Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02098/11.7BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 10/06/2022 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Rosário Pais |
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Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE DAÇÃO EM CUMPRIMENTO; PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL; LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE SISA. |
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Sumário: | I – Consciente da dimensão do problema das procurações irrevogáveis relativas a imóveis como fonte de evasão fiscal em sede da antiga Sisa, o legislador do Código do IMT integrou nas suas normas de incidência este tipo de operações. II – Contudo, a operação de promessa de Dação em Pagamento acompanhada de procuração irrevogável a favor do credor não está contemplada nas normas de incidência do Código da Sisa, sendo certo ainda que a procuração irrevogável passada pela promitente dadora não a impedia de dispor dos imóveis como muito bem entendesse, sem prejuízo da responsabilidade civil que lhe coubesse. III - Para que se pudesse considerar que, afinal, o contrato-promessa era já o contrato prometido, sempre tinha que resultar provado que, com a sua celebração, se extinguira dívida da devedora para com a Recorrente. IV - O facto de o Banco Recorrido ter autorizado a promitente dadora a celebrar contratos promessa de compra e venda, com as inerentes reduções do contrato-promessa de Dação e sua alteração para contrato de regularização de créditos, evidencia que o crédito do Recorrente não estava extinto e que o contrato promessa de Dação em Pagamento com procuração irrevogável não produziu logo os efeitos do contrato prometido. V - Se a AT considerasse que o negócio declarado não era genuíno e foi realizado com o intuito de obter vantagens fiscais, nos termos do artigo 38º, nº 1, da LGT e procedesse à tributação de acordo com as normas aplicáveis ao negócio que corresponde à realidade ou substância económica, tal conduta não deixaria de ser ilegítima por inobservância do formalismo imposto pelo artigo 63º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. |
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Recorrente: | Fazenda Pública |
Recorrido 1: | Banco AA |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015] |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Foi emitido parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. O Exm.º Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida em 30.06.2020 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgada procedente a impugnação deduzida por Banco AA, contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico deduzido na sequência do indeferimento da reclamação graciosa intentada contra a liquidação adicional de Imposto Municipal de SISA, no montante de €428.973,55. 1.2.A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: « (…) A. O presente recurso é interposto da douta sentença que julgou procedente, com fundamento em erro nos pressupostos de facto da tributação, a impugnação apresentada contra a liquidação de SISA, no montante de € 428.973,55. B. Com o assim doutamente decidido, e com todo o respeito que o Tribunal a quo nos merece, que é sempre muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se, pelas motivações que a seguir passaremos a expor. C. Em 26/12/1997, foi celebrado um contrato-promessa de dação em pagamento, nos termos do qual a sociedade AA promete dar em pagamento ao B... SA, entretanto, incorporado pelo Banco AA (doravante apenas Impugnante/Recorrida) determinados lotes de terreno para construção. D. Nessa mesma data, a AA emitiu uma procuração irrevogável a favor da Impugnante, sobre os mesmos imóveis. E. Sustentava a Impugnante que nem o contrato-promessa de dação em pagamento, nem a procuração irrevogável seriam sujeitos a SISA, traduzindo a tributação da operação uma interpretação analógica do art. 2.º n.º 2 e 8.º n.º 7.º do CIMSISSD, o que a lei não permite. F. Acolhendo essa alegação, considerou o Tribunal a quo que, respeitando o art. 8.º n.º 7º do CIMSISSD a uma norma de incidência real, não pode haver recurso a analogia, por proibida, G. Nem será admissível uma interpretação extensiva daquela norma, por forma a considerar que a mesma preveja o contrato-promessa de dação em pagamento. H. Entende, contudo, a Fazenda Pública, que não houve recurso à interpretação analógica ou extensiva da referida norma, para proceder à tributação da operação aqui em causa. SENÃO VEJAMOS, I. No caso em apreço, a AT tributou a operação - formalmente configurada pelas partes com um contrato-promessa de dação em pagamento, com emissão simultânea de uma procuração irrevogável – com um autêntico CONTRATO DE DAÇÃO EM PAGAMENTO (previsto no art. 8º n.º 7º do CIMSISSD). Desde logo porque, J. Em sede de direito tributário, não pode deixar de se atender, com vista a evitar formas negociais abusivas, por meras razões de economia fiscal, à substância económica dos factos tributários, em detrimento da forma negocial atribuída pelas partes – decorrência do princípio da substância sob a forma, consagrado nas normas contabilísticas (Plano Oficial de Contabilidade). ORA, K. No caso dos autos, entende a Fazenda Pública que o contrato celebrado entre as partes, ainda que denominado de “contrato-promessa de dação”, se enquadra num verdadeiro contrato de dação em pagamento. L. Equivalendo, em termos económicos, a promessa de dação, acompanhada de procuração irrevogável, à entrega do bem em pagamento, i.e. à realização da prestação. M. Isto porque a Impugnante, através do mandato que lhe foi conferido, passou a deter os poderes sobre os referidos imóveis, retirando da disponibilidade da AA, os direitos de uso, fruição e disposição, que constituem o conteúdo útil do direito de propriedade, N. Tendo, para o efeito, a AA relevado contabilisticamente a operação de dação em pagamento, como resulta do relatório de inspeção. O. Através dos subsequentes aditamentos, foi a própria Impugnante que autorizou a AA, uma vez que esta não dispunha de autonomia para tal, a prometer vender e a receber o sinal de início de pagamento, bem como os restantes reforços de sinal e pagamento, resultantes da promessa de compra e venda. P. Verificou-se assim uma tradição, não no sentido de uma entrega real e efetiva dos imóveis, mas sim através do poder concedido à Impugnante, de concretizar essa posse, que se veio a materializar na autorização que teve que conceder para que a AA pudesse prometer vender os ditos imóveis. POR TODO O EXPOSTO, Q. Com todo o respeito que a decisão proferida nos merece, entende a Fazenda Pública que a sentença do Tribunal a quo incorre em manifesto erro de julgamento da matéria de facto, por errónea valoração da prova, que conduziu a um erro na aplicação do direito, devendo em consequência ser julgada improcedente a impugnação apresentada. REQUER-SE AINDA R. A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida na conta de custas final, nos termos do art. 6º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), uma vez que se encontram preenchidas as condições previstas no n.º 7 do art. 6.º do RCP, para a dispensa do remanescente da taxa de justiça: não se verificou especial complexidade; não houve incidentes processuais; nem má conduta processual das partes. Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira e sã Justiça. Mais se Requer a DISPENSA DE PAGAMENTO DO REMANESCENTE da taxa de justiça devida na conta de custas final, nos termos do art. 6º n.º 7 do RCP.». 1.3. A Recorrida apresentou contra-alegações que concluiu nos termos seguintes: «(…) (a) O contrato-promessa de dação em pagamento não pode, nos termos da lei - quer face ao elemento literal, quer atendendo ao seu espírito - ser enquadrado como facto gerador de Sisa, pois esse efeito está, nos termos da lei, limitado aos contratos-promessa de compra e venda ou troca, que consubstanciam figuras substancialmente distintas, aos mais diversos níveis, da dação em pagamento; (b) Das normas de incidência da Sisa, designadamente do artigo 2.º, resulta que o imposto incidia sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, referindo-se ainda às promessas de compra e venda ou troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes; (c) O legislador da Sisa integrou no conceito de transmissão de bens ou propriedade imobiliárias diversos atos ou negócios jurídicos em que entendeu que, mesmo não operando a transmissão do direito de propriedade ou de outras figuras parcelares desse direito, produziriam um efeito equiparado, para efeitos de incidência, aos negócios jurídicos que produzissem esse efeito; (d) Embora decorresse do número 7.º do artigo 8.º do CIMSISSD que a dação em pagamento consubstanciava uma operação sujeita a Sisa, tal não sucedia com o contrato-promessa de dação em pagamento, que não figurava no leque de factos sujeitos a imposto e que, de resto, não se confunde com o primeiro; (e) O princípio da legalidade ínsito no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa determina que em matéria de incidência tributária não existem, por definição, lacunas, pelo que as situações que não estejam sujeitas a imposto ficam, simplesmente, fora do âmbito das normas de incidência; (f) Sendo o artigo 8.º do CIMSISSD, cujo propósito era o de densificar o teor do artigo 2.º do mesmo código, uma norma de incidência de imposto, encontra-se vedado, pelo legislador, o recurso à analogia para a sua interpretação, contrariamente ao que fez a Fazenda Pública no caso vertente; (g) No caso sub judice não se verifica qualquer lacuna ao nível das normas de incidência de Sisa que legitime a interpretação analógica levada a cabo pela Recorrente, porquanto se assume, desde logo, que o legislador soube exprimir o seu pensamento de forma adequada, nos termos dos números 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil, e, em face disso, se tivesse pretendido que o contrato-promessa de dação em pagamento consubstanciasse facto tributário sujeito a imposto, tê-lo-ia expressamente previsto, o que não fez; (h) A procuração irrevogável outorgada ao Recorrido não traduz a tradição dos imóveis, nem pode, como tal, ser perspetivada, laborando a Fazenda Pública em erro, porquanto confunde o conceito de representante do possuidor com o conceito de possuidor - os quais são, de facto, inconfundíveis; (i) Verifica-se existir uma clara confusão, por parte da Recorrente, entre o conceito de tradição e o conceito de alteração da posse que resulta da procuração irrevogável em causa nos autos, porquanto o Recorrido não adquiriu a posse dos bens imóveis em causa, nem a adquiria por força da procuração outorgada, uma vez que, conforme acolhido pela jurisprudência, a outorga de procuração irrevogável emitida em nome e no interesse do promitente comprador, ainda que conceda poderes para celebrar o negócio consigo mesmo, não tem a virtualidade de transmitir o direito de propriedade; (j) Mesmo que o contrato-promessa de dação em pagamento consubstanciasse facto gerador de Sisa - o que se aventa, sem conceder -, não seria válida a liquidação de imposto em crise pois não ocorreu, in casu, a tradição dos imóveis, nem de acordo com o conceito civilístico de transmissão, nem de acordo com o conceito fiscal; (k) A alteração do enquadramento da procuração irrevogável, que passou a figurar como facto sujeito a Imposto sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis, com efeitos a 1 de janeiro de 2004, não tem quaisquer efeitos ao nível da procuração irrevogável em causa nos presentes autos, a qual é bastante anterior, tal como o é o contrato-promessa de dação em pagamento - ambos datam de dezembro de 1997 -, pelo que a (nova) norma de incidência não poderia, sob qualquer circunstância, ser-lhes aplicada; (l) Em momento algum foi alegado (e muito menos demonstrado) pela Autoridade Tributária em que medida o Recorrido poderia ter intervindo “em termos económicos” na detenção dos imóveis e no destino dado aos mesmos, prova essa que cabia à Autoridade Tributária, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, e que não foi efetuada no caso sub judice, pelo que não tendo a Autoridade Tributária efetuado prova da existência do facto tributário de que se arroga para emanar a liquidação contestada na presente ação - pressuposto da sua atuação -, verifica-se que, também por este motivo, a sua pretensão não pode proceder; (m) Não obstante toda a alegação da Recorrente em sede das presentes alegações de recurso indicie a intenção da Recorrente em considerar ineficaz, para efeitos tributários, o contrato-promessa de dação em pagamento celebrado entre a AA e o Recorrido, dando-lhe, antes, um cariz de contrato (definitivo) de dação em pagamento, alegando, para o efeito, o princípio da substância sobre a forma, a realidade é que no caso sub judice a Autoridade Tributária não aplicou a “cláusula geral antiabuso” consagrada no artigo 38.º da Lei Geral Tributária (e vigente à data da realização da inspeção tributária e emanação do ato de liquidação de Sisa), a qual, naturalmente, dependeria da observância de um procedimento próprio, previsto no artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; (n) Ao limitar-se a alegar que a outorga da procuração irrevogável nos termos em que foi efetuada configura “em termos económicos” uma entrega do bem em pagamento, nos termos do número 7.º do artigo 8.º do CIMSISSD, utilizando uma argumentação que qualifica a conduta do Recorrido como abusiva (nos termos do disposto do artigo 38.º da Lei Geral Tributária), sem contudo observar o procedimento constante no artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, impede que as conclusões da Autoridade Tributária possam subsistir na ordem jurídica, em flagrante violação dos direitos dos sujeitos passivos em matéria de tão elevada importância, pelo que as conclusões a esse respeito não podem ser tidas em conta pelo decisor; (o) Verifica-se, assim, que a sentença recorrida não merece censura, devendo ser mantida na íntegra, devendo ser negado provimento, por esse motivo, ao Recurso da Fazenda Pública. Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as legais consequências. Em virtude de o valor da causa ser superior a € 275.000,00, requer-se a Vossas Excelências se dignem, nos termos do número 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, determinar a dispensa de pagamento das custas acima do referido valor.». 1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, com o seguinte teor: «(…) (dá-se por reproduzida a imagem conforme acórdão) * Dispensados os vistos prévios, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta. * 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto: «Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos: 1. Em 26.12.1997 foi outorgado documento denominado “contrato-promessa de dação” entre AA – Sociedade como primeiro outorgante e B... SA como segundo outorgante, relativo aos prédios urbanos constituídos por lotes de terreno para construção descritos na Conservatória do Registo Predial ...88, n.º ...88 e ... de onde decorre o seguinte: “(…) É celebrado um contrato-promessa de dação em cumprimento, subordinado às cláusulas seguintes, (…) 2ª 1. A 1ª Outorgante é devedora ao B... SA da quantia global de Esc.: 625 521 370$00 (…) 3ª Ora, para extinção da totalidade desta dívida e pelo presente contrato, a 1ª Outorgante promete dar em pagamento à 2ª Outorgante, livre de ónus e encargos, os prédios urbanos (lotes de terreno) identificados na cláusula 1ª do presente contrato, e que nesta medida e só aquando da escritura pública da dação em cumprimento ficará extinta. (…) 7ª 1. No acto da celebração do presente contrato-promessa a AA outorgará e entregará uma procuração irrevogável, a favor do B... SA ou de quem este indicar, conferindo aos mandatários, os expressos poderes e representação para: a) outorgar a respectiva escritura de dação em cumprimento a favor do B... SA, podendo praticar e requerer tudo o que se mostre necessário aos indicados fins, inclusive registos provisórios (…) 2.O mandato a que se refere o número anterior, será expressamente qualificado como irrevogável, nos termos dos artigos 265º, nº 3 e 175º, ambos do Código Civil, por ser conferido no exclusivo interesse do B... SA (…)” - cfr. fls. 21 a 26 do processo de reclamação graciosa (RG) junto aos autos. 2. Em 26.12.1997 foi emitida procuração por parte da AA – Sociedade ao B... SA a quem conferiu poderes necessários para “a) intervir na escritura de dação em cumprimento a constituir a favor do mesmo B... SA, sobre os prédios urbanos descritos nas fichas números 00452, 00453, 00454 e 00455 (…) podendo praticar e requerer tudo o que se mostre necessário aos indicados fins, inclusive registos provisórios (…) A presente procuração é conferida no interesse do B... SA, pelo que tem a natureza irrevogável (…)” – cfr. fls. 29 e 30 do processo de RG junto aos autos. 3. Em 19.01.1998 foi outorgado o 1º aditamento ao contrato-promessa de dação a que se alude em 1. – cfr. fls. 32 a 34 do processo de RG junto aos autos. 4. Em 11.02.1998 foi outorgado o 2º aditamento ao contrato-promessa de dação a que se alude em 1. – cfr. fls. 36 e 37 do processo de RG junto aos autos. 5. No cumprimento da ordem de serviço n.º ...13 emitida em 6.05.2003, a Direcção de Finanças ... desencadeou procedimento inspectivo de análise interna ao B... SA – cfr. fls. 51 do processo de RG junto aos autos. 6.Em 29.05.2003 foi elaborado relatório do procedimento inspectivo a que se alude em 5., tendo sido apurado SISA em falta no montante de €312.008,74 – cfr. fls. 49 a 56 do processo de RG junto aos autos. 7. Em 29.05.2003 foi elaborada pela Direcção de Finanças ... proposta para liquidação da SISA apurada no procedimento inspectivo a que se alude em 5. - cfr. fls. 49 a 56 do processo de RG junto aos autos. 8. Foi emitido pelo Serviço de Finanças ... – 11º Bairro o conhecimento de Sisa n.º ...06 em nome de B... SA no montante de €428.973,55 – cfr. fls. 45 do processo de RG junto aos autos. 9. Em 19.010.2006 o Serviço de Finanças ... 11 remeteu ao B... SA o ofício n.º ...51 respeitante à liquidação de SISA descrita em 8. - cfr. fls. 8 do processo de RG junto aos autos. 10. Em 24.01.2007, o Banco AA apresentou reclamação da liquidação do Imposto Municipal de SISA descrita em 8. – cfr. fls. 3 a 7 do processo de RG junto aos autos. 11. Em 2.10.2008 a Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de ... elaborou informação no sentido do indeferimento da reclamação graciosa deduzida – cfr. fls. 136 a 147 do processo de RG junto aos autos. 12. Sob a informação a que se alude em 11. recaiu em 17.10.2008 despacho com o seguinte teor: “Concordo, pelo que, com os fundamentos constantes da presente informação é o pedido em apreço de indeferir. Notifique-se para o exercício do direito de audição nos termos da al. B) do n.º 1 do art. 60.º da LGT” - cfr. fls. 136 a do processo de RG junto aos autos. 13. Em 21.10.2008 a Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de ... remeteu ao Banco AA o ofício n.º ...29 respeitante ao exercício do direito de audição – cfr. fls. 148 e 149 do processo de RG junto aos autos. 14. Em 25.11.2008 foi exarada informação pela Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de ... com o seguinte teor: “(…) 1. O Banco AA, NIPC ..., enquanto incorporante, através de fusão do B... SA (…) apresentou em 24/01/2007 (…) reclamação graciosa (…) 2. Sobre a mesma, foi elaborado um projecto de decisão em 02/10/2008, com data de Despacho do Sr. Director de Finanças Adjunto desta Direcção de Finanças de 17/10/2008. 3. Para exercício do respectivo direito de audição prévia – alínea b) do n.º 1 do art. 60.º da LGT – este projecto foi notificado ao sujeito passivo, através de carta registada (…) 6. O contribuinte não exerceu assim, o direito de audição prévia sobre o projecto de decisão da Reclamação Graciosa (…). 7. Consequentemente, a situação de facto e de direito analisada na Reclamação Graciosa apresentada, não se alterou, pelo que, tendo em conta os argumentos já expostos, em sede de direito de decisão, notificado ao contribuinte, não podemos deixar de concluir pelo seu indeferimento, nos termos e com os fundamentos então expostos. 8. Assim, deve ser mantido o indeferimento da Reclamação Graciosa supra identificada, com os fundamentos inicialmente propostos – fls. 136 a 147 da Reclamação – convolação em definitivo daquele projecto de decisão. (…)” - cfr. fls. 152 a 154 do processo de RG junto aos autos. 15. Sob a informação descrita em 14. recaiu em 5.12.2008 despacho com o seguinte teor. “Concordo, pelo que convolo em definitivo o projecto de decisão e com os fundamentos constantes naquele, bem como da presente informação, indefiro o pedido da reclamante (…)” – cfr. fls. 152 do processo de RG junto aos autos. 16. Da decisão a que se alude em 15., o Banco AA, deduziu recurso hierárquico – cfr. fls. 4 a 14 do processo de recurso hierárquico (RH) junto aos autos. 17. No âmbito do recurso hierárquico a que se alude em 16., foi proferida em 31.05.2010 pela Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto de Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais a informação n.º ...10 no sentido do indeferimento do recurso hierárquico apresentado – cfr. fls. 50 a 59 do processo de RH junto aos autos. 18. Sob a informação descrita em 17. recaiu em 27.12.2010 despacho da Subdirectora-Geral, com o seguinte teor: “Concordo. Proceda-se à audiência prévia, por escrito. Prazo 10 dias.” – cfr. fls. 50 do processo de RH junto aos autos. 19. Em 31.01.2001 foi proferida pela Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto de Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais a informação n.º ...11 - cfr. fls. 48 e 49 do processo de RH junto aos autos. 20. Sob a informação descrita em 19. recaiu em 23.11.2011 despacho com o seguinte teor. “Concordo. Indefiro o Recurso Hierárquico (…)” – cfr. fls. 48 do processo de RG junto aos autos. ** Factos não provados Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos. ** Motivação da decisão de facto O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, cfr. predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil.». 3.1.2. Alteração da matéria de facto assente Por ser necessário à boa decisão da causa, ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662º, n.º 1 do Código de Processo Civil, vamos proceder à densificação dos pontos 3 e 4 dos factos provados, nos termos seguintes: 3. Em 19.01.1998 foi outorgado o 1º aditamento ao contrato-promessa de dação a que se alude em 1., em que fizeram constar o seguinte: «Considerando que: ---------------------------------------------------------------------------------------- 1. Através do Contrato-promessa de Dação, celebrado entre as partes em 26 DEZ 97, a 1ª Outorgante prometeu dar em pagamento ao 2º Outorgante, livre de ónus e encargos, prédios urbanos identificados na cláusula 1ª desse Contrato; -------------- 2. Os prédios assim prometidos em Dação em pagamento, pela 1ª Outorgante asseguravam o pagamento de uma quantia global de Esc. 625 521 370$00 (…); -- 3. O valor atribuído aos referidos prédios teve por base uma área de construção acima do solo de 11 824 m2; --------------------------------------------------------------------------- 4. A 1ª Outorgante recebeu uma proposta para compra de partes destes prédios, que abrange prédios correspondentes a um total de área de construção acima do solo de 7 329 m2; ------------------------------------------------------------------------------------------ As partes celebram entre si, de comum acordo e dentro dos princípios de boa fé negocial, o presente Aditamento constante das seguintes cláusulas: 1ª As partes acordam em transformar o Contrato-Promessa de Dação em Pagamento celebrado em 26 DEZ 97, num Contrato-Promessa de Regularização de Créditos com Dação em Pagamento. ----------------------------------------------------2ª Para tanto, o 2º Outorgante dá o seu consentimento à redução da promessa de Dação em Pagamento em 7 329 m2, ficando esta reduzida aos prédios correspondentes a 4 495 m2 de área de construção acima do solo, e autoriza a 1ª Outorgante a prometer vender e a receber o sinal e início de pagamento, bem como os restantes reforços de sinal e pagamento, resultantes desta Promessa de Compra e Venda dos prédios correspondentes a 7 329 m2 de área coberta. ---------3ª Em contrapartida, a 1ª outorgante compromete-se a entregar o valor total do preço recebido pela venda destes prédios excluídos da Dação em pagamento ao 2º Outorgante, para amortização da dívida de que este é credor. -----------------------------4ª 1. A 1ª Outorgante compromete-se também a fazer a entrega ao 2º Outorgante do produto da venda, recebido nos termos da cláusula anterior, no valor de Esc. 423 000 000$00 (…), nas datas em que forem devidos os pagamentos pelo comprador: (…) 5ª A 1ª Outorgante compromete-se ainda a dotar o Contrato-Promessa de Compra e Venda a celebrar com terceiro e cujo produtos fica por este meio afecto à amortização do crédito do 2º Outorgante sobre a 1ª Outorgante, nos termos das cláusulas anteriores, de todas as garantias e formalidades necessárias à possibilidade de execução específica deste, bem como as destinadas a garantir o cumprimento do mesmo Contrato Promessa pelo promitente comprador.------------------------------------------------------------------------------------------------------(…).» - cfr. fls. 32 a 34 do processo de RG junto aos autos. 4. Em 11.02.1998 foi outorgado o 2º aditamento ao contrato-promessa de dação a que se alude em 1., em que fizeram constar o seguinte: «Considerando que: ------------------------------------------------------------------- 1. Através do Contrato-promessa de Dação, celebrado entre as partes em 26 DEZ 97, a 1ª Outorgante prometeu dar em pagamento ao 2º Outorgante, livre de ónus e encargos, prédios urbanos identificados na cláusula 1ª desse Contrato; ---------------------------------------------------------- 2. Por aditamento ao Contrato-Promessa Dação, de 19 JAN 98, foi o mesmo transformado em Contrato-Promessa de Regularização de Créditos com Dação em Pagamento, reduzindo este aos prédios correspondentes a 4 495 m2 de área de construção acima do solo. ------- 3. A 1ª Outorgante recebeu uma proposta para compra de partes dos prédios referidos no ponto anterior; ------------------------------------------------ As partes celebram entre si, de comum acordo e dentro dos princípios de boa fé negocial, o presente Aditamento constante das seguintes cláusulas: 1ª As partes concordam em reduzir o Contrato-Promessa de Regularização de Créditos com Dação em Pagamento em pagamento á Regularização de Créditos. 2ª Para tanto, o 2º Outorgante autoriza a 1ª Outorgante a prometer vender e a receber o pagamento resultante da promessa de compra e venda dos prédios correspondentes aos 4 495 m2 de área de construção acima do solo. ------------------3ª Em contrapartida a 1ª Outorgante compromete-se a entregar o valor total do preço recebido pela venda destes prédios ora excluídos, ao 2º Outorgante, para amortização da dívida de que é credor. --------------------------------------------------------------4ª 1. A 1ª outorgante compromete-se também a fazer entrega ao 2º Outorgante do produto da venda, recebido nos termos da cláusula anterior, no valor de 253 500 000$00 (…), em 12 de Fevereiro de 1998.-----------------------------------------------------------5ª As partes acordam em manter o clausulado do Contrato Promessa de Regularização de Créditos em tudo o que não for contrariado pelo presente aditamento. -----------------------------------------------------------------------------------------------------(…).» – cfr. fls. 36 e 37 do processo de RG junto aos autos. * Em face do aditamento à matéria de facto que se nos revelou necessário e tendo em conta que importa determinar a vontade negocial das partes expressa nos contratos aludidos supra, é da nossa competência a apreciação deste recurso.Fixada nestes termos a factualidade relevante para a boa apreciação do recurso, avancemos na apreciação do seu mérito. 3.2. DE DIREITO 3.2.1. Do erro de julgamento A Recorrente sustenta que a decisão aqui em crise enferma de erro de julgamento porquanto a liquidação impugnada não decorre da aplicação analógica ou extensiva do artigo 8º, nº 7, do CIMSISSD, mas sim do facto de a AT ter considerado que o “contrato promessa de dação em pagamento” não corresponde a uma promessa de contratar, mas, antes, ao negócio definitivo/prometido. Isto porque a outorga simultânea de procuração irrevogável a favor do Recorrido equivale à entrega dos bens prometidos em pagamento, já que, por via dessa procuração, foram retirados ao promitente doador os poderes de uso e fruição que detinha sobre tais bens – tal é o que pode depreender-se dos posteriores aditamentos ao contrato promessa, que possibilitaram que o Banco autorizasse a promitente doadora a celebrar novo contrato-promessa e a receber o sinal e posteriores pagamentos devidos no âmbito desse novo contrato. Atentemos, antes do mais, ao discurso fundamentador que, nesta parte, foi acolhido na sentença recorrida: «Decorre do artigo 1.º do Código do Imposto Municipal de SISA e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD) que “são sujeitas a sisa (…), nos termos dos artigos seguintes, as transmissões perpétuas ou temporárias dos bens, qualquer que seja o título que se operem”, estabelecendo ainda o artigo 2.º que “A sisa incide sobre transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis” e da regra 2º parágrafo 1º que “consideram-se, para esse efeito, transmissões de propriedade imobiliária (…) 2º as promessas de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens”. Especificando o estabelecido no artigo 2.º do CIMSISSD, o artigo 8.º veio precisar o termo de transmissão estabelecendo que “Em virtude do disposto no artigo 2., são sujeitos a sisa, nomeadamente: (…) 7.º A adjudicação de bens imobiliários aos credores, bem como a dação ou a entrega feita directamente a eles, ou a outrem, com a obrigação de lhes pagar.” Por último determina o artigo 19º § 3º regra 9ª do CIMSISSD que “nas transmissões por meio de dação de bens em pagamento, a sisa será calculada sobre a importância da dívida que for paga com os bens transmitidos, ou sobre o valor patrimonial deles, se for superior” Ora, invoca o Impugnante que o contrato-promessa de dação de bens imóveis em pagamento não se encontrava sujeito a Sisa, na medida em que a sua previsão não decorre da lei, traduzindo o alargamento do contrato-promessa ao contrato-promessa de dação em pagamento a aplicação por analogia, instituto não permitido em sede de matéria dos elementos essenciais dos impostos. O CIMSISSD adopta expressamente na definição da incidência do imposto um conceito de transmissão a título oneroso de propriedade imobiliária mais amplo que o seu conceito civilístico (artigo 2.º, §1.º), considerando, para o efeito da incidência real da sisa, como transmissão a título oneroso da propriedade imobiliária, nomeadamente, as promessas de compra e venda ou troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens (n.º 2.º, do §1.º do artigo 2.º). Tal resulta do receio do legislador de que, a fim de evitar o pagamento do imposto de sisa, o promitente comprador não viesse a celebrar o respectivo contrato de compra e venda, contentando-se com uma transmissão de facto – cfr. Soares Martínez (in Direito Fiscal, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, 1993, p. 67). A referida extensão do conceito civilístico de transmissão resulta de preceito expresso nesse sentido. Não obstante, face aos preceitos legais que aqui demos conta (artigo 2.º §1.º, 2º e artigo 8.º, 7º do CIMSISSD) a figura do contrato-promessa de dação de bens imóveis não decorre expressamente dos termos do CSISSD, encontrando-se somente expressa a dação em pagamento e o contrato-promessa e compra e venda. No mesmo sentido vide F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes em comentário ao artigo 8.º, parágrafo 7 (in Código do Imposto Municipal de SISA e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, anotado e comentado, 4ª edição, Rei dos Livros, pág. 134), ao referenciarem que “A promessa de dação em cumprimento com tradição não está abrangida pela norma deste n.º 7.º uma vez que no domínio da incidência não é admissível a interpretação analógica (Acórdão do Trib. De 2ª Inst. Das Cont. e Impostos de 25-7-1979 – P.º 53 816). Ora, o n.º 4 do artigo 11.º da LGT estabelece que “As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica”, sendo assim consabido que as normas de incidência tributária são susceptíveis de interpretação extensiva, mas não de aplicação analógica. Como tal, está proibida a analogia na interpretação das normas de incidência fiscal. Neste sentido vide, por todos, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 309 ss. “A analogia em geral, refere-se ao procedimento de aplicação das normas jurídicas que consiste na aplicação das normas retiradas da regulamentação legal de uma certa situação de facto, a outra situação de facto que parece essencialmente igual, mas diferente nos pormenores, e que não aparece expressamente contemplada naquelas normas. O procedimento de aplicação analógica assenta na determinação da mesma razão (“eadem ratio”) existente nos casos em análise. Identidade de razão que só é possível determinar caso a caso. (…) Alberto Xavier considera que o princípio da legalidade, limitando a liberdade de apreciação dos órgãos de aplicação do direito, é um imperativo da ideia de segurança jurídica. Resultando do princípio da legalidade, a proibição da analogia. A proibição da analogia aparece, portanto, essencial para a preservação das liberdades individuais, cujas eventuais restrições devem ter apenas diretamente na lei os seus fundamentos e limitações, bem como da própria economia de mercado em que a segurança jurídica é essencial para a expansão da livre iniciativa, estruturada na planificação empresarial.” – cfr. Diogo de Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (in Lei Geral Tributária , anotada e comentada, 4ª edição, 2012, Encontro de escrita editora, pag. 122 e 123). Como estabelece o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”. Assim, “as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação” – cfr. Acórdão do TCA ... de 30.11.2017, rec. 237/05..... No caso sob apreciação, a AT actuou, considerando que a situação em apreço (contrato-promessa de dação em pagamento) se enquadrava no artigo 8.º, 7º do CIMSISSD (cfr. pag. 4 do relatório do procedimento inspectivo interno, coligido no acervo probatório, ponto 6.). No entanto, o artigo 8.º do CIMSISSD, especificando o que decorre do artigo 2.º, estabelece a incidência real do imposto, na medida em que “as normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos” – cfr. Acórdão do TCA ... de 30.11.2017, rec. 237/05..... Nessa medida, tratando-se de norma de incidência de imposto, na sua interpretação não pode haver recurso à analogia, por proibida. Assim, a referida "lacuna de regulamentação" não pode ser suprida pela aplicação analógica das disposições que, no CIMSISD, regulam a dação em pagamento, por esta estar constitucionalmente proibida em relação às normas definidoras dos elementos essenciais dos impostos, em face do princípio da legalidade tributária, nas suas diversas afirmações dos princípios de autotributação, da segurança jurídica e da protecção da confiança. Acresce que, também não se nos afigura que se possa fazer uma interpretação extensiva do que decorre do artigo 8.º, 7.º por forma a considerar-se que aí se preveja o contrato-promessa de dação em pagamento. Isto porque, de acordo com o disposto no artigo 9.º nº 3 do Código Civil (CC), "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados...”, sendo certo que o intérprete não deve postergar o princípio geral da adequação da expressão do pensamento legislativo, contido no citado preceito legal. A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, “desde logo, uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei”, sendo a letra da lei, o texto da norma, o limite da sua interpretação, conforme Baptista Machado (in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina Coimbra, 1990, pág. 182). Com efeito, considera o Tribunal que, à luz do regulamentado para o contro-promessa de compra e venda em contraposição ao contrato de compra e venda, se fosse a pretensão do legislador em tributar os contratos-promessa de dação em pagamento tinha-lhe feito expressa referência. Como tal, atendendo a que se trata de norma de incidência do imposto, essa interpretação, para além de não ter um mínimo de correspondência com a letra da Lei, determinaria a violação do princípio da legalidade e de reserva de lei, tal como plasmados no art.º 103.º n.º 2 da CRP. Verificando-se a inexistência de previsão legal para a tributação do contrato-promessa de dação em pagamento, mostra-se inócua os efeitos atribuídos pela AT à procuração Sabendo-se que nos termos do disposto no artigo 55.º da LGT, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) deve actuar em obediência à lei e ao Direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos, não poderia esta ter procedido à liquidação da Sisa, procedendo assim o alegado.». A Recorrente contrapõe que «não houve recurso à interpretação analógica ou extensiva da referida norma, para proceder à tributação da operação aqui em causa.» e que «Em sede de direito tributário, não pode deixar de se atender, com vista a evitar formas negociais abusivas, por meras razões de economia fiscal, à substância económica dos factos tributários, em detrimento da forma negocial atribuída pelas partes – decorrência do principio da substância sob a forma, consagrado nas normas contabilísticas (Plano Oficial de Contabilidade).». Assim, na sua ótica, o contrato celebrado entre as partes, ainda que denominado de “contrato-promessa de dação”, enquadra-se num verdadeiro contrato de dação em pagamento, equivalendo, em termos económicos, a promessa de dação, acompanhada de procuração irrevogável, à entrega do bem em pagamento, i.e. à realização da prestação. Isto porque o Recorrido, através do mandato que lhe foi conferido, passou a deter os poderes sobre os referidos imóveis, retirando da disponibilidade da AA, os direitos de uso, fruição e disposição, que constituem o conteúdo útil do direito de propriedade. Através dos subsequentes aditamentos, foi o próprio Recorrido que autorizou a AA, uma vez que esta não dispunha de autonomia para tal, a prometer vender e a receber o sinal de início de pagamento, bem como os restantes reforços de sinal e pagamento, resultantes da promessa de compra e venda. Conclui, assim, que se verificou uma tradição, não no sentido de uma entrega real e efetiva dos imóveis, mas sim através do poder concedido à Impugnante, de concretizar essa posse, que se veio a materializar na autorização que teve que conceder para que a AA pudesse prometer vender os ditos imóveis. A Recorrente sustenta, portanto, que a denominação que as partes deram ao contrato (contrato promessa de dação em pagamento) não corresponde, afinal, à realidade, pois os termos do contrato (com procuração irrevogável a favor da promitente donatária) e posteriores ocorrências (autorização à promitente doadora para celebrar novo contrato e proceder ao recebimento dos atinentes valores) evidenciam que a Recorrente logo ficou na posse dos bens prometidos dar em pagamento. Vejamos, então. A procuração irrevogável com poderes de alienação de imóveis, confere ao procurador poderes sobre o imóvel materialmente idênticos aos do proprietário. As cláusulas de irrevogabilidade, bem como a circunstância de serem passadas no interesse do procurador, transmitem para o domínio deste, praticamente os mesmos poderes materiais que correspondem ao exercício dos poderes do proprietário sobre o imóvel. Embora o procurador não seja o titular do direito de propriedade, porque não adquiriu o respetivo título, e exerça esses poderes em nome de terceiro, a verdade é que, nestes casos, detém sob a sua disponibilidade os poderes úteis e fácticos correspondentes ao exercício do direito de propriedade - os direitos de uso, fruição e disposição que constituem o conteúdo útil do direito de propriedade. Consciente da dimensão do problema das procurações irrevogáveis relativas a imóveis como fonte de evasão fiscal em sede da antiga Sisa, o legislador do Código do IMT integrou nas suas normas de incidência este tipo de operações. Contudo, a operação em causa nestes autos não está contemplada nas normas de incidência do Código da Sisa, como bem salientou a Meritíssima Juiz a quo, sendo certo ainda que a procuração irrevogável passada pela promitente dadora não a impedia de dispor dos imóveis como muito bem entendesse. Na verdade, no caso vertente, a procuração irrevogável apenas conferiu à Recorrida parciais poderes de disposição, limitados à outorga do contrato prometido e à prática de tudo o que fosse necessário para este fim. Não pode, pois, afirmar-se que foram conferidos à procuradora poderes de disposição idênticos aos do promitente dador, até porque este podia não cumprir o contrato promessa de Dação em Pagamento, sem prejuízo da responsabilidade civil que daí lhe adviesse, e, por exemplo, vender a outra pessoa os prédios prometidos dar em pagamento. Uma vez que, como a Fazenda Pública admite, não podia a liquidação em crise assentar em interpretação analógica ou extensiva do artigo 8º, nº 7 do Código da Sisa, não se percebe, então, o esteio legal para incluir o contrato-promessa de dação em pagamento na referida norma de incidência. Sem embargo, para que se pudesse considerar que, afinal, o contrato-promessa era já o contrato prometido, sempre tinha que resultar provado que, com a sua celebração, se extinguira dívida da AA para com o Recorrido. Porém, do teor dos aditamentos ao contrato de que nos dão nota os pontos 3 e 4 do probatório, é possível extrair que visaram as partes alterar, por via da redução, o contrato-promessa primitivo. De tais sucessivas reduções do contrato-promessa de Dação em Pagamento, resultou que à 2.ª outorgante não fossem já dados os prédios, mas antes que os valores a receber pela sua venda a terceiros. É certo que o Recorrido “autorizou” a 1ª Outorgante a prometer vender e a receber o sinal e início de pagamento, bem como os restantes reforços de sinal e pagamento, resultantes dessas Promessa de Compra e Venda dos prédios prometidos dar em Pagamento. Todavia, tal autorização é totalmente incompatível com a existência do contrato definitivo (em vez de contrato promessa), já que o Recorrido não teria que autorizar aquele novo contrato se a dívida da AA já se encontrasse extinta por efeito da dação em pagamento, nem esta poderia alienar os imóveis prometidos dar em pagamento. Assim sendo, os factos em que a Recorrente se baseia para entender que já estava celebrado o contrato prometido evidenciam, antes, a realidade oposta. Mas, ainda que assim não fosse de entender, o certo é que, se a AT considerasse que o negócio declarado não era genuíno e foi realizado com o intuito de obter vantagens fiscais, nos termos do artigo 38º, nº 1, da LGT e procedesse à tributação de acordo com as normas aplicáveis ao negócio que corresponde à realidade ou substância económica, como bem refere o Recorrido, tal conduta não deixaria de ser ilegítima por inobservância do formalismo imposto pelo artigo 63º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Em suma, sem necessidade de outros considerandos, concluímos que a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento na apreciação dos factos que a Recorrente lhe imputa, devendo, por isso, ser mantida no ordenamento jurídico. 3.2.2. Dispensa do remanescente da taxa de justiça Nos termos do artigo 6º nº 7 do RCP, na redação que resulta da Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, nas causas de valor superior a (€) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. A dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a 275 000 € tem, portanto, um carácter excecional. No caso em apreço, estamos perante um processo de impugnação judicial que visou uma liquidação de SISA e juros no montante global de €428.973,55, ao qual corresponde o valor atribuído ao presente processo. Os articulados não se apresentam extensos, nem prolixos e as questões suscitadas não revelam especial complexidade. Deste modo, encontram-se reunidos os pressupostos de que a lei faz depender a dispensa total do remanescente da taxa de justiça. 4. DECISÃO Porto, 6 de outubro de 2022 |