneira em exercer o controlo da realidade da matéria tributável constante nas declarações de rendimentos de todos os contribuintes, de que resulte o apuramento de imposto inferior ao devido em relação a algum deles, não é susceptível de pôr em causa a legalidade da liquidação aqui em questão, nos termos acima julgada, sendo que a este Tribunal foi suscitada a apreciação da (i)legalidade da concreta liquidação impugnada, e não outra».
FF. Todos os comproprietários agiram do mesmo modo - isto é, inseriram os mesmos valores de realização e de aquisição - para efeitos de cálculo de eventual mais-valia decorrente da aquisição por doação e alienação por venda.
GG. Contudo, e não obstante tratar-se da mesma situação tributária, o tratamento fiscal dado pela AT foi diferente.
HH. Ora, o diferente tratamento e resultado fiscal dado à mesma situação material, afronta, flagrantemente, o princípio da capacidade contributiva, o princípio da verdade material e o princípio da igualdade tributária, previsto no artigo 55.° da LGT e nos artigos 13.°, 103.° e 104.° e n.° 2 do artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual "os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercido das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé".
II. Também neste sentido, veja-se o Acórdão n.° 84/2003 do Tribunal Constitucional,
proferido no âmbito do processo n.° 531/99.

JJ. Ao não adoptar a mesma solução jurídica para os 4 contribuintes em questão, a AT violou, de modo clamoroso, os princípios da igualdade, da verdade material e da capacidade contributiva, nos termos dos artigos citados.
KK. A decisão proferida é, por conseguinte, ilegal dada a ilegalidade da liquidação aqui em apreço, por violação do disposto no n.° 3 do artigo 6.° do CIMI, dos artigos 44.° e 45.° do Código de IRS, do artigo 55.° da LGT e dos artigos 13.°, 103.º, 104.° e n.° 2 do artigo 266.° da CRP.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência, revogar-se a Sentença proferida, com todas as demais consequências legais.(…)

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto deste Tribunal emitiu parecer, tendo concluindo, que a sentença fez um correto enquadramento jurídico, face à factualidade dada como provada pelo que deve ser negado provimento ao recurso.

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, submetendo-se à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto no n.º 3 do artigo 6.° do CIMI, dos artigos 44.° e 45.° do Código de IRS, do artigo 55.° da LGT e dos artigos 13.°, 103.º, 104.° e n.º 2 do artigo 266.° da CRP.

3. JULGAMENTO DE FACTO
3.1. Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “(…)
A. Em 21.05.2007, o impugnante apresentou declaração de rendimentos de IRS relativa ao ano de 2006, na qual fez constar, no respectivo anexo G, no campo relativo à “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis”, a alienação do artigo urbano ...41, da freguesia ..., estando indicados o valor de realização de € 275.775,23 e o valor de aquisição de € 30.649,72 - cfr. fls. 18 e 19 do processo de reclamação graciosa.

B. Em 26.07.2007, foi emitida a liquidação n.º ...21, com o valor a pagar de € 49.031,34, tendo como data limite de pagamento o dia 30.09.2007 - cfr. fls. 17 e 20 do processo de reclamação graciosa.

C. Em 14.05.2008, o impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação referida no ponto anterior - cfr. fls. 3 do processo de reclamação graciosa.

D. Em 23.09.2008, a Chefe da Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças ... proferiu despacho com o seguinte teor: “[n]os termos e com os fundamentos constantes do parecer infra, projeto o indeferimento do pedido. Notifique-se para no prazo de 10 (dez) dias, querendo, exercer o direito de audição previsto no artigo 60º da LGT.” - cfr. fls. 24 do processo de reclamação graciosa.

E. Em 06.10.2008, o impugnante apresentou requerimento de “Direito de audição” - cfr. fls. 29 e ss. do processo de reclamação graciosa.

F. Em 13.10.2008, a Chefe da Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças ... proferiu despacho com o seguinte teor: “[n]os termos e com os fundamentos constantes do parecer infra indefiro o pedido. Notifique.” - cfr. fls. 32 do processo de reclamação graciosa.

G. Em 13.11.2008, o impugnante deduziu recurso hierárquico contra a decisão referida no ponto anterior - cfr. fls. 35 do processo de reclamação graciosa.

H. Em 30.04.2009, a Directora da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares proferiu despacho com o seguinte teor: “[n]otifique-se o recorrente do projeto de despacho de indeferimento do pedido de revisão para efeitos do disposto no artigo 60º da LGT” - cfr. fls. 3 do processo de recurso hierárquico.

I. Em 18.05.2009, apresentou requerimento para “exercer o direito de participação na decisão” - cfr. requerimento, a fls. 11 do processo de recurso recurso hierárquico.

J. Em 02.07.2009, a Directora da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares proferiu despacho com o seguinte teor: “[c]oncordo, pelo que com base nos fundamentos expressos converto em definitivo o projeto de despacho de indeferimento de recurso” - cfr. fls. 39 do processo de recurso hierárquico.

k. Em escritura pública de “Partilha e Doações” de 27.10.2006, da qual constam «DD», na qualidade de procurador, em representação de «EE», como segundo outorgante, «FF», como quarto outorgante, «GG», como quinto outorgante e o Impugnante como sexto outorgante, e como verba única o prédio “Urbano, destinado a garagem ou armazém, composto de casa e rés-do-chão e sobreloja, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...20, inscrito na matriz sob o artigo ...41”, foi declarado, entre o mais, o seguinte: “[a] representada do primeiro outorgante DOA a seu filho, «EE», representado do segundo outorgante por conta da sua quota disponível, um quarto indiviso do referido imóvel no valor patrimonial e atribuído de trinta mil seiscentos e quarenta e nove euros e setenta e um cêntimos. (...) [o] primeiro outorgante DOA a seu filho, «FF», quarto outorgante, por conta da sua quota disponível, um quarto indiviso do referido imóvel no valor patrimonial e atribuído de trinta mil seiscentos e quarenta e nove euros e setenta e um cêntimos. (...) [o] segundo outorgante DOA a seu filho, «GG», quinto outorgante, por conta da sua quota disponível, um quarto indiviso do referido imóvel no valor patrimonial e atribuído de trinta mil seiscentos e quarenta e nove euros e setenta e um cêntimos. (...) [a] terceira outorgante DOA a seu filho, «DD», sexto outorgante, por conta da sua quota disponível, um quarto indiviso do referido imóvel no valor patrimonial e atribuído de trinta mil seiscentos e quarenta e nove euros e setenta e um cêntimos. Declaram os segundo em nome do seu representado, e quarto a sexto outorgantes: [q]ue aceitam estas doações nos termos exarados” - cfr. fls. 11 a 15 do processo de reclamação graciosa.

L. Em escritura pública de “Compra e Venda” de 27.10.2006, foi declarado pelo impugnante, na qualidade de procurador, em representação de «EE», «FF» e «GG», na qualidade de primeiros outorgantes, entre o mais, que “(...) vendem à sociedade que os segundos outorgantes representam, pelo preço de UM MILHÃO CENTO E TRÊS MIL E CEM EUROS E NOVENTA CÊNTIMOS, o seguinte imóvel: Urbano, composto de casa de rés-do-chão e sobre loja, destinado a garagem ou armazém, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...20, inscrito na matriz sob o artigo ...41, com o valor patrimonial tributário de € 122.598,85. O referido imóvel foi hoje adquirido neste Cartório Notarial (...) na proporção de um quarto indiviso para cada um, por escritura de partilha e doação lavrada perante mim, Notária, a fls. 86 do Livro 41-A” - cfr. documento n.º 10, junto com a p.i..

M. Em 25.05.2006, no âmbito do processo n.º ...39/03/CMP, sob o assunto “[a]preciação final do projecto de arquitectura. Pedido de Informação Prévia”, foi elaborada, pelo Departamento de Licenciamento, Salubridade e Fiscalização da Direcção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal ..., informação com o seguinte teor - cfr. documento n.º 11, junto com a p.i..:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

N. Em 26.05.2006, o Departamento de Licenciamento, Salubridade e Fiscalização, da Direcção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal ... emitiu ofício n.º ...8/06/DMGUII, processo n.º ...39/03/CMP, com o seguinte teor: “[p]ara os devidos efeitos, cumpre-me informar V. Ex.ª que o processo identificado em epígrafe mereceu em 2006.05.25 parecer favorável do Exmo. Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade (...)” - cfr. documento n.º 11 junto com a p.i..

O. Em 11.01.2007, foi apresentada declaração modelo 1 de IMI com o seguinte teor - cfr. fls. 413 e 414 do SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

P. Em avaliação realizada em 08.05.2007 ao prédio inscrito na matriz predial urbana com o n.º ...41 foi atribuído o Valor Patrimonial Tributário de € 207.240,00 - cfr. fls. 409 e 410 do SITAF.

Q. Em 11.01.2007, foi apresentada declaração modelo 1 de IMI com o seguinte teor - cfr. fls. 415 e 416 do SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

R. Em avaliação realizada em 08.05.2007 ao prédio inscrito na matriz predial urbana com o n.º P..48 foi atribuído o Valor Patrimonial Tributário de € 1.258.830,00 - cfr. fls. 411 e 412 do SITAF.

S. Em 29.02.2008, o impugnante apresentou “declaração de substituição” de rendimentos de IRS relativa ao ano de 2006, na qual fez constar, no respectivo anexo G, no campo relativo à “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis”, a alienação do artigo urbano ...41, no qual está indicado como valor de realização e de aquisição, a quantia de € 314.707,50 - cfr. documento n.º 12 junto com a p.i..

T. Na certidão de teor do prédio em causa consta que “[p]rédio desativado a partir de 31.12.2006, tendo dado origem ao prédio ....11-U-..48” - cfr. fls. 416 a 418 do SITAF.

Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos com relevância para a decisão da causa.(…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A questão principal a conhecer no presente recurso trata-se de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto no n.º 3 do artigo 6. ° do CIMI, dos artigos 44. ° e 45. ° do Código de IRS, do artigo 55. ° da LGT e dos artigos 13.°, 103.º, 104.° e n.º 2 do artigo 266.° da CRP.
A sentença recorrida decidiu que a fração de território que foi objeto de transmissão, por via da escritura realizada em 27/10/2006, era constituído pelo prédio referente ao artigo ...41 e nessa conformidade deu procedência parcial à impugnação judicial.
A Recorrente não se conforma, pois, entende, que, independentemente de, nos atos de transmissão de propriedade, constar o prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º ...41, a realidade a ser objeto de tributação era já outra, designadamente um terreno para construção, o que não pode deixar de ser relevado em sede de tributação do rendimento, sob pena de manifesta violação do princípio da capacidade contributiva e, bem assim, do princípio da substância sob a forma. Uma vez, que desde 25/05/2006 que o imóvel em causa era já um terreno para construção, em cumprimento do preceituado no n.º 3 do artigo 6.° do CIMI.
Em síntese, para a Impugnante/Recorrente o Valor de Realização e Valor de Aquisição corresponde a € 314.707,72 (¼ de 1.258.830,00 €, que corresponde ao VPT do prédio de artigo matricial P..48) em conformidade com que foi declarado na sua última declaração de substituição de IRS de 2006.
Vejamos
O artigo 6.º do CIMI na redação em vigor à data dos factos preceituava o seguinte:
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciadas ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Terrenos para construção são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n. º3.” (Destacado nosso).
A primeira questão que importa aprecia, é a de saber qual a realidade do prédio, atendendo à importância do respetivo valor patrimonial quer para a determinação do valor da aquisição, uma vez que foi adquirido a título gratuito, quer para o valor da realização e quantificação do IRS.
A sentença recorrida, analisando a legislação em vigor e fazendo a subsunção dos factos ao direito entendeu que a única realidade transmitida foi o art.º ...41.º, um armazém edificado, sendo essa a “realidade declarada como objecto do contrato de compra e venda”.
Resulta da matéria de facto provada nos ponto K., que por escritura de “Partilha e Doações” de 27.10.2006, foi doado ao Recorrente, conjuntamente aos demais 3 irmãos, um ¼ indiviso do prédio “Urbano, destinado a garagem ou armazém, composto de casa e rés-do-chão e sobreloja, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...20, inscrito na matriz sob o artigo ...41 o qual tinha o valor patrimonial tributário de € 36 6409,71(1/4 indiviso).
Na mesma data (27.10.2006) foi efetuada escritura pública de “Compra e Venda” na qual o Recorrente, conjuntamente com os demais 3 irmãos, “(…) vendem à sociedade que os segundos outorgantes representam, pelo preço de UM MILHÃO CENTO E TRÊS MIL E CEM EUROS E NOVENTA CÊNTIMOS, o seguinte imóvel: Urbano, composto de casa de rés-do-chão e sobre loja, destinado a garagem ou armazém, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...20 inscrito na matriz sob o artigo ...41, com o valor patrimonial tributário de € 122.598,85.(…)”
A sentença recorrida considerou que a realidade transmitida foi o prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...41, devendo para tal ser considerado para efeito de valor de aquisição o valor de € 51 810.00, seja ¼ de € 207 240,00.
O Recorrente insurge-se contra este entendimento, alegando que o Tribunal olvidou os factos trazidos pelas partes, ou seja, que em 25/05/2006, cerca de 5 meses antes da doação e venda do imóvel em discussão, foi aprovado o Pedido de Informação Prévia, efetuado pelo proprietário à data - «BB» -, através de despacho emitido pelo Senhor Vereador com o Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal ..., Dr. «CC». Sendo inegável que o facto de ter sido reconhecida viabilidade construtiva, pela Câmara Municipal ..., através de Pedido de Informação Prévia, determinou a qualificação jurídica do mesmo enquanto “terreno para construção”.
Importa agora apurar se o pedido efetuado pela original proprietária em 25/05/2006, no âmbito do processo n.º ...39/03/CMP, à Câmara Municipal ... que mereceu parecer favorável, se pode enquadrar no n. º3 do art.º 6.º do CIMI ou seja “para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção.
Resulta da interpretação do 3 do art.º 6.º do CIMI que são terrenos para construção os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção.
Refere José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp. 104 de que “(…) No mercado, o valor de um terreno para construção não depende apenas das suas características intrínsecas, como sejam a sua área e a sua localização ou a sua orografia. Mais importante que isso é um factor que lhe é extrínseco e que depende dos poderes públicos que é o seu potencial de construção, nomeadamente a volumetria autorizada e as características de uma realidade que ainda não existem, que é um prédio urbano que nele se vai poder construir.
O valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor.
É essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza dos proprietários do terreno para construção, logo que o terreno passa a ser considerado como sendo para construção. Por essa razão quanto maior foi o valor dos prédios a construir maior é o valor do terreno para construção” (destacado nosso).
E como refere o acórdão do STA n.º 0127/15 de 15/03/2017, citando o acórdão do Pleno da Secção do STA, de 21/09/2016, no processo nº 01083/13,”(…)
Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto (parece ser o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso se faz referência a uma moradia unifamiliar (vide fls.48 a 56)) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.(…)”
Volvendo ao caso em apreço, resulta da matéria de facto provada nos pontos M. e N. que «BB», originária proprietária, submeteu em 25.06.2006, um pedido de informação prévia para demolição de uma construção, existente e a construção de um edifício de habitação coletiva, com 3 pisos de cave, rés-do-chão, e 9 pisos, no terreno sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ....
Resulta da matéria de facto provada e não impugnada, que em 25/05/2006, no âmbito do processo n.º ...39/03/CMP, foi elaborada informação pelo Departamento de Licenciamento, Salubridade e Fiscalização da Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal ..., sob o assunto “[a]preciação final do projecto de arquitectura. Pedido de Informação Prévia”, emitindo parecer favorável ao pedido de informação prévia, nos termos do artigo 16.º do REGEU.
Em 26.05.2006, o Departamento de Licenciamento, Salubridade e Fiscalização, da Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal ... emitiu ofício n.º ...8/06/DMGUII, processo n.º ...39/03/CMP, com o seguinte teor: “[p]ara os devidos efeitos, cumpre-me informar V. Ex.ª que o processo identificado em epígrafe mereceu em 2006.05.25 parecer favorável.”
Resulta ainda dos pontos O. e P. da matéria de facto provada que em 11.01.2007 foi apresentado a declaração modelo 1 relativamente ao prédio ...41 urbano, tendo sido o prédio avaliado em € 207 240,00, em 22.05.2007.
Resulta também dos pontos Q. e R. da matéria de facto provada que em 11.01.2007 foi apresentado a declaração modelo 1 do IMI, relativamente ao prédio ...41 urbano à qual foi anexado um “Projeto ou Viabilidade Construtiva”.
A avaliação foi realizada em 22.05.2007, foi atribuído ao prédio o n.º P..48 com valor patrimonial tributário de € 1 258 830,00.
Da conjugação dos factos, a realidade existente à data da escritura de doação e partilha e da compra e venda era de um prédio onde já tinha sido reconhecida viabilidade construtiva, pela Câmara Municipal ..., através de Pedido de Informação Prévia.
Esta informação serviu à AT para qualificar juridicamente e avaliar o prédio como “terreno para construção” e ao aceitar essa informação para efeito de valor de aquisição, estaríamos a violar o princípio da capacidade contributiva e, bem assim, do princípio da prevalência da substância sobre a forma, sendo o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efetiva realidade, relevante para efeitos de tributação, e ainda a violação do princípio da igualdade.
O Recorrente não discorda nem questiona o enquadramento legal efetuado pela sentença recorrida relativamente ao valor da aquisição nem do valor de realização, pelo que torna-se desnecessário no presente recurso, apreciar o discurso fundamentador da sentença.
Assim sendo, tendo na avaliação sido atribuído o VPT de 1.258.830,00€, será este valor que deve vigorar para efeitos de valor de aquisição, pois na data doação e da venda, já tinha a expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com três piso de cave, rés-do-chão e 9 pisos.
Assim, para efeitos de IRS, deverá ser considerado o valor de aquisição e de realização de € 314.707,72 (¼ de 1.258.830,00 €, que corresponde ao VPT do prédio de artigo matricial P..48).
Nesta conformidade, teremos de concluir que a sentença recorrida incorreu em parcial erro de julgamento, o que importa a sua revogação, na parte em que não concedeu provimento à Recorrente, com as demais consequências legais.




4.2. E assim formulamos a seguinte conclusão/sumário:

Resulta da interpretação do 3 do art.º 6.º do CIMI que são terrenos para construção os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte agora impugnada, anular a liquidação de IRS n.º ...21, na sua totalidade, por não considerar como valor de aquisição € 314.707,72 (¼ de 1.258.830,00 €, que corresponde ao VPT do prédio de artigo matricial P..48), com as demais consequências legais nomeadamente o direito a juros indemnizatórios.

Custas a cargo da Recorrida, em ambas as instâncias, nos termos do art.º 527.º do CPC, dispensando-se o pagamento da taxa de justiça por não ter contra alegado.

Porto, 30 de janeiro de 2025

Paula Maria Dias de Moura Teixeira (Relatora)
Cristina Maria Santos da Nova (1.ªAdjunta)
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes (2.º Adjunto)