Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00217/14.0BEPRT |
![]() | ![]() |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 11/27/2020 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | TAF do Porto |
![]() | ![]() |
Relator: | Helena Canelas |
![]() | ![]() |
Descritores: | LEGITIMIDADE ATIVA – LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO ATIVO – COMPROPRIEDADE – INDEMNIZAÇÃO |
![]() | ![]() |
Sumário: | I – O princípio geral da legitimidade ativa no âmbito do contencioso administrativo, tal como consagrado no nº 1 do artigo 9º do CPTA, opera por referência à titularidade da relação jurídica controvertida, à semelhança do critério geral vigente no processo civil, e enquanto regra geral, valerá sempre que não seja afastada no âmbito dos regimes específicos previstos no Código, designadamente quanto às ações sobre contratos ou nas ações administrativas especiais, isto é, as atinentes a atos ou normas administrativas, expressamente ressalvadas no nº 1 daquele artigo 9º do CPTA. II – Havendo uma única relação material controvertida (unicidade da relação material controvertida) mas sendo, todavia, múltiplos os seus titulares (pluralidade de sujeitos titulares da mesma relação material controvertida), estar-se-á perante uma situação de litisconsórcio, a qual se distingue da situação de coligação, na medida em que nesta a pluralidade de partes corresponde à pluralidade de relações materiais litigadas. III – Nos termos do artigo 33º do CPC, o litisconsórcio será voluntário quando dependa exclusivamente da vontade das partes, e será necessário quando resulte i) da lei, ii) da prévia estipulação dos interessados (convenção) ou iii) da própria natureza da relação jurídica em litígio. IV – Da norma constante do nº 2 do artigo 30º do CPC novo é de entender que o litisconsórcio será necessário quando, pela própria natureza da relação jurídica, a intervenção de todos os interessados seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. VI – Aí, os contornos do litisconsórcio voluntário e do necessário, terão de ser fixados com a inclusão neste das relações indivisíveis por natureza, que têm de ser resolvidas de modo unitário para todos os interessados, sem a presença dos quais, a decisão não conduziria a nenhum efeito útil (como nas ações constitutivas em que a falta de alguns deles poria em causa a globalidade da própria relação jurídica) e bem assim aquelas em que só a intervenção de todos produzirá, não apenas algum efeito útil, mas ainda o considerado normal, definindo a situação concreta entre as partes, de tal modo que não possa vir a ser inutilizada por outros interessados a quem a decisão não seja oponível. VII – Se os autores, proprietários em comum da metade indivisa do prédio, pretendem obter na ação o ressarcimento pelos danos resultantes da expropriação de facto que alegam ter sido perpetrada pelo réu MUNICÍPIO relativamente ao dito prédio, poderá conhecer-se do direito indemnizatório a que se arrogam na medida da respetiva quota-parte (metade) sobre a propriedade, que é a que peticionam, sem que se seja necessário que esteja na ação o comproprietário da outra metade indivisa do prédio.* * Sumário elaborado pelo relator |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Recorrente: | M. e Outros |
Recorrido 1: | Município de (...) |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO M., J., S. e J-. (todos devidamente identificados nos autos) autores na ação administrativa comum que instauraram em 27/01/2014 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra o MUNICÍPIO DE (...) – na qual peticionaram a condenação deste a pagar-lhes a quantia de 20.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação e a quantia de 28.396,18 € a título de indemnização por danos patrimoniais, ou, subsidiariamente, a título de enriquecimento sem justa causa, acrescidos de juros desde 15/12/2010, tudo por referência a alegada ocupação abusiva pelo réu de prédio de que são comproprietários) – inconformados com a decisão proferida pelo Tribunal a quo em sede de audiência prévia (ata de fls. 250 SITAF) que absolveu o réu da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória da ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário ativo, dela interpuseram o presente recurso de apelação (fls. 284 SITAF), pugnando pela sua revogação e substituição por outra que julgue não verificada a situação de litisconsórcio necessário ativo, prosseguindo o processo para conhecimento do mérito, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: 1. Na petição inicial, alegou-se que os AA. eram comproprietários, na proporção de metade, do prédio em causa e que este foi ocupado abusivamente pelo R., pelo que se pediu a indemnização pelos prejuízos sofridos, quer a título de danos não patrimoniais, quer a título de danos patrimoniais, medidos estes pelo valor do prédio, correspondendo essa indemnização a metade do seu valor global, cfr. designadamente, arts. 62º (designadamente após a rectificação operada em audiência prévia), 85º e 91º da p. i.. 2. Nos termos do art. 33º do CPC, há litisconsórcio necessário quando a lei ou o negócio exigir a intervenção de todos os interessados na relação controvertida ou quando a acção, pela própria natureza da relação jurídica, para poder produzir o seu efeito útil normal, tenha que ser instaurada por ou contra diversas pessoas, sendo que, nos termos do nº 3 da mesma disposição, “a decisão produz o seu efeito útil normal, sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado”. 3. No caso, a entidade responsável pela ocupação ilícita de todo o prédio, que conduz à sua aquisição, como se alegou na p. i., é só uma – o Réu. 4. No caso, o inerente prejuízo a título de danos morais é sofrido por ambos os comproprietários, em princípio na proporção das suas quotas, mas podendo até ser diferente, conforme um haja ou não sofrido maiores do que o outro. 5. No caso, a indemnização dos prejuízos referentes a cada quota ideal do prédio abusivamente ocupado e adquirido apenas cabe a cada um dos comproprietários, podendo até acontecer que um deles entenda nada pedir. 6. Acresce que, nos termos do art. 1405, nº 2, do CC, cada um dos comproprietários pode, sozinho, reivindicar de terceiro a totalidade do prédio em causa, sem que seja lícito à parte contrária opor-lhe que esta não lhe pertence por inteiro. 7. Logo, se os AA. aqui em causa pedissem a restituição do prédio – de todo o prédio – poderiam fazê-lo sozinhos. 8. E, como é lógico, também o poderão fazer, se em vez da reivindicação, pedirem a indemnização pela ocupação e aquisição forçada do prédio. Particularmente quando apenas peçam tal indemnização na parte correspondente à quota que lhes caiba, como foi o caso. 9. Acresce também que é absolutamente falacioso o argumento utilizado na sentença recorrida de que não se sabe, em concreto, que parte do prédio pertencia a cada um dos comproprietários e, logo, aos AA. 10. É óbvio que não, desde logo porque o prédio nunca foi dividido, mas isso, não se pedindo a reivindicação de uma parte específica do prédio, é para aqui absolutamente irrelevante. 11. O que se sabe é que os aqui AA. eram comproprietários, na proporção de 50%, do prédio abusivamente ocupado e adquirido. 12. E, se pedem, por esse facto, indemnização correspondente a 50% do valor que estimam caber ao prédio, acrescida de 50% do valor dos incómodos morais que alegam ter sofrido, é evidente que nada interessa que parte concreta do prédio eventualmente lhes caberia se algum dia, hipoteticamente, viessem a querer dividi-lo. 13. E isto é assim, quer seja a natureza do prédio para efeito de cálculo de expropriação igual em todas a suas parcelas ou não, pois o prédio não foi dividido entre os comproprietários e nada na lei impunha que o fosse, pelo que, não se pedindo aqui a reivindicação do prédio – repete-se – mas antes a indemnização entre outros factos pela sua ablação, o que releva é o valor global do prédio, sendo que para a determinação deste terão de concorrer evidentemente todas as parcelas, tenham ou não a mesma natureza. 14. Por isso, a única coisa que interessa a este respeito é a determinação da quota ideal de cada comproprietário, que permite saber que parte da indemnização relativa ao valor do prédio cabe a cada um. E isso mostra-se determinado. 15. É, assim, patente que a lei não exige a intervenção de todos os interessados na relação controvertida, como é patente que a decisão pode regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado, ainda que não vincule os outros comproprietários do prédio. 16. O mesmo é dizer que, ao contrário do decidido, não existe, no caso, qualquer litisconsórcio necessário. 17. E, logo, são os AA. parte legítima, por si só, na acção. 18. Pelo que não poderia o R. ter sido absolvido da instância. 19. Tendo a decisão recorrida violado o art. 1405º, nº 2, do CPC e o art.33º do CPC. O recorrido contra-alegou (fls. 301 SITAF) pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, formulando o seguinte quadro conclusivo: 1. Ao contrário do alegado pelos Recorrentes, a douta sentença proferida pelo tribunal “a quo” não viola o disposto no artigo 1405º, nº 2 do CPC e no artigo 33º do CPC. 2. Nos pedidos formulados pelos Autores não é reivindicada a parcela, não é reivindicado o direito de propriedade. 3. Atenta a “(...) natureza da relação jurídica administrativa estabelecida entre o Réu e a visada parcela nº 7, é necessária a intervenção nos autos de todos os seus proprietários”. 4. Nos termos do disposto no artigo 33º do CPC, seria exigível a intervenção de todos os interessados, existindo litisconsórcio necessário. 5. A falta do co-proprietário, A., traduz-se numa situação de ilegitimidade. 6. A ilegitimidade é uma exceção dilatória, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 577º do CPC, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, conforme dispõe o nº 2 do artigo 576º do CPC. 7. Pelo que, deve manter-se a douta sentença proferida e em consequência ser o Réu absolvido da instância. * Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer. * Após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos. * II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidirO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA. No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelos recorrentes as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se o Tribunal a quo ao decidir pela absolvição do réu da instância, com fundamento na verificação da exceção dilatória de ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário ativo, incorreu em erro de julgamento. * III. FUNDAMENTAÇÃO1. Da decisão recorrida O réu MUNICÍPIO DE (...) foi absolvido da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória da ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário ativo, por decisão proferida em 27/06/2016 sede de audiência prévia (ata de fls. 250 SITAF). Decisão relativamente à qual é ali vertido o seguinte, que se passa a transcrever: «Tendo subjacente o disposto no artigo 578.º do CPC, mormente, o dever do Tribunal dever conhecer oficiosamente as exceções dilatórias, considerando que os quatro Autores são co-proprietários da parcela n.º 7, relativamente a metade dessa parcela, sendo que da outra metade é co-proprietário, A., porque se nos afigura que ocorre a preterição de litisconsórcio necessário ativo, o que é determinante da ilegitimidade dos Autores, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 577.º alínea e) e 33.º n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, notifique as partes para emitirem pronúncia. O Senhor Mandatário dos Autores disse que qualquer dos co-proprietários pode defender em juízo a posse da totalidade do prédio, sem que lhe possa ser oposto que esse não lhe pertence por inteiro, nos termos do artigo 1405.º n.º 2 do Código Civil. Por maioria de razão, poderão os co-proprietários de metade indivisa de um prédio, solicitar em juízo, a indeminização pela sua ablação, sem que estejam acompanhados do restante comproprietário. Posto é que, apenas peçam indeminização pela parte que lhes diz respeito. De toda a maneira, desde já se avança que, mantendo-se a decisão sob a pronúncia e transitado a mesma em julgado, o remédio seria simples, seria o da suscitada intervenção do co-proprietário, nos termos do artigo 261.º do CPC. *** O Senhor Mandatário do Réu disse que não obstante a invocação por parte dos Autores, da possibilidade de qualquer dos proprietários poder defender a posse em Juízo, desde que, em causa possa estar a possível ablação do seu direito de propriedade, a verdade é que, na presente ação não está em causa a defesa da posse nem a reivindicação do direito de propriedade, atendendo a que, nem sequer foi referido pelos Autores a declaração de propriedade do imóvel objeto desta ação, para que, posteriormente, pudesse haver direito à indemnização decorrente da ablação do direito.Efetivamente, como este é um imóvel cuja propriedade plena não incide sobre os Autores na presente ação, nem do petitório consta o reconhecimento do direito de propriedade, para que a decisão tida em conta no processo pudesse produzir o seu efeito útil normal, e dade que, todos os interessados nesta relação material controvertida não foram subscritores da Petição inicial, como reconhecem os próprios Autores no artigo 5.º da sua Petição inicial, em que mencionam como proprietário de metade do imóvel, a cunhada do aqui co-autor, M., e irmão dos Autores da sucessão, J., A., que, atento este n.º 5 da Petição inicial, será o proprietário de metade alíquota indivisa do presente imóvel. Assim sendo, como determina o artigo 33.º n.º 1 do CPC, dado que nesta ação seria exigível para obtenção do seu efeito útil normal, a intervenção dos vários interessados na relação material controvertida, a falta do irmão do J., cônjuge e progenitor dos demais co-Autores, traduz uma ilegitimidade na presente ação, pelo que, de acordo com o artigo 577.º alínea e) do NCPC, se configura a existência de uma exceção dilatória decorrente da ilegitimidade de uma das partes, pelo que, nos temos do que determina o artigo 576.º n.º 2 do CPC, verificada a existência de uma exceção dilatória, tal deverá determinar a absolvição da instância, por parte do aqui Réu, o que desde já se requer a vossa excelência e invoca para todos os devidos e legais efeitos. *** Logo após o Senhor Juiz proferiu a seguinte:DECISÃO Dispõe o artigo 591.º n.º 1 alínea b) do CPC que o Juiz deve facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que lhe cumpra apreciar exceções dilatórias. Ora, a preterição de litisconsórcio necessário activo, foi por nós suscitada, atento o modo e pressupostos por que, quer os Autores quer o Réu se defenderam nos articulados, e em ordem a que a decisão a proferir possa produzir o seu efeito útil normal. Os Autores alegaram que são co-proprietários, com outros, de uma parcela, com a área de 1264 m2, a que se refere a parcela 7. Esses outros co-proprietários não são parte nos autos. Referiu o Réu, em sede de defesa por impugnação que, desses 1264 m2, a que se reporta a parcela 7, e face ao PDR e Planta de zonamento do Plano de urbanização de S. Cosme e Valbom e respetiva planta de ordenamento, que uma parte da parcela, com a área de 597m2, se encontra classificada como “Área de Reserva Ecológica Nacional” e “Área Verde de Protecção”, e a outra área de 667m2, encontra-se classificada como “Área de Reserva Nacional do Tipo II”. Ora, os Autores vêm peticionar ao Tribunal dois pedidos principais, e um subsidiário. Os dois primeiros pedidos são atinentes, o 1.º, à condenação do Réu no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais sofridos, e o 2.º desses, na condenação a título de indeminização por danos patrimoniais sofridos, sendo que, o pedido subsidiário visa uma indeminização com fundamento em enriquecimento sem causa. Logo à partida, perspetivou-se-nos que os outros co-proprietários deviam ser intervenientes nos autos, porquanto, sendo controvertida a natureza da ocupação do solo (quanto à referida área da planta 7), a decisão do Tribunal, se o fosse no sentido de dar provimento à pretensão dos Autores, impossibilitaria que um dos proprietários fizesse valer o seu direito, seja na ótica da qualificação jurídica do solo, seja na ótica da valorização de todo o solo da parcela, que como sustenta o Réu, encerra duas naturezas, (urbanizável e não urbanizável), e os Autores sustentam tratar-se apenas de solo apto à construção. Ao contrário do que sustentam os Autores, quando invocam o disposto no artigo 1405.º n.º 1 do Código Civil, os mesmos não vêm, face aos pedidos formulados, reivindicar a parcela, o direito de propriedade face ao Réu, antes peticionar que o seu direito, face ao imóvel, foi violado, quando é certo, como assim julgamos, que pela natureza da relação jurídica administrativa estabelecida entre o Réu e a visada parcela n.º 7, é necessária a intervenção nos autos de todos os seus proprietários. De modo que, assim não tendo acontecido, isto é, não estando os co-Autores acompanhados nos autos dos demais co-proprietários da parcela n.º 7, julgo pela ocorrência de preterição de litisconsórcio necessário ativo, o que é determinante da ilegitimidade ativa dos autores, e assim também da absolvição da instância do Réu (cfr. artigos 576.º n.ºs 1 e 2, 577.º alínea e), 578º, 33.º, e 278º n.º 1 alínea d), todos do CPC). * Notifique e registe.»2. Da tese dos recorrentes Pugnam os recorrentes pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue não verificada a situação de litisconsórcio necessário ativo, prosseguindo o processo para conhecimento do mérito. Apontam, nesse desiderato, erro de julgamento à sentença recorrida, com violação do artigo 1405º nº 2 do Código Civil e do artigo 33º do CPC, sustentando, em suma, que sendo comproprietários, na proporção de metade, do prédio identificado, que foi abusivamente ocupado pelo réu, e que visando na ação obter indemnização pelos danos não patrimoniais e não patrimoniais, estes medidos pela metade do valor global do prédio, cuja quota ideal pertencerá a cada um deles, não ocorre situação de litisconsórcio necessário ativo, e que, além do mais, podendo cada um dos comproprietários, nos termos do artigo 1405º nº 2 do Código Civil, reivindicar de terceiro a totalidade do prédio, tal significa que se os autores, podiam, sozinhos, pedir a restituição do prédio, também podem pedir, sozinhos, indemnização pela ocupação de que o mesmo foi alvo, na parte correspondente à quota que lhes cabe. 3. Da análise e apreciação do recurso 3.1 Atentemos, para melhor dissolução da questão, nas seguintes circunstâncias essenciais, que os autos relevam, e que são as seguintes: 1). Os autores M., J., S. e J-. são herdeiros da herança aberta por óbito de J.; 2.) Alegam que integra essa herança a metade indivisa do prédio sito na Freguesia de (...), descrito na conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha nº 01029/151288, e inscrito na matriz sob o artigo 4069 (ex-artigo 1389), correspondente à parcela 7, com a área de 1264 m2, identificada na planta anexa à resolução de expropriação para a construção do Pavilhão Multiusos de (...), pertencendo a outra metade indivisa a A.; 3.) Peticionam na ação a condenação do réu MUNICÍPIO DE (...) a pagar-lhes a quantia de 20.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação e a quantia de 28.396,18 € a título de indemnização por danos patrimoniais, ou, subsidiariamente, a título de enriquecimento sem justa causa, acrescidos de juros desde 15/12/2010, tudo por referência à proporção da metade indivisa do prédio de que são proprietários. 4.) Fundam o seu pedido na circunstância de o réu MUNICÍPIO DE (...) ter construído sobre aquele prédio uma obra pública, constituída pelo jardim adjacente ao Pavilhão Multiusos de (...), sem que tivesse sido levada a cabo, quanto a ela, qualquer processo expropriativo ou aquisição amigável, apropriando-se, assim, aquela do terreno, a título definitivo, consubstanciando uma expropriação de facto. 3.2 À data em que a ação foi instaurada (27/01/2014 – cfr. fls. 1 SITAF), era vigente o CPTA na sua versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015 de 2 de outubro. E simultaneamente encontrava-se já em vigor o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, de aplicação supletiva nos Tribunais Administrativos, ex vi do artigo 1º do CPTA. Pelo que sendo esse o quadro normativo temporalmente aplicável, é por referência a ele que haverá de ser resolvida a questão trazida em recurso, que é a de saber se o Tribunal a quo ao decidir pela absolvição do réu da instância, com fundamento na verificação da exceção dilatória de ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário ativo, incorreu em erro de julgamento, designadamente por violação do artigo 1405º nº 2 do Código Civil e do artigo 33º do CPC. 3.3 O nº 1 do artigo 9º do CPTA dispunha (na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015) sob a epígrafe “legitimidade ativa” que “sem prejuízo do disposto no número seguinte e do que no artigo 40.º e no âmbito da ação administrativa especial se estabelece neste Código, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”. Formulação que se mostra equivalente à que constava do artigo 26º do CPC antigo, a que corresponde o atual artigo 30º nºs 1, 2 e 3 do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, nos termos do qual “o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar”, o qual se exprime “pela utilidade derivada da procedência da ação”, sendo que “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor”. 3.4 O princípio geral da legitimidade ativa no âmbito do contencioso administrativo, opera, pois, tal como consagrado no nº 1 do artigo 9º do CPTA, à semelhança do critério geral vigente no processo civil, por referência à titularidade da relação jurídica controvertida. E enquanto regra geral, valerá sempre que não seja afastada no âmbito dos regimes específicos previstos no Código, designadamente quanto às ações sobre contratos ou nas ações administrativas especiais, isto é, as atinentes a atos ou normas administrativas, expressamente ressalvadas no nº 1 daquele artigo 9º do CPTA. A este propósito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, págs. 64-65, dizem o seguinte: “Através da mesma fórmula verbal – e à semelhança do que já sucedera com a nova redação dada ao nº 3 do artigo 26º do CPC (resultante da reforma de 1996) – o artigo 9º nº 1 toma posição explicita sobre a velha querela relativa ao critério de determinação da legitimidade, dando agora como assente que a legitimação processual é aferida pela relação jurídica controvertida tal como é apresentada pela autor. A previsão do nº 1 do artigo 9º é, contudo, menos ampla que a da correspondente disposição do artigo 26º do CPC. Enquanto que a lei processual comum elege como primeiro critério de legitimação o interesse processual (caracterizado como um interesse em demandar por parte do autor e um interesse em contradizer por parte do réu) e faz intervir a titularidade da relação jurídica controvertida como critério supletivo («Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor» – nº 3), o artigo 9º nº 1 do CPTA unicamente identifica como parte legítima o sujeito da relação jurídica, remetendo para as disposições especiais do Código relativas aos diferentes meios processuais o enunciado das demais circunstâncias em que o interesse em agir pode justificar a necessidade de tutela judicial. Essa aparente discrepância na formulação negativa não representa, contudo, uma alteração substancial ao nível da proposição jurídica. A legitimidade ativa, na lei processual administrativa, é determinada pela regulamentação particular que se encontra definida para cada um dos meios processuais considerados, e o princípio geral consignado no nº 1 do artigo 9º, paralelamente ao previsto na correspondente norma do CPC, surge como um denominador comum que opera em todos os casos em que a disposição especial é omissa ou inconsequente.» Continuando afirmando que «O nº 1 do artigo 9º, enunciando embora um princípio geral de legitimidade ativa por referência à titularidade da relação jurídica administrativa, ressalva expressamente o regime específico aplicável à ação sobre contratos (artigo 40º) e o disposto no âmbito da ação administrativa especial. Com a referência à ação administrativa especial pretende remeter para o regime do artigo 55º, relativo à ação de impugnação de atos administrativos, do artigo 68º, referente à condenação à prática de ato administrativo, e dos artigos 73º e 77º, referentes ao contencioso dos regulamentos.» 3.5 Na situação presente é, efetivamente, de fazer apelo a esta regra geral de legitimidade ativa, na medida em que estamos perante uma ação administrativa comum fundada em responsabilidade civil extracontratual (ou, subsidiariamente, em enriquecimento sem causa), estando, pois, ao abrigo do artigo 37º nºs 1 e 2º alíneas f) e i) do CPTA (na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 241-G/2015), e, por conseguinte, fora do campo de aplicação das regras especiais de legitimidade, seja as previstas no âmbito da ação administrativa especial, seja as consignadas no âmbito do contencioso das ações sobre contratos. Lembre-se que o CPTA na sua versão anterior à revisão operada pelo DL. n.º 214-G/2015), assumia uma matriz essencialmente dualista das formas de processo, estabelecendo duas formas de processos principais não urgentes, a ação administrativa comum e a ação administrativa especial (cfr. artigo 35º nºs 1 e 2 do CPTA, na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015) sendo que a distinção entre os campos de aplicação destas duas formas processuais devia fazer-se da seguinte forma: se a pretensão do particular se dirigia contra um ato administrativo de efeitos positivos ou uma norma administrativa, ou se visava a prática de um ato administrativo devido ou a edição de uma norma ilegalmente omitida, a forma processual própria era a da ação administrativa especial; se a pretensão do particular apresentava qualquer outra configuração, o processo seguiria, em princípio, a via da ação administrativa comum (isto sem prejuízo das formas de processo especiais urgentes previstas no Código) - vide, a este respeito da delimitação do campo de aplicação de cada um daqueles meios processuais, na doutrina, entre outros, Sérvulo Correia, “Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 22, pág. 23 ss.; Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, in Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 88 ss.; Mário Aroso de Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 78 ss.; José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2004, pág. 172 segs., e ainda Pedro Gonçalves, “A Acção Administrativa Comum” in, Stvdia Ivridica - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Administrativa, 86, Colloquia – 15, pág. 127 segs., e na jurisprudência, entre outros, os acórdãos deste TCA Norte de 08/04/2011, Proc. n.º 01070/09.1BEBRG; de 22/05/2015, Proc. n.º 00938/13.5BEAVR, de 21/04/2016, Proc. n.º 00432/15.0BEVIS, e de 03/05/2019, Proc. nº 0278/12.0BEPRT e os Acórdãos do TCA Sul de 12/11/2009, Procº 04765/09; de 29/01/2009, Procº 02720/07; de 23/10/2014, Proc. nº 04375/08; de 05/05/2016, Proc. nº 12958/16, todos disponíveis in, www.dgsi.pt. Na situação presente é, pois, de fazer apelo à regra geral de legitimidade ativa contida no artigo 9º nº 1 do CPTA (na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 241-G/2015), na medida em que estamos perante uma ação administrativa comum fundada em responsabilidade civil extracontratual (ou, subsidiariamente, em enriquecimento sem causa). 3.6 Se a titularidade da relação jurídica controvertida for plural haverá, contudo, que convocar subsidiariamente o Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1º do CPTA. Ora, nos termos do artigo 32º do CPC novo (correspondente ao artigo 27º do CPC/1961) se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos (ou contra todos) os interessados, mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só (ou contra um só) dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade (nº 1). E se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade (nº 2). Trata-se, aí, pois, de situações de litisconsórcio, na medida em que havendo uma única relação material controvertida (unicidade da relação material controvertida), ela respeita a várias pessoas, sendo, todavia, múltiplos os seus titulares (pluralidade de sujeitos titulares da mesma relação material controvertida). O que, assim, se distingue da situação de coligação a que se refere o artigo 36º do CPC novo, na medida em que nesta a pluralidade de partes corresponde à pluralidade de relações materiais litigadas. Veja-se, a este propósito, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição, Coimbra Editora, págs. 160-161. 3.6 O litisconsórcio será, no entanto, necessário, nos termos do disposto no artigo 33º do CPC novo (correspondente ao artigo 28º do CPC/1961), impondo, assim, a intervenção na ação de todos os vários interessados na relação controvertida, sendo a falta de qualquer deles motivo de ilegitimidade, sempre que a lei ou o negócio exigir a intervenção de todos eles (nº 1) ou quando essa intervenção de todos seja necessária, por força da própria natureza da relação jurídica, para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (nº 2), entendendo-se que a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (nº 3). Assim, o litisconsórcio será voluntário quando dependa exclusivamente da vontade das partes, e será necessário quando resulte i) da lei, ii) da prévia estipulação dos interessados (convenção) ou iii) da própria natureza da relação jurídica. 3.7 Na situação presente o prédio que terá sido ocupado pelo MUNICÍPIO DE (...) com construção nele de jardim adjacente ao Pavilhão Multiusos de (...), pertencia em compropriedade, a J. e a A., na proporção de metade (indivisa) a cada um. E integrou a herança aberta com o óbito identificado J., de que são herdeiros os aqui autores M., J., S. e J-., a metade (indivisa) daquele referido prédio. 3.8 Nos termos do disposto no artigo 1403º do Código Civil “existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa” (nº 1), sendo os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum qualitativamente iguais, ainda que possam ser quantitativamente diferentes (nº 2). E de acordo com o disposto no artigo 1404º do Código Civil “as regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles”. 3.9 No caso dos autos os herdeiros da herança aberta por óbito de J. estão na ação. Mostrando-se assegurada a intervenção de todos os herdeiros para o exercício dos direitos relativos à herança indivisa a que alude o artigo 2091º do Código Civil. Não se discute aqui, aliás, os termos do exercício dos direitos relativos a herança, designadamente quanto à exigência (ou não) da intervenção de todos os herdeiros. A ausência que motivou o juízo de verificação da exceção de ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário, respeita aos demais comproprietários, por referência à restante metade (indivisa) do prédio. Pelo que o que se discute é o exercício de um direito relativo a prédio sobre o qual existe uma situação de compropriedade, face à circunstância de serem vários os titulares simultâneos do direito de propriedade sobre a mesma coisa (cfr. artigo 1403º nº 1 do Código Civil). 3.10 Nos termos do disposto do artigo 1405º do Código Civil “os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular” (cfr. 1ª parte do nº 1) e “separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas e nos termos dos artigos seguintes” (cfr. 2ª parte do nº 1). Admitindo, todavia, o nº 2 do mesmo artigo 1405º do Código Civil que “cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro”. 3.11 É consensual, e mostra-se consolidado, o entendimento de que o nº 2 do artigo 1405º do Código Civil afasta o litisconsórcio necessário nas ações de reivindicação sobre coisa comum, não se exigindo, assim, a presença de todos os seus comproprietários em tal ação – vide, a titulo ilustrativo, e por todos, o acórdão do STJ de 11/04/2019, Proc. nº 204/13.6TBAMT.P1.S1, disponível in, www.dgsi.pt/jstj, em que se sumariou, entre o demais, o seguinte: «(…) III - O art. 1405.º, n.º 2, do CC é bem claro quando estabelece que cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este lhe seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro. IV - Consagra aquela norma a legitimidade de cada comproprietário para a ação de reivindicação, numa situação manifesta de litisconsórcio voluntário ativo, pelo que os autores, desacompanhados dos demais com proprietários, são parte legítima (arts. 30.º e 32.º, n.º 2, ambos do CPC). (…)». 3.12 Mas na situação dos autos não estamos, à evidência, perante uma ação de reivindicação, nem foi formulado qualquer pedido, seja de reconhecimento de direito de propriedade (ou compropriedade), seja sobre o prédio no seu todo ou sobre alguma parcela de terreno. O pedido que foi formulado foi o de indemnização pelos danos causados aos autores, proprietários em comum (por força da herança) da metade indivisa do identificado prédio, que, alegadamente, foi espoliado pelo MUNICÍPIO DE (...) e por este ocupado para construção de uma obra pública, consubstanciada num jardim adjacente ao Pavilhão Multiusos de (...). Pelo que não é no normativo do nº 2 do artigo 1405º do Código Civil que haverá de encontrar-se a resposta à questão. 3.13 O Tribunal a quo considerou que era a natureza da relação jurídica que impelia à necessária a intervenção na ação de todos os comproprietários do prédio. Não sufragamos, todavia, esse entendimento. E é aqui que assiste razão aos recorrentes. Vejamos porquê. 3.14 Primeiramente, porque o nº 1 do artigo 1405º do Código Civil ao estabelecer o exercício em conjunto, pelos comproprietários, de todos os direitos que pertencem ao proprietário singular, não tem o sentido da necessidade do consentimento de todos eles para o exercício de quaisquer poderes relativamente à coisa, mas sim o de que, atuando todos em conjunto nenhuma razão há para se recusar ao conjunto, os poderes próprios do proprietário singular – vide, neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in, “Código Civil Anotado”, Vol. III, 1972, p. 319. Pelo que no caso dos autos não se está perante situação em que a lei imponha a intervenção de todos os comproprietários, afastando-se, assim, o preenchimento da hipótese normativa do nº 1 do artigo 33º do CPC. 3.15 Depois, porque, ainda que não o tenha expressamente referido, pode-se retirar da fundamentação externada na decisão recorrida, que o Tribunal a quo entendeu estar-se perante a situação prevista no nº 2 do artigo 33º do CPC novo, nos termos do qual o litisconsórcio é necessário, sendo, assim, imprescindível a intervenção de todos os interessados “quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal”, mas não será de entender assim. 3.16 Tem sido genericamente compreendido, a propósito da hipótese normativa hoje constante do nº 2 do artigo 30º do CPC novo e correspondente ao nº 2 do anterior artigo 28º do CPC/1961, que o litisconsórcio será necessário quando pela própria natureza da relação jurídica a intervenção de todos os interessados seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, sabendo-se que a decisão produz esse efeito, sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado. Tratar-se-á de situações em que a relação jurídica é de tal ordem que não possam regular-se inatacavelmente as posições de alguns dos interessados sem se regularem as dos outros, ou, noutra perspetiva, em que as sentenças serão inúteis por não poderem produzir o seu efeito típico em face de não estarem presentes no processo todos os contitulares da relação jurídica controvertida – vide, neste sentido, Anselmo de Castro, in, “Direito Processual Civil Declaratório”, 1982, Vol II, pág. 199; José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Coimbra Editora, 1999, pág. 58; Adelino da Palma Carlos, in “Ensaio sobre o litisconsórcio”, Lisboa, 1956, pág. 1956; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 166-167. Os contornos do litisconsórcio voluntário e do necessário, terão, assim, de ser fixados com a inclusão neste das relações indivisíveis por natureza, que têm de ser resolvidas de modo unitário para todos os interessados, sem a presença dos quais, a decisão não conduziria a nenhum efeito útil (como nas ações constitutivas em que a falta de alguns deles poria em causa a globalidade da própria relação jurídica) e bem assim aquelas em que só a intervenção de todos produzirá, não apenas algum efeito útil, mas ainda o considerado normal, definindo a situação concreta entre as partes, de tal modo que não possa vir a ser inutilizada por outros interessados a quem a decisão não seja oponível, como em casos de limitação de indemnização por responsabilidade objetiva, de que são mero exemplo as situações objeto dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16/06/2015, Proc. nº 1010/06.0TBLMG.P1.S1, do Tribunal da Relação de Évora de 29/03/2007, Proc. nº 740/06-3 ou do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/10/2019, Proc. nº 361/18.5T8PRG.G1, todos disponíveis in, www.dgsi.pt. 3.17 Os autores, aqui recorrentes, visam na ação o exercício do direito de indemnização por danos por referência à quota parte que lhes cabe (metade) quanto ao prédio de que são comproprietários. E foi assim que enquadraram desde logo o respetivo pedido, circunscrevendo-o nessa exata medida. O que perpassa de toda a Petição Inicial, e é evidenciado, designadamente, nos seus artigos 63º, 65º, 84º, 85º e 91º, ao invocarem que perderam a titulo definitivo a identificada parcela nº 7 com a área de 1.264m2 «na proporção de metade que detinham em compropriedade», e que sendo de considerar ter a mesma o valor de 56.792,80€, deverá aos autores ser-lhes arbitrada uma indemnização, a título da sua perda definitiva, «correspondente a metade do seu valor, que é a que representa a proporção que os autores detinham na dita compropriedade», ou seja, metade do valor do prédio. 3.18 Ora, se os autores, proprietários em comum da metade indivisa do prédio, pretendem obter na ação o ressarcimento pelos danos resultantes da expropriação de facto que alegam ter sido perpetrada pelo réu MUNICÍPIO DE (...) relativamente ao dito prédio, poderá conhecer-se do direito indemnizatório a que se arrogam na medida da respetiva quota-parte (metade) sobre a propriedade, que é a que peticionam, sem que se seja necessário que esteja na ação o comproprietário da outra metade indivisa do prédio. A sentença que incidirá sobre o mérito da ação regulará a eventual indemnização que caberá aos autores, no que tange aos danos patrimoniais, pela quota-parte que lhes corresponde, na proporção de metade, sobre o valor do prédio. Não implicará, obviamente, o estabelecimento de um caso julgado que abranja o comproprietário da outra metade indivisa do prédio, que não está na ação. Mas isso não significa que para que os autores possam ver apreciada a sua pretensão e ver-lhes atribuída a pretendida indemnização tenham que fazer-se acompanhar por aquele. 3.19 Nesse sentido se pronunciou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/06/1995, Proc. nº 087096, in, www.dgsi.pt/jstj, assim sumariado: «I - Desde que fique salvaguardado o efeito útil normal da decisão, isto é, que seja regulada em definitivo a situação concreta entre as partes, sem que ela venha a ser subvertida ou a sofrer perturbação intolerável na hipótese de outra decisão vir a ser eventualmente proferida relativamente aos demais sujeitos da relação, a ação pode ser proposta só por algum ou alguns dos interessados. II - Na ação proposta por alguns dos comproprietários, por responsabilidade civil, por danos causados no seu prédio, a sentença que se pronuncia sobre essa responsabilidade, uma vez transitada, fixa em definitivo a situação concreta das partes e não será necessariamente alterada na hipótese de outra decisão vir a ser oportunamente proferida relativamente aos demais comproprietários. III - Trata-se, pois, de litisconsórcio voluntário, sendo os Autores partes legítimas, embora só se deva conhecer do direito deles na medida da sua quota-parte na compropriedade no prédio urbano em causa.». E mais recentemente, acompanhando aquela jurisprudência, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/04/2018, Proc. nº 2231/14,7T8GMR.G1, in, www.dgsi.pt, em que se decidiu que “…quanto ao pedido indemnizatório, resultante da privação do uso, pode atender-se aos prejuízos que cada demandante comproprietário sofreu por essa perda, podendo, em consequência, conhecer-se do direito de cada um destes na medida da sua quota-parte na compropriedade no prédio, sem que se mostre necessário que todos estejam na ação para que seja regulada em definitivo a situação concreta entre as partes”. 3.20 Assiste, pois, razão aos autores, quando invocam que a sentença que vier a ser proferida quanto ao pedido formulado na ação pode regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado, ainda que não vincule os outros comproprietários do prédio. 3.21 Não podendo, simultaneamente, subscrever-se o entendimento feito pelo Tribunal a quo de que a circunstância de ser controvertida a qualificação solo (urbanizável e não urbanizável) quanto ao prédio em causa «impossibilitaria que um dos proprietários fizesse valer o seu direito, seja na ótica da qualificação jurídica do solo, seja na ótica da valorização de todo o solo da parcela, que como sustenta o Réu, encerra duas naturezas, (urbanizável e não urbanizável), e os Autores sustentam tratar-se apenas de solo apto à construção.», implica deverem estar presentes na ação todos os comproprietários. 3.22 É certo que essa discussão, atinente ao valor do prédio, terá reflexo no valor indemnizatório a atribuir pela alegada desapropriação ilegal. Mas não se pode olvidar que aos comproprietários é consentido “dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela” (cfr. artigo 1408º, nº 1, 1ª parte do Código Civil). Significando que lhes seria permitido consentirem no valor da venda da sua quota-parte em sede de aquisição por via do direito privado pelo MUNICÍPIO (cfr. artigo 11º do Código das Expropriações), como lhes seria permitido acordarem quanto ao montante da indemnização quanto à sua quota-parte em sede de expropriação amigável (cfr. artigo 34º do Código das Expropriações). 3.23 Poderá dizer-se que as circunstância recomendariam a intervenção de todos os comproprietários na definição do valor indemnizatório devido pelo esbulho do prédio. Até para igualar os termos da sua fixação. Mas essa será, precisamente, situação enquadrável no campo do litisconsórcio voluntário, e não, como se viu, no campo do litisconsórcio necessário. 3.24 A tudo acrescendo que os autores formularam também na ação indemnização por danos não patrimoniais, no montante global de 20.000,00€. Esta por referência à sua situação particular e própria, de apego emotivo e afetivo ao prédio. Valendo de todo o modo, também aqui, e quanto a este pedido, até por maioria de razão, o que já se referiu quanto à indemnização aos danos patrimoniais. 3.25 Aqui chegados, não se verificando, pelo exposto, uma situação de litisconsórcio necessário, deve o recurso merecer provimento, revogando-se a decisão recorrida que com fundamento na verificação da exceção dilatória da ilegitimidade ativa por preterição de litisconsórcio necessário ativo, absolveu o réu da instância. O que se decide. * IV. DECISÃONestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, e ordenando a baixa dos autos à 1ª instância para aí prosseguirem os seus termos, se a tanto nada mais obstar. * Custas nesta instância pelo recorrido - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.* Notifique. D.N. * Porto, 27 de novembro de 2020M. Helena Canelas Isabel Costa Rogério Martins |