Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02217/18.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/07/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:HIPOTECA-PRESCRIÇÃO- SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO.
Sumário:1- A hipoteca é um direito real de garantia, que é acessório do crédito garantido e que incide sobre bens imoveis ou equiparados que, em regra, são propriedade do devedor, mas que podem ser propriedade de terceiro, e que se destina a assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelo devedor perante o credor.

2- A hipoteca não acarreta o desapossamento do bem hipotecado, pelo que o proprietário continua a dispor dos direitos de gozo, fruição e de disposição do bem hipotecado, mas em caso de transmissão desse bem para terceiro, essa transmissão opera-se com a hipoteca, podendo o credor hipotecário, em caso de incumprimento das obrigações assumidas pelo devedor e garantidas pela hipoteca, executar os bens hipotecados no património do terceiro adquirente, convertendo a hipoteca em penhora.

3- A prescrição da hipoteca pressupõe o decurso de dois prazos cumulativos: a) que se mostrem decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição do bem hipotecada a favor do terceiro adquirente; e b) que se mostrem decorridos sobre o vencimento da obrigação garantida pela hipoteca cinco anos.

4- Ao prazo de prescrição da hipoteca aplicam-se as causas gerais de suspensão e de interrupção do prazo prescricional.

5- Tendo o credor hipotecário instaurado contra o devedor execução, com vista à cobrança coerciva dos créditos garantidos pela hipoteca e tendo o devedor transmitido para terceiro o prédio hipotecado, tendo no âmbito dessa execução, o terceiro adquirente sido notificado da conversão da hipoteca em penhora, com essa notificação interromperam-se os prazos de prescrição da hipoteca referidos em 3.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:J.
Recorrido 1:Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO:

1.1.J., residente na Rua (…), instaurou a presente ação administrativa comum, sob a forma ordinária, contra Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, com sede na Av. (…), pedindo que se condene este a emitir certidão para fins de cancelamento de registo de inscrição hipotecária das Aps. identificadas no art. supra do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 247, fração S, de (...).
Subsidiariamente e em face de recusa da Ré, seja decretada a prescrição das mesmas inscrições – no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 359 de (...) – porque já prescrita, por força do art. 730º, al. b) ex vi arts. 301º e 303º do Código Civil, porque pago o preço total do imóvel e porque, em todo o caso, já decorreram os prazos legalmente fixados para o efeito.

Para tanto alega, em síntese, ser dono e legítimo possuidor do prédio urbano composto por casa de habitação do tipo 2, sito no 2º andar, sul, e um arrumo na subcave, com o n.º 2 – 2º andar esquerdo, descrito na Conservatório do Registo Predial de (...), sob o n.º 247 – fração S, freguesia de (...), em virtude de o ter comprado à “H. Lda.”, por escritura pública celebrada em 19/09/1994, encontrando-se essa aquisição inscrita em seu nome, no registo, pela Ap. 31;
No contrato de compra e venda celebrado a H. declarou que sobre o prédio comprado pelo Autor incidia uma hipoteca a favor do Réu, cujo cancelamento se encontrava devidamente assegurado;
Acontece que o Autor verificou que esse prédio se encontra onerado com duas hipotecas, inscritas, respetivamente, pela Ap. 4, de 21/07/1989, e Ap. 26 de 01/03/1990, constituídas a favor do Réu;
Essas hipotecas foram constituídas unilateralmente pela vendedora H. que, entretanto, pagou o respetivo valor;
Acresce que já decorreram mais de vinte anos sobre a data em que o Autor comprou esse prédio à H., livre de ónus e encargos, e sobre a data do cumprimento da obrigação da devedora originária, pelo que as hipotecas se encontram prescritas;
Esse prédio está na posse e fruição do Autor, que nele reside, há mais de 20 anos, colhendo os seus frutos, pagando os impostos devidos e administrando-o, o que faz com o animo de exercer um direito próprio, na ignorância de lesar direito alheio, sem violência, continuada e com o conhecimento de toda a gente, sem interrupção ou oposição de ninguém, pelo que se outro título não tivesse, sempre justificaria os seus direitos no instituto da usucapião.

1.2.O Réu contestou defendendo-se por exceção e por impugnação;
Invocou a exceção da ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido deduzido pelo Autor na alínea b) do petitório e a causa de pedir por ele invocada para suportar aquele pedido;

Invocou a exceção da interrupção do prazo prescricional das hipotecas invocadas pelo Autor, alegando ter instaurado em 13/03/1996, execução fiscal contra a H., que correu termos pelo Serviço de Finanças de (...) – 1, com vista à cobrança coerciva da quantia que mutuou à aí executada H. e garantida pelos mencionadas hipotecas, e que tendo as hipotecas sido convertidas em penhora, o aqui Autor foi aí notificado dessa conversão em 06/09/2004, por carta registada com aviso de receção, o que interrompeu o prazo prescricional das hipotecas então em curso, sendo que essa execução permanece pendente;

Acresce que no âmbito dessa execução, o aqui Autor reagiu a essa notificação mediante a dedução de embargos de terceiro, que correram termos sob o n.º 1183/04.6BEBRG, que vieram a ser julgados improcedentes, por acórdão do TCAN, há muito transitado em julgado;
Impugnou parte dos factos alegados pelo Autor;

Conclui pedindo que se julgue inepta a petição inicial quanto ao pedido deduzido pelo Autor na alínea b) do petitório e se absolva aquele da instância quanto a esse pedido, e que, em todo o caso, se julgue a presente ação totalmente improcedente e se condene o Autor como litigante de má fé em multa e em indemnização.

1.3. Em 29/11/2009 proferiu-se despacho declarando que a exceção da ineptidão da petição inicial invocada pelo Réu quanto ao pedido formulado na alínea b) do petitório deduzido na petição inicial, se funda num “mero lapso na identificação do prédio em causa. Na verdade, tanto no articulado como no pedido da alínea a), o Autor refere-se ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 247 – Fração S, (...), pelo que se tem o pedido b) por retificado, tendo-se o prédio indicado como objeto do pedido formulado – prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 247 – Fração S, (...)”.

Mais se determinou que a prova documental existente é suficiente para a solução do litígio, sendo desnecessária a produção de prova adicional, e determinou-se a notificação das partes para dizerem se se opõem a que as alegações (tendentes à discussão de facto e de direito do mérito da causa) sejam apresentadas por escrito, o que tornaria desnecessária a realização da audiência prévia e para, em caso de não oposição, apresentarem, por escrito, as suas alegações.

1.4.O Autor apresentou alegações por escrito.

1.5.Proferiu-se despacho em que se fixou o valor da presente causa em 7.500,01 €, seguindo-se a prolação de sentença em que se julgou improcedente a presente ação e o pedido de condenação do Autor como litigante de má fé, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo improcedente a presente ação e absolvo o Réu do pedido.
Condeno o Autor no pagamento das custas”.

1.6. Inconformado com o assim decidido, o Réu interpôs o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:
a) O Recorrente não demandou, nem podia demandar a vendedora (para obtenção do título para cancelamento dos ónus hipotecários) porquanto a mesma padece de falta de personalidade judiciária (n.º1 do art.º 11.º e art.º 577.º n.º 1 al, c) do C.P.C.), na medida em que perdeu personalidade ou existência jurídica que a legitimem a estar em Juízo em virtude de ter sido extinta, como provou documentalmente;
b) O Recorrente nunca recebeu qualquer interpelação da Ré que consubstanciasse o preceituado no n.º 4 do art.º 323.º do Código Civil, daí que não se venha, agora, alegar uma qualquer execução fiscal entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e a entidade vendedora, na qual NUNCA o autor foi parte, execução, essa, que agora se quer deitar mão como causa de interrupção da prescrição, para postergar as legitimas pretensões do Recorrente.
c) Execução – viva há mais de 24 anos, sem impulso processual durante anos !!! – que serviu “como uma luva, para além do que acima já foi alegado, remonta ao ano de 1996 e que se encontrou parada, por falta de impulso processual da Exequente durante anos, o que naturalmente levou à sua extinção por deserção (cfr. art.º 849.º, n.º 1 al. f), ex vi do art.º 277.º, al. c) e 281.º, n.º5 todos do Código Processo Civil e ainda n.º5 do art.º 281.º do mesmo CPC) e a consequente extinção da execução;
d) O Recorrente litiga de boa-fé, porque terceiro de boa-fé relativamente às relações contratuais entre a Ré e a entidade vendedora e o próprio Tribunal “a quo” assim o entendeu na justa medida em que, confirmou, dando como provados os requisitos ínsitos à alínea b) do artº 730º do Código Civil.
e) O Recorrente tão só pretende a necessária certidão para cancelar um ónus pendente sobre o seu prédio, ónus esse, que há muito padece de prescrição, não sendo excessivo repetir que: 1. Nesse contrato de compra e venda, para além do demais, ficou consignado, relativamente a ónus pendentes, por declaração da parte vendedora que sobre o prédio comprado incidia uma hipoteca a favor do Instituto Nacional de Habitação cujo cancelamento se encontrava devidamente assegurado” 2. “Constatou agora o Recorrente que tal inscrição, apesar da entidade vendedora se obrigar a tal, não foi efetivamente cancelada, situação que prima facie motiva a presente demanda”. 3. “Na verdade, há bem pouco tempo o Recorrente ao consultar a certidão do registo predial verificou que pende sobre o referido prédio existem duas inscrições hipotecária, registo hipotecário muito anterior ao ato de compra e venda; 4. “Hipotecas que foram constituídas e outorgadas unilateralmente pela antes identificada entidade vendedora que, entretanto, foi liquidada, não havendo órgãos sociais legalmente constituídos.
f) Consequentemente, logrou-se assim, passados que são mais de vinte anos sobre o registo do identificado prédio a possibilidade de obter o título que comprove o cancelamento da mencionada hipoteca junto dessa entidade vendedora”; Está assim plenamente justificado o pedido do Recorrente.
g) “Porquanto e na medida em que pretende cancelar tal inscrição hipotecária junto da Conservatória do Registo Predial, não logrando alcançar tal objetivo, com o único fundamento de não ter exibido título para esse efeito; Sendo certo que a Ré se recusa a emitir certidão de cancelamento”;
h) Em boa verdade está-se em presença de clara e manifesta prescrição da referida inscrição hipotecária”;
i) Pelo que a sentença em crise, ofende o direito fundamental do Recorrente, como seja o de ver o seu prédio desonerado por um ónus ao qual é completamente estranho; Para tanto devia o Tribunal “a quo” “declarar extinto oficiosamente o processo executivo que serviu de escudo às pretensões do Recorrente por força do preceituado no artº 6º do Código Processo Civil e não dar como provados os factos com os números 5 e 6 como acima se evidencia.
j) Deveria ainda o Tribunal “a quo” nos termos do artº 277º al. c) e) e artº 6º ambos do CPC, deveria, repete-se, oficiosamente porque tinha prova documental bastante no processo, conhecer da extinção da execução em causa questão; Apesar de e sendo certo que a mesma não poderia, nem poderá, ser oponível às pretensões do Recorrente, porque terceiro de boa fé e porque não foi executado – parte passiva – no processo executivo em questão.
Logo, não pode ser usada como causa de interrupção da prescrição prevista no artº 730º do Código Civil.
k) Ao Recorrente para obter êxito no peticionado, bastava provar, como provou (factos provados números 2, 3 e 8) que:
- Que estão passado mais de vinte anos sobre o registo do identificado prédio a seu favor e que não teve até à data qualquer possibilidade de poder cancelar as hipotecas que ainda oneram o seu prédio;
- E que sobre o registo de aquisição a seu favor decorram mais de cinco anos sobre o vencimento da obrigação do contrato de mútuo com hipoteca que serviu de título para o registo que agora pretende cancelar, pois que tais contraltos remontam aos anos de 1991 e anteriores.
- E que não houve qualquer causa de interrupção da prescrição alegada, porque o processo executivo invocado pela Recorrida (AT), é inoponível ao Recorrente, porque no mesmo não é parte passiva.
Termos em que requer a V. Excªs a admissão do presente Recurso, a sua apreciação e o acórdão ser revogado, como é de justiça.

1.7.O apelado contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação e concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:

I. Salvo melhor opinião, nada há a apontar à sentença proferida pelo Tribunal a quo, que punha termo de forma indelével a um litígio que, no entendimento do recorrido, se arrasta absolutamente desprovido de qualquer fundamento formal ou material, há mais de 2 anos.
II. Ao que é possível perceber das alegações do recorrente, a questão essencial a decidir nesta sede será tão somente se existiu ou não interrupção da prescrição relativa à hipoteca.
III. O recorrente insurge-se contra os factos 5 e 6, ao mesmo tempo que se conforma inequivocamente quanto aos restantes.
IV. Porém, os fundamentos apresentados pelo recorrente para colocar em causa a atuação do Tribunal a quo a respeito dos factos 5 e 6, são, no entendimento do recorrido, desprovidos de qualquer sentido.
V. Primeiramente, porque o recorrente desconsidera sem qualquer justificação que tais factos decorrem de forma cristalina da prova documental (que o mesmo não contraria!!!) devidamente referenciada na sentença.
VI. Depois, porque o recorrente é o primeiro a contradizer-se (de forma manifestamente inusitada) nas suas próprias alegações.
VII. De facto, a alínea c) das conclusões do recorrente (não sendo o único exemplo, note-se) é, a este respeito, absolutamente lapidar e elucidativa: o recorrente, numa só frase (111), alega que a execução está “viva há mais de 24 anos” mas também que a mesma foi objeto de “extinção por deserção”.
VIII. Por outro lado, porque, para tentar fazer valer a sua posição, o recorrente alega factos que sabe não serem verdadeiros, que não têm qualquer sustentação e que são facilmente contrariados pela prova documental existente nos autos.
IX. Bem sabe o recorrente que a execução fiscal nunca “se encontrou parada, por falta de impulso processual da exequente durante anos”, nem tão pouco foi objeto de “extinção por deserção”, como alega na alínea c) das suas conclusões.
X. E por último, porque, para sustentar a sua tese, o recorrente entende que “devia o Tribunal “a quo” declarar extinto oficiosamente o processo executivo”, ou seja, devia o Tribunal a quo substituir-se ao órgão onde pende o processo de execução fiscal na tramitação do mesmo.
XI. Com o devido respeito, não se vislumbra sequer como, à luz da Lei, tal seria equacionável.
XII. De todo o modo, a verdade é que, para a boa decisão da causa (que se centrará na existência ou não de interrupção da prescrição relativa à hipoteca), fulcral será, indubitavelmente, o facto 7 e não tanto os factos 5 e 6.
XIII. E aqui não há como olvidar algo absolutamente fundamental: o próprio recorrente aceita e assume (como não poderia deixar de ser) o facto 7 que consagra que “No âmbito do referido processo de execução fiscal, o Autor, notificado em 06.09.2004 da existência da hipoteca, entretanto convertida em penhora por falta de pagamento da executada, deduziu embargos de terceiro contra o Réu, vindo tal ação a ser julgada improcedente por acórdão do TCA Norte”.
XIV. Como conclui de forma linear o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 27/09/2011, proferido no âmbito do 6534/09.4TBVFX.L1-1 (disponível em www.dgsi.pt), “aplicam-se também à prescrição da hipoteca as regras do instituto da prescrição, designadamente, quanto à interrupção do respetivo prazo de prescrição”.
XV. Portanto, por via desta notificação datada de 06/09/2004 (que o recorrente, não só aqui como noutras instâncias, assumiu já expressamente), foi interrompido, nos termos e ao abrigo do art. 323.º do Código Civil, o invocado prazo prescricional, como considerou, e muito bem, o Tribunal a quo.
XVI. Destarte, não se verificado o decurso de qualquer prazo prescricional, não é possível corresponder à pretensão do recorrente.
XVII. Ademais, face ao disposto no art. 327.º do Código Civil, entende o recorrido que tão pouco começará a correr novo prazo de prescrição enquanto não findar o Processo de Execução Fiscal com o n.º 0450199601002350.
XVIII. Este entendimento é sufragado por vasta jurisprudência, sendo de destacar o referido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 27/09/2011, proferido no âmbito do Proc. n.º 6534/09.4TBVFX.L1-1, ou o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 14/02/2014, proferido no âmbito do Proc. n.º 0193/14 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
XIX. Assim, atento o supra exposto, é entendimento do recorrido que, em todos os momentos do presente processo, existiu uma correta interpretação e aplicação das normais legais em vigor por parte do Tribunal a quo.
Nestes termos, deverá o recurso apresentado pelo recorrente ser julgado improcedente, por não provado, e consequentemente, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, para todos os efeitos legais.

1.8. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público emitiu parecer, pugnando pelo não provimento do recurso.

1.9.Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.

Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas pelo apelante à apreciação deste TCAN resumem-se ao seguinte:

a- se na sentença sob sindicância a 1ª Instância incorreu em erro de direito, por infração de regras de direito probatório material, ao julgar como provada a matéria dos pontos 5º e 6º e ao não julgar como provada, sequer como não provada, a “prova documental não impugnada pelo apelado – contratos unilaterais de hipoteca a favor do extinto INH – Instituto Nacional de Habitação – que há muito decorreram os cinco anos do vencimento da obrigação” e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida e submetida a mesma a essas regras de direito probatório material alegadamente infringidas, se impõe concluir pela não prova da facticidade julgada provada nos pontos 5º e 6º e pela prova daquela outra facticidade; e

b- se ao julgar improcedente a exceção perentória da prescrição das hipotecas que oneram o prédio objeto dos autos, por interrupção do prazo prescricional, e ao ter, consequentemente, julgado improcedente a presente ação, a 1ª Instância incorreu em erro de direito.
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III.FUNDAMENTAÇÃO.
B- DE FACTO
3.1.A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:

“1. O Autor é dono e legítimo possuidor de um prédio urbano, que é uma casa de habitação do tipo T2, no 2º andar, sul, e um arrumo na subcave, com o n.º 2, no Bloco 2 – 2º andar esquerdo, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 241-fração S, freguesia de (...) – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial;
2. Tal prédio foi adquirido à H. CRL, por escritura pública de compra e venda, outorgada no Primeiro Cartório Notarial de (...), em 19.09.1994 – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial;
3. O registo foi efetivado em 28.09.1994 – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial;
4. Sobre o referido prédio incidiam, à data da compra pelo Autor, duas hipotecas a favor do Instituto Nacional de Habitação – cfr. doc. 1 e doc. 4 juntos com a petição inicial;
5. Corre termos processo de execução fiscal n.º 0450199601002350, em que é Exequente o Réu e Executada a H. , CRL, no qual se pretende o pagamento da quantia de 1.196.511,43€, relativo ao mútuo que originou as hipotecas referidas supra – cfr. doc. 1 (fls. 1 a 19) junto com a contestação;
6. A referida execução foi declarada em falhas, nos termos do artigo 272º do C.P.P.T., sem prejuízo do artigo 274º do mesmo Código – cfr. fls. 357 da numeração SITAF;
7. No âmbito do referido processo de execução fiscal, o Autor, notificado em 06.09.2004 da existência da hipoteca, entretanto convertida em penhora por falta de pagamento da executada, deduziu embargos de terceiro contra o Réu, vindo tal ação a ser julgada improcedente por acórdão do TCA Norte – cfr. docs. 2 a 7 junto com a contestação;
8. Pela apresentação 1 de 20.11.2017, foi cancelada a matrícula da H. – , CRL – cfr. fls. 343 da numeração SITAF;
9. A petição inicial que motiva estes autos deu entrada neste TAF, via SITAF, em 08.10.2018 – cfr. registo SITAF.
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Por sua vez, considerou que “Com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado”.
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III.B. DE DIREITO.

B.1- Impugnação do julgamento da matéria de facto – erro de direito por violação de regras de direito probatório material.

O apelante impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada provada nos pontos 5º e 6º da sentença sob sindicância, sustentando que se impõe concluir pela não prova dessa concreta facticidade, isto porque “como resultou provado no ponto 8º, a executada H. não tem personalidade jurídica”, pelo que “se não há parte no processo que assuma a qualidade de executada, não é possível (sobreviver) a execução fiscal”; acresce que “nessa execução o recorrente foi terceiro de boa fé e viu o registo da penhora caducado (…) porquanto está vedado ao exequente penhorar bens de terceiro ainda que onerados com hipoteca a seu favor sem que o terceiro tenha a posição processual de executado, por imposição decorrente dos arts. 56º, n.º 2 e 821º, n.º 2 do CPC, aplicáveis por força do disposto no art. 2º, al. e) do CPPT”, concluindo, “sintetizando, só se o recorrente fosse parte passiva na execução em questão é que à luz do direito substantivo poderiam ser penhorados os seus bens na execução em questão, que por via disso há muito caducou relativamente ao aqui recorrente, independentemente de ao tempo, e bem, ter pugnado pelos seus direitos depois de ter tomado conhecimento dessa execução movida pela AT contra a vendedora do prédio e ter dado entrada dos embargos de terceiro”; acresce ainda que “tal execução remonta ao ano de 1996 – há mais de 24 anos – e encontra-se sem impulso processual da exequente durante anos e anos, o que natural e legalmente leva à sua extinção por deserção”.

Mais insurge-se contra a circunstância de em sede de factos provados a 1ª Instância ter incorrido em pretenso vício da deficiência do julgamento de facto que realizou ao não ter julgado provada, sequer como não provada, “prova documental não impugnada pela recorrida – contratos unilaterais de hipoteca a favor do extinto INH – Instituto Nacional de Habitação – que há muito decorreram os cinco anos de vencimento da obrigação”, concluindo que tal facto tem de ser julgado como provado e aditado aos factos considerados provados.

Apreciando:
Analisado o enunciado vício da deficiência que o apelante assaca ao julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, se bem interpretamos a posição deste, porque os dois acordos juntos em anexo à petição inicial, a fls. 12 a 18 dos autos, celebrados entre o aqui Réu (apelado) e a “H., , CRL”, não foram impugnados pelo Réu, acordos esses intitulados de “Contrato de mútuo com hipoteca entre o INH e a Cooperativa”, impunha-se que a 1ª Instância tivesse julgado provado o teor desses acordos e, bem assim que há muito decorreram cinco anos do vencimento da obrigação, mas sem manifesta razão, dado que, por um lado, os documentos não são factos, mas antes meios de prova cuja função é precisamente a demonstração da realidade dos factos (art. 341º do CC) e, por outro lado, porque a expressão “há muito decorreram cinco anos do vencimento das obrigação”, isto é, das obrigações decorrentes desses dois contratos para a H. e por esta incumpridas, cujo cumprimento se encontra garantido pelas hipotecas que oneram o prédio propriedade do apelante, é eminentemente conclusiva, quando, como é sabido, na sentença apenas podem ser julgados provados e não provados “factos”, mais concretamente os factos essenciais que constituem a causa de pedir invocada pelo Autor (apelante) na petição inicial e em que o mesmo ancora a pretensão de tutela judiciária que pretende que o tribunal lhe reconheça (pedido) e, bem assim aqueles em que se baseiam as exceções invocadas pelas partes, contanto que esses factos essenciais tenham sido alegados pelas partes (arts. 5º, n.º 1, 552º, n.º 1, al. d), 572º, al. c), 587º, n.º 2, 584º, n.º 1 e 3º, n.º 4, todos do CPC, aplicáveis por força do art. 1º do CPTA), bem como os factos complementares e os instrumentais (independentemente de terem ou não sido alegados pelas partes nos respetivos articulados), desde que estes resultem da instrução da causa e, adicionalmente, quanto aos complementares, o juiz observe quanto aos mesmos o princípio do contraditório (art. 5º, n.º 2, als. a) e b) do CPC ex vi art. 1º do CPTA), e nunca meios de prova, sequer expressões conclusivas.

“Factos” são as ocorrências concretas da via real e o estado, a qualidade ou situação real das pessoas e das coisas, neles de compreendendo não só os acontecimentos do mundo exterior diretamente captáveis pelas perceções (pelos sentidos) do homem, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo Ac. STJ. de 9/10/2003, Proc. 03B1816, in base de dados da DGSI..

Por sua vez, são meios de prova os meios legalmente reconhecidos aptos à demonstração ou à infirmação da realidade dos factos (art. 341º do CC), como é o caso da prova por confissão (art. 352º e ss. do CC), a prova documental (art. 362º e ss. do CC), pericial (art. 388º, e ss. do mesmo Código) e por inspeção (art. 390º e ss. do CC).

Deste modo, os documentos a que alude o apelante não são factos, mas antes meios de prova, mais concretamente, prova documental, destinada a fazer prova dos factos essenciais em que aquele ancora (causa de pedir) a sua pretensão em ver declarada a prescrição das hipotecas que oneram o prédio de que é proprietário.

Por sua vez, são factos essenciais, os factos concretos que constituem os elementos típicos da previsão normativa (Tatbestand) a que o autor recorre e que, na sua perspetiva, lhe reconhece o direito que exerce na ação e de onde faz derivar a pretensão (pedido) que visa que lhe seja reconhecida pelo tribunal e que, por isso, desempenham uma função constitutiva do direito a que o autor se arroga titular e de onde faz derivar o pedido e que, consequentemente, permitem a individualização da situação jurídica de onde aquele faz derivar a pretensão que deduz (pedido).

Por isso, sem a alegação, na petição inicial, dos factos essenciais integrativos da causa de pedir, não se encontra individualizada a fonte do direito de que o autor se arroga titular e de onde faz derivar o pedido que deduz, pelo que a falta de alegação de tais factos essenciais pelo autor, na petição inicial, determina a ineptidão deste articulado, por inexistência de causa de pedir (art.186º, n.º 2, al. a)).

Os factos essenciais são assim, os factos concretos que “são necessários à identificação da situação jurídica invocada pelo autor e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da ação: se os factos alegados (…) não forem suficientes para se perceber qual a situação jurídica que ele faz valer em juízo (qual o crédito, qual a propriedade, por exemplo), existe um vício que afeta a viabilidade da ação” Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, págs. 70 a 73..

Já são “complementares” ou “concretizadores”, os factos cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da ação ou da exceção, por não serem necessários à identificação ou individualização da situação jurídica alegada pelo autor e de que este faz derivar o pedido, não determinando, por isso, a falta de alegação dos mesmos o vício da ineptidão da petição inicial, mas que participam de uma causa de pedir complexa e que, consequentemente, são indispensáveis à procedência da ação, ou seja, os factos complementares embora não constituam elementos típicos da norma a que o autor recorre e que, na sua perspetiva, lhe reconhece o direito que o mesmo pretende exercer na ação e de onde faz derivar o pedido, não desempenhando aquela função individualizadora da situação jurídica invocada pelo mesmo, mas trata-se de factos que, de harmonia com a lei, conferem eficácia jurídica aos factos essenciais constitutivos da causa de pedir e sem os quais o direito a que o autor se arroga titular e de onde faz derivar a sua pretensão (pedido) não pode atuar, não podendo a ação proceder.

Os factos complementares são, portanto, necessários para que, conjugadamente com os essenciais, a ação intentada pelo autor possa proceder Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro de 2014, Ediforum, págs. 24 a 25, nota 4 ao art. 5º;
Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 70 a 73, onde, a fls. 71, escreve: “numa ação de reivindicação baseada na usucapião (cfr. art. 1287º do CC), o tempo necessário à constituição desse título de aquisição constitui um facto essencial, a boa fé do possuidor (cfr., v.g. art. 1294º, al. a), CC) é um facto complementar e são factos instrumentais aquele através dos quais de pode demonstrar aquele lapso de tempo e esta posse de boa fé”.

No mesmo sentido, Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 76 a 78, onde se lê que são principais “todos os que integram o Tatbestand (previsão normativa), ou seja, os factos essenciais (substanciadores) da causa de pedir e aqueles em que se baseiam as invocadas exceções (art. 5º, n.º 1). “Factos complementares são os que consubstanciam aditamentos ou acrescentos quando estão em causa tipos legais integrados por uma pluralidade de pressupostos de facto (tipos legais complexos (…) e que e limitam a complementar a relação material controvertida. (…) “Factos complementares” serão aqueles que, na economia de um fattispecie normativa complexa, desempenham claramente uma função secundária ou acessória relativamente ao núcleo essencial da causa de pedir ou da defesa – numa ação de anulação fundada em erro sobre os motivos (art. 252º, n.º 1 do CC), a alegação do acordo sobre a essencialidade do erro é um mero facto complementar; numa ação de indemnização fundada em acidente de viação, os factos tradutores dos pressupostos de direito “direção efetiva” do veículo ou a sua “utilização por intermédio de comissário (art. 503º, n.º 1 do CC), são meramente complementares; numa impugnação pauliana, é possível sustentar que é essencial (nuclear) o facto relativo à alienação geradora da diminuição da garantia patrimonial, sendo “essenciais complementares” os factos respeitantes à natureza não pessoal do ato, à data da constituição do crédito, à impossibilidade de obter satisfação do crédito (ou seu agravamento) e à má fé dos intervenientes (em caso de alienação onerosa) – só pode dizer-se que um facto tem uma função de complementarização ou de concretização quando se estabelece uma relação entre eles e outros factos; não factos concretizadores ou complementares em abstrato”. .


Finalmente, são instrumentais os factos que desempenham uma função puramente probatória, ao indiciarem a verificação dos factos essenciais e dos complementares.

Como referido, se o autor se encontra obrigado, na petição inicial, a alegar os factos essenciais constitutivos da causa de pedir por ele eleita para ancorar o pedido que deduz, e se o réu se encontra obrigado a alegar, na contestação, os factos essenciais constitutivos da exceção ou exceções que invoca com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito a que o autor se arroga titular e de onde faz derivar a sua pretensão de tutela judiciária (pedido) e, bem assim, se o autor, na réplica, no caso de inadmissibilidade legal desta, na audiência prévia, ou no caso de ausência desta, no início da audiência final, se encontra obrigado a alegar os factos essenciais constitutivos da contra exceção ou contra exceções que oponha às exceções invocadas pelo réu na contestação, as partes já não se encontram obrigados a alegar os factos complementares, sequer os instrumentais, devendo, no entanto, o juiz, na sentença, considerar provados os factos complementares e instrumentais, contanto que a prova dos mesmos tenha resultado da instrução da causa e, adicionalmente, cumpra o princípio do contraditório quanto aos factos complementares.

Logo, o tribunal a quo não podia levar aos factos provados e não provados elementos de prova, isto é, o teor dos dois contratos celebrados entre o aqui apelado (Réu) e a H., juntos aos autos a fls. 12 a 18, sequer que entre as obrigações emergentes desses dois contratos para a H. (mutuária) perante o apelado (mutuante) e que aquela incumpriu, e a inscrição, no registo, do direito de propriedade do apelante sobre o prédio objeto dos autos (prédio constituído pela fração S) decorreram cinco anos, uma vez que se trata de uma conclusão que há-de (ou não) ser extraída pelo tribunal face à facticidade que se quedar como provada sobre a data de vencimento de cada uma das obrigações de restituição de capital e juros que a H. incumpriu perante o mutuante (aqui Réu e apelado) e a data da inscrição, no registo, do direito de propriedade do apelante sobre esse prédio.

Ora, verificando-se que a facticidade atinente à inscrição, no registo, do direito de propriedade do apelante sobre aquele prédio consta do ponto 3º dos factos provados na sentença sob sindicância e que no ponto 5º dessa sentença se dá como provado que “Corre termos processo de execução fiscal n.º 0450199601002350, em que é exequente o Réu e Executada a H. , CRL, no qual se pretende o pagamento da quantia de 1.196.511,43 euros, relativo ao mútuo que originou as hipotecas referidas supra”, remetendo-se, neste ponto 5º para o doc. n.º 1, junto com a contestação – “cfr. doc. 1 (fls. 1 a 19), junto com a contestação” -, e verificando-se que do teor desse documento faz parte o requerimento executivo que o aqui Réu instaurou em 13/03/1996 contra a H. (fls. 102 a 105 dos autos – processo físico), em cujos arts. 6º a 9º desse requerimento executivo a aí exequente (aqui Réu e apelado) alega as datas de vencimento das obrigações incumpridas pela H. perante si, emergentes dos dois contratos de mútuo com hipoteca que com esta celebrou e, bem assim o valor em dívida em 05/02/1996, prefigura-se-nos que, diversamente do pretendido pelo apelante, não ocorre qualquer vício da insuficiência no julgamento de facto realizado pelo tribunal a quo, pelo que improcede este fundamento de recurso.

Passando ao pretenso erro de julgamento que o apelante assaca à matéria de facto julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 5º e 6º, impõe-se precisar que, nesses pontos, foi considerada como provada a seguinte facticidade:
5. Corre termos processo de execução fiscal n.º 0450199601002350, em que é Exequente o Réu e Executada a H. , CRL, no qual se pretende o pagamento da quantia de 1.196.511,43€, relativo ao mútuo que originou as hipotecas referidas supra – cfr. doc. 1 (fls. 1 a 19) junto com a contestação;
6. A referida execução foi declarada em falhas, nos termos do artigo 272º do C.P.P.T., sem prejuízo do artigo 274º do mesmo Código – cfr. fls. 357 da numeração SITAF.

Conforme é bom de ver, trata-se de matéria subtraída ao principio da livre apreciação da prova do tribunal, uma vez que a facticidade em referência apenas pode ser provada através de documento autêntico, mais concretamente, através de certidão extraída da execução intentada pelo aqui Réu (apelado) contra a H., em que ao juiz não assiste qualquer margem de subjetivismo, nada mais lhe restando que julgar como provados ou não provados os factos que extraia objetivamente do teor dessa certidão.

A certidão extraída das peças processuais relativa a essa execução, consubstancia documento autêntico, pelo que quando não seja arguida a sua falsidade, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 371º do CC, faz prova plena dos factos que refere como tendo sido praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora.

Logo, a ter ocorrido qualquer erro de julgamento da 1ª Instância ao ter julgado como provada a facticidade que se encontra vertida nos pontos 5º e 6º, esse erro de julgamento da matéria de facto reconduz-se a um erro de direito, decorrente do juiz ter violado regras de direito material, ao ter considerado provada facticidade que se mostra desconforme com o teor da certidão extraída daquele processo executivo, dos quais decorria que essa execução foi julgada extinta.

Assim sendo, remetendo o tribunal a quo, no que concerne à facticidade que julgou como provada nos enunciados pontos 5º e 6º da sentença recorrida, para o concreto documento autêntico de onde extraiu essa concreta facticidade que julgou como provada (a do ponto 5º, foi extraída do doc. 1 (fls. 1 a 19) junto com a contestação, enquanto a do ponto 6º, foi extraída de “fls. 357 da numeração SITAF”), e verificando-se que o apelante não invoca a falsidade de tais documentos, os mesmos, como dito, nos termos do art. 371º, n.º 1 do CC, fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivos, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora.

Por outro lado, verificando-se que o apelante não imputa a essa facticidade assim julgada provada pela 1ª Instância qualquer incongruência com aquela que resulta plenamente provada do teor daqueles documentos autênticos, não pondo, designadamente, em crise que, em função da prova documental extraída daquela execução, nela não foi proferido qualquer despacho ou sentença julgando extinta a execução, mas antes insurge-se contra o facto da 1ª Instância, no âmbito dos presentes autos de ação declarativa, não ter julgada extinta essa execução, em virtude da aí executada H. ter sido, entretanto, dissolvida e liquidada e, bem assim, do apelante não deter a qualidade jurídica de “executado” no âmbito dessa execução e de, consequentemente, na sua perspetiva, não poderem no âmbito dela serem penhorados bens que integram o seu património, nomeadamente, o prédio objeto da presente ação declarativa, bem como por essa execução se encontrar alegadamente parada há vários anos, fruto da falta de impulso processual do aí exequente (aqui Réu e apelado), impondo-se, na perspetiva do apelante, que o tribunal a quo tivesse, no âmbito da presente ação declarativa, julgador extinta aquela execução, por deserção, cumpre referir que a ser certa essa sua alegação e a impor-se efetivamente à 1ª Instância, no âmbito da presente ação declarativa, em sede de sentença recorrida, julgar extinta aquela execução com base num desses fundamentos aduzidos pelo apelante, tal reconduz-se a erro de direito, a apreciar nessa sede, em nada bulindo, com o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada provada nos enunciados pontos 5º e 6º, improcedendo igualmente este fundamento de recurso.

Resulta do exposto improcederem todos os erros de julgamento que o apelante assaca ao julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, pelo que a facticidade por esta julgada provada na sentença sob sindicância se mantém inalterada.

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B.2- Do direito.

O Apelante instaurou a presente ação pedindo a condenação do Réu a emitir certidão para efeitos de cancelamento, no registo, das hipotecas que oneram o prédio de que aquele é proprietário, por o ter adquirido por compra à cooperativa “H.”, por escritura pública de compra e venda outorgada em 19/09/1994, e constituídas pela “H.” a favor do Réu, antes da efetivação dessa compra e venda, para garantia do cumprimento das obrigações que aquela assumiu perante o último, emergentes dos dois contratos de mútuo que com ele celebrou.

Subsidiariamente e, em face da recusa do Réu em emitir tal certidão, o apelante pede que o tribunal declare a prescrição dessas hipotecas.

Como fundamento dessas suas pretensões (causa de pedir), o apelante alega que a vendedora H., na escritura de compra e venda que celebrou com o mesmo, mediante o qual lhe vendeu o prédio hipotecado, se obrigou a cancelar as mencionadas hipotecas e que, por isso, adquiriu aquele prédio à H. livre que quaisquer ónus e encargos.

Mais alega o instituto da usucapião que terá permitido ao apelante adquirir o direito de propriedade sobre o identificado prédio, livre de quaisquer ónus e encargos, ex novo, na sua esfera jurídica, por via dos alegados atos possessório que exerceu sobre o mesmo.

Também alega o pagamento pela H. do débito garantido pelas hipotecas que oneram esse prédio sua propriedade.

E, finalmente, alega a prescrição das hipotecas.

A 1ª Instância julgou improcedente a ação e quanto à prescrição fê-lo com dois argumentos, a saber: 1º- o Réu (apelado) instaurou uma execução fiscal contra a H., reclamando a cobrança coerciva da quantia de 1.196.511,43 euros, relativo ao mútuo que originou a hipoteca, e no âmbito dessa execução, o apelante foi notificado em 06/09/2004, da conversão da hipoteca em penhora, por falta de pagamento da executada e, inclusivamente, deduziu embargos de terceiro, que vieram a ser julgados improcedentes e essa execução encontra-se ainda pendente; e 2º - o processo de execução fiscal é um processo de natureza judicial, pelo que a notificação feita ao apelante no âmbito daquela execução fiscal teve a virtualidade de interromper o prazo prescricional da hipoteca, sendo esse ato equiparado à citação ou notificação judicial referidas no n.º 1 do art. 323º do CC, pelo que forçoso é concluir que a prescrição da hipoteca ainda não se verificou.

É contra o assim ponderado e decidido que se insurge o apelante, advogando não poder aceitar que “o tribunal a quo entenda que as questões relativas ao processo de execução fiscal não podem, nesta sede, ser apreciadas”; “não podendo igualmente aceitar que (se entenda que se o processo executivo) devia estar findo e não está, é em sede tributária” que essa questão tem de ser “suscitada, discutida e apreciada” quando “fácil e verosímil é de constatar que tal processo, se em sede de autoridade fiscal, não está findo, esse facto não pode nunca ser imputável ao requerente (apelante), muito menos prejudicar os seus legítimos direitos, mas tão só às partes, em concreto exequente e executada, este que há muito, repete-se, não detém personalidade judiciária, como bem sabe a A.T. e sobre o facto nada decidiu.

Insurge-se ainda o apelante contra a sentença recorrida, imputando-lhe erro de direito, quando nela o “tribunal a quo conclui que o processo de exceção fiscal é um processo de natureza fiscal (…) e que a notificação feita ao Autor no domínio da referida execução fiscal, teve a virtualidade de interromper a prescrição relativa à hipoteca, sendo ato equiparado à citação ou notificação judicial referidas no n.º 1 do art. 323º do CC”, acusando aquele tribunal de ter desconsiderado que o mesmo “não foi, nem era sujeito passivo na execução e a mesma não foi movida contra a sua pessoa, mas contra a pessoa da entidade que lhe vendeu o bem onerado e que agora inexiste, porque sem personalidade judiciária”.

Funda, assim, o apelante o pretenso erro de direito que imputa à decisão de mérito proferida na sentença recorrida, ao julgar interrompido o prazo prescricional das hipotecas e ao, consequentemente, julgar improcedente a ação, no facto da 1ª Instância não ter julgado extinta a instância da execução fiscal instaurada pela aqui Ré contra a H., no âmbito da presente ação declarativa, bem como no facto de, diversamente do considerado nessa sentença, se ter desconsiderado que o mesmo não detém a qualidade de executado na ação executiva instaurada pelo aqui Réu contra a H., pelo que a notificação que lhe foi feita, no âmbito dessa execução, nunca poderia, na sua perspetiva, operar a interrupção do prazo prescricional das hipotecas que oneram o seu prédio.

Vejamos se lhe assiste razão.
Começando pelo núcleo de fundamentos invocados pelo apelante, os quais, na sua perspetiva, impunham que, no âmbito da sentença recorrida, a 1ª Instância tivesse julgado extinta a execução fiscal instaurada em 13/03/1996 pelo aqui Réu e apelado contra a H., visando a cobrança coerciva do montante correspondente às prestações de capital e juros vencidas e não pagas, que a última se obrigou a pagar ao Réu, aí exequente, no âmbito dos dois contratos de mútuo com hipoteca que celebraram, encontrando-se o cumprimento de tais prestações garantido pelas duas hipotecas constituídas pela H. sobre o prédio que vendeu em 19/09/1994 ao apelante (cfr. pontos 1º, 2º, 4ºe 5º dos factos apurados na sentença), cumpre referir que a 1ª Instância nunca podia julgar extinta aquela execução no âmbito da presente ação declarativa pela simples razão de que está perante um processo distinto.

Aliás, tendo no âmbito dessa execução fiscal o apelante sido notificado em 06/09/2004, da conversão das hipotecas em penhora que oneram o prédio de que é proprietário e objeto dos presentes autos, cumpria-lhe, nos termos do disposto nos arts. 342º e 344º, n.º 1 do CPC, no prazo de 30 dias sobre essa notificação deduzir embargos de terceiros, alegando o fundamento que agora invoca segundo o qual, não detendo o mesmo no âmbito dessa execução, a qualidade jurídico-processual de executado, mas antes sendo terceiro de boa fé, estava vedado ao aí exequente penhorar bens que integram o seu património, sob pena de não o fazendo (como foi o caso), precludir o seu direito de suscitar posteriormente essa questão.

Destarte, sem prejuízo dessa questão ter de ser suscitada pelo apelante no âmbito dos autos de execução fiscal, onde a mesma tinha de ser aí apreciada e decidida, não tendo essa questão sido suscitada pelo apelante no âmbito daquela execução, encontra-se precludido o seu direito de agora a poder suscitar.

No que respeita ao fundamento de que a H. foi dissolvida e liquidada no decurso daquela ação executiva instaurada contra a mesma pelo aqui Réu e apelado, o que levou à extinção da personalidade jurídica e judiciária da mesma, facto esse que, na perspetiva do apelante, gera a extinção da execução e, bem assim o facto de alegadamente ser terceiro de boa fé e de no decurso dessa execução ter visto a penhora (resultante da conversão das hipotecas em penhora) que incidia sobre o prédio que comprou à aí executada em 19/09/1994, declarada extinta, por pretensa caducidade dessa penhora, assim como quanto à questão de que essa execução se encontra sem impulso processual do aí exequente (aqui Réu e apelado) à já vários anos, o que, na sua perspetiva, é fundamento de extinção dessa execução, por deserção, cumpre referir que porque todas essas questões respeitam unicamente à relação jurídica material controvertida a que se reporta a mencionada execução fiscal, as mesmas nunca poderão ser suscitadas, apreciadas e decididas no âmbito da presente ação declarativa, mas, tal como decidido pela 1ª Instância, apenas poderão ser suscitadas pelo apelante no âmbito daquela execução fiscal, onde, após observância do princípio do contraditório, terão de aí ser decididas.

Destarte, contrariamente ao pretendido pelo apelante, todas essas questões que alegadamente constituirão fundamento da extinção da ação executiva fiscal intentada pelo aqui Réu contra a H., porque respeitam, única e exclusivamente à relação material convertida em discussão nessa ação executiva, consubstanciando alegadamente factos extintivos dessa execução e, portanto, matéria de exceção, tal como decidido pela 1ª Instância, não podem ser por ele suscitadas, sequer apreciadas e decididas no âmbito da presente ação declarativa, sob pena de violação dos princípios estruturantes do processo civil do dispositivo e do contraditório e da consideração de que a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação (cfr. art. 2º, n.º 2 do CPC).

Destarte, ao decidir que as questões suscitadas pelo apelante no âmbito da presente ação declarativa relativas ao processo de execução fiscal “não podem, nesta sede ser apreciadas”, posto que “se o processo devia estar findo e não está, é em sede tributária que tem que ser suscitado, discutido e apreciado”, sendo que no âmbito da presente ação declarativa “interessa apenas o estado em que aquele processo (executivo), neste momento, se encontra”, a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que o apelante lhe imputa.
Improcede este fundamento de recurso.

Passando ao segundo e último fundamento de recurso deduzido, sustenta o apelante que ao julgar improcedente a presente ação declarativa, por ter considerado que o prazo prescricional das hipotecas que oneram o prédio de que é proprietário desde 19/09/1994, por o ter comprado à executada H., foi interrompido com a notificação do mesmo em 06/09/2004, no âmbito da execução intentada pelo aqui Réu contra a H., da conversão das hipotecas que oneram esse prédio em penhora, não se encontrando, por isso, o prazo prescricional de tais hipotecas decorrido, a 1ª Instância incorreu em erro de direito, uma vez que, na sua perspetiva, desconsidera que aquele não detém a qualidade jurídico-processual de executado no âmbito dessa ação executiva, pelo que a notificação que lhe foi feita no âmbito dessa execução não tem a virtualidade de interromper esse prazo prescricional das hipotecas que oneram esse prédio, mas, antecipe-se desde já, sem manifesta razão.

Vejamos:
A hipoteca consubstancia uma garantia especial que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certas coisas imóveis ou a elas equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiros (art. 686º, n.º 1 do CC) Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 6ª ed., Almedina, pág. 543..
Trata-se de uma garantia que se caracteriza pela natureza dos bens sobre que incide, na medida em que apenas pode incidir sobre coisas imóveis (prédios rústicos, urbanos ou quota ideal de prédios) ou a elas equiparadas, como é o caso de bens móveis sujeitos a registo (veículos automóveis, navios ou aeronaves).

Embora seja, como as restantes garantias, pessoais ou reais, uma garantia que se caracteriza pela acessoriedade em relação ao crédito que garante, na medida em que só existe a garantia conferida pela hipoteca em função da existência e subsistência da obrigação cujo cumprimento assegura, não podendo, portanto, a hipoteca constituir-se ou subsistir sem que a obrigação que garante exista e subsista, tal facto não impede que a hipoteca possa garantir uma obrigação futura ou condicional (n.º 2 do art. 686º do CC).

Com efeito, embora quando a hipoteca garanta obrigações futuras “não tenha a sua base em qualquer relação jurídica atual, em cuja vida a obrigação possa nascer, as necessidades práticas recomendam solução idêntica à da hipótese considerada. Essas necessidades têm-se feito sentir principalmente no caso de abertura de crédito, no qual o banco se obriga a emprestar dinheiro ao seu cliente até determinado limite, e em que a hipótese deve valer como tal desde o registo, para que o banco não venha a encontrar-se na situação de dever emprestar o dinheiro numa época em que o cliente já onerou os seus bens ou os alienou. Quando o banco se compromete a emprestar, ainda poderá talvez dizer-se que o crédito não é absolutamente futuro ou eventual, se bem que isso seja discutível; mas, se não há sequer aquele compromisso, a natureza puramente futura do crédito é indubitável e, todavia, a prática tem sentido a necessidade de adotar sempre a mesma solução de atribuir à hipoteca o grau que resultar da data do seu registo. Daí não provêm qualquer inconveniente, uma vez que terceiros são advertidos pelo registo da existência da hipoteca e esta fica dependente do nascimento do crédito. Com isto, não se nega o caráter acessório da hipoteca, visto que esta sempre será justificada por um crédito, embora não atual: apenas se acomoda a acessoriedade às necessidades da vida. E, se estas acaso exigissem o seu abandono, assim teria de se fazer. Por conseguinte, quando as partes tenham interesse em criar uma hipoteca para uma obrigação futura, de modo que o grau da hipoteca se conte do momento em que é registadas, não há motivo para impedir que isso se faça” Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 704 e 705, parafraseando Vaz Serra..

Quanto à sua fonte, as hipotecas podem ser legais, judiciais ou voluntárias (art. 703º do CC).

São legais as hipotecas que resultam imediatamente da lei, sem dependência da vontade das partes, e podem constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança (art. 704º do CC).
Na hipoteca legal a fonte ou fundamento da hipoteca é a lei, pelo que à sua constituição é necessário a existência de uma relação creditícia, de uma lei que permita ao credor constituir essa garantia, e o registo, em que este é o ato constitutivo da hipoteca legal.

Nas hipotecas legais, “o ato de registo é que constitui o berço de garantia, porque a hipoteca não tem existência jurídica antes do registo, no qual se especificam os bens onerados e se fixa a identidade, especialmente o montante, do credito assegurado” Antunes Varela, ob. cit., pág. 551.
No mesmo sentido Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 726.

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Destarte, à constituição de uma hipoteca legal é necessário que: a) exista uma relação creditícia; b) que exista uma previsão legal que permita ao credor registar a garantir; e c) que exista um ato
positivo do credor, no sentido de promover o registo da hipoteca. O direito de hipoteca legal pode, assim, ser constituído a partir do momento em que exista a obrigação e sem dependência da vontade do titular da coisa hipoteca (daí o qualificativo de “hipoteca legal”), em que o registo é o facto constitutivo da hipoteca, sendo que a razão de ser da atribuição deste direito a certos credores assenta ora na qualidade do credor ou na sua posição face ao devedor, ora na natureza da dívida, em que fundamentalmente o intuito é de assegurar a certos credores a possibilidade de constituição do direito sem o concurso da vontade do devedor, a qual, atento o tipo de relações implicadas (pagamento de contribuições, administração de bens de incapazes, necessidade de alimentos, dívidas de tornas na partilha da herança e legados – cfr. art. 705º do CC), dificilmente poderia ser obtida
Abílio Neto, “Código Civil Anotado”, 20ª ed., abril/2008, Ediforum, pág. 737, anotação ao art. 704º..

Por sua vez, são hipotecas judiciais aquelas que em que o titulo constitutivo é a sentença, entendida em sentido genérico ou amplo (abrangendo tal conceito quer a sentença de tribunal singular, coletivo, acórdão da Relação ou do Supremo, quer o despacho saneador), proferida por tribunal cível, criminal ou administrativo que condene o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível (art. 710º do CC), em que o registo da hipoteca não é título constitutivo desta, mas apenas requisito de eficácia da garantia em relação às partes e a terceiros (art. 687º do CC) Antunes Varela, ob. cit., pág. 551..

Finalmente, são voluntárias as hipotecas que nascem do contrato celebrado entre devedor e credor ou de declaração unilateral do devedor (art. 712º do CC), em que se prescinde da vontade do credor, porquanto a constituição da hipoteca pelo devedor para garantia do crédito daquele só favorece os interesses do credor.

Logo, enquanto nas hipotecas voluntárias, a constituição da hipoteca depende da vontade de credor e de devedor, ou apenas da vontade do devedor, as hipotecas legais e judiciais constituem-se independentemente dessa vontade.

No entanto, enquanto nas hipotecas voluntárias e judiciais, o título constitutivo da hipoteca é, respetivamente, o contrato ou a declaração unilateral ou a sentença, em que o registo da hipoteca não passa de requisito de eficácia daquela, nas hipotecas legais o registo é que é o título constitutivo da hipoteca, não tendo esta existência jurídica enquanto não for registada.

A hipoteca é, portanto, uma garantia real que incide sobre bens imóveis ou equiparados e que se destina a assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelo devedor perante o credor.

Trata-se de uma garantia real que é acessória do crédito garantido, na medida em que a garantia que confere apenas existe e subsiste na estrita medida em que exista e subsista a obrigação garantida, sem prejuízo, conforme enunciado, da hipoteca poder garantir obrigações futuras ou condicionais.

Essa garantia real onera, em regra, bens imóveis ou equiparados do próprio do devedor, mas pode onerar bens imóveis ou equiparados de terceiros.

A hipoteca consubstancia um direito real de garantia, pelo que a sua constituição não acarreta o desapossamento do direito dado de garantia, sendo um direito real de gozo acessório. Como tal, a hipoteca que onera o bem é oponível não só ao devedor ou ao terceiro que a constituiu, mas também a quaisquer terceiros, incluindo àquele que posteriormente adquiriu o bem onerado com essa garantia real Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5ª ed., Almedina, pág. 713..

Deste modo, por via da natureza de garantia real conferida por hipoteca, o proprietário do bem onerado pela última, seja o devedor ou terceiro, não fica impedido de vender o direito real de que seja titular sobre o bem hipotecado, sequer de os hipotecar de novo (art. 713º do CC), sendo, aliás, nula a convenção que proíba o dono de alienar ou onerar os bens hipotecados, embora seja lícito convencionar que o crédito hipotecário se vencerá logo que esses bens sejam alienados ou onerados (art. 695º do CC), mas em caso de transmissão do bem hipotecado a terceiro, essa transmissão opera-se com a hipoteca, isto é, o direito, mormente, o direito de propriedade sobre o bem hipotecado transmite-se para o adquirente onerado com essa garantia real (a hipoteca), onde o credor hipotecário poderá em caso de incumprimento das obrigações assumidas pelo devedor hipotecário e garantidas por esta, executar o bem hipotecado, convertendo a hipoteca em penhora.

Precise-se que quando a hipoteca incida sobre bens de terceiro porque assim já foi constituída, ou porque, embora tenha sido constituída sobre bens do devedor, mas este os tenha posteriormente alienado, nos casos em que essa alienação ocorra em data anterior à propositura da ação executiva e o credor hipotecário pretenda fazer valer-se da garantia, o credor hipotecário que pretenda tornar efetivo do direito em relação aos bens hipotecados tem de instaurar a execução contra o terceiro, então proprietário do bem onerada com a hipoteca, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor, situação em que se estabelece uma situação de litisconsórcio voluntário entre o devedor hipotecário e o terceiro, proprietário do bem hipotecado à data da instauração da execução (n.º 2 do art. 54º do CPC). Esta solução legislativa configura, aliás, um desvio ao princípio geral da legitimidade ativa e passiva para a execução, fixado no art. 53º, n.º 1 do mesmo Código, nos termos do qual a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
No entanto, nos casos em que o bem hipotecado é transmitido pelo devedor hipotecário, contra quem foi instaurada a execução pelo credor, por ato inter vivos ou mortis causa, durante a pendência da execução, o exequente (credor hipotecário), caso pretenda executar os bens hipotecados na esfera jurídica do terceiro adquirente, poderá promover que a execução passe a correr contra o terceiro, devendo para o efeito habilitá-lo para a execução, mediante o competente incidente de habilitação Lebre de Freitas, “A Ação Executiva à Luz do Código Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, págs. 145 a 146; Antunes Varela, ob. cit., pág. 545;
No mesmo sentido, a título exemplificativo, Ac. RG. de 21/05/2013, Proc. 1626/11.2TBFAF-A.G1, in base de dados da DGSI.

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Posto isto, o processo de execução fiscal, como bem salienta a 1ª Instância, nos termos do n.º 1 do art. 103º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL. n.º 398/98, de 17/12, e sucessivas alterações, tem natureza judicial.

No caso dos autos, o prédio comprado pelo apelante à H., por escritura de compra e venda outorgada em 19/09/1994, encontrava-se, à data dessa compra e venda, onerado com duas hipotecas constituídas pela vendedora H. a favor do aqui Réu (então Instituto Nacional de Habitação), para garantia das obrigações que assumira perante o último, emergentes dos dois contratos de mútuo que entre eles celebraram (cfr. pontos 1º, 2º e 4º dos factos apurados).

Destarte, conforme flui do que acima se expôs, em 19/09/1994, a propriedade desse prédio transmitiu-se da H. para o apelante onerado com essas duas hipotecas, as quais configuram garantias reais.

Deste modo, independentemente da questão de se saber se pretendendo o beneficiário dessas duas garantias reais, conferidas pelas duas hipotecas (o Réu e apelado), prevalecer-se destas, se este tinha ou não de instaurar a execução fiscal identificada no ponto 5º dos factos apurados, que intentou unicamente contra a H., também contra o aqui apelante, proprietário, à data da instauração dessa execução do prédio onerado com as hipotecas de que esse exequente era beneficiário, questão essa que porque contende com a exceção dilatória da (i)legitimidade passiva do aqui apelante para a dita execução fiscal, tinha de ser por ele suscitada em sede dessa execução fiscal nos termos já supra mencionados - isto é, nos autos de embargos de terceiro que deduziu, na sequência da conversão das hipotecas em penhora -, sob pena de preclusão, não podendo essa questão nunca ser suscitada, apreciada e decidida no âmbito da presente ação declarativa, resta verificar se a sentença recorrida, ao ter julgado interrompido o prazo prescricional das hipotecas e, consequentemente, ao julgar improcedente a presente ação, padece do erro de direito que o apelante lhe imputa.

Neste âmbito, tendo presente que o direito de propriedade sobre o prédio hipotecado se transmitiu em 19/09/1994, da H. (devedora hipotecária) para o apelante (comprador), onerado pela garantia real conferida pelas duas hipotecas de que é beneficiário o aqui Réu, em cujo património este pode executar essas garantias, impõe-se precisar que o art. 730º, al. b) do CC, com o intuito de proteger o terceiro adquirente do bem hipoteca, estabelece um prazo prescricional da hipoteca, a favor do terceiro adquirente do prédio hipotecado, ao estatuir que esta se extingue, por prescrição, decorridos que sejam vinte anos sobre o registo da aquisição do bem hipotecado a favor do terceiro e cinco anos sobre o vencimento da obrigação garantida.

Neste caso, a prescrição, em vez de incidir sobre a obrigação principal, atinge diretamente a hipoteca.

A prescrição da hipoteca, conforme se extrai do mencionado art. 730º, al. b) está dependente da verificação de dois prazos cumulativos: a) o prazo de vinte anos a contar do registo da aquisição do prédio hipotecado a favor do terceiro adquirente, e b) o prazo de cinco anos a partir do vencimento da obrigação garantida pela hipoteca. Apenas o decurso de ambos esses prazos sem que o credor hipotecário exerça o seu direito, executando o bem onerado com a hipoteca, determina a prescrição desta, pelo que enquanto não tiverem decorrido, conjuntamente, os dois prazos, a hipoteca persiste, sendo, por isso, irrelevante o decurso de qualquer deles, de per si, para efeitos de prescrição da hipoteca Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 763; Antunes Varela, ob. cit., pág. 563..

Neste sentido escreve Antunes Varela que a fixação do mencionado prazo prescricional da hipoteca tem como fundamento a necessidade de se “proteger a situação do terceiro adquirente do prédio hipotecado, quando a garantia não seja exercida para além de certo período de tempo. Esse período, para acautelar em termos razoáveis o direito do credor e para justificar a tutela excecional do aquirente do imóvel onerado, define-se por uma dupla coordenada temporal. Para que esta espécie de favor libertatis funcione em favor do terceiro adquirente, é efetivamente necessário que tenham decorrido, por um lado, vinte anos sobre o registo da aquisição e, por outro, cinco sobre o vencimento da obrigação. (…) apesar de a lei designar expressamente como prescrição e não como caducidade, com pleno conhecimento dos aspetos que distinguem o regime de uma e outra (art. 298º), revela em termos iniludíveis que devem aplicar-se à prescrição da hipoteca as regras específicas da prescrição em geral (notadamente as causas de suspensão e de interrupção deste processo extintivo da relação jurídica)” Antunes Varela, ob. cit., pág. 563.
No mesmo sentido Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 751, onde propugnam: “Trata-se, porém, de um prazo de prescrição, nos termos expressos da lei, embora sempre nos tivesse parecido (Pires de Lima) mais rigoroso considera-lo de caducidade. As disposições aplicáveis são, assim, as dos artigos 300º e seguintes, incluindo as relativas à suspensão e interrupção da prescrição”.

No mesmo sentido, Acs. STA de 14/02/2016, Proc. 0193/14; RL de 27/09/2011, Proc. 6534/09.4TBVFX.L1-1, in base de dados da DGSI..


Destarte, resulta do que se vem dizendo que para que as duas hipotecas constituídas pela H. a favor do aqui Réu, sobre o prédio vendido pela primeira ao apelante, em 19/09/1994, para garantia das obrigações assumidas pela primeira perante a última, emergentes dos dois contratos de mútuo que celebraram, se extingam, por prescrição, é necessário que entre a data da inscrição, no registo, da aquisição do direito de propriedade sobre esse prédio a favor do apelante e o momento em que o Réu e apelado (credor hipotecário) exerçam essa garantia, intentando a competente execução para cobrança das obrigações assumidas pelo devedor hipotecário (a H.), vencidas e não pagas pelo devedor hipotecário (a H.) e convertendo, nessa execução, as hipotecas em penhora, tenham decorrido pelo menos vinte anos no momento de conversão, e cinco anos sobre o vencimento da obrigação ou obrigações interrompidas, sem prejuízo desse prazo se encontrar sujeito às causas interruptivas e suspensivas enunciadas, respetivamente, nos arts. 323º e 318º do CC.

No que tange à interrupção do prazo prescricional, nos termos do n.º 1 do art. 323º, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer prazo que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

Por sua vez, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, a menos quando a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, caso em que o novo prazo prescricional não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão, que puser termos ao processo (arts. 326º, n.º 1 e 327º, n.º 1 do CC).

Posto isto, no caso dos autos, o aqui apelado (Réu) instaurou execução fiscal contra a H., visando a cobrança coerciva da quantia de 1.196.511,43 euros, relativa ao mútuo que originou as hipotecas que oneram o prédio propriedade do apelante, por compra que dele fez em 19/09/2014, à H. (cfr. pontos 1º, 2º e 5º dos factos apurados).

No âmbito dessa execução fiscal, procedeu-se à conversão dessas hipotecas em penhora, tendo o apelante sido notificado dessa conversão em 06/09/2004 (cfr. ponto 7º dos factos apurados).

Mediante essa notificação judicial ocorrida em 06/09/2004, o apelante teve conhecimento que o credor hipotecário (o Réu e apelado) exerceu a garantia real de que era beneficiário no âmbito daquela execução que instaurou contra a devedora hipotecária (a H.), e que lhe confere o direito de se pagar do crédito de que fosse titular perante a H. emergentes dos contratos de mútuo celebrados, que se vencessem e que esta não liquidasse, pelo produto da venda desse prédio, até ao limite da hipoteca, com preferência sobre os demais credores da H., pelo que em 06/09/2004, nos termos do n.º 1 do art. 323º do CC, interrompeu-se o prazo da prescrição da hipoteca a que alude o art. 730º, al. b) do CC.

Os créditos de que o apelado (aqui Réu e exequente na execução fiscal) é titular perante a H. em consequência das obrigações contratuais que esta assumiu perante aquele no âmbito dos dois contratos de mútuo que celebraram e que se encontram garantidas pelas hipotecas constituídas sobre o prédio propriedade do apelante, venceram-se, respetivamente, em 29/02/1991 e 19/08/1992 (cfr. art. 6º do requerimento executivo junto aos autos a fls. 31 a 35), pelo que é apodítico que em 06/09/2004, data em que se interrompeu o prazo da prescrição das hipotecas, já se encontravam decorridos mais de cinco anos sobre a data de vencimento desses créditos.

Acontece que o direito de propriedade do apelante sobre o prédio onerado pelas mencionadas hipotecas apenas foi inscrito, no registo, em 28/09/1994 (cfr. ponto 3º dos factos apurados), pelo que entre esta data e o dia 06/09/2004, momento em que se interrompeu o prazo prescricional das hipotecas, estavam decorridos escassos dez anos, quando era necessário o decurso entre esses dois momentos temporais do prazo de vinte anos (al. b) do art. 730º do CC) para que operasse a extinção, por prescrição, das mencionadas hipotecas que oneram o prédio propriedade do apelante.

Aqui chegados, tal como decidido pela 1ª Instância, em 06/09/2004, interrompeu-se validamente o prazo prescricional das hipotecas, altura em que ainda não estavam decorridos vinte anos sobre a data da inscrição do direito de propriedade pelo apelante sobre o prédio hipotecado, pelo que as hipotecas de que é beneficiário o Réu (apelado) não se extinguiram, por prescrição.

De resto, encontrando-se apurado que a execução fiscal intentada pelo apelado contra a executada H., em que se procedeu à conversão das hipotecas em penhora, ainda se encontra pendente (cfr. ponto 5º dos factos apurados, o que, aliás, é aceite pelo próprio apelante, que apenas sustenta que tal acontece indevidamente, por culpa exclusiva da AT, facto esse que, conforme referiu, não pode aqui ser sindicado e apreciado, tendo de ser por ele suscitado no âmbito daquela execução fiscal), conforme bem salienta o apelado, nos termos do disposto nos arts. 326º, n.º 1 e 327º, n.º 1 do CC, o novo prazo prescricional das hipotecas a que alude o art. 730º do mesmo Código (vinte anos sobre a data do registo da aquisição do prédio pelo apelante, e cinco anos sobre o vencimento da obrigação), nem sequer ainda se reiniciou.

Destarte, resulta do que se vem dizendo que ao julgar interrompido o prazo prescricional das hipotecas em 06/09/2004, e improcedente a prescrição das hipotecas que oneram o prédio propriedade do apelante, com a consequente improcedência da ação, a sentença recorrida não padece de nenhum dos erros de direito que o apelante lhe imputa.

Deste modo, na improcedência de todos os fundamentos de recurso aduzidos pelo apelante, impõe-se julgar totalmente improcedente a presente apelação e confirmar a sentença recorrida.

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IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, e confirmam a decisão recorrida.

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Custas pelo Apelante, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 07 de maio de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Isabel Jovita, em substituição
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i) Ac. STJ. de 9/10/2003, Proc. 03B1816, in base de dados da DGSI.

ii) Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, págs. 70 a 73.

iii) Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro de 2014, Ediforum, págs. 24 a 25, nota 4 ao art. 5º;

iv) Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 70 a 73, onde, a fls. 71, escreve: “numa ação de reivindicação baseada na usucapião (cfr. art. 1287º do CC), o tempo necessário à constituição desse título de aquisição constitui um facto essencial, a boa fé do possuidor (cfr., v.g. art. 1294º, al. a), CC) é um facto complementar e são factos instrumentais aquele através dos quais de pode demonstrar aquele lapso de tempo e esta posse de boa fé”.

No mesmo sentido, Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 76 a 78, onde se lê que são principais “todos os que integram o Tatbestand (previsão normativa), ou seja, os factos essenciais (substanciadores) da causa de pedir e aqueles em que se baseiam as invocadas exceções (art. 5º, n.º 1). “Factos complementares são os que consubstanciam aditamentos ou acrescentos quando estão em causa tipos legais integrados por uma pluralidade de pressupostos de facto (tipos legais complexos (…) e que e limitam a complementar a relação material controvertida. (…) “Factos complementares” serão aqueles que, na economia de um fattispecie normativa complexa, desempenham claramente uma função secundária ou acessória relativamente ao núcleo essencial da causa de pedir ou da defesa – numa ação de anulação fundada em erro sobre os motivos (art. 252º, n.º 1 do CC), a alegação do acordo sobre a essencialidade do erro é um mero facto complementar; numa ação de indemnização fundada em acidente de viação, os factos tradutores dos pressupostos de direito “direção efetiva” do veículo ou a sua “utilização por intermédio de comissário (art. 503º, n.º 1 do CC), são meramente complementares; numa impugnação pauliana, é possível sustentar que é essencial (nuclear) o facto relativo à alienação geradora da diminuição da garantia patrimonial, sendo “essenciais complementares” os factos respeitantes à natureza não pessoal do ato, à data da constituição do crédito, à impossibilidade de obter satisfação do crédito (ou seu agravamento) e à má fé dos intervenientes (em caso de alienação onerosa) – só pode dizer-se que um facto tem uma função de complementarização ou de concretização quando se estabelece uma relação entre eles e outros factos; não factos concretizadores ou complementares em abstrato”.

v) Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 6ª ed., Almedina, pág. 543.

Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 704 e 705, parafraseando Vaz Serra.

Antunes Varela, ob. cit., pág. 551.

No mesmo sentido Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 726.

vi) Abílio Neto, “Código Civil Anotado”, 20ª ed., abril/2008, Ediforum, pág. 737, anotação ao art. 704º.

vii) Antunes Varela, ob. cit., pág. 551.

viii) Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5ª ed., Almedina, pág. 713.

ix) Lebre de Freitas, “A Ação Executiva à Luz do Código Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, págs. 145 a 146; Antunes Varela, ob. cit., pág. 545;

x) No mesmo sentido, a título exemplificativo, Ac. RG. de 21/05/2013, Proc. 1626/11.2TBFAF-A.G1, in base de dados da DGSI.