Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01064/14.5BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/10/2025
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS
Descritores:REUNIÃO DO EXECUTIVO CAMARÁRIO; SUBSTITUIÇÃO DO PRESIDENTE DA CÂMARA; ARTIGO 78º DO DECRETO-LEI 169/99, DE 18.09; DESOBEDIÊNCIA;
ELEMENTO OBJECTIVO; ELEMENTO SUBJECTIVO.
Sumário:
1. É admissível a substituição do presidente da câmara pelo membro que se encontrava a seguir na ordem da lista do seu partido às últimas eleições em reunião do executivo camarário, face ao disposto no artigo 78º do Decreto-Lei 169/99, de 18.09, invocando o substituído motivos pessoais para se ausentar da reunião.

2. Não se verifica o pressuposto essencial da infracção disciplinar de desobediência não ficou provado que o arquitecto arguido que se recusou a assinar o relatório das alterações ao Plano de Urbanização ... era já funcionário da edilidade e nessa qualidade fazia parte da equipe de trabalho responsável pela elaboração do relatório quando este foi elaborado, pelo contrário, ficou provado que passou a ser funcionário em data posterior, embora a ordem lhe tenha sido dada quando já era funcionário.

3. Também não se verifica o elemento subjectivo da infracção por ter ficado provado que o arguido se recursou a assinar o referido relatório por indicação do seu mandatário; sendo o arguido um arquitecto é aceitável que confie na posição do seu mandatário, por ser suposto este conhecer a lei e designadamente saber que no caso a obediência à ordem dada não era devida.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Município ... veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 18.09.2020, que julgou (totalmente) procedente a acção administrativa que «AA» moveu contra o Recorrente para declaração de inexistência, nulidade ou anulação da deliberação da Câmara Municipal ... de 15.07.2014, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão por 90 dias.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida errou no julgamento da matéria de facto e, em consequência, errou também na aplicação do direito ao caso concreto, tendo violado, ao decidir com como decidiu, entre o mais, o disposto nos artigos 59º, 78º e 79º, do Decreto-Lei 169/99, 18.09, republicado pela Lei n° 5-A/2002, de 11.01, bem como o artigo 72º, do Código de Procedimento Administrativo, o artigo 3, n° 1, al f) e n° 8, e artigo 5º, n° 5, da Lei n° 58/2008, de 09.09.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I – Pelas razões constantes do corpo das alegações, o ponto 2 dos factos provados deverá ser modificado e ter a seguinte redação: O autor participou na elaboração na proposta de alteração do Plano de Urbanização ..., tendo aposta a sua assinatura nas peças que a constituem, nomeadamente no Regulamento e no Relatório que constituem a proposta de alteração.

II – Pelas mesmas razões, o ponto 3 dos factos provados deverá ser alterado e passar a ter a seguinte redação: O autor participou na apreciação das questões suscitadas na discussão pública do projeto de alteração do referido Plano de Urbanização.

III - As modificações que se preconizam aos antecedentes pontos da matéria de facto provada implicam a alteração do ponto 2 dos factos não provados de modo que seja dado como provado que “O Autor participou ou foi-lhe determinado que participasse nas alterações ao PU de ...”.

IV - Por outro lado, deve ser aditado aos factos provados um outro com o seguinte conteúdo: O autor assinou com o réu, em 31 de outubro de 2012, e para produzir efeitos a partir do dia 2 de novembro seguinte, contrato de trabalho em funções públicas e por tempo indeterminado, com a categoria de técnico superior arquiteto.

V – Deverá ser modificada a redação do ponto 6 dos factos aprovados de modo que passe a constar: A 29.07.2013 o Presidente da Câmara Municipal determinou ao autor que assinasse enquanto membro da Comissão de trabalho, o relatório das alterações ao Plano de Urbanização ....

VI – Finalmente, em sede de impugnação da matéria de facto, impõe-se modificar a redação do referido ponto 14, que deverá passar a ser a seguinte: Ao retomar a reunião, o Presidente da Câmara disse que por motivos pessoais teria de se ausentar da mesma e que pretendia fazer-se substituir nos mesmos moldes em que foi feita a substituição do Vereador «BB», ou seja, pelo membro que se encontrava a seguir na ordem da lista do Partido Socialista às últimas eleições autárquicas, ou seja, pelo Sr. «CC», o que ocorreu.

VII – Em termos da decisão de direito, o Mto Juiz a quo confunde, erradamente, a substituição funcional do presidente da câmara pelo vice-presidente, prevista no art° 57°, n° 3, do DL. 169/99, de 18 de setembro, com a substituição do presidente da câmara enquanto membro do órgão Câmara Municipal e por ausências inferiores a 30 dias às reuniões deste, prevista no art° 78° do mesmo diploma, enquanto a primeira respeita à substituição do presidente pelo vice-presidente nas competência próprias daquele e nas que lhe são delegadas pela Câmara Municipal, previstas, respetivamente, nos art°s 34 e 35, da Lei n° 75/2013, de 12 de setembro e a segunda refere-se à substituição em caso de ausência.

VIII – Como as deliberações da Câmara Municipal se tomam pela maioria dos votos, ao não se admitir, em caso de ausência, a substituição dos membros da Câmara Municipal, incluindo o seu presidente, , potenciar-se-ia que os representantes da minoria se transformassem em maioria, subvertendo-se os princípios da representatividade, da proporcionalidade e da maioria.

IX - Ora, foi também para impedir situações como a descrita que a lei passou a prever, a partir de 1999, nos artigos 78° e 79° do DL. 169/99, de 18 de setembro, a substituição dos membros dos órgãos das autarquias locais, em caso de ausência por período inferior a 30 dias, situação que não tinha paralelo na legislação anterior, seja no DL. 100/84, de 29 de março, com as sucessivas alterações, seja na Lei n° 79/77, de 25 de outubro, que definiu, na sequência da Constituição de 1976, as atribuições das autarquias e as competências dos respetivos órgãos.

X - Por isso, é manifestamente errada a interpretação da lei feita na sentença recorrida de que “o regime aplicado no caso em apreço de fazer intervir o cidadão imediatamente a seguir do partido pelo qual havia sido proposto o membro que deu origem à vaga apenas ocorre nas situações de morte, renúncia, suspensão ou perda de mandato”, bem como a conclusão de que “Não está legalmente previsto nenhum regime de substituição de vereadores nas ausências ou situações de impedimentos”.

XI - Tanto mais que o regime de substituição previsto no art° 59° não afasta o regime de substituição previsto no art° 78°, ambos do DL 169/99, porquanto os dois regimes visam resolver duas situações diferentes: enquanto o primeiro trata da substituição quando o lugar do titular do cargo fica vago por morte, renúncia, suspensão ou perda de mandato (únicas situações aí previstas), o segundo regula a substituição por ausência inferior a 30 dias (ausências de curto prazo).

XII – Mesmo que se tratasse de uma situação de impedimento, a lei não veda a substituição do membro impedido, na medida em que é a própria lei que prevê a substituição de membro impedido que faça parte de órgão colegial, conforme decorre do n° 2, do 72, do CPA, substituição que, no caso de órgão autárquico, se faz nos termos do art° 79, ex vi art° 78, n° 2, ambos do DL. 169/99.

XIII - Assim, a substituição do Vereador «BB» por «DD» e do Presidente da Câmara por «CC» é perfeitamente legal, assegurou o quórum de funcionamento e deliberativo da Câmara Municipal (4 em sete – e não 9 como, certamente por erro ou desconhecimento, refere o Sr. Juiz na sentença), pelo que, verificados os demais pressupostos de validade da deliberação (voto secreto e aprovação por maioria dos membros do órgão), o ato impugnado não é nulo, ao contrário do decidido.

XIV – Por outro lado, ao contrário do decidido, a recusa do autor a assinar relatório em cuja elaboração participou (Relatório de Ponderação da Discussão Pública), independentemente da formalidade da constituição de comissão ou equipa de alteração do PU de ..., integra infração disciplinar.

XV – Pois, o que verdadeiramente está em causa não é o facto do autor se ter recusado a assinar um documento proveniente de uma comissão pluridisciplinar de que fazia ou não parte, mas sim o de ser recusar a assinar um relatório relativo às alterações do PU de ..., na elaboração do qual participou.

XVI – Pelo que, a recusa a ordem legítima do seu superior hierárquico (o Presidente da Câmara), dada em matéria de serviço e por escrito, constitui violação, entre o mais, do dever de obediência.

XVII - Logo, verificou-se a prática da infração pela qual lhe foi aplicada ao autor a pena disciplinar de 90 dias de suspensão.

XVIII – Decidindo, como decidiu, a sentença impugnada violou, entre o mais, o disposto nos artigos 59, 78 e 79, do DL. 169/99, 18 de setembro, republicado pela Lei n° 5-A/2002, de 11 de janeiro, bem como o art° 72, do CPA, o art° 3, n° 1, al f) e n° 8, e art° 5, n° 5, da Lei n° 58/2008, de 9 de setembro.

Termos em que, deve dar-se provimento ao recurso e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida nos concretos pontos da matéria de facto impugnada e, em consequência, julgar-se a ação totalmente improcedente, com o que se fará inteira
Justiça.
*

II –Matéria de facto.

Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Na interpretação do equivalente preceito do Código de Processo Civil anterior (o artigo 712º), foi pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.2005, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07.3 PNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05.8 VIS).

Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram directamente percepcionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.

Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:

“Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.

No caso concreto no que diz respeito aos factos provados sob os números 2 e 3 e aos factos não provados sob o n.º 2, a prova documental oferecida, designadamente as declarações prestadas na Polícia Judiciária, no âmbito do Processo de Inquérito n° 142/11...., cujo auto se encontra a fls. 406, do processo administrativo, não são suficientes para abalar o julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido.

Porque tais documentos, na fixação dessa matéria de facto, devem ser compaginados com os depoimentos e as declarações prestadas em julgamento, cuja análise deita pelo Tribunal recorrido não apresenta erro evidente.

Na verdade – e sendo certo que para o julgamento da matéria de facto não releva o que deve ser à luz da lei, mas apenas o que sucedeu de facto – nada impõe retirar dos elementos de prova produzidos que o Autor tenha participado na discussão pública do projecto de alteração do referido Plano de Urbanização e não se tenha limitado apenas a estar presente, como decidiu o Tribunal recorrido.

Em particular os termos da convocatória que o Autor recebeu reunião de trabalho com a equipa técnica da CCDR e equipa técnica da Câmara Municipal – fls. 530 do processo administrativo - não deixa claro sem margem para dúvidas os termos em que se realizou a reunião em causa no que diz respeito ao Autor.

No que diz respeito à alteração do ponto 6 dos factos provados, efectivamente resulta do documento de fls. 8 e 9 do procedimento administrativo, tal como pretende o Recorrente, que a ordem foi dada ao Autor na qualidade de membro da Comissão de Trabalho, sendo certo que em 29.07.2013 o Autor já era funcionário da Câmara Municipal ....

O que impõe, de resto o aditamento do facto invocado pelo Recorrente e provado péu documento de fls. 410 e 410 verso:

O autor assinou com o réu, em 31.10.2012, e para produzir efeitos a partir do dia 02.11.2012, contrato de trabalho em funções públicas e por tempo indeterminado, com a categoria de técnico superior arquiteto”.

Saber se o Autor participou na elaboração do Plano de Urbanização ... quando já tinha a qualidade de membro da Comissão de Trabalho ou em momento anterior, já é matéria conclusiva que ultrapassa a mera matéria de facto.

Finalmente, quanto ao ponto 14 da matéria de facto dada como provada tem razão o Recorrente:

A acta é um documento autêntico, com força probatória plena quanto ao que nela consta relativamente aos factos ocorridos na referida reunião da Câmara Municipal, sendo que a autenticidade da mesma não foi posta em causa.

Tal força probatória não poderia ser posta em causa fora de um incidente da falsidade, pelo mero depoimento de testemunhas.

Pelo que se impõe alterar o ponto 14 da matéria de facto dada como provada de acordo com o teor da acta:

“Ao retomar a reunião, o Presidente da Câmara disse que por motivos pessoais teria de se ausentar da mesma e que pretendia fazer-se substituir nos mesmos moldes em que foi feita a substituição do Vereador «BB», ou seja, pelo membro que se encontrava a seguir na ordem da lista do Partido Socialista às últimas eleições autárquicas, ou seja, pelo Sr. «CC», o que ocorreu”.

Nada mais havendo a alterar ou aditar.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida:

1) A Câmara Municipal decidiu alterar o Plano de Urbanização tendo solicitado à Eng.ª «EE» para que realizasse essa alteração solicitando ajuda e coordenando as alterações com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional - depoimento de «FF», «GG», «HH», «EE», «II».

2) Pontualmente, a referida Eng.ª solicitou ajuda a «HH», ao Autor e a «II» para a elaboração de algumas tarefas e alterações em programas informáticos que não estava familiarizada - depoimento de «FF», «HH», «EE», «II».

3) O Autor esteve presente na discussão pública do projecto de alteração do referido Plano de Urbanização - depoimento de «FF», «HH», «EE».

4) O Autor assinou a 07.01.2011 e 27.01.2012 contratos de prestação de serviços de Arquitectura com o Município ..., referentes a dois procedimentos de ajuste directo – processo administrativo, fls. 419 e seguintes.

4.1) O Autor assinou com o Réu, em 31.10.2012, e para produzir efeitos a partir do dia 02.11.2012, contrato de trabalho em funções públicas e por tempo indeterminado, com a categoria de técnico superior arquiteto – documento de fls. 410 e 410 verso.

5) A 18.07.2013 o mandatário do Autor comunicou ao Presidente da Câmara Municipal que dera instruções ao seu cliente para não assinar uma vez que não interveio no procedimento de alterações do Plano de Urbanização - processo administrativo, fls. 13.

6) A 29.07.2013 o Presidente da Câmara Municipal determinou ao Autor que assinasse, na qualidade de membro da Comissão de Trabalho, o relatório das alterações ao Plano de Urbanização ... - processo administrativo, fls. 8 e 9.

7) A 20.08.2013 o Presidente da Câmara Municipal determinou a instauração de procedimento disciplinar ao Autor por este recusar assinar o relatório referido - processo administrativo, fls. 1 a 3.

8) No dia 15.07.2014 ocorreu reunião extraordinária da Câmara Municipal presidida por «JJ», Presidente da Câmara, e com a presença do Vice-Presidente, «KK», e dos Vereadores «LL», «MM», «NN», «DD», e «OO» - documento 3 junto com a contestação; declarações de parte; depoimento de «DD», «GG», «NN», «PP».

9) A reunião iniciou-se no Salão Nobre e tinha como ponto único a decisão do processo disciplinar em causa nos presentes autos - documento 3 junto com a contestação; declarações de parte; depoimento de «DD», «GG», «NN», «PP».

10) O Presidente da Câmara deu início à reunião dando conhecimento que o Vereador «BB» tinha comunicado a sua ausência à reunião e que pretendia ser substituído pelo membro seguinte da lista do PS eleita nas últimas eleições autárquicas - documento 3 junto com a contestação; declarações de parte; Depoimento de «DD», «QQ», «GG», «NN», «PP».

11) No local da reunião encontrava-se «DD» que havia sido contactado previamente para aí tomar parte substituindo o referido Vereador - documento 3 junto da contestação; declarações de parte; depoimento de «DD», «QQ», «NN».

12) O qual tomou posse em substituição do referido Vereador – documento 3 junto com a contestação; declarações de parte; depoimento de «DD», «QQ», «GG», «NN».

13) A reunião passou depois para a sala anexa ao Salão Nobre para discussão e votação da decisão disciplinar – documento 3 junto com a contestação; depoimento de «DD», «QQ», «GG», «NN».

14) Ao retomar a reunião, o Presidente da Câmara disse que por motivos pessoais teria de se ausentar da mesma e que pretendia fazer-se substituir nos mesmos moldes em que foi feita a substituição do Vereador «BB», ou seja, pelo membro que se encontrava a seguir na ordem da lista do Partido Socialista às últimas eleições autárquicas, ou seja, pelo Sr. «CC», o que ocorreu.

15) O Presidente da Câmara ausentou-se da reunião - documento 3 junto com a contestação; declarações de parte; depoimento de «DD», «CC», «NN».

16) Os Vereadores do PSD também abandonaram a reunião -
documento 3 junto com a contestação; depoimento de «DD», «CC», «NN».

17) O Vice-Presidente passou a presidir à reunião estando presente Vereador «MM», «DD» e «CC»; documento 3 junto com a contestação, depoimento de «DD» e «CC», «GG».

18) Os quais deliberaram, por escrutínio secreto, aprovar o relatório final que propunha aplicar ao Autor pena disciplinar de suspensão por 90 dias; documento 3 junto com a contestação; depoimento de «DD» e «CC».

19) O Autor foi notificado, por ofício n.º ...74 de 18.07.2014, que a Câmara Municipal ..., em reunião extraordinária de 15.07.2014, deliberara aplicar-lhe a pena disciplinar de suspensão por 90 dias - documento 1 junto com o requerimento inicial no processo cautelar.

*
III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte que aqui releva:

“(…)
IV.2.1 – Inexistência da decisão

Sustenta o autor que a decisão punitiva impugnada foi tomada em reunião presidida por quem se encontrava impedido, por vereadores que nunca tomaram posse nem tinham conhecimento do processo disciplinar nem tiveram tempo de tomarem conhecimento do mesmo e sem quorum.

Vejamos.

Conforme decorre dos artigos 161.° do CPA, o legislador expressamente refere-se a dois regimes de invalidade de atos administrativos: o regime da nulidade e o regime da anulabilidade.

No entanto, a par destes dois diferentes enquadramentos, a doutrina e a jurisprudência têm abordado também o vício de inexistência do ato administrativo. E o próprio legislador, muito embora não contemple no CPA um regime de invalidade específico para a inexistência de atos administrativos, alude a ele nos artigos 2.°, n.° 2, al. a) e 4.°, n.° 2, als. a), d) e e), 39.°, n.° 1, 50.°, n.° 4 e 79.°, n.° 3, al. c) do CPTA.

Como sublinham Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, «de inexistência jurídica pode falar-se em dois sentidos: a inexistência material corresponde a um nada ontológico, sendo neste caso mais correcto falar-se em inexistência de acto do que, propriamente, em acto inexistente; a inexistência jurídica em sentido estrito é um juízo formulado sobre realidades ontologicamente existentes mas às quais o direito recusa a qualificação como jurídicas, ou a qualificação, que pretendem assumir, em determinada categoria jurídica, em virtude de não reunirem os respectivos requisitos de existência. Em ambos os casos, tenha ou não algum suporte ontológico, o «acto inexistente» é, assim, uma mera aparência de acto» - in Marcelo Rebelo de Sousa; André Salgado de Matos – Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2.ª edição, D. Quixote, 2009, pág. 43.

O ato inexistente é, portanto, aquele que desrespeita os requisitos legais de existência ou porque não existe (não foi praticado) ou porque não é passível de se reconduzir à categoria legal de ato administrativo por ausência de algum dos seus requisitos essenciais.

Do confronto entre o artigo 148.° e o artigo 151.° do CPA resulta a existência de menções que constituem a identidade categorial de um ato como administrativo, pelo que a sua ausência determina a inexistência. De tal confronto pode identificar-se a existência de quatro elementos constitutivos de um ato administrativo: a identificação de um órgão da Administração, a identificação de um destinatário, a existência de um conteúdo; a intenção de produzir efeitos jurídicos.

Conforme resulta do artigo 161.°, n.° 2 do CPA a ausência dos elementos essenciais de um ato administrativo é sancionada com o vício de nulidade, o que significa que a distinção entre a nulidade e a inexistência passará por verificar quais das menções obrigatórias que constam do artigo 151.° do CPA têm uma natureza constitutiva em face do disposto no artigo 148.° do mesmo diploma, sendo a ausência destas últimas sancionadas com a inexistência jurídica. De outra forma a inexistência jurídica seria uma figura jurídica inoperativa.

Efetivamente, a mera atuação material cria uma aparência de ato administrativo, cuja inexistência jurídica deve ser declarada de modo a que se destrua essa aparência e não se permita que à sua sombra se possam praticar indevidamente atos de execução – cfr. acórdão do STA de 19.11.1996, Recurso n.o 39 410 e de 03.05.2005, Proc. 01139/04.

No entanto, afigura-se que as questões suscitadas pelo autor não são sancionadas com a inexistência, mas com a nulidade (que o autor, aliás, peticionada a título subsidiário). Na verdade, a existência de uma deliberação de órgãos colegiais tomados com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigida é uma das situações tipificadas de nulidade nos termos do disposto no artigo 161.°, n.° 2, al. h) do CPA.

Assim, e apesar de o autor reconduzir os fundamentos invocados relativos à aprovação da decisão impugnada ao regime da inexistência jurídica, afigura-se que terão que se analisados à luz do regime da nulidade, o que não prejudica o princípio do pedido, já que, por força do disposto no artigo 5.°, n.° 3 do CPC o juiz não está sujeito à alegação das partes no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (ou, como é referido num brocardo, iura novit curia).

O autor começa por invocar a questão do quórum e da introdução na reunião de elementos que nunca tomaram posse nem tinham conhecimento do processo disciplinar.

Analisada a matéria de facto, afigura-se que efetivamente assiste razão ao autor, já que se afigura que a entidade demandada aplicou erradamente o regime da substituição legal a situações que não estão abrangidas.

Em primeiro lugar, porque a substituição do presidente da Câmara Municipal em caso de impedimento tem uma regulamentação específica que não foi respeitada.

Efetivamente o artigo 57.°, n.° 3 da Lei n.° 169/99, de 18 de setembro determina que “O presidente designa, de entre os vereadores, o vice-presidente a quem, para além de outras funções que lhe sejam distribuídas, cabe substituir o primeiro nas suas faltas e impedimentos.”

Portanto, exige-se que em caso de ausência ou impedimento o Presidente da Câmara Municipal seja substituído pelo vice-presidente. Não por uma terceira pessoa.

Ora, no caso em apreço, o Presidente da Câmara Municipal ausentou-se por causa de um impedimento, mas não foi substituído pelo Vice-presidente, mas por terceira pessoa que foram chamar sem qualquer fundamento legal para o efeito.

Portanto, a intervenção de «CC» na reunião em causa é ilegal.

Em segundo lugar, porque não está prevista qualquer substituição para pessoas impedidas ou ausentes/faltosas.

O artigo 55.°, n.° 6 da Lei n.° 75/2013, de 12 de setembro, regulando as formas de votação nos órgãos das autarquias locais prevê que “Não podem estar presentes no momento da discussão nem da votação os membros do órgão que se encontrem ou se considerem impedidos.”

Portanto, o que ocorre quanto um elemento de um órgão colegial de uma autarquia local invoca a existência de impedimento é a imposição de se ausentar no momento da discissão ou da votação do assunto em que existe impedimento. Não se prevê a substituição do membro. Nem a sua falta. Está presente na reunião e quando se inicia o ponto relativamente ao qual existe impedimento o membro em causa sai do local onde ocorre a discussão e a votação.

Repare-se que a substituição de um membro da Câmara Municipal só ocorre numa das situações previstas no artigo 59.°, n.° 1 da Lei n.° 169/99, de 18 de setembro, que determina o seguinte: “No caso de morte, renúncia, suspensão ou perda de mandato de algum membro da câmara municipal em efetividade de funções, é chamado a substituí-lo o cidadão imediatamente a seguir na ordem da respetiva lista, nos termos do artigo 79.º”.

Consequentemente, o regime aplicado no caso em apreço de fazer intervir o cidadão imediatamente a seguir do partido pelo qual havia sido proposto o membro que deu origem à vaga apenas ocorre nas situações de morte, renúncia, suspensão ou perda de mandato. Não nos casos de impedimento.

E percebe-se bem porquê.

Os casos de impedimento reportam-se a um assusto específico; o membro impedido só não pode intervir na discissão desse assunto. Por isso se exige apenas a sua ausência na discussão e votação. Mas mantém o exercício de funções relativamente a todos os assuntos.

Já a substituição abrange todos os assuntos. Há uma alteração subjetiva: um membro do órgão deixa efetivamente de o ser para toda e qualquer matéria, passando as funções a ser exercidas por outro elemento da lista que foi sujeita a votação democrática.

Ora, o que ocorreu no caso em apreço foi bastante distinto das previsões normativas supra referidas.

Na reunião extraordinária ocorrida no dia 15.07.2014 o Vereador «BB» esteve ausente. Mas fez-se substituir por «DD», alegadamente por ser o membro da lista do PS que submetida a eleições.

Como resulta do exposto supra, só a morte, renúncia, suspensão ou perda de mandato do vereador «DD» possibilitavam que «DD» assumisse funções na reunião. Não está legalmente previsto nenhum regime de substituição de vereadores nas ausências ou situações de impedimentos.

Consequentemente, a participação de «DD» na discussão ou votação da deliberação na qualidade de vereador é ilegal.

Ora, como facilmente se pode concluir, a deliberação impugnada foi tomada pelo Vice-Presidente e pelo Vereador «MM» e com a participação/intervenção ilegal de «DD» e «CC».

Ora, de acordo com o artigo 54.°, n.° 1 da Lei n.° 75/2013, de 12 de setembro “Os órgãos das autarquias locais só podem reunir e deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros.”

Como resulta dos autos, a reunião em causa iniciou-se com a presença de todos os elementos da Câmara e a ausência do Vereador «BB». Nada obsta ao seu início.

Mas não podia haver deliberação, já que dos 9 elementos, 8 dos quais presentes no início da reunião, apenas estavam na discussão e deliberação 2 elementos, ou seja, um número inferior ao quórum legalmente exigido.

Assim, por força do artigo 161.°, n.° 2, al. h) do CPA, a deliberação em causa é nula.

IV.2.2 –Inexistência de infração

O autor invoca que não praticou qualquer tipo de ilícito.

Vejamos.

A infração apontada ao autor reporta-se à recusa de assinar o relatório de alteração do Plano de Urbanização ....

De acordo com o artigo 2.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 292/95, de 14 de novembro “Os planos de urbanização e de pormenor são obrigatoriamente elaborados por equipas técnicas multidisciplinares”. E de acordo com o n.° 2 “As equipas multidisciplinares incluem pelo menos um arquiteto, um engenheiro civil ou engenheiro técnico civil, um arquiteto paisagista, um técnico urbanista e um licenciado em Direito, qualquer deles com experiência profissional efetiva de, pelo menos, três anos.”

Conforme resulta dos autos, o autor não participou de nenhuma equipa multidisciplinar para revisão ou alteração do Plano de Urbanização ....

Foi-lhe, no entanto, dada ordem para assinar o relatório da alteração do Plano de Urbanização ..., o que o autor recusou. E em consequência dessa recusa foi-lhe instaurado o processo disciplinar em causa, e deliberado aplicar-lhe sanção disciplinar pelo prazo de 90 dias.

Ora, analisada a matéria de facto, afigura-se evidente que esta ordem é uma evidente tentativa ilegal de contornar o facto de o PU não ter sido alterado por uma equipa multidisciplinar como legalmente imposto, mas antes exclusivamente por «EE».

Neste quadro, o que é relevante para o ato impugnado é se a recusa do autor em cumprir a ordem que lhe foi dada era legítima.

Afigura-se que sim.

De acordo com o artigo 3.°, n.° 1 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.° 58/2008, de 09 de setembro, um dos deveres dos trabalhadores em funções públicas é o de obediência- alínea f). O n.° 8 do mesmo artigo “O dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e com a forma legal.”

De acordo com o artigo 5.°, n.° 5 do mesmo Estatuto, “Cessa o dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime.” Isto resulta ainda do disposto no artigo 271.°, n.° 3 da Constituição.

Ora, nos termos do disposto no artigo 256.°, n.° 1, al. d) do Código Penal constitui crime a falsificação de documentos, no qual se integram as situações em que se “Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante”.

Ora, como referido supra, o objetivo da ordem era fazer constar a assinatura de um arquiteto no relatório de alteração de forma a fazer passar o facto de o PU ter sido alterado sem a intervenção de uma equipa multidisciplinar nos termos legalmente estabelecidos.

Assim, ao contrário do sustentado pela entidade demandada, afigura-se a recusa em assinar o relatório como legítima.

Além disso é importante ter em consideração que nos termos do artigo 55.° do Estatuto da Ordem dos Arquitetos, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 176/98, de 03 de julho, o arquiteto deve, no desempenho da sua atividade profissional, “Recusar-se a assinar quaisquer trabalhos nos quais não tenha participado”.

Portanto, o autor, na qualidade de arquiteto estava legalmente impedido de assinar o relatório em causa, já que o mesmo foi efetuado exclusivamente por «EE».

Não é legalmente indiferente integrar ou não a comissão de alteração do PU de ..., já que, como referido, o autor está impedido legalmente de assinar projetos e documentos em cuja elaboração não tenha participado.
(…)”.

Vejamos.

Quanto à primeira parte do recurso o Recorrente tem razão quanto à possibilidade de substituição do Presidente e do Vereador.

Dada a alteração ao ponto 14 dos factos provados e ao disposto no artigo 78º do Decreto-Lei 169/99, de 18.09, a substituição podia ter-se operado nos moldes em que se efectuou.

Por outro lado, o número de membros do executivo da Câmara Municipal é de 5 e não de 9 como se refere na sentença recorrida – ver ...

Pelo que foi respeitado o quórum mínimo com a presença de 4 membros (sendo dois em substituição).

O que implica não se verificar este vício, a determinar a nulidade da deliberação impugnada.

Mas verifica-se o vício do erro nos pressupostos da decisão impugnada, dado não se verificarem os pressupostos da infracção pela qual o Autor foi punido.

Desde logo o elemento objectivo porque não resulta dos factos provados que o Autor participou na elaboração do Plano de Urbanização ... quando já tinha a qualidade de membro da Comissão de Trabalho.

Pelo contrário resulta até da própria versão dos factos apresentada pelo Réu, ora Recorrente, que o Autor foi integrado na referida equipe de trabalho por despacho de 02.12.2011, ou seja, antes de assumir a qualidade de funcionário do Município, em 02.11.2012 - ver artigo 43º da contestação.

Mas ainda que se verificasse o elemento objectivo da infraçcão forçoso se tornaria concluir pela não verificação do elemento subjectivo.

Na verdade, o Autor recursou-se a assinar o relatório das alterações ao Plano de Urbanização ... por indicação do seu mandatário.

Sendo um Autor um arquitecto é aceitável que confie na posição do seu Mandatário, por ser suposto este conhecer a lei e designadamente saber que no caso a obediência à ordem dada não era devida.

Pelo menos não lhe pode ser censurada tal conduta.

O que determina não a nulidade da deliberação impugnada mas apenas a sua anulação – artigo 163º , n.º1 do Código de Procedimento Administrativo.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida na parte em que julgou nula a deliberação impugnada.

2. Julgam parcialmente procedente a acção e anulam a deliberação impugnada por vício de violação de lei.


Custas em ambas as instâncias por Recorrente e Recorrido, em parte iguais.
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Porto, 10.01.2025

Rogério Martins
Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães