Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01444/13.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/15/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO; PRAZO EM CASO DE INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO
Sumário:
I- Em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido (art. 69º do CPTA).*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:LFP, Lda
Recorrido 1:Instituto de Emprego e Formação Profissional IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer sustentando que deve ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1 – RELATÓRIO
LFP, Lda. vem interpor recurso decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada 23 de Junho de 2015, que julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção no âmbito da acção administrativa especial que intentou contra o Instituto de Emprego e Formação Profissional IP e onde era solicitado que devia:
“ …condenar-se o demandado ao pagamento das reduções efectuadas em sede de saldo final, até ao montante entre o financiamento aprovado e o financiamento aceite de € 63 403,99 por serem considerados elegíveis as despesas apresentadas nas rubricas 3,4,5 e 6 do pedido e saldo final.”
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A recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
A) O pedido de pagamento do saldo final, deve ser decidido em 60 dias.
B) O indeferimento tácito, será contabilizado, desde o termo do prazo fixado na lei para a conclusão do pedido de saldo final.
C) O prazo de 60 dias para a decisão do saldo final, pode-se suspender caso a entidade gestora assim o determine.
D) a realização da audiência dos interessados suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos.
E) O termo do prazo fixado na lei para a decisão, seria em 23 de abril de 2012, e os 90 dias para contabilizar a presunção do indeferimento do pedido de pagamento do saldo final, iniciariam nessa data (correspondente ao termo do prazo fixado em lei especial para a decisão), e cessariam em 30-08-2012.
F) O artigo 69º nº1 do CPTA dispõe que em situações de inércia, o direito de ação caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal para a emissão do ato ilegalmente omitido.
G) O indeferimento tácito ocorrido a 30 de agosto de 2012, permite que a ação seja intentada até 30 de agosto de 2013. A ação foi intentada em 23 de agosto de 2013, é a mesma tempestiva.
H) A audiência de interessados, deve entender-se como um verdadeiro requerimento, uma verdadeira petição, os termos do artigo 74º e artigo 109º do CPA.
I) O ato administrativo, isto é a decisão, na sua fundamentação, deve ter em consideração as razões de facto e de direito invocadas pelo administrado, ou a exigência suplementar de obrigar a administração a expor as razões por que não atende às alegações do interessado em audiência prévia.
J) Os órgãos administrativos têm o dever genérico de se pronunciarem sobre todos os assuntos de sua competência que lhes sejam apresentados pelos particulares.
K) A falta de decisão final expressa sobre uma pretensão dirigida a órgão competente confere ao particular o direito de presumir indeferida a sua pretensão, a fim de poder fazer uso dos meios legais de impugnação.
L) Inexistindo decisão em 90 dias, aplica-se o artigo 109º do CPA, considerando-se que se está perante um indeferimento tácito.
M) A entidade demandada nunca emitiu qualquer decisão, tinha a reclamante 90 dias úteis para considerar tacitamente indeferida a sua pretensão, nomeadamente até 30-08-2012.
N) O artigo 69º nº1 do CPTA dispõe que em situações de inércia, o direito de ação caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal para a emissão do ato ilegalmente omitido. Assim tendo o indeferimento tácito ocorrido a 30 de agosto de 2012, permitiria que a ação fosse intentada até 30-08-2013.
O) Inexiste caducidade da ação e consecutivamente não há lugar a absolvição da instância.
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O Recorrido não contra-alegou.
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O Ministério Público notificado ao abrigo do artigo 146º do CPTA emitiu parecer sustentando que deve ser negado provimento ao recurso.
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As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:
— se ocorre erro de julgamento, pelo Tribunal a quo, ao ter concluído que ocorreu caducidade do direito de acção.
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2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO
Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:
1- Por ofício de 27.01.2012, a Autora procedeu ao envio das listagens das despesas efectuadas e pagas de 01.11.2011 a 31.12.2011 e o formulário de pedido de pagamento de saldo – cfr. fls. 868 e ss. do PA (Dossier C).
2- O referido ofício foi recepcionado a 31.01.2012 – cfr. fls. 868 do PA.
3- Em 30.03.2012, foi elaborada a informação nº 896/DN-FBG/2012 no sentido de o pedido padecer de deficiências susceptíveis de conduzir à redução do custo total apresentado e a propor, além do mais, a aprovação do pedido de pagamento de saldo pelo valor 322.526,08 euros e a autorização da despesa no valor de 208.136,96 euros - cfr. fls. 974 e ss. do PA (Dossier C) cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4- Por despacho de 30.03.2012, foi proferido despacho concordante com a referida informação e a determinar a notificação da aqui Autora - cfr. fls. 974 do PA
5- A Autora foi notificada, por ofício datado de 30.03.2012, da proposta de redução de financiamento e, para querendo, no prazo de 10 dias a contar da recepção do ofício, responder por escrito - fls. 985 e ss. do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
6- Em 20.04.2012, a Autora apresentou resposta escrita – cfr. fls. 989 e ss. do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7- A petição inicial referente à presente acção foi entregue neste tribunal a 23.08.2013 – cfr. fls. 2 dos autos.
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2.2 – DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi, do art.º 1.º do CPTA, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do mesmo Código.
Vejamos então se procede a excepção referente à caducidade do direito de acção.
A decisão recorrida refere que:
Se considerarmos, como faz a entidade demandada, que a decisão de 30.03.2012 é um acto de indeferimento, é manifesto que a presente acção é intempestiva pois que amplamente ultrapassado o prazo de três meses – cfr. art. 69º, nº 2 e 3 do CPTA.
Sabemos que pelo menos no dia 20.04.2012, data em que apresenta resposta à decisão de 30.03.2012, a Autora já havia sido notificada do acto.
Se considerarmos, como faz a Autora, que estamos perante uma situação de inércia da administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto legalmente omitido.
O entendimento da Autora no sentido de que estamos perante uma situação de inércia afigura-se defensável pois que, tendo havido um projecto de decisão, não se lhe seguiu uma decisão. Todavia o raciocínio subsequente não se nos afigura acertado.
Afirma a Autora que se discute a inércia da administração no que toca à audiência de interessados, relativo ao saldo final, pelo que poderia intentar a presente acção até um ano, após a data do período de decisão do demandado, isto é, 30.08.2013.
E chega a esta data – 30.08.2013 - pois considera que o demandado tinha 90 dias para proferir uma decisão, nomeadamente até 05.04.2012, no que toca à audiência de interessados apresentada na data de 28.11.2011 e até 30.08.2012, no que toca à audiência de interessados apresentada na data de 20.04.2012.
Ora, no pressuposto de que há uma situação de inércia da entidade demandada, a inércia não é relativa à audiência de interessados mas ao pedido de pagamento de saldo final. É este o requerimento que a Autora dirige à entidade demandada e ao qual esta não dá uma resposta definitiva.
Assim, se a Autora formulou o pedido em 27.01.2012, é a partir desta data que se inicia o prazo de 90 dias úteis para a entidade demandada emitir uma decisão. O período de decisão findava pois a 01.06.2012 e, consequentemente, o prazo para instaurar acção de condenação à prática do acto devido com fundamento em inércia da administração findava a 31.05.2013.
Instaurada a presente acção apenas a 23 de Agosto de 2013, a mesma é extemporânea.
Estamos no âmbito de uma acção administrativa especial pretendendo a Autora, ora recorrente, que seja condenado o demandado ao pagamento das reduções efectuadas em sede de saldo final.
De acordo com o artigo 58º, n.º 2, do CPTA, anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, aplicável ao caso ora em análise, o prazo de impugnação para os actos anuláveis é de três meses.
Por seu lado, em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido, nos termos do artigo 69º, nº1 do mesmo Código.
Analisando agora situação concreta dos autos, verifica-se que a Autora, por ofício de 27.01.2012, procedeu ao envio das listagens das despesas efectuadas e pagas de 01.11.2011 a 31.12.2011 e do formulário de pedido de pagamento de saldo.
Foi elaborada informação pelos serviços no sentido de que o pedido da Autora continha deficiências e onde se propunha a aprovação do pedido de pagamento de saldo pelo valor 322.526,08 euros e a autorização da despesa no valor de 208.136,96 euros.
A recorrente foi ouvida, por despacho de 20 de Março de 2012, sobre esta proposta de redução de financiamento e para querendo se pronunciar, em termos de audiência dos interessados, o que se verificou com data de 20 de Abril de 2012.
A presente acção deu entrada em Tribunal com data de 23 de Agosto de 2013.
Como se refere, e bem, na decisão recorrida, o despacho de 30 de Março de 2012, a concordar com a informação dos serviços e a proceder à audiência prévia, não pode ser considerada uma decisão definitiva sobre a questão em apreço, para efeitos impugnatórios, como vem defender a entidade demandada. Estamos perante a realização de audiência prévia, onde não se encontra qualquer definição externa sobre a pretensão da recorrente, pelo que inimpugnável. Improcede, assim, este argumento.
Analisada a situação em causa nos autos verifica-se que o requerimento da Autora, de 27 de Janeiro de 2012, a solicitar o pedido de pagamento de saldo, apesar de ter sido alvo de audiência prévia, não teve qualquer decisão definitiva.
Assim sendo, e como se refere na decisão recorrida, tinha a Autora um ano após o termo do prazo legalmente estabelecido para propor a acção referente à prática do acto devido.
Ou seja, se a Autora formulou o seu pedido em 27 de Janeiro de 2012, a entidade demandada tinha até ao dia 1 de Junho para proferir decisão (90 dias – artigo 109º do CPA). O prazo de um ano para interpor acção para a prática do acto devido conta-se a partir desta data, pelo que o mesmo terminaria no dia 1 de Junho de 2013. Assim sendo tendo a acção dado entrada em Tribunal no dia 23 de Agosto de 2013, há muito que se tinha esgotado o prazo da interposição da acção.
Vem a recorrente sustentar que o prazo de indeferimento tácito, que é de 60 dias, pode suspender o prazo de interposição da acção, caso a entidade gestora assim o determine.
É de referir, desde já, que o prazo para decisão de requerimento dirigido à Administração é de 90 dias como se retira do artigo 109º do anterior CPA. Por seu lado, após a entrada em vigor do CPTA de 2003, é jurisprudência uniforme, secundada pela doutrina que o acto tácito de indeferimento, referido no artigo 109º, se encontra revogado.
Referia este artigo que a falta, no prazo fixado para a sua emissão, de decisão final sobre a pretensão dirigida a um órgão administrativo competente conferia ao interessado a faculdade de presumir o indeferimento dessa pretensão para efeitos de poder exercer o respectivo meio legal de impugnação. O prazo para a emissão da decisão era de 90 dias (n.º 2 do mesmo artigo).
No entanto, com a entrada em vigor do novo contencioso administrativo, em 2004, considera-se que este artigo 109º se encontra revogado, tendo desaparecido o indeferimento tácito. Em caso de inércia da Administração pode agora o administrado solicitar a prática do acto devido (artigo 66º e sgs do CPTA). O direito de acção, neste âmbito, caduca no prazo de um ano (artigo 69º n.º 1 do CPTA). Ou seja, tendo sido deduzida uma pretensão à Administração, se não ocorrer qualquer decisão no prazo legal para o efeito, começa a correr, a partir desta data, o prazo para a interposição da competente acção para a prática do acto devido.
De notar que a figura do indeferimento tácito era uma ficção jurídica de forma a possibilitar aos interessados poderem reagir contra a inércia da Administração, como se retira do próprio artigo 109º.
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Frandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição revista, 2010, pág. 443, “ o CPTA aboliu, assim, o acto de indeferimento tácito, enquanto ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o exercício do direito de impugnação contenciosa, deixando a tutela jurisdicional da omissão circunscrita ao pedido de condenação à prática do acto devido”.
Ver, neste sentido, na jurisprudência Acórdão deste Tribunal tirado no proc. n.º 00032/05.2BECBR, de 18-10-2007, quando refere: VI. Face ao poder conferido aos tribunais administrativos pelo CPTA de condenarem a Administração à prática de actos administrativos ilegalmente omitidos procedeu-se à abolição da figura do denominado “indeferimento tácito” [cfr. arts. 51.º, n.º 4 e 67.º, n.º 1, al. a) do CPTA], mostrando-se actualmente revogado o regime decorrente do n.º 1 do art. 109.º do CPA.
Assim sendo, considerando-se que não ocorre indeferimento tácito, o prazo para a propositura da acção, como já referimos, será de um ano desde o termo legal do prazo estabelecido para a emissão do acto legalmente omitido.
Este prazo há muito que se encontra ultrapassado.
Vem ainda a recorrente sustentar que a realização da audiência dos interessados suspende o prazo de impugnação (conclusão D). Não vemos como.
O prazo para a decisão de um requerimento dirigido à Administração é de 90 dias como já referimos. Não se encontra previsto que a realização da audiência prévia suspenda este prazo.
Encontra-se, sim, previsto que a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa (artigo 59º n.º 4). No entanto, a audiência dos interessados não se encontra inserida neste âmbito, pelo que não se vê como pode a sua realização suspender o prazo de impugnação judicial quando tal não se encontra previsto.
Tendo em atenção o exposto verifica-se que, de facto, tem de se concluir que ocorreu caducidade do direito de acção pelo que e não podem proceder as conclusões da recorrente, devendo manter-se a decisão recorrida.
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DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente
Notifique
Porto, 15 de Dezembro de 2017
Ass. Joaquim Cruzeiro
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco