Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01392/20.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO;
BENS MÓVEIS;
PROVA DA PROPRIEDADE;
Sumário:
I – Se a Embargante não demonstra que os bens penhorados à sociedade Executada são os que se encontram na sua sede e foram por si adquiridos, deve prevalecer a presunção prevista no artigo 764º, nº 3, do CPC, de que pertencem ao Executado os bens encontrados em seu poder.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], UNIPESSOAL, LDA., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 20/11/2024 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, pela qual foram julgados improcedentes os Embargos de Terceiro que deduziu à penhora realizada no âmbito do Processo de Execução Fiscal (PEF) nº ...95, contra o SERVIÇO DE FINANÇAS ... e a sociedade executada no PEF [SCom02...], LDA.
1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1 - A ora Recorrente, na qualidade de proprietária de vários bens adquiridos à sociedade [SCom03...], Lda, em 07 de Agosto de 2013, apresentou Embargos de Terceiro para salvaguardar o seu direito de propriedade sobre os referidos bens.
2- A fatura de aquisição e o respetivo comprovativo de pagamento, bem como os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, demonstram que os bens em causa sempre estiveram nas instalações da [SCom01...] e nunca foram propriedade da [SCom02...] ou deslocados para as suas instalações.
3- A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), ao realizar a penhora dos bens, não efetuou qualquer inspeção às instalações da [SCom01...], baseando-se exclusivamente no Auto de Penhora, que não foi corroborado por outros meios probatórios.
4- O Auto de Penhora apresenta limitações probatórias, uma vez que não está assinado pelo fiel depositário ou pelo sócio-gerente da [SCom02...] e não foi corroborado em sede de audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas indicadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
5- A Douta Sentença recorrida considerou como não provada a correspondência entre os bens penhorados e os bens adquiridos pela Recorrente, desconsiderando que:
a) Os bens presentes na [SCom01...] correspondem, em quantidade e qualidade, ao descrito na fatura de aquisição;
b) Inexistem outros bens similares nas instalações da [SCom01...] ou da [SCom02...];
c) A AT não apresentou prova cabal de que os bens estavam nas instalações da [SCom02...] no momento da penhora.
6- A inexistência de registos de transporte ou de qualquer outro indício material que demonstre a movimentação dos bens reforça a conclusão de que os mesmos nunca saíram das instalações da [SCom01...].
7- Numa análise à Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, podemos constatar que quase todos os factos alegados pela ora Recorrente foram dados como provados, com a exceção de um: a correspondência entre os bens penhorados e os bens que a ora Recorrente alega serem seus.
8 - Ora, salvo o devido respeito por diversa opinião, entende a Recorrente que não merece acolhimento a versão sustentada pela Mma. Juiz na sentença ora recorrida no que ao facto dado como não provado diz respeito.
9 - Para sustentar a sua convicção, alegou a Mma. Juiz que, do depoimento prestado pela testemunha «AA», sócia-gerente da Recorrente à data do negócio de compra e venda de máquinas e demais bens à [SCom03...], esta afirmou que os funcionários das Finanças nunca haviam entrado nas instalações da [SCom01...].
10 - Com base nesse depoimento, concluiu a Mm.a Juiz que “não era verosímil que esses funcionários pudessem ter elencado as máquinas penhoradas no "Auto de Penhora" com descrição detalhada e indicação de números de série de algumas máquinas, sem que tivessem tido acesso ao local em que as máquinas se encontravam e analisado as mesmas, o que leva a concluir que os bens penhorados correspondiam a bens que não se encontravam na sede da [SCom01...]",
11 - A Recorrente, no entanto, entende que este raciocínio, embora lógico à primeira vista, desconsidera que as informações constantes no "Auto de Penhora" poderiam ter sido obtidas por outros meios administrativos e fiscais.
12 - Afinal, como poderiam os funcionários das Finanças, que nunca entraram nas instalações da [SCom01...], tal como corroborado pela testemunha «AA», å de onde os bens nunca se ausentaram, terem procedido à penhora e a uma descrição detalhada dos mesmos?
13 - A resposta a esta questão não deve ser dada num sentido tal como interpretado pela Mma. Juiz do Tribunal a quo, mas sim a de concluir, como já aqui se referiu, que as Finanças conseguiram obter aquelas informações por recurso a outros meios administrativos e/ou fiscais.
16 - De facto, não se pode desconsiderar a essencialidade daqueles bens para garantir operação da [SCom01...], tendo os mesmos sido adquiridos precisamente com essa intencionalidade, a de permitir a laboração da empresa.
17 - E, desta feita, não podem os bens que sempre permaneceram nas instalações de uma empresa serem, pura e simplesmente, encontrados e penhorados numa outra sem qualquer ligação material ou física.
18- Além do mais, da prova produzida, não conseguiu a Autoridade Tributária å Aduaneira fornecer elementos cabais de que tenha penhorado bens nas instalações da [SCom02...], uma vez que se limitou a apresentar o "Auto de Penhora" e a indicar que a mesma foi realizada nas instalações daquela.
19 - Na decisão de que ora se recorre, também a Mma. Juiz considerou o "Auto de Penhora" como um elemento que corrobora a tese por si defendida, indicando que aquele auto, assinado por testemunhas, referia de forma expressa que a Penhora havia sido efectuada no pavilhão correspondente à sede da [SCom02...].
20 - Sucede, porém, que tal argumento também encontra fortes limitações probatórias, na medida em que aquele "Auto" não se encontra assinado nem pelo sócio-gerente da [SCom02...], nem pelo fiel depositário.
21 - Aliás, tal Auto encontra-se somente assinado pelo funcionário das Finanças e pelas ditas testemunhas que, refira-se, não foram ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento para corroborar a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
22 - Ao contrário do que sucedeu com a ora Recorrente, que não só conseguiu comprovar a aquisição daqueles bens, como apresentou prova no sentido de corroborar que aqueles bens nunca saíram das instalações da [SCom01...] e nunca qualquer funcionário da Autoridade Tributária lá entrou, sendo completamente impossível que esses mesmos bens pudessem encontrar-se nas instalações da [SCom02...] e aí serem penhorados.
23 - Além do mais, não tendo sido aqueles equipamentos transportados pela Autoridade Tributária para as instalações da [SCom01...], na condição de fiel depositário, como é possível aqueles bens terem sido penhorados nas instalações da [SCom02...] encontrarem-se atualmente nas instalações da Recorrente?
24 - Por mais que se procure por uma resposta rebuscada para esta questão, a verdade é que a mesma é muito simples e direta: os bens nunca estiveram na [SCom02...]!
25 - Se os bens estivessem na [SCom02...], deveriam existir registos de transporte ou qualquer outro indício material que confirmasse essa movimentação, o que não aconteceu.
26 - Portanto, se a Douta Sentença considera que os bens penhorados não são os mesmos adquiridos pela [SCom01...] à [SCom03...], então onde estão uns bens e onde estão outros?
27 - De acordo com aquela conclusão, teríamos de estar perante uma duplicação de bens, mas a realidade material mostra que nas instalações da [SCom01...] só existem os bens adquiridos à [SCom03...], e, por sua vez, nas instalações da [SCom02...], inexistem quaisquer bens.
28 - Ora, da realidade supramencionada só se pode constatar que o enquadramento lógico seguido na sentença ora Recorrida carece de fundamento e de comprovação prática.
29 - Além do mais, não será coincidência o facto de os bens existentes nas instalações da [SCom01...] corresponderem, em termos de quantidade e qualidade, ao descrito na fatura de aquisição, inexistindo quaisquer outros bens, seja nas instalações da [SCom01...], seja nas instalações da [SCom02...].
30 - Assim, perante a prova produzida, quer documental, quer a produzida em sede de audiência de julgamento, entende a aqui Recorrente que, in casu, a Mmª Juiz do Tribunal a quo fez uma errada interpretação da prova produzida e na sua subsunção ao caso em análise, conduzindo a uma interpretação equivocada da realidade factual dos presentes autos.
31- Entende, assim, a Recorrente que estamos perante um erro de julgamento, sendo este um erro "de caráter substancial e ocorre quando na decisão proferida a lei é mal aplicada ou há um erro quanto à questão de facto ou de direito apreciada, afeta o fundo ou o efeito da decisão, e dita a sua revogação por estar desconforme ao caso ou ao direito" - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do Processo no 3278/21.2T8PRT.P2, de 23 de Maio de 2024.
32 - Ainda no entendimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo nº 341/08.9TCGMR.G1.S2, de 30 de Setembro de 2010, "O erro de julgamento ( error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa. (...) Por outras palavras, o erro consiste num desvio da realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma (...)."
33- Sendo que, uma interpretação como a proferida pela Mma. Juiz do Tribunal a quo viola o princípio da proporcionalidade e o direito de propriedade da Recorrente, expressamente consagrado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.
34 - De facto, dispõem o artigo 764°, nº 3 do Código de Processo Civil, que "Presume-se pertencerem ao executado os bens encontrados em seu poder, mas, feita a penhora, a presunção pode ser ilidida perante o juiz, quer pelo executado ou por alguém em seu nome, quer por terceiro, mediante prova documental inequívoca do direito de terceiro sobre eles, sem prejuízo da faculdade de dedução de embargos de terceiro."
35- De facto, foi precisamente perante a faculdade prevista pelo artigo anterior que a aqui Recorrente deduziu os Embargos de Terceiro com vista a fazer prova da sua titularidade sobre os bens objeto da penhora, oferecendo não só prova documental, como também prova testemunhal sobre a origem e aquisição daqueles mesmos bens.
36 - Sucede que, não obstante a prova produzida, que no entender da Recorrente demonstrou de forma simples e inequívoca a sua titularidade sobre aqueles bens, não será de aplicar ao presente caso a presunção de titularidade prevista naquele preceito.
37 - Como já aqui se analisou, dispõe o artigo 764°, nº 3 do CPC, que "Presume-se pertencerem ao executado os bens encontrados em seu poder (...).
38 - Assim, pelas considerações já aqui efectuadas acerca da realidade factual dos presentes autos, facilmente se constata que aquela presunção não pode valer in casu, na medida em que os bens objeto de penhora não estão, nem nunca estiveram em posse da executada [SCom02...]!!!
39 - Assim, face a esta conclusão, e perante toda a realidade fáctica, não se pode considerar que a aqui Recorrente teria de ilidir uma presunção legal de titularidade dos bens, uma vez que essa presunção não é sequer aplicável aos presentes autos.
40 - Em suma, deverá a douta decisão sob censura ser revogada e substituída por outra que atenda ao peticionado nos Embargos de Terceiro e que não foi objecto de análise e juízo crítico pelo Tribunal a quo.
Nestes termos, e nos demais e melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser considerado procedente o presente Recurso e, por conseguinte, revogada e substituída a douta sentença, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!!!».

1.3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. A EPGA junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer, concluindo pela improcedência do recurso.
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por errada valoração da prova produzida.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Factos Provados (com interesse para a decisão a proferir):
1. A sociedade [SCom02...], LDA. foi constituída em 2006 tendo a sua sede na Rua ..., ... ... [cf. Contrato de Constituição de sociedade e informação pública disponíveis em https://publicacoes.mj.pt/pesquisa.aspx]
2. Contra a sociedade referida no ponto anterior foi instaurado pelo SERVIÇO DE FINANÇAS ... o Processo de Execução Fiscal (PEF) n.º ...95. [cf. PEF n.º ...95 incorporado nos autos com a Petição inicial a fls. 1 a 40 e 41 a 83 dos autos (paginação SITAF)].
3. Em 28/03/2012, através da AP....28 foi constituída a sociedade [SCom01...], UNIPESSOAL, LDA., com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho .... [cf. informação pública disponível em https://publicacoes.mj.pt/pesquisa.aspx]
4. Em 07/08/2012 a sociedade [SCom01...], UNIPESSOAL, LDA. adquiriu à sociedade [SCom03...], LDA. as máquinas constantes da Fatura n.º 2204, emitida por esta última sociedade, no estado de usadas. [cf. Fatura junta como Doc. n.º 2 com a Petição inicial incorporada a fls. 1 a 40 e 41 (paginação SITAF) e constante a fls. 15 a 20-A do PEF n.º ...95 incorporado a fls. 41 a 83 dos (paginação SITAF), cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido].
5. Em 19/12/2012, foi lavrado no âmbito do PEF referido no ponto 2. “Auto de Penhora” com o seguinte teor:
“(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” [cf. Auto de Penhora junto como Doc. n.º 1 com a Petição inicial incorporada a fls. 1 a 40 e 41 (paginação SITAF) e fls. 36 a 41 do PEF n.º ...95 incorporado a fls. 41 a 83 dos (paginação SITAF)].
6. O SERVIÇO DE FINANÇAS ... remeteu à sociedade [SCom02...], LDA., o Ofício n.º ...49, datado de 18/01/2013, dirigido para a Rua ..., ..., com o seguinte teor, remetendo em Anexo o “Auto de Penhora” referido no ponto anterior, com o seguinte teor:
“(…)
[imagem no documento original]
(…)” [cf. fls. 27 do PEF n.º ...95 incorporado a fls. 41 a 83 dos (paginação SITAF)].
7. Em 15/02/2013, através da AP. ...15 a sociedade [SCom02...], LDA. mudou a sua sede para Centro Comercial ... V, n.º ... ... .... [cf. Certidão de Registo Comercial constante de fls. 49 a 54 do PEF n.º ...95 incorporado nos autos a fls. 41 a 83 dos autos (paginação SITAF)].
8. Em 17/05/2013 a sociedade [SCom02...], LDA. foi declarada insolvente. [cf. Certidão de Registo Comercial constante de fls. 49 a 54 do PEF n.º ...95 incorporado nos autos a fls. 41 a 83 dos autos (paginação SITAF)].
9. Em 29/06/2013 foi proferida decisão judicial de encerramento do processo de insolvência da sociedade [SCom02...], LDA. por insuficiência do património da sociedade insolvente, ficando a mesma pendente de liquidação administrativa. [cf. Certidão de Registo Comercial constante de fls. 49 a 54 do PEF n.º ...95 incorporado nos autos a fls. 41 a 83 dos autos (paginação SITAF)].
10. Através da AP. ...04 procedeu-se ao encerramento da liquidação da sociedade [SCom02...], LDA. por declaração imediata no âmbito do regime especial de liquidação oficiosa tendo sido efetuado o cancelamento da matrícula daquela sociedade. [cf. Certidão de Registo Comercial constante de fls. 49 a 54 do PEF n.º ...95 incorporado nos autos a fls. 41 a 83 dos autos (paginação SITAF)].
*
Factos não Provados (com interesse para a decisão a proferir):
1. Que as máquinas adquiridas pela sociedade [SCom01...], UNIPESSOAL, LDA. à sociedade [SCom03...], LDA., constantes da fatura n.º 2204 referida no ponto 4. do elenco dos factos provados, sejam as mesmas que foram penhoradas à sociedade [SCom02...], LDA. através do “Auto de Penhora” referido no ponto 5. do elenco dos factos provados.
*
Em face do disposto nos artigos 396.º do Código Civil (CC) e 607.º, n.º 5 do CPC ex vi do artigo 2.º, e) do CPPT, a formação da convicção do Tribunal acerca de cada facto dado como provado fundou-se nos elementos documentais juntos aos autos nos elementos do PEF n.º ...95, atento o onus probandi que impendia sobre as mesmas, bem como dos factos notórios por serem do conhecimento geral atenta a sua publicidade nas plataformas on line do ministério da justiça, designadamente em https://publicacoes.mj.pt/pesquisa.aspx [cf. artigo 412.º, n.º 1 do CPC ex vi do artigo 2.º, e) do CPPT], tudo conforme indicado acima em relação aos factos elencados como provados.
Foram igualmente considerados os depoimentos das testemunhas inquiridas «BB» e «AA».
No que respeita ao depoimento da testemunha «BB» o mesmo foi prestado de forma credível e com razão de ciência quanto à venda de máquinas à sociedade Embargante, visto que sendo sócio gerente da sociedade [SCom03...], LDA. (abreviadamente [SCom03...]) referiu que celebrou negócios com a Embargante, mais que uma vez, tendo afirmado ter vendido à mesma as máquinas constantes da Fatura n.º 2204, emitida 07/08/2012, no estado de usadas, corroborando o constante do ponto 4. do elenco dos factos provados.
Apesar de ter referido que essas máquinas em princípio teriam sido entregues pela [SCom03...], na sede da sociedade Embargante, visto que a [SCom03...] possuía um serviço de entregas, não pôde afirmá-lo com certeza.
Esta testemunha referiu ter adquirido as máquinas vendidas à Embargante a empresas que tinham fechado, no entanto não soube precisar a quais empresas teria adquirido as máquinas. Não obstante, a testemunha referiu de forma expressa não ter adquirido as máquinas em causa à sociedade [SCom02...], LDA. (abreviadamente [SCom02...]), esclarecendo que nunca comprou máquinas a esta última sociedade tendo-lhe vendido poucas máquinas, apesar de não saber precisar quais nem em que períodos.
A testemunha referiu também que, quer a sociedade [SCom01...], UNIPESSOAL, LDA. (abreviadamente [SCom01...]), quer a [SCom02...] se localizavam no mesmo complexo industrial, não sabendo precisar a morada, mas referindo ter ideia de que se situavam em locais distintos dentro do complexo.
Quanto ao preço das máquinas adquiridas pela [SCom01...] constantes da fatura n.º 2204 a testemunha referiu que foram vendidas aproximadamente por 12 ou 13 mil euros pagos um dia ou dois depois da faturação.
Esta testemunha referiu conhecer o sócio gerente da [SCom01...] referindo que atualmente é um Sr. «CC», mas disse que à data da venda das máquinas constantes da fatura n.º 2204 a [SCom01...] era representada por uma D.ª «AA», que pensa que seria a gerente.
A mesma testemunha referiu não saber se os gerentes da [SCom02...] e da [SCom01...] eram os mesmos. Atento o exposto, o depoimento da testemunha concorreu para se dar como provado o facto constante do ponto 4. do elenco dos factos provados, não tendo sido de molde a consubstanciar prova suficiente quanto a mais nenhum facto.
No que respeita à testemunha «AA», a mesma prestou depoimento referindo ser escriturária na sociedade [SCom01...], tendo sido sempre escriturária dessa sociedade desde 2012, exercendo funções de faturação e estabelecendo relações com clientes e fornecedores tratando da aquisição e venda de máquinas respeitantes ao funcionamento da sociedade.
Esta testemunha referiu também que quando a sociedade [SCom01...] abriu era sócia gerente da mesma tendo exercido essas funções de março de 2012 até janeiro de 2013.
A mesma testemunha referiu que em agosto de 2012 a [SCom01...] adquiriu à sociedade [SCom03...] as máquinas constantes da fatura n.º 2204 emitida pela [SCom03...], em 07/08/2012. Mais referiu que o preço de aquisição foi de € 11.000,00 porque as máquinas eram usadas, tendo ido adquiridas para possibilitar o funcionamento da sociedade [SCom01...].
Esta testemunha referiu que uma vez, por volta de 2012/2013, não sabe ao certo quando, apareceram na sede da [SCom01...] dois senhores das Finanças a perguntar se ali era a [SCom02...] ao que a testemunha disse ter respondido que ali não era a [SCom01...] e disse que estava muito nervosa e ligou à advogada, sendo que esta última falou com os Senhores das Finanças que após essa conversa foram embora porque ali não era a [SCom02...]. A testemunha acrescentou que os Senhores das Finanças não entraram nas instalações da sociedade [SCom01...].
Esta testemunha referiu também desconhecer se os Senhores das Finanças tinham ido às instalações da sociedade [SCom02...], e disse não saber se nessa sociedade haveria equipamentos idênticos aos adquiridos pela [SCom01...] através da referida fatura n.º 2204, e referiu não estar na [SCom02...] na data mencionada no Auto de Penhora.
Esta testemunha disse saber onde ficavam as instalações da sociedade [SCom02...] referindo que se localizavam no mesmo complexo industrial que as da [SCom01...] e demonstrou no mapa do complexo industrial onde ficavam as duas sociedades, referindo que as instalações da [SCom01...] se situavam no Pavilhão 1-A e as da [SCom02...] no Pavilhão 6.
A testemunha referiu nunca ter trabalhado na [SCom02...], mas disse saber que o sócio gerente dessa sociedade era o atual sócio gerente da [SCom01...]. Em face do exposto, o depoimento desta testemunha apenas serviu para corroborar os factos já comprovados por documentos, designadamente quanto à localização das sedes das sociedades [SCom02...] e [SCom01...] [cf. pontos 1. e 3. do elenco dos factos provados], não sendo de molde a serem dados como provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão a proferir.
Quanto ao facto dado como não provado foi-o por inexistirem nos autos elementos que permitam concluir pela sua ocorrência.
De facto, inexistem elementos probatórios, passíveis de comprovar que as máquinas adquiridas pela sociedade [SCom01...] à sociedade [SCom03...], sejam as que foram penhoradas à sociedade [SCom02...], desde logo por ausência de correspondência entre o elenco das máquinas adquiridas [cf. ponto 4. do elenco dos factos provados] e das máquinas penhoradas [cf. ponto 5. do elenco dos factos provados], tanto mais que inexiste na fatura que refere as máquinas adquiridas qualquer menção ao número de série das máquinas vendidas pela [SCom03...] à [SCom01...] e o Auto de Penhora refere o número de série de algumas das máquinas penhoradas descrevendo de forma exaustiva todas as máquinas penhoradas.
Acresce que, inexiste qualquer prova de que as máquinas penhoradas se encontrassem na sede da [SCom01...], existindo pelo contrário elementos probatórios que concorrem no sentido de que as mesmas se encontravam na sede da [SCom02...] na data da penhora.
Senão vejamos.
A testemunha «AA» referiu de forma expressa que os funcionários das Finanças que se deslocaram à sociedade [SCom01...] não entraram nas instalações da mesma, ora, não é verosímil que esses funcionários pudessem ter elencado as máquinas penhoradas no “Auto de Penhora” com descrição detalhada e indicação de números de série de algumas máquinas, sem que tivessem tido acesso ao local em que as máquinas se encontravam e analisado as mesmas, o que leva a concluir que os bens penhorados correspondiam a bens que não se encontravam na sede da [SCom01...].
Acresce que a mesma testemunha referiu desconhecer se os funcionários do Serviço de Finanças se tinham deslocado à sede da [SCom02...], e mais referiu desconhecer se na sede da [SCom02...] se existiam equipamentos idênticos às máquinas adquiridas pela [SCom01...] à [SCom03...] constantes da fatura n.º 2204, pelo que a situação mais plausível para a elaboração de um “Auto de Penhora” das máquinas penhoradas com uma descrição tão detalhada das mesmas é que estas se encontrassem na sede da [SCom02...] na data da penhora e tenham sido vistas e elencadas pelos funcionários do serviço de finanças quando estes se deslocaram à sede da [SCom02...].
Nesse sentido concorre o facto de no “Auto de Penhora”, o qual foi assinado por testemunhas, se referir de forma expressa que a Penhora foi efetuada no Pavilhão correspondente à sede da [SCom02...] à data da penhora [cf. pontos 5., 1. e 7. do elenco dos factos provados].
O exposto, também aponta no sentido de as máquinas objeto da penhora constantes do respetivo “Auto de Penhora” [cf. ponto 5. do elenco dos factos provados] não serem as mesmas máquinas que a [SCom01...] adquiriu à sociedade [SCom03...], constantes da fatura n.º 2204 [cf. ponto 4. do elenco dos factos provados].
Isto porque, tendo as máquinas constantes da fatura n.º 2204 sido adquiridas pela sociedade [SCom01...], por serem necessárias ao exercício da sua atividade [conforme referido pela testemunha «AA»], em data anterior à penhora [cf. ponto 5. do elenco dos factos provados] as mesmas teriam de estar na sede da [SCom01...], onde os funcionários do Serviço de Finanças não entraram [conforme referido pela testemunha «AA»].
E, assim sendo, essas máquinas não podiam ser as mesmas máquinas que foram penhoradas através do “Auto de Penhora” constante do ponto 5. do elenco dos factos provado, visto que tal penhora terá sido efetuada na sede da [SCom02...] ficando essa sociedade fiel depositária das mesmas em data posterior, facto que não foi infirmado por nenhum dos elementos probatórios produzidos nos autos.
Termos nos quais não logrou a [SCom01...], aqui Embargante, provar que os bens penhorados através da penhora em relação à qual deduziu os embargos correspondem aos bens que adquiriu à [SCom03...].
Assim sendo, o facto constante do ponto 1. do elenco dos factos não provados, foi assim considerado por falta de elementos probatórios que concorram no sentido da sua verificação.
A restante matéria de facto alegada pelas partes, o Tribunal não a julgou provada ou não provada, por ser irrelevante para a decisão da causa ou por constituir alegação conclusiva ou de direito.».

3.2. DE DIREITO
A Recorrente deduziu Embargos de Terceiro contra a penhora realizada no âmbito do processo de execução fiscal nº ...95. Alegou ter tomado conhecimento dessa penhora através de citação/notificação de penhora dirigida à sociedade executada e que os bens penhorados (verbas 1 a 90) lhe pertencem por os ter adquirido em 7/08/2012.
O Tribunal a quo negou provimento à sua pretensão, assente na seguinte fundamentação jurídica:
«(…)
Atentas as posições esgrimidas pelas partes nos respetivos articulados nos termos retro expendidos em sede de Relatório cumpre apreciar e decidir se estão reunidos os requisitos para a procedência dos presentes embargos.
O artigo 237.º do CPPT estabelece que quando o arresto, a penhora ou qualquer outro ato de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro.
O incidente de embargos de terceiro tem, pois, ínsita uma função preventiva ou repressiva (dependendo se a diligência ordenada já foi ou não realizada), visando acautelar direitos de terceiros e tutelar os seus interesses em situações em que tais direitos sejam ameaçados, na sequência de arresto, penhora ou qualquer ato de apreensão.
E, assim sendo, os embargos de terceiro devem ser apresentados tempestivamente, pressupõem a qualidade de terceiro do embargante e que o ato em relação ao qual se reage ofenda a sua posse ou qualquer outro direito incompatível com a sua realização ou o seu âmbito.
Não tendo sido posta em causa a qualidade de terceiro da Embargante, quanto à penhora objeto do embargo, nem tendo sido posta em causa a tempestividade dos presentes embargos, a questão decidenda consiste em saber se a penhora objeto do presente embargo ofende um direito da Embargante sobre os bens móveis penhorados aqui em apreço incompatível com a penhora, in casu, a alegada propriedade da Embargante sobre os bens penhorados (atentos os fundamentos pela mesma invocados para o embargo).
De harmonia com o disposto no artigo 237.º do CPPT (e bem assim o disposto no artigo 342.º, n.º 1 do CPC), verifica-se que os embargos de terceiro deixaram de ser exclusivamente um meio de defesa da posse, podendo agora ser o meio processual para defesa de qualquer outro direito cuja manutenção seja incompatível com a realização ou o âmbito da diligência.
Quanto à forma e ao modo como se afere a incompatibilidade de um direito com a realização ou o âmbito de uma penhora ou de qualquer ato de apreensão ou entrega de bens, ensina LEBRE DE FREITAS que a determinação do direito incompatível faz-se considerando a função e a finalidade concreta da diligência que o ofende, pelo que “(…) são incompatíveis com a penhora - e, consequentemente, também com o arresto, que a antecipa - o direito de propriedade e os demais direitos reais menores de gozo que, considerada a extensão da penhora, viriam a extinguir-se com a venda executiva (artigo 824.º, n.º 2 do Código Civil), bem como, quando a penhora incida sobre um direito, a titularidade deste de que um terceiro se arrogue…; mas não o são os direitos reais de gozo que a subsequente venda não extingue, os direitos reais de aquisição e de garantia que, como normalmente acontece, encontrem satisfação no esquema da ação executiva, nem os direitos pessoais de gozo e de aquisição, que são inoponíveis ao exequente ou, no caso especial do arrendamento, perduram para além da venda executiva[neste sentido cf. LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pág. 616].
Ora, no caso dos autos, a leitura da petição inicial evidencia que a causa de pedir invocada pela Embargante para fundamentar o seu pedido é a propriedade dos bens móveis penhorados alegando que os adquiriu em data anterior à penhora à sociedade [SCom03...].
Sucede que, conforme resulta da factualidade dada como provada e não provada, não obstante a Embargante ter efetuado prova de ter adquirido, em 07/08/2012, à sociedade [SCom03...] as máquinas constantes da Fatura n.º 2204, emitida por esta última sociedade, no estado de usados [cf. ponto 4. do elenco dos facos provados], a Embargante não logrou provar que essas máquinas por si adquiridas sejam as mesmas que foram penhoradas à sociedade [SCom02...], LDA. através do “Auto de Penhora” referido no ponto 5. do elenco dos factos provados [cf. ponto 1. do elenco dos factos não provados]
Pelo que a Embargante não logrou provar a existência de um seu direito sobre os bens penhorados incompatível com a penhora.
E, assim sendo, não resultou demonstrado nos autos esse pressuposto de que depende o decretamento dos Embargos de Terceiro.».
A Recorrente não se conforma com o assim decidido, desde logo imputando à sentença erro na apreciação da factualidade assente, no que tange ao facto não provado, no fundo, porque os fundamentos em que o Tribunal a quo assenta a sua convicção também permitem a conclusão oposta.
Mas não lhe assiste razão.
A nosso ver, a tese sustentada pela Embargante/Recorrente, nos moldes em que ficou vertida na p.i., não se afigura sequer verosímil, pois, desde logo, não explica qual a relação existente entre as duas empresas (Embargante e Executada) passível de gerar na AT a confusão que alega ter existido na penhora dos bens.
Depois, porque a conclusão extraída pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo é a única plausível em face da factualidade assente. Na verdade, cabe perguntar como seria possível a AT penhorar bens da propriedade da Embargante e existentes nas suas instalações se (i) estas são distintas das instalações da Executada (cfr. pontos 1 e 3 do probatório), (ii) no Auto de Penhora consta que esta foi realizada nas instalações da Executada (ponto 5 do probatório). Ademais a testemunha «AA» referiu (iii) que os funcionários da AT não procederam a qualquer penhora nas instalações da Recorrente e a testemunha «BB» referiu que (iv) as máquinas em causa não provinham da Embargante e (v) teriam sido entregues pela [SCom03...] nas instalações da Executada.
Por outro lado, tendo em conta a pormenorizada descrição das verbas penhoradas (com indicação das respetivas marcas, modelos e números de série) fácil seria à Embargante demonstrar a identidade que alega existir entre os bens penhorados e os que por si foram adquiridos, uma vez que lhe era permitido requerer, designadamente, uma inspeção judicial aos bens existentes no local da sua sede.
Assim, contrariamente ao que a Recorrente sustenta, deve prevalecer a presunção constante do artigo 764º, nº 3, do CPC, de que pertencem ao Executado os bens encontrados em seu poder.
Consequentemente, não pode ser concedido provimento ao presente recurso, devendo ser mantida a sentença recorrida.

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Assim, preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:
I – Se a Embargante não demonstra que os bens penhorados à sociedade Executada são os que se encontram na sua sede e foram por si adquiridos, deve prevalecer a presunção prevista no artigo 764º, nº 3, do CPC, de que pertencem ao Executado os bens encontrados em seu poder.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 15 de maio de 2025

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Patrocínio – 1ª Adjunta
Vítor Unas – 2º Adjunto