Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00773/13.0BECBR |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 04/10/2025 |
| Tribunal: | TAF de Coimbra |
| Relator: | VITOR SALAZAR UNAS |
| Sumário: | I - Nos termos do disposto na alínea b), do art.º 24.º, da LGT., a prova de que não houve culpa na falta de pagamento das dívidas fiscais, recai sobre os gerentes, ónus, esse, decorrente da necessidade de realizar a prova de que a falta de pagamento lhes não é imputável [art.º 350.º, n.º 2 do Código Civil], sendo que a falta dessa demonstração, sempre terá de ser valorada contra aqueles. II – Espelhando a matéria de facto, relativamente às dívidas cujas datas de vencimento ocorreram entre junho e setembro de 2008, que, logo, em setembro desse ano o gerente, na qualidade de responsável subsidiário, apresentou a sociedade à insolvência, encontra-se demonstrado, segundo o padrão do bom pai de família, um comportamento zeloso e diligente por parte do oponente o que o exime de culpa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder parcial provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO: «AA», contribuinte fiscal n.º ...69, com domicílio fiscal e residência indicada na Rua ..., ..., ..., interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, apenas, na parte que julgou não se encontrar demonstrada a ausência de culpa na falta de pagamento da quantia exequenda, nos termos da qual foi julgada, a final, totalmente, improcedente a oposição que, na qualidade de responsável subsidiário, deduziu à execução fiscal n.º ...97 e apensos, originariamente instaurada contra «[SCom01...], Lda.», para cobrança de dívidas de IRS de 2004 a 2006, IVA de 2005 e 2006 e IRC de 2005 a 2007, no valor global de € 45.619,77. O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: «(…). A) O presente recurso tem por objecto a sentença que julgou improcedente a oposição à execução fiscal deduzida contra a reversão de que foi alvo o sócio-gerente da devedora originária «[SCom01...], Lda”. B) O Tribunal a quo entendeu que o oponente não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si recaía, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária. C) Para que o gestor ilida a presunção que sobre si recai, o que se lhe exige é que prove que “não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida tributária”, pelo que a ilicitude está na violação das normas de protecção dos credores e não na falta de pagamento do tributo. D) Colocado perante a questão de saber se poderá ser assacada culpa ao oponente pela insuficiência do património da devedora originária para satisfazer o pagamento das dívidas tributárias, o Tribunal recorrido entendeu que “não se pode considerar que as opções de gestão [do oponente] tenham sido as mais adequadas”. E) O recorrente, porém, considera que na decisão se laborou em erro de julgamento, por incorrecta apreciação e valoração da factualidade dada como assente e por errónea subsunção da mesma ao preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, na medida em que logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia. F) Não obstante os mesmos não terem sido devidamente valorados pelo Tribunal a quo, o qual incorreu, assim, em erro de julgamento, o oponente praticou uma série de actos que permitem concluir que não foi por culpa sua que o património societário se tornou insuficiente para o pagamento das dívidas tributárias. A saber: i) desde o início da empresa sempre se dedicou à mesma em regime de exclusividade, não dispersando o seu esforço por outras sociedades ou entidades diversas da devedora originária; ii) procurou, ainda que sem sucesso, novas obras para realizar, não se descortinando qualquer antinomia entre a prova da tentativa de angariação de novas obras e a não prova da redução dos custos de laboração; iii) tentou, ainda que sem sucesso, obter, junto de entidades bancárias, a concessão de crédito para o pagamento das dívidas. G) Além do mais, atendendo a que i) a dívida dos clientes se constituiu no ano de 2005, não tendo sofrido qualquer acréscimo nos anos seguintes; ii) o passivo foi quase integralmente fixado no ano de 2005, tendo ocorrido um aumento de apenas € 4.826,27 para o ano de 2006, não chegando a sofrer qualquer alteração para o ano de 2007; iii) da totalidade do montante em dívida à AT, cerca de metade surge a pagamento apenas no ano de 2008, ano no qual a sociedade se apresentou à insolvência; iv) a dívida mais avultada surgiu apenas em data muito próxima do pedido de insolvência; v) a data limite de pagamento de um dos valores em dívida é inclusivamente posterior à data do pedido de insolvência. H) Não podemos concordar com a conclusão de que o oponente, apesar de toda a conjuntura negativa, “persistiu nesta situação mais dois anos sem se apresentar à insolvência, vendo acumular o seu passivo e, no que aqui importa, acumulando dívidas tributárias”, dado que tais valores se mantiveram totalmente ou maioritariamente inalterados. I) Pelo contrário, quando as dívidas tributárias, repentinamente, quase duplicaram, o oponente apresentou a sociedade à insolvência, solução esta que não deixa de ser a ultima ratio. J) Por fim, relativamente a uma parcela (não apurada nos autos) de IVA e retenções na fonte, não é possível manifestar concordância com o Tribunal a quo, no sentido de que a sua falta de entrega “só se pode imputar ao ora Oponente, que conscientemente lhes deu outro uso, mormente para pagamento de salários”, dado que, para tal, seria imprescindível que tais montantes tivessem efectivamente entrado na esfera patrimonial da sociedade (IVA) ou que os salários tivessem sido efectivamente pagos (retenção na fonte). K) Em face do exposto, e com o devido respeito, a douta sentença padece de erro de julgamento, de facto e de direito, incorrendo em errónea apreciação e valoração da factualidade dada como assente, em errónea subsunção dessa mesma matéria ao preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária e em incorrecta interpretação e aplicação de tal normativo. Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise e considerando-se a oposição procedente, assim se fazendo JUSTIÇA.» Não foram apresentadas contra alegações. O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer concluindo pelo não provimento do recurso do qual se extrata os seguintes termos: «(...). Convém desde logo realçar que na sentença se identificaram todas as dívidas e se indicaram as datas limite de pagamento. Dúvidas não há, assim, de que todas nasceram e se venceram antes da declaração de insolvência, a 23.9.2008, o que significa que o recorrente exerceu a gerência nesses períodos de tempo e que a reversão se efetuou corretamente ao abrigo da previsão da alínea b) do n° 1 do art° 24° da LGT. Daí que seja ao oponente recorrente que cabe o ónus de provar a inexistência de culpa na falta de pagamento. Ora, o recorrente não se insurge contra a factualidade dada como assente, mas sim contra a sua valoração. Isto é, pretende retirar da factualidade em que assentou a decisão, ilações diversas. Como se sabe, segundo o disposto no art° 607°, nos 4 e 5 do CPC, na sentença o Juiz consigna os factos provados e os não provados, fazendo uma análise crítica das provas, que aprecia livremente segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, excetuando-se aqueles para os quais a lei exige formalidade especial ou possam ser provados por documentos. A modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e apreendida na 1a instância só se justifica se, feita a reapreciação, seja evidente um erro ostensivo ou uma apreciação arbitrária. Verifica-se, porém, que sentença recorrida trata detalhadamente da questão da invocada ilegitimidade por falta de culpa, analisando ao pormenor cada um dos factos provados, para concluir, a meu ver bem, que o oponente não ilidiu a presunção de culpa. Na verdade, como vem entendendo a jurisprudência, designadamente, e entre outros, o ac. TCAN de 16.3.2006, processo 00002/03, terá o oponente de "conseguir persuadir o Tribunal, através de prova positiva e direta, da inverificação do facto presumido, convencendo-o de que administrou a sociedade de molde a evitar que o seu património se tornasse insuficiente para a satisfação das dívidas, isto é, que a administrou com a diligência adequada e necessária a preservar o seu património social ou, pelo menos, a evitar que este se tornasse insuficiente, que inexiste uma relação causal entre a atuação do gerente e a insuficiência patrimonial da empresa que geriu". E, em concreto, à análise pormenorizada e detalhada da sentença sobre os factos provados o recorrente mais não faz que, com os mesmos factos, extrair diferentes conclusões que se me não afiguram aceitáveis, por forma a desresponsabilizá-lo pela falta de pagamento das dívidas em execução. Por conseguinte, e em conclusão, deverá improceder o recurso, assim se mantendo integralmente a sentença recorrida.» * Com dispensa dos vistos legais [cfr. artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR. A questão que cumpre conhecer é de saber se o tribunal a quo, no segmento recorrido, errou nas ilações que retirou dos factos provados quanto à culpa do oponente na falta de pagamento da quantia exequenda, culminando com a improcedência da oposição. * III – FUNDAMENTAÇÃO: III.1 – DE FACTO Na sentença recorrida foi fixada matéria de facto nos seguintes termos: «Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1. Em 19.06.2005 o Serviço de Finanças de ... instaurou contra [SCom01...], Lda., pessoa colectiva n.º ...81, com domicílio fiscal na Rua ..., ... ..., o processo de execução fiscal n.º ...97 por dívidas de IRS-Retenção na Fonte de Setembro de 2004, com prazo limite de pagamento voluntário em 20.10.2004, no valor de €58,00; _______________________________________________________________________ Cfr. capa/autuação do referido PEF e certidão de dívida n.º ...93, a fls. 1-2 do referido PEF, em apenso. 2. Posteriormente foram instaurados contra a mesma sociedade comercial, pelo mesmo Serviço de Finanças, por dívidas de IRS (retenção na fonte), os processos de execução fiscal com os seguintes números, datas de autuação, prazo limite de pagamento, período de imposto e valores de dívida: [imagem no original] ______________________________________________________________________ Cfr. autuação da oposição em que é indicada a data de instauração dos processos e cópia das certidões de dívida respectivas, a fls. 4, 34-40 e 44 dos autos, bem como despacho de reversão em que é indicado o período do imposto, cfr. fls. 27 e ss. dos autos. Os visados processos não foram enviados pelo OEF, pelo que não se encontram apensados aos autos. 3. Foram ainda instaurados contra a mesma sociedade comercial, pelo mesmo Serviço de Finanças, por dívidas de IRC e respectivos juros, os processos de execução fiscal com os seguintes números, datas de autuação, prazo limite de pagamento, período de imposto e valores de dívida: [imagem no original] ______________________________________________________________________ Cfr. autuação da oposição em que é indicada a data de instauração dos processos e cópia das certidões de dívida respectivas, a fls. 40-41 dos autos. Os visados processos não foram enviados pelo OEF, pelo que não se encontram apensados aos autos. 4. E foram ainda instaurados contra a mesma sociedade comercial, pelo mesmo Serviço de Finanças, por dívidas de IVA/juros de IVA, os processos de execução fiscal com os seguintes números, datas de autuação, prazo limite de pagamento, período de imposto e valores de dívida: [imagem no original] ______________________________________________________________________ Cfr. autuação da oposição em que é indicada a data de instauração dos processos e cópia das certidões de dívida respectivas, a fls. 41-43 dos autos. Os visados processos não foram enviados pelo OEF, pelo que não se encontram apensados aos autos. 5. Em data(s) não possível(eis) de apurar, mas anterior(es) a 06.06.2013, os processos de execução referidos nos pontos 2., 3. e 4. foram apensados ao processo identificado em 1.; ________________________________________________________________ Cfr. se retira do despacho para audição prévia proferido naquela data, em que se faz já menção à visada apensação, cfr. fls. 10-15 e 19-21 do referido PEF principal, em apenso 6. Também em 06.06.2013 foi proferido despacho prévio à reversão das dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal principal identificado em 1. e seus apensos, no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte: [imagem no original] _____________________________________________________________________________ Cfr. visado despacho, presente a fls. 10-15 do PEF principal, em apenso 7. Notificado o ora Oponente para o exercício do direito de audição veio o mesmo apresentar resposta, em data não passível de apurar, com o seguinte teor: [imagem no original] _____________________________________________________________________________ Cfr. visada resposta a fls. 35 e ss. do PEF principal em apenso. 8. Em 10.09.2013 a Chefe do Serviço de Finanças de ... proferiu despacho de reversão contra o ora Oponente, relativamente às dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal principal identificado em 1. e seus apensos, no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Impõe-se a prolação da decisão: (…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [imagem no original] Assim sendo, atendendo aos argumentos e aos motivos supra referidos, forçoso é concluir que os argumentos aduzidos pelos potenciais revertidos não procedem, determina-se a não reversão das dívidas respeitantes a coimas e encargos de processo de contraordenação e prescinde-se da audição de testemunhas. «AA», com o NIF ...69..., e «BB», com o N...5, ambos residentes em R ... - ... ..., são responsáveis subsidiários, pelas dívidas supra identificadas, por exercício de funções de gerência na sociedade originária devedora» nos períodos em que foi exigível o pagamento ou entrega das dívidas tributárias em causa, nos termos da alínea b), do n.° 1 do artigo 24° da LGT. Nestes termos, decide-se manter os pressupostos em que se apoiou o projeto de decisão, revertendo-se a execução contra os responsáveis acima identificados. [imagem no original]» _____________________________________________________________________________ Cfr. visado despacho presente a fls. 71 e ss. do PEF principal em apenso. 9. Em 11.09.2013 foi recepcionado no domicílio fiscal do ora Oponente, pela própria, o ofício tendente à sua citação como revertido, enviado no seguimento do despacho referido no ponto anterior; _____________________________________________________________________________ Cfr. ofício de citação de reversão e AR respectivo a fls. 82-85 do PEF principal em apenso. 10. A presente Oposição deu entrada no Serviço de Finanças de ... em 14.10.2013, enviada que foi por correio postal registado; _____________________________________________________________________________ Cfr. data manuscrita a fls. 5 dos autos e informação do OEF a fls. 72-73 dos autos. Mais se provou que: 11. Em 03.09.2008, a sociedade devedora originária apresentou no Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho petição de apresentação à insolvência, invocando, entre outros, os artigos 18.º e seguintes do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas; _____________________________________________________________________________ Cfr. comprovativo de entrega de petição inicial e p.i., a fls. 48 e ss. dos autos. Igualmente a fls. 38 e ss. do PEF em apenso. 12. Em 23.09.2008 a devedora originária foi declarada insolvente por sentença proferida no processo n.º 4.../0....TBMMV que corria termos na secção única do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, transitada em julgado em 30.07.2009, podendo ler-se na fundamentação de facto da visada sentença, entre o mais, o seguinte: «As pessoas colectivas por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao seu activo, avaliados segundo as normais contabilísticas aplicáveis (cír. art. 3º, nº 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). A apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência (art. 50 do citado diploma legal). Compulsados os autos, verifica-se que a apresentante atravessa dificuldades de índole financeira e que cessou pagamentos. O incumprimento das suas obrigações sociais, face aos respectivos montantes e circunstâncias do incumprimento, é revelador da impossibilidade desta satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. O capital social da apresentante, é insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível. Assim, nos termos dos artigos 2º, nº 1, al. a), 3º, nº 2, e 28° do Código das Insolvência e da recuperação de Empresas, julgo verificada a existência dos pressupostos para que a apresentante seja declarada em situação de insolvência.»; ________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ Cfr. visada sentença de insolvência, junta pelo Oponente, a fls. 59 e ss. dos autos e Inscrição 2... à matrícula comercial da visada sociedade - facto levado a registo pela AP. ...14, cfr. certidão permanente da visada matrícula, acedida em 13.06.2013, presente a fls. 32-33 dos autos; igualmente presente a fls. 8-9 do PEF em apenso. 13. Em data indeterminada foi proferida decisão de encerramento do aludido processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e das dívidas previsíveis da própria massa; ________________________________________________________________ Factualidade referida no projecto de reversão e sequente despacho de reversão, a fls 10 e 71 e ss. do PEF em apenso. Não obstante referir-se que o encerramento ocorreu em 20.07.2009, tal data conflitua com a data do trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência presente no registo comercial da sociedade e que é de 30.07.2009, cfr. e Inscrição 2... à matrícula comercial da visada sociedade - facto levado a registo pela AP. ...14, cfr. certidão permanente da visada matrícula, acedida em 13.06.2013, presente a fls. 32-33 dos autos; igualmente presente a fls. 8-9 do PEF em apenso. 14. A Administradora da Insolvência apresentou parecer e proposta de qualificação da insolvência da devedora originária como fortuita, nos aludidos autos de insolvência, no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte: «1. À Administradora da Insolvência e em face dos elementos de que dispõe APENAS é permitido afirmar que, no âmbito do desenvolvimento das diligências de apuramento dos factos concernentes à administração da insolvência, a insolvente encontra as causas próximas da sua actual situação por sofrer as agruras da interacção em sector povoado e competitivo e actualmente com uma procura relativa, sujeita a perdas sucessivas de clientela, desinvestimento em recursos tecnológicos e incapacidade. 2. No contexto apurado pela Administradora da Insolvência, a esta data, não subsistem indícios de ocultação deliberada de património por parte da devedora - cfr. n.º 2, alínea a) do art.º 186.° do C.I.R.E.; 3. Não existem factos que determinem a existência da aquisição de mercadorias a crédito que tenham sido objecto de revenda a preços prejudiciais - cfr. n.º 2, alínea c) do art.º 186.° do C.I.R.E.; 4. Da mesma forma, não existem factos e/ou indícios que determinem a conclusão de empolamento de custos e/ou prejuízos - cfr. n.º 2, alínea b) do art.º 180.° do C.I.R.E.; 5. Não existem factos e/ou indícios de que bens da devedora tenham sido utilizados em proveito próprio de sócios e/ou terceiros - cfr. n.º 2, alínea d) do art.º 186.° do C.I.R.E.; 6. Inexistem factos que determinem a conclusão do exercício de actividades concorrenciais com a da devedora ou a sua voluntária e consciente exploração deficitária por parte dos seus sócios e/ou gerentes e/ou a utilização de crédito da empresa nesse mesmo sentido prejudicial - cfr. n.º 2, alíneas e) a g) do art.º 186.° do C.I.R.E.. 7. Não existem indícios que determinam a conclusão de incumprimento de manutenção de contabilidade organizada - cfr. n.º 2, alínea h) do art.º 186.° do C.I.R.E.; 8. A insolvente cumpriu o dever de colaboração através da sua mandatária, preenchendo a condição exposta pela alínea i) do n.º 2 do art.º 186.° do C.I.R.E.; 9. Não subsistem indícios de que a situação da empresa, designadamente, ao nível do cumprimento das obrigações legais e registrais se agravou pela acção e/ou omissão dos seus sócios e legais representantes - cfr. art.º 180.°, n.º 1 do C.I.R.E.. 10 - NÃO SOBREVÊM, ainda, no universo normativo que possa condicionar a culpa na produção da insolvência a presunção, emergente da alínea a) do n.º 3 do art.º 186.° do C.LR.E., atenta a apresentação à insolvência por parte da devedora; 11. Quer em função do supra descrito e na igual evidência da inexistência de dolo, quer na actividade da devedora quer dos seus sócios, constitui-se o parecer da Administradora da Insolvência no sentido da declaração da insolvência enquanto FORTUITA…»; _____________________________________________________________________________ Cfr. documento a fls. 63 e ss. dos autos, não impugnado. Igualmente presente a fls. 50 e ss. do PEF em apenso. 15. O ora Oponente dedicou-se em exclusivo, desde o momento de constituição da devedora originária, ocorrido em 19.02.2004, até à data em que foi decretada a sua insolvência, à gerência da mesma; ________________________________________________________________ Acordo. Alegado nos artigos 5.º, 6.º e 9.º da p.i.. Cfr. ainda depoimento da primeira testemunha «CC», contabilista da empresa, e depoimento da segunda testemunha «DD», antigo trabalhador da empresa, tendo ambas demonstrado conhecimento directo da actividade da devedora originária e das funções ali exercidas pelo ora Oponente. Quanto à data de constituição da sociedade a mesma retira-se da Inscrição 1... à matrícula comercial da visada sociedade - facto levado a registo pela AP. ...19, cfr. certidão permanente da visada matrícula, acedida em 13.06.2013, presente a fls. 32-33 dos autos; igualmente presente a fls. 8-9 do PEF em apenso. 16. No final do exercício de 2005 os clientes da sociedade devedora originária deviam-lhe €71.818,21, dívida que se manteve inalterada em 2006 e 2007, possuindo a visada sociedade um passivo total de €62.124,54 no ano de 2005, e de €66.950,81 nos anos de 2006 e 2007; ________________________________________________________________ Cfr. balanços analíticos dos visados exercícios, a fls. 286 e ss. dos autos, não impugnados. 17. O ora Oponente não instaurou acções judiciais contra os devedores da sociedade devedora originária para recuperação dos créditos desta, limitando-se a telefonar-lhes e a enviar cartas pedindo a regularização das dívidas; _____________________________________________________________________________ Cfr. depoimento da primeira testemunha «CC», e missivas a fls. 285, não impugnadas. Facto instrumental que resultou da instrução da causa – cfr. art. 5.º, n.º 2, al. a), do NCPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT. 18. A partir do ano de 2006 a devedora originária não conseguiu angariar novos clientes, deixando praticamente de exercer actividade, tendo o ora Oponente procurado, sem sucesso, obras para realizar; ________________________________________________________________ Cfr. depoimento de todas as testemunhas. 19. O IRS retido e o IVA liquidado e não entregues ao Estado, ora revertidos contra o ora Oponente, foram utilizados para pagamento de salários dos funcionários da devedora originária; Cfr. depoimento da primeira testemunha «CC». Facto instrumental que resultou da instrução da causa – cfr. art. 5.º, n.º 2, al. a), do NCPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT. 20. O ora Oponente não conseguiu junto de entidades bancárias a concessão de crédito para pagamento de dívidas; ________________________________________________________________ Cfr. depoimento da primeira testemunha «CC». 21. A partir do ano de 2006 a devedora originária deixou de pagar salários pontual e integralmente aos seus funcionários, os quais variaram entre 3 e 5 desde o início da actividade daquela. _____________________________________________________________________________ Cfr. depoimento da segunda testemunha «DD» e da terceira testemunha «EE», ambos antigos trabalhadores da empresa, tendo ambas demonstrado conhecimento directo e necessário quanto ao recebimento dos seus salários. Facto instrumental que resultou da instrução da causa – cfr. art. 5.º, n.º 2, al. a), do NCPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT. * Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como não provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1. O ora Oponente tentou reduzir os custos de laboração, quer através da contratação de um reduzido número de trabalhadores - 2 ou 3 por ano, quer através da aquisição ou aluguer de maquinaria e demais instrumentos de trabalho em quantidade e qualidade indispensável para o desenvolvimento da actividade da empresa; _____________________________________________________________________________ Alegado no artigo 41.º da p.i.. Nenhuma prova foi apresentada ou produzida quando a aluguer de maquinaria e instrumentos de trabalho, sendo que ao nível do número dos trabalhadores, o que resultou provado da prova testemunhal foi que existiram trabalhadores desde o início da actividade, entre os quais a segunda e terceira testemunhas, e que o seu número variou entre 3 a 5 trabalhadores, conforme facto provado sob o ponto 21.. 2. O ora Oponente não aumentou o seu património pessoal e/ou familiar à custa do património da empresa, obrigando até, ao invés, o seu agregado familiar a sacrifícios de ordem material para que a empresa continuasse em laboração; _____________________________________________________________________________ Alegado no artigo 41.º da p.i.. Nenhuma prova foi apresentada ou produzida quanto a tal factualidade. O teor do parecer da Senhora Administradora da Insolvência, aludido no ponto 14. dos factos provados, não se encontra alicerçado em qualquer elemento objectivo probatório, razão pela qual não pode ser por nós valorado para que se dê este facto como provado. 3. Várias obras, algumas já contratadas, não foram executadas pela devedora originária, quer porque os donos deixaram de ter disponibilidade para as realizar ou porque encontraram orçamentos mais baixos, tendo a devedora originária sido objecto de dumping por parte de algumas das suas concorrentes locais. _____________________________________________________________________________ Alegado no artigo 42.º da p.i.. Nenhuma prova foi apresentada ou produzida quanto a tal factualidade. ** A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no teor do processo de execução fiscal principal em apenso, nos documentos presentes nos autos, e atendendo ainda à prova testemunhal aqui produzida, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório. No que concerne à prova testemunhal, foram inquiridos o contabilista da devedora originária e amigo da ora Oponente, «CC», e dois ex-trabalhadores da devedora originária, «DD» e «EE», os quais prestaram o seu depoimento de modo que nos pareceu seguro, claro e objectivo, mostrando credibilidade e conhecimento quanto à realidade da empresa, tendo sido imprescindíveis para se saber o contexto da actividade da devedora originária, as razões das suas dificuldades económicas e, mais importante ainda, o papel do ora Oponente na vida societária, mormente o que foi por si empreendido/realizado face àquelas dificuldades.» * IV –DE DIREITO: O Recorrente insurge-se contra o julgamento realizado pelo tribunal recorrido quanto às ilações que retirou dos factos provados quanto à culpa na falta de pagamento da quantia exequenda, sem colocar em causa o julgamento quanto à matéria de facto [baseada em prova testemunhal e documental, cuja impugnação impunha o rigoroso cumprimento do disposto no art. 640.º do CPC, o que manifestamente não se verificou], que se mantém incólume. Estabilizada, então, a matéria de facto impõe-se-nos avançar para a vertente do erro de julgamento quanto à verificação do único pressuposto da reversão em causa nos autos referente à culpa do Oponente na falta de pagamento da dívida exequenda. A fundamentação da sentença, na parte relevante, apresenta-se com o seguinte teor: «I. Ilegitimidade do revertido O visado fundamento de Oposição encontra-se plasmado na alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, que prescreve que tal ilegitimidade decorre de a pessoa citada “não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”. Assim, a visada ilegitimidade é de natureza substantiva, assentando na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda Assim LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, pg. 452, nota de rodapé n.º1 Nos presentes autos está em causa a cobrança coerciva de dívidas de IVA e juros de IVA de 2005 e 2006, com prazos limite de pagamento em 31.05.2005, 15.11.2006, 03.05.2007, 06.12.2007 e 31.07.2008; dívidas de IRC e respectivos juros de 2005, 2006 e 2007, com prazos limite de pagamento em 11.06.2008, 16.07.2008 e 08.09.2008 e dívidas de IRS - Retenção na fonte dos meses de Setembro de 2004 a Dezembro de 2006, com datas limite de pagamento entre 20.10.2004 e 14.06.2008 (cfr. factos provados sob os pontos 1. a 4. e 8.). Às dívidas exequendas aplica-se o disposto na Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, e que entrou em vigor em 01.01.1999 (cfr. art.º 6.º do mesmo diploma), interessando em particular o previsto no seu artigo 23.º, n.os 1 e 2 e 24.º, n.º 1, que dispõem o seguinte: “Artigo 23.º Responsabilidade tributária subsidiária 1 - A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal. 2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão. (…) Artigo 24.º Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos “1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas são subsidiariamente responsáveis em relação estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)”. Da leitura desde último artigo ressalta uma diferença quanto às regras do ónus da prova da responsabilidade do devedor subsidiário, consoante se esteja perante “dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste”, caso em que cabe à Administração Tributária alegar e provar a culpa do devedor subsidiário na insuficiência patrimonial da devedora originária para satisfação das dívidas; ou se esteja perante “dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo”, caso em que cabe ao devedor subsidiário alegar e provar não lhe é imputável a falta de pagamento da dívida. A este propósito, refere o Tribunal Central Administrativo Norte em Acórdão de 29.10.2009, o seguinte: «…o legislador, por certo ponderando, por um lado, razões de justiça e, por outro lado, as necessidades de eficácia do próprio instituto, entendeu proceder a uma distribuição do ónus da prova consoante o prazo de pagamento das dívidas tributárias tenha ou não terminado durante o exercício do cargo do gestor, limitando o ónus de prova a cargo deste aos casos em que o fundamento da responsabilidade for a violação pela sociedade do dever fundamental de pagar impostos vencidos no período de administração ou gerência; nos restantes casos, de violação de outro tipo de obrigações acessórias ou dever de zelo de administração do património societário, entendeu o legislador colocar esse ónus a cargo da AT.» Processo n.º 00228/07.2BEBRG, disponível em www.dgsi.pt, tal como todos os arestos citados na presente decisão (sublinhado nosso). Vejamos, então. Resulta da matéria de facto dada como provada que as dívidas exequendas foram revertidas contra 0 ora Oponente ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT (cfr. facto provado sob o ponto 8.). Logo, o ónus da prova da inexistência de culpa na falta do pagamento recai sobre o revertido, ora Oponente, sendo certo que este não coloca em causa, antes assume ter sido o gerente de facto da devedora originária desde o momento da sua constituição até à declaração da insolvência. Ora, a presunção de culpa estabelecida na referida alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT não é mais que uma decorrência da consagração legal de um dever de boa prática tributária, previsto no artigo 32.º da LGT, que estabelece «um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) - dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos» ISABEL MARQUES DA SILVA, “A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais” in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, AAVV, Vislis Editores, Lisboa, 1999, pg.132.. Tal presunção de culpa é ilidível, cabendo ao administrador/gerente revertido a sua ilisão, sendo certo que, quando o visado normativo se refere a “falta de pagamento”, abrange toda a actuação conducente a uma falta de disponibilidade de meios financeiros para o pagamento das dívidas tributárias. Vejamos pois se, face à matéria de facto dada como provada e não provada, podemos considerar que o ora Oponente foi bem sucedido na ilisão da visada presunção. Verifica-se, em primeiro lugar, que a actividade da devedora originária apenas foi exercida durante quatro anos (cfr. factos provados sob os pontos 12. e 15.). Em segundo lugar, verifica-se que quando a devedora originária se apresentou, ela própria, à insolvência, em meados do ano de 2008, o seu passivo, em quatro anos de actividade, era de quase €67.000,00 (cfr. factos provados sob os pontos 11. e 16.). Passivo esse que em 2005, um ano e pouco depois do início de actividade, era já superior a €62.000,00 (cfr. factos provados sob os pontos 15. e 16.). Ora, como é que uma micro-empresa de construção civil, em menos de dois anos de actividade tem um passivo superior a €62.000,00? A resposta encontra-se na fundamentação de facto da presente decisão e deriva, essencialmente, das dívidas dos seus próprios clientes. De facto, já em 2005 os seus clientes deviam-lhe mais de €70.000,00, dívida essa que se manteve inalterada até 2007 (cfr. facto provado sob o ponto 16.) e, previsivelmente até ao momento em que a sociedade se apresentou à insolvência, escassos meses depois. Mas também se verifica que a partir do ano de 2006 a devedora originária não conseguiu angariar novos clientes, deixando, praticamente de ter actividade (cfr. facto provado sob o ponto 18.). Assim, face a estas duas circunstâncias, haverá que verificar se as opções de gestão do ora Oponente, devidamente identificadas e situadas no tempo, foram as mais adequadas, de acordo com os padrões de diligência de um gestor médio, bem como se a sua conduta não contribuiu para a situação de falta de disponibilidade de meios financeiros para o pagamento das dívidas tributárias, para que se possa considerar ilidida a presunção de culpa prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT. E aqui, na verdade, não se pode considerar que as opções de gestão tenham sido as mais adequadas. Desde logo quanto às dívidas de clientes o ora Oponente bastou-se com a elaboração de algumas missivas e telefonemas, nunca tentando recuperar judicialmente o que era devido à sociedade devedora originária (cfr. facto provado sob o ponto 17.). Depois, pese embora tenha tentado encontrar novas obras para realizar, sem sucesso, também não logrou provar que tentou reduzir os custos de laboração (cfr. facto não provado sob o ponto 1.), mantendo ao invés trabalhadores, deixando de lhes pagar pontual e integralmente os seus salários (cfr. facto provado sob o ponto 21.). E, finalmente, não conseguindo angariar clientes/obras, não tentando cobrar judicialmente créditos e mantendo trabalhadores ao seu serviço, persistiu nesta situação mais dois anos sem se apresentar à insolvência, vendo acumular o seu passivo e, no que aqui importa, acumulando dívidas tributárias. Assim, o que resulta do probatório é que as (poucas) medidas que foram tomadas pelo ora Oponente (procura de obras, contactos com devedores e tentativa de obtenção de crédito - cfr. factos provados sob os pontos 17., 18. e 20.), não foram manifestamente adequadas e/ou suficientes para reverter a situação empresarial existente já no final de 2005, persistindo até meados de 2008 para apresentar a sociedade à insolvência, deixando acumular dívidas e agravando a situação financeira da empresa. Por outro lado, arguindo ainda o Oponente que a insuficiência patrimonial da devedora originária se deveu a factores externos, mormente à crise económica que assolou o País, há que não olvidar que o plano de resgate de Portugal com a denominada Troika, constituída pela União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, foi acordado apenas no ano de 2011 (o que constitui facto de conhecimento geral), ou seja, mais de 5 anos depois do início da situação deficitária da sociedade devedora originária, sendo certo que para afastar a presunção de culpa prevista no artigo 24.º, n.º 1, al. b) da LGT, não basta alegar, genericamente, que a sua conduta do sempre foi diligente e criteriosa e que a falta de pagamento dos tributos que lhe foram revertidos se deveu a factores económicos externos. Sendo certo que é de conhecimento notório a existência de uma crise económica, não é menos certo que a mesma não implicou a falta de pagamento de impostos ao Estado Português por parte de milhares de empresas, na precisa medida em que tomaram medidas de gestão que lhes permitiram manter a sua actividade e cumprir ao mesmo tempo as suas obrigações tributárias. Por fim, também não ficou provado que não tenha aumentado o seu património pessoal e/ou familiar à custa do património da empresa, obrigando o seu agregado familiar a sacrifícios de ordem material para que a empresa continuasse em laboração, nem que várias obras, algumas já contratadas, não tenham sido executadas pela devedora originária, quer porque os donos deixaram de ter disponibilidade para as realizar ou porque encontraram orçamentos mais baixos, tendo a devedora originária sido objecto de dumping por parte de algumas das suas concorrentes locais (cfr. factos não provados sob os pontos 2. e 3.). De referir ainda que a falta de entrega ao Estado dos impostos liquidados/retidos pela sociedade devedora originária (decorrentes de auto-liquidações e entrega das correspondentes declarações fiscais), só se pode imputar ao ora Oponente, que conscientemente lhes deu outro uso, mormente para pagamento de salários (cfr. facto provado sob o ponto 19.), pelo que sempre se verificaria, quanto aos mesmos, o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT. Quanto à questão da qualificação da insolvência como fortuita apenas ficou provado que foi esse o parecer da Senhora Administradora da Insolvência (cfr. facto provado sob o ponto 14.), sendo certo que, mesmo que o Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho tivesse declarado o carácter fortuito da insolvência que ali correu termos, tal julgamento não seria suficiente para afastar a presunção de culpa estabelecida na alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º da LGT, porquanto não tem quaisquer efeitos externos ao processo de insolvência, sendo irrelevante para efeitos de se aferir da responsabilidade subsidiária em sede de oposição à execução fiscal. Tal como fez já notar o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 17.06.2015: «….é o próprio CIRE, no seu artigo 185.º, que estabelece que a qualificação da insolvência, quer como culposa quer como fortuita não é vinculativa para efeitos da decisão de causas penais, nem das acções a que se reporta o n.º 2 do artigo 82.º, sendo que, por maioria de razão, de tal qualificação não se pode retirar, ipso jure, efeitos relativamente a outros processos, designadamente o de ter-se por afastada a presunção de culpa do gerente na falta de pagamento das dívidas de imposto da sociedade originária devedora vencidas no período de exercício do seu cargo, porquanto os pressupostos em que assenta tal qualificação não são os mesmos em que assenta a responsabilidade tributária dos administradores por dívidas tributárias da sociedade, nem esta se destina a apurar os pressupostos daquela. A qualificação da insolvência como “fortuita” resulta apenas de esta não dever ser qualificada como “culposa”, ou seja, nos termos do artigo 186.º do CIRE, quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Assim, como bem conclui o Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste STA, contrariamente ao decidido, o facto de no processo de insolvência da executada originária a insolvência ter sido qualificada como “fortuita”, não permite concluir pela ilegitimidade do oponente ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária.» Processo n.º 01189/14 Pelo que, por tudo quanto o exposto, conclui-se que o Oponente não ilidiu a presunção de culpa prevista no artigo 24.º, n.º 1, al. b) da LGT, não se verificando o vício de ilegitimidade arguido, improcedendo a Oposição nesta parte» Extratada a fundamentação da sentença não a podemos acompanhar na totalidade, conforme passamos a expor. Revela a sentença uma rigorosa análise do quadro normativo referente ao chamamento dos responsáveis subsidiários por via da reversão, refletindo, ainda, fielmente a posição uniforme da doutrina e da jurisprudência sobre o conceito e ónus da prova da culpa na falta de pagamento da quantia exequenda, conforme configurada na alínea b), do n.º 1, do art. 24.º da LGT, que aqui acolhemos. Quanto à bondade do juízo subsuntivo iremos proceder à sua sindicância em dois blocos, diferenciando entre as dívidas cujos prazos de vencimento ocorreram até ao ano de 2007 e as que se venceram no ano de 2008, como a seguir dilucidamos. Quanto às dívidas que se venceram no ano de 2007 e nos anos anteriores, mantém-se válida toda a fundamentação vertida na sentença, baseada numa irrepreensível análise dos factos relevantes e indiscutível subsunção jurídica, por isso, aqui a acolhemos e sancionamos. Em complemento à sentença, tendo em consideração o ora alegado, dizemos o que se segue. Alega o Recorrente [conclusão F)] que «i)desde o início da empresa sempre se dedicou à mesma em regime de exclusividade, não dispersando o seu esforço por outras sociedades ou entidades diversas da devedora originária; ii) procurou, ainda que sem sucesso, novas obras para realizar, não se descortinando qualquer antinomia entre a prova da tentativa de angariação de novas obras e a não prova da redução dos custos de laboração; iii) tentou, ainda que sem sucesso, obter, junto de entidades bancárias, a concessão de crédito para o pagamento das dívidas.» Quanto ao primeiro ponto alegado, há que dizer que a sua dedicação exclusiva à empresa [cfr. elencado em 15 da matéria de facto], é possível extrair, dentro do padrão de normalidade, um juízo de maior censurabilidade por arrastar e avolumar a situação de dificuldade financeira da qual tinha conhecimento e a quem era exigível que a evitasse ou, pelo menos, não a prologasse, enquanto gerente normalmente diligente. No que se refere ao ponto dois, encontrando-se provado que a partir do ano de 2006, a devedora originária não conseguiu angariar novos clientes, deixando praticar de exercer actividade e que, tendo o Oponente procurado, sem sucesso, obras para realizar [cfr. elencado em 18], seria mais avisado ter optado por reduzir custos, ao contrário do que parece agora afirmar, designadamente com a massa salarial, pois, com pouco ou nenhum trabalho, a redução destes custos com trabalhadores (ou outros custos fixos) seria uma inevitabilidade, segundo o padrão do homem (gerente) médio colocado perante as mesmas circunstâncias e até porque a situação deficitária já vinha de trás e não constituía naquele ano uma surpresa. Sendo certo que, não tendo escolhido esta solução como a mais acertada naquelas concretas circunstâncias, a partir do ano de 2006 a devedora originária deixou de pagar pontual e integralmente aos seus funcionários [facto elencado em 21], o que só pode ser validado contra si, enquanto representante legal daquela. Relativamente ao ponto 3, assevera-se que tendo ficado provado que o «ora Oponente não conseguiu junto de entidades bancárias a concessão de crédito para pagamento de dívidas.» [cfr. elencado em 20], essa evidência reforça a manifesta situação de dificuldade financeira da sociedade executada que já não permitia, sequer, o seu financiamento junto da banca. Prossegue o Recorrente dizendo [parte da conclusão G)] «i) a dívida dos clientes se constituiu no ano de 2005, não tendo sofrido qualquer acréscimo nos anos seguintes; ii) o passivo foi quase integralmente fixado no ano de 2005, tendo ocorrido um aumento de apenas € 4.826,27 para o ano de 2006, não chegando a sofrer qualquer alteração para o ano de 2007». Não se descortinando em que medida é que esta alegação lhe possa ser favorável a verdade é que a leitura que dela retiramos, em conformidade com factualidade vertida no ponto 16 da matéria de facto, é que não tendo havido, pode-se dizer, um grande aumento da dívida de clientes do ano de 2005 para os anos de 2006/2007, por que razão, então, não evitou o oponente a situação de incumprimento da sociedade executada relativo às dívidas em cobrança nas presentes execuções. E, relativamente à cobrança dos seus créditos, ficou provado que «o ora oponente não instaurou acções judiciais contra os devedores da sociedade devedora originária para recuperação dos créditos desta, limitando-se a telefonar-lhes e a enviar cartas pedindo a regularização das dívidas» [facto elencado em 17] o que é uma atuação manifestamente displicente e incompatível com o cuidado e diligência que lhe eram exigíveis enquanto gerente da sociedade devedora, não acautelando até ao limite o recebimento dos créditos que detinha para, para além do mais, solver as dívidas dos seus credores, no caso, da ATA. Importa, ainda, salientar que, sobre os gerentes e administradores das sociedades, impende o dever de diligência de um gestor criterioso e ordenado, previsto no art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais, o qual integra os deveres de cuidado e lealdade. O dever de cuidado consiste, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 1, daquele preceito, no dever de controlo e vigilância organizacional e funcional da sociedade, enquanto o dever de lealdade se traduz na obrigação de ter exclusivamente em vista os interesses da sociedade, procurando satisfazê-los. Em jeito de conclusão e em consonância com o tribunal a quo, dizemos que não logrou o opoente comprovar que, através de um comportamento diligente, tomou as providências adequadas e necessárias ao normal exercício da sociedade executada e na prossecução do seu objeto social, evitando com esse comportamento diligente que a sociedade viesse a incumprir com as suas obrigações fiscais. Daí que, não tendo o oponente provado a ausência de culpa na falta de pagamento, improcedem, pois, as conclusões de recurso neste segmento, quanto às dívidas vencidas em 2007 e datas anteriores. Prosseguindo agora para a análise do erro de julgamento quanto às dívidas que se venceram no ano de 2008. Alega o Recorrente que «iii) da totalidade do montante em dívida à AT, cerca de metade surge a pagamento apenas no ano de 2008, ano no qual a sociedade se apresentou à insolvência; iv)a dívida mais avultada surgiu apenas em data muito próxima do pedido de insolvência; v) a data limite de pagamento de um dos valores em dívida é inclusivamente posterior à data do pedido de insolvência» [parte restante da conclusão G)] ; e «Não podemos concordar com a conclusão de que o oponente, apesar de toda a conjuntura negativa, “persistiu nesta situação mais dois anos sem se apresentar à insolvência, vendo acumular o seu passivo e, no que aqui importa, acumulando dívidas tributárias” (…). [conclusão H)]. «Pelo contrário, quando as dívidas tributárias, repentinamente, quase duplicaram, o oponente apresentou a sociedade à insolvência, solução esta que não deixa de ser a ultima ratio [conclusão I)]. Quanto a estas concretas dívidas assiste razão ao Recorrente, conforme passamos a dilucidar. Irradia da matéria de facto que as dívidas em análise dizem respeito a: · IRC e juros de 2005, 2006 e 2007, com prazos limite de pagamento a 11.06.2008, 16.07.2008 e 08.09.2008, respetivamente [facto elencado em 3]; · IRS (RF) e juros do ano de 2006 com prazo limite de pagamento 14.06.2008 [facto elencado em 2]; · IVA e juros do 1.º trimestre de 2005 (€ 53,48), com prazo limite de pagamento 31.07.2008 [facto elencado em 4]. Mais nos evidencia a factualidade que a 03.09.2008 a sociedade devedora apresentou-se à insolvência que veio a ser declarada a 23.09.2008 [factos provados nos pontos 11 e 12]. Daí que a análise do comportamento do Oponente com vista à demonstração, ou não, da ausência de culpa tem que ser aferida relativamente à falta de pagamento destas concretas dívidas tendo por referência as datas do seu vencimento verificadas em 2008, entre 11 de junho e 08 de setembro de 2008. E evidencia a factualidade assente que o Oponente, logo, no dia 03.09.2008 apresentou, na qualidade de gerente, a sociedade executada à insolvência. Esta constatação, ao contrário do vertido na sentença, permite-nos concluir, segundo o padrão do bom pai de família, que o Oponente cuidou de evitar a acumulação de dívidas à ATA apresentando, de imediato, a empresa à insolvência, daí que entre a data de vencimento mais antiga destas dívidas e a apresentação à insolvência apenas tenha mediado 2 meses e 23 dias, não protelando a situação e nem aguardando que a insolvência fosse requerida. Sendo certo que é neste conjunto de dívidas que se situa aquela cujo montante, individualmente considerado, é claramente o mais elevado [€ 19.003,84]. Ora, os conceitos de culpa e de bom pai de família não são conceitos estáticos, na medida em que o grau de cuidado que pode e deve ser esperado varia com as circunstâncias concretas de cada caso. Pelo exposto, a conjugação destas circunstâncias concretas do caso, leva-nos à inferência de que o oponente no que às dívidas em exegese diz respeito atuou de forma diligente e responsável, sendo a sua conduta conforme o bom pai de família colocado perante a mesma concreta situação, o que o exime de culpa na falta de pagamento da quantia exequenda, conforme prevista na alínea b) do n.º 1, do art. 24.º da LGT. Nesta conformidade, a sentença que assim não decidiu incorreu em erro de julgamento relativamente a estas dívidas pelo que não se pode manter na ordem jurídica neste segmento. * Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso e, nessa sequência, revogar parcialmente a sentença e julgar a oposição procedente, por ilegitimidade do oponente, quanto às execuções fiscais que têm como objeto a cobrança das dívidas vencidas no ano de 2008. * Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO: I - Nos termos do disposto na alínea b), do art.º 24.º, da LGT., a prova de que não houve culpa na falta de pagamento das dívidas fiscais, recai sobre os gerentes, ónus, esse, decorrente da necessidade de realizar a prova de que a falta de pagamento lhes não é imputável [art.º 350.º, n.º 2 do Código Civil], sendo que a falta dessa demonstração, sempre terá de ser valorada contra aqueles. II – Espelhando a matéria de facto, relativamente às dívidas cujas datas de vencimento ocorreram entre junho e setembro de 2008, que, logo, em setembro desse ano o gerente, na qualidade de responsável subsidiário, apresentou a sociedade à insolvência, encontra-se demonstrado, segundo o padrão do bom pai de família, um comportamento zeloso e diligente por parte do oponente o que o exime de culpa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT. * V – DECISÃO: Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso e, nessa sequência: · revogar parcialmente a sentença; e · julgar a oposição procedente, por ilegitimidade do oponente, quanto às execuções fiscais que têm como objeto a cobrança das dívidas vencidas no ano de 2008. Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento e que se fixam em 50,5% e 49,5% para Recorrente e Fazenda Pública, respetivamente, sendo que nesta instância, relativamente à última, as custas não incluem taxa de justiça por não ter contra alegado. Porto, 10 de abril de 2025 Vítor Salazar Unas Ana Paula Santos Cláudia Almeida |