Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 01716/13.7BEPRT |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 04/09/2021 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | Paulo Ferreira de Magalhães |
| Descritores: | RELATÓRIO PERICIAL; RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR ACTO ILÍCITO; GRAU DE CULPA; ILEGITIMIDADE PASSIVA; INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL EM RAZÃO DA MATÉRIA. |
| Sumário: | 1 – Como resulta do artigo 8.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas [RCEEP], aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, apenas perante uma actuação dolosa ou gravemente culposa geradora de danos, é que haverá responsabilidade solidária do titular do órgão ou agente e da Administração, tendo esta, todavia, direito de regresso perante o titular do órgão ou do agente, no caso de ter havido diligência e zelo manifestamente inferiores aos que eram devidos em razão do cargo. 2 - Estando em causa a apreciação de uma actuação imputada a título de culpa leve, o ressarcimento por tais danos só poderá ser exigido ao Estado ou a pessoa coletiva de direito público, entidade esta que responde directa e exclusivamente perante o lesado, pelos danos resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos, funcionários ou agentes. 3 - A autoria de um relatório pericial é de quem o subscreve, sendo que o que dele consta enunciado, tanto pode ser resultado do emprego de um “dicurso directo“, ou de um “discurso indirecto“, em termos do que foi escrito por decorrência do que foi sendo relatado ao perito, ou do que foi o resultado do seu exame/análise/observação, ou o que são as conclusões do seu trabalho face ao que lhe foi pedido pela instância judicial, e tendo a 1.ª Ré sido a perita designada para o fazer, a esta e apenas a esta, competia definir a metodologia da realização do trabalho, e do relatório consta de forma pormenorizada por que termos é que o fez. 4 – Enquanto Psicóloga Clínica ao serviço do Hospital Magalhães Lemos, e na qualidade de perita, a 1.ª Ré elaborou dois relatórios para o Tribunal de Família e Menores [visando o Autor e a 2.ª Ré enquanto pais dos dois menores], que versou a avaliação psicológica de ambos os progenitores dos menores visados em autos que aí correu termos, não resultando dos relatórios que a mesma [1.ª Ré] tenha querido prejudicar/causar danos ao Autor seja a que título for, nem também beneficiá-lo a ele ou à ex-mulher, antes deles [relatórios] se extraindo o resultado do exercício da avaliação psicológica que a mesma ponderou e efectuou, e que comunicou à entidade jurisdicional que os requisitou. 5 – Não tendo o Autor referido que a actuação ilícita que imputa à 1.ª Ré encerra um comportamento doloso ou que que foi prosseguida com uma diligência e zelo manifestamente inferiores ao que lhe era exigível [com culpa grave], antes tendo qualificado a invocada actuação ilícita da 1.ª Ré, de forma expressa, sob o regime da culpa leve, tal significa que nessa eventualidade a responsabilidade pelo ressarcimento de eventuais danos produzidos por via da emissão de relatório pericial, seria exclusiva do Hospital Magalhães Lemos, carecendo por isso a mesma de legitimidade para intervir nos autos, numa demanda com pretensão indemnizatória contra si requerida, com fundamento em ter sido a autora de um relatório pericial em que o mesmo [Autor] é visado. 6 - Conforme assim dispõem os artigos 211.°, n.º 1, da CRP, 64.º do CPC, e 40.°, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário [LOSJ – Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto], os tribunais judiciais têm competência para julgar as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, sendo que, quanto aos tribunais administrativos e fiscais, os mesmos são competentes para julgar as causas “emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais“ – Cfr. artigos 212.º, n.º 3, da CRP, e 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF - Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro], competência essa que, nos termos do seu artigo 4.º é concretizada com a delimitação do "âmbito da jurisdição" mediante uma enunciação positiva [Cfr. n.ºs 1 e 2 ] e negativa [Cfr. n.ºs 3 e 4]. 7 – Atento o princípio do dispositivo, se a causa de pedir relativamente à 2.ª e 3.º Réus tem subjacente o que eles disseram à 1.ª Ré, enquanto perita, no âmbito de consulta realizada na avaliação psicológica, e se o Autor tem as suas declarações como fundadas em “mentira e falsidade“ e lesivas da sua esfera jurídica, a sindicância dessa sua actuação não pode ser feita junto dos Tribunais Administrativos, porque neles só se julgam os conflitos a que a lei se reportar [Cfr. artigos 1.º, n.º 1 e 4.º, ambos do ETAF], carecendo o Tribunal Administrativo em absoluto, de competência para conhecer do objecto do litígio em causa, por não estarem os mesmos Réus adstritos ao cumprimento de um qualquer dever jurídico-administrativo e de que o Autor fosse destinatário.* * Sumário elaborado pelo relator |
| Recorrente: | J. |
| Recorrido 1: | S., e Outros |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * I - RELATÓRIOJ., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 25 de setembro de 2019, pela qual foi julgado, entre o mais, i) procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria e absolvidos da instância a 2.ª Ré, I., assim como o 3.º Réu, J., ii) procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da 1.ª Ré, S., e consequentemente, a sua absolvição da instância, e iii) procedente a excepção peremptória de prescrição, e consequentemente, absolvido do pedido o Interveniente Principal Hospital (...), E.P.E., e assim, totalmente improcedente o pedido formulado na Petição inicial [atinente à condenação da 1.ª Ré no pagamento da quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), e à condenação da 2.ª Ré e Réu na quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), quantias acrescidas de juros a contar da citação até efectivo e integral pagamento; sendo que a intervenção nos autos do Hospital (...), EPE, a título de Intervenção Principal foi deferida por douto despacho datado de 22 de maio de 2018]. * No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as respectivas conclusões, que para aqui se extraem como segue: “CONCLUSÕES: A) 23. Não pode o recorrente concordar com a sentença exarada, no que toca às exceções que foram levadas àquela douta sentença; 24. Por efeito, quanto à incompetência absoluta do tribunal, o Código de Processo dos Tribunais Administrativos é claro; 25. Senão vejamos o artigo 2.º n.º 2 al. k), que simplesmente diz “a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter: A condenação à reparação de danos causados por pessoas coletivas e pelos titulares dos seus órgãos ou respetivos trabalhadores”; 26. Certo é que o relatório, apontado, e, assinado pela recorrida S. o foi no âmbito das suas funções como funcionária pública, mas mais, foram vertidas aquelas palavras num timbrado do Hospital (...), que por sinal é uma EPE; 27. Mais não podemos olvidar que também houve uma decisão judicial transitada, neste caso do tribunal cível, de onde “descendeu” esta ação, que se considerou incompetente, considerando competente este tribunal administrativo; 28. Posto tal, consideramos que não colhe de razão a sentença, declarando-se como incompetente o tribunal administrativo para julgar o presente pleito; 29. Na verdade a considerarem-se incompetentes os dois tribunais, estamos perante um conflito, por efeito deverá ou considerar-se competente o tribunal administrativo ou haver intervenção do tribunal de conflitos; B) 30. Mais, refere a douta sentença, que o recorrente não imputa a culpa nas suas modalidades à recorrida S.; 31. Na verdade, aquele no artigo 49. da petição inicial diz - “Aliás, bem sabia que imputar os factos acima referidos era ofensivo da esfera jurídica do recorrente...”; 32. Isto é, a afirmação, exposta neste ponto – transporta-nos para a culpa exposta em factos, por tal não pode colher o que vem naquela sentença, no que toca a esta ilegitimidade; 33. Em rigor, julgamos nós que tal só poderia ser aferido no final do processo corrida audiência de julgamento, e, aí é que deveria ser considerado ou não tendo o recorrente conseguido provar tal facto – ou seja, não nos parece que a ilegitimidade da recorrida consiga ser aferida desta forma; 34. Isto porque ela é parte legitima do modo que o recorrente configurou a ação, outra coisa, é dar-se como provada ou não a sua culpa; 35. Portanto do que acima decorre, entendemos que andou mal o tribunal recorrido quando entende, que os factos vertidos nestes autos não estão compreendidos numa relação jurídica administrativa de acordo com o que a lei afirma no seu artigo 2.º n.º 2 al. k) do CPTA; 36. Mais também não parece pelo que está vertido no artigo 10.º do CPTA que a 1.ª recorrida S. seja parte ilegítima; 37. Assim só resta por um lado e através da leitura daqueles artigos, que seja determinado que o Tribunal Administrativo é considerado competente e por outro lado que a 1.ª recorrida seja considerada parte legitima; 38. Caso a competência fique no conflito, entende o recorrente que deverá intervir o tribunal de conflitos; NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V/EXA.(S) DOUTAMENTE SUPRIRÃO REQUER A PROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO, POR EFEITO, SEJA O DESPACHO SANEADOR-SENTENÇA REVOGADO E TROCADO POR OUTRO QUE CONSIDERE O TRIBUNAL COMO COMPETENTE E A 1.ª RECORRIDA COMO PARTE LEGITIMA; TUDO COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS TIDAS E HAVIDAS POR LEGAIS.” ** A 1.ª Recorrida, S. apresentou Contra alegações, tendo elencado a final as conclusões que ora se reproduzem: “- EM CONCLUSÃO: a)- A Douta Sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo” não merece qualquer reparo jurídico e, como se disse, deve ser integralmente mantida; b)- A ora Recorrida foi demandada no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, por causa de um relatório pericial forense que realizou no exercício das funções profissionais que mantém com o Hospital (...), E.P.E., no âmbito de uma relação jurídica de emprego público; c)- A relação jurídica de emprego público existente entre a Recorrida e o Interveniente Principal era do perfeito conhecimento do Recorrente como este, aliás, demonstra ao juntar com a sua petição documentos que comprovam esse conhecimento; d)- Ainda assim, o Recorrente optou por demandar a Funcionária, ignorando o Interveniente Principal, embora invocasse na sua acção as normas do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, a este aplicáveis e não à ora Recorrida; e)- De resto, para além de considerações esvaziadas de qualquer conteúdo fáctico ou concreto, o Recorrente também não demonstrou que o relatório pericial elaborado pela Recorrida resultou de acções ou omissões ilícitas e que estas tivessem sido cometidas com dolo, ou negligência; f)- Veja-se que se está perante um relatório pericial solicitado pelo Tribunal de Família e Menores do Porto, no decurso de um processo de Incumprimento de Regulação do Poder Paternal, no âmbito do qual a Recorrida intervém como Psicóloga da Unidade de Psicologia do Hospital (...), E.P.E. e, consequentemente, como PERITA do referido Tribunal no referido processo; g)- Logo, acaso existisse algo a esclarecer e ou a questionar acerca do referido relatório pericial, competia ao Recorrente demandar directamente o referido Hospital (...), E.P.E. e não a Recorrida; h)- Assim, face à inexistência de dolo, por parte da Recorrida, nem sequer negligência, na elaboração do citado relatório, nunca devia ter sido demandada nos autos, por referência às normas ao R.R.C.E.E.E.P., aplicável; i)- Razão pela qual, de facto, a Recorrida é efectivamente parte ilegítima na presente acção, nos termos e para os legais efeitos; j)- Em face disso, tem de se concluir que a Douta Sentença do Tribunal “a quo” aplicou correctamente a lei e o direito e, por via disso, deve ser mantida nos seus precisos termos, o que desde já se requer. Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser mantida a Sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, devendo outrossim ser negado provimento ao recurso apresentado em sentido contrário, tudo com as legais consequências, assim se fazendo serena, sã e objectiva JUSTIÇA!“ * A 2.ª Recorrida, I. não apresentou Contra alegações.* O 3.º Recorrido, J., apresentou Contra alegações, tendo elencado a final as conclusões que ora se reproduzem:“CONCLUSÕES 1. Veio o Autor recorrer da douta decisão do Meritíssimo Senhor Juiz do Tribunal “a quo” que julgou procedente a incompetência absoluta do tribunal administrativo para julgar o presente pleito e bem assim a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da 1ª Ré, S., absolvendo-a da instância. 2. Não assiste qualquer razão ao Autor quanto aos argumentos por si invocados nas alegações de recurso, às quais ora se responde, os quais soçobram integralmente quando contrapostos à firme fundamentação da sentença recorrida. 3. A douta sentença recorrida clara e exemplarmente expõe na sua fundamentação, trabalhando e enquadrando todos os elementos de prova para a emanação da sua conclusão sobre a ocorrência das citadas exceções de incompetência absoluta e da ilegitimidade passiva da 1ª Ré, mostrando-se dessa forma percetível e intuível por todos quanto analisem a referida sentença. 4. Sendo certo que a análise e ponderação de todos os argumentos esgrimidos pelo Recorrente em nada debelam os raciocínios dialeticamente elaborados pelo Tribunal de primeira instância face às provas produzidas. 5. A sentença recorrida corresponde, pois, ao que resultou demonstrado no processo, designadamente dos articulados apresentados pelas partes e da documentação junta aos autos, devendo, por conseguinte, ser mantida. 6. Quanto às contra alegações apresentadas pela 1ª Ré sobre a exceção da ilegitimidade passiva – as quais se dão aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais sob os princípios regentes da economia e celeridade processuais – há que acrescentar que a douta sentença proferida pelo tribunal “a quo” não merece, igualmente, qualquer reparo jurídico no tocante à decisão da exceção de incompetência absoluta em razão da matéria, razão pela qual deverá aquela decisão ser integralmente mantida. 7. De facto, é patente a inexistência de qualquer relação jurídica administrativa entre o Autor, ora Recorrente, e os 2º e 3º Réus, ora Recorridos. 8. Ora, sendo a relação jurídica administrativa uma relação que se desenvolve entre um ente público e pessoas privadas ao abrigo de normas de direito público, não se concebe como pode o Recorrente pretender configurar a relação existente entre ele e os 2º e 3º Réus, Recorridos, como uma relação daquele tipo. 9. Face à insustentável relação jurídica administrativa entre aquelas partes, atendendo a que a questão articulada pelo Autor, Recorrente, é de direito privado, ainda que uma das partes alegadamente responsáveis seja uma pessoa de direito público, outra solução não podia caber senão a obrigatoriedade de submeter a apreciação dessa questão aos tribunais comuns, de direito civil. 10. Jamais submetê-la ao crivo da jurisdição especial dos tribunais administrativos. 11. É forçoso concluir que a douta sentença proferida pelo tribunal “a quo” aplicou corretamente a lei e o direito, devendo, como tal, ser integralmente mantida nos seus precisos termos. TERMOS EM QUE DEVERÁ SER MANTIDA A SENTENÇA PROFERIDA PELO DOUTO TRIBUNAL “A QUO”, SENDO NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, ASSIM SE REALIZANDO INTEGRAL E SÃ JUSTIÇA! * O Recorrido Hospital (...), EPE, não apresentou Contra alegações.* O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.* O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido da sua improcedência.*** Com dispensa dos vistos legais, tendo para o efeito sido obtida a concordância dos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.*** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas. Assim, as questões suscitadas pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões das suas Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, e mais concretamente, sobre se ocorre a incompetência absoluta dos tribunais administrativos [e assim, da existência de relação jurídica administrativa entre o Autor, e a 2.ª e 3.º Réus], e bem assim, sobre se ocorre a ilegitimidade passiva da 1.ª Ré, S., como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo. ** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO No âmbito da factualidade e motivação considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue: “[…] Vejamos se lhe assiste razão, sendo necessário, para o efeito, fixar os seguintes factos, que se encontram demonstrados, por documentos, juntos aos presentes autos, confissão e por acordo, atenta a articulação das partes em juízo: “A) No âmbito do processo n.º 497/06.5TMPRT, que correu termos no 1.º Juízo, 3.ª Secção do Tribunal de Família e Menores do Porto, o Tribunal solicitou junto da Unidade Funcional de Psiquiatria e Psicologia Forense (UFPPF) do Hospital (…), E.P.E. a elaboração de relatório de avaliação psicológica forense de progenitores, designadamente dos aqui Autor e 2.ª Ré – Facto não controvertido; B) Pela UFPPF do Hospital (...), E.P.E. foi designada a aqui 1.ª Ré, psicóloga funcionária daquele Hospital, para elaboração dos relatórios – Facto não controvertido; C) Em 09/06/2008, o relatório dos exames efetuados aos aqui Autor e 2.ª Ré foram juntos ao processo n.º 497/06.5TMPRT – cfr. fls. 31 dos autos. D) Em 12/06/2008 foi expedido ofício de notificação dos relatórios dos exames efetuados aos aqui Autor e 2.ª Ré para Mandatária do Autor no referido processo n.º 497/06.5TMPRT – cfr. fls. 30 dos autos. E) Em dia não concretamente apurado do mês de junho de 2008, mas posterior a 12/06/2008, o aqui Autor tomou conhecimento dos relatórios dos exames efetuados pela 1.ª Ré. F) Em 26/01/2010, o Autor deu entrada de requerimento de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça com nomeação de patrono – cfr. fls. 1277 e ss. dos autos. G) Por ofício datado de 10/03/2010, expedido em 15/03/2010 foi comunicado ao Autor o deferimento do pedido de apoio judiciário requerido – cfr. fls. 1281 e ss. dos autos. H) Em 09/07/2011, o Autor deu entrada de ação declarativa de condenação contra os aqui 1.ª, 2.ª e 3.º Réus nas Varas Cíveis do Porto, que correu termos na 2.ª Vara Cível sob o processo n.º 490/11.6TVPRT – Facto não controvertido; I) Por despacho de 23/05/2013 proferido no âmbito do processo n.º 490/11.6TVPRT, o Tribunal julgou-se incompetente em razão da matéria, tendo disso sido notificado o Mandatário do aqui Autor em 30/05/2013 – cfr. fls. 46 a 57, e ainda a fls. 110 a 121, dos autos. J) A presente ação deu entrada neste Tribunal em 08/07/2013, figurando como Réus S., I. e J. – cfr. fls. 2 dos autos. * Motivação da Matéria de Facto A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da apreciação crítica e conjugada de todos os meios de prova produzidos, nomeadamente, do teor dos documentos juntos aos autos, que submetidos a apreciação resultaram no acervo probatório documental que se encontra especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, bem como por confissão e acordo das partes. “ *** Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aqui damos por integralmente reproduzidos os dois relatórios periciais datados de 29 de maio de 2009 [juntos aos autos pelo Autor com a sua Petição inicial], elaborados pela 1.ª Ré, ora Recorrida, S., a pedido do 1.º Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto, no âmbito do Processo n.º 497/06.5TMPRT, enquanto funcionária do Hospital (...) e integrante da sua Unidade Funcional de Psiquiatria e Psicologia Forense, na qualidade de Psicóloga Clínica, visando a “Avaliação psicológica forense de progenitores”, em concreto, a realização de estudo psicológico forense para avaliação de competências parentais quanto aos menores L., e D., por parte de seus pais, respectivamente, I. [mãe] e J., relatórios esses a que se reportam as alíneas A), B), C), D), e E) do probatório a que se reporta o ponto da Sentença recorrida. ** IIIii - DE DIREITO Está em causa o despacho saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datado de 25 de setembro de 2019, pelo qual, entre o mais, foi julgada procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria e consequentemente absolvidos da instância a 2.ª Ré, I., assim como o 3.º Réu, J. da instância, tendo também sido julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da 1.ª Ré, S., e consequentemente, a sua absolvição da instância, também, julgada procedente a excepção peremptória atinente à prescrição, e consequentemente, absolvido do pedido o Interveniente Principal Hospital (...), E.P.E.. Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu. Em sede da apreciação e decisão da incompetência absoluta do Tribunal recorrido, e consequentemente, em torno da absolvição da instância da 2.ª e do 3.º Réus, o Tribunal a quo discorreu nos termos que para aqui se extractam como segue: Início da transcrição “[…] Como se disse, no caso dos autos, alega o Autor que a 1.ª Ré elaborou o Relatório requerido oficiosamente pelo tribunal de Família de Menores no âmbito do processo de regulação do poder paternal que correu os seus termos sob o n.º 490/11.6TVPRT baseado em, refere, “inverdades levadas até si pelos 2.ª e 3.º Réus” e, como tal, entende que os mesmos atuaram em conjunto para a emissão do Relatório e sua publicidade, ofendendo a sua honra e que através daquele influenciaram as demais decisões judiciais que vieram a ser prolatadas no âmbito das responsabilidades parentais. Adiante-se, desde já, que o litígio em causa não diz respeito a qualquer relação jurídica administrativa. De facto, a 2.ª e 3.º Réus limitaram-se a ser ouvidos pela 1.ª Ré (funcionária designada pelo Interveniente Principal Hospital (...), E.P.E. para elaborar o Relatório requerido pelo Tribunal), sendo que o que é alegado pelo Autor quanto àqueles Réus (2.ª e 3.ª) tratar-se-á, porventura, de uma atividade, ato, comportamento ou conduta, vista da perspetiva de um lesado particular, cuja avaliação, para efeitos do apuramento da respetiva responsabilidade civil é regulada por normas de direito privado que não por normas, princípios e critérios de direito público. Ora, a uma tal apreciação/avaliação não subjaz qualquer relação jurídico-administrativa, uma relação jurídica regulada pelo direito público, mas uma mera relação jurídico-privada, como tal regulada pelo direito privado. Rege, neste domínio, o princípio de que os tribunais de jurisdição ordinária, na circunstância os tribunais cíveis, são os tribunais-regra por força da delimitação negativa do n.º 1 do artigo 40.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (a que correspondia o anterior n.º 1 do artigo 26.º Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto) nos termos da qual “os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional". Trata-se, no fundo, da apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual estabelecidos nos artigos 483º e seguintes do Código Civil. Reconduz-se, pois, a questão central a decidir sobre uma relação jurídica de direito privado (atividade por sua natureza potencialmente geradora de danos), como tal regulada pelas normas e princípios do direito civil comum, sem embargo de, a montante e ulteriormente, ter havido a intervenção de uma entidade pública. É, em suma, uma "questão de direito privado" aquela que o Autor submete à apreciação do tribunal, ainda que uma das entidades putativamente responsáveis, isto é uma das "partes" alegadamente responsável seja uma pessoa de direito público, para utilizar a expressão contemplada na al. f) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF. Questão essa que deve ser aferida por normas, princípios e critérios próprios do direito privado, e, como tal, a respetiva apreciação encontrar-se-á, por sua própria natureza, arredada da jurisdição especial dos tribunais administrativos. Como tal, declarar aquela ofensa ao direito de personalidade do Autor, com a consequente obrigação de indemnizar e decorrente liquidação dos danos sofridos, é uma atividade jurisdicional típica dos tribunais comuns, de direito civil material e de processo civil, pelo que cabe a estes, e não à jurisdição administrativa, a competência para aferir da responsabilidade civil extracontratual. Termos em que, deve proceder a exceção de incompetência absoluta, absolvendo-se da instância a 2.ª e 3.º Réus (cfr. artigo 89.º, nºs. 1, 2 e 4, alínea a) do CPTA). […]” Fim da transcrição Por sua vez, em sede da apreciação e decisão da ilegitimidade da 1.ª Ré S., e consequentemente, em torno da sua absolvição da instância, o Tribunal a quo discorreu nos termos que para aqui se extractam como segue: Início da transcrição “[…] Prevê o n.º 1 do artigo 8.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro) que “os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo”. Ou seja, apenas perante uma atuação dolosa haverá responsabilidade solidária do titular do órgão ou agente e da Administração, sendo que no caso de atuação negligente a responsabilidade será exclusiva da Administração, embora com direito de regresso perante o titular do órgão ou agente no caso de ter havido diligência e zelo manifestamente inferiores aos que eram devidos em razão do cargo. No caso em apreço, o Autor em momento algum da petição inicial alegou que a 1.ª Ré tenha agido com dolo ou sequer negligência grosseira, alegação indispensável à sua responsabilização pelo pagamento da indemnização peticionada. Na verdade, no artigo 115.º da sua petição inicial, o Autor refere o seguinte: “Por efeito, a Ré ao ter representado que a violação da personalidade do Autor mesmo assim não se inibiu de emiti e comunicar o referido relatório às entidades que lho solicitaram, violando por consequência o direito subjetivo honra ou consideração, o que torna a Ré responsável por aquele ato ilícito nos termos dos artigos 1.º n.º 4 e artigo 7.º n.º 1 da referida Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro.” Ou seja, é o próprio Autor que indica o n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 67/2007, o qual prevê expressamente que “o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.” […] Termos em que, deve proceder a exceção de ilegitimidade passiva da 1.ª Ré, o que determina a respetiva absolvição da instância (cfr. artigo 89.º, nºs. 1, 2 e 4, alínea e) do CPTA). […]” Fim da transcrição Como deflui das Alegações de recurso motivadas pelo Recorrente, e no que releva para efeitos de apreciação do seu mérito, o mesmo sustenta que o Tribunal a quo errou ao julgar pela sua incompetência em razão da matéria para conhecer do mérito da sua pretensão, e bem assim, que também errou ao ter julgado que a 1.ª Ré S. carece de legitimidade para ser demandada por si no Tribunal administrativo. Por sua vez, no âmbito das Contra alegações apresentadas pela 1.ª Ré e pelo 3.º Réu, pugnaram os mesmos, em suma e a final, pela negação de provimento ao recurso apresentado pelo Autor, ora Recorrente, tendo neste domínio aduzido que a Sentença recorrida aplicou correctamente a lei e o direito e que por via disso a mesma deve ser mantida. Neste patamar. Para efeitos de apreciar a pretensão recursiva do Recorrente, cumpre ter presente qual a base da relação controvertida. Vejamos. O Autor, ora Recorrente, instaurou a presente acção administrativa com vista a ser indemnizado pelos danos morais que alega ter sofrido em consequência do relatório pericial elaborado pela 1.ª Ré [e em que o mesmo foi visado, enquanto avaliado], sustentando que a mesma aí verteu inverdades e falsidades que lhe foram transmitidas pela 2.ª e 3.º Réus, e também pelo acesso que aquela teve a documentos e informações atinentes à sua vida pessoal, financeira e societária. A causa de pedir na presente acção funda-se, assim, na responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito prevista no Regime da Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, sendo, como tal, constituída pelo facto voluntário, ilícito, culposo, gerador de danos e pelo nexo de causalidade adequada entre o facto e os danos verificados. Depois de compulsada a Petição inicial, dela se extrai que a causa de pedir que lhe está subjacente, radica num relatório pericial efectuado pela 1.ª Ré no exercício das suas funções, enquanto funcionária da Unidade Funcional de Psiquiatria e Psicologia Forense do Hospital (...), que lhe foi determinado realizar por decorrência das suas funções, no âmbito do Processo n.º 497/06.5TMPRT, em curso no Tribunal de Família e Menores do Porto, e no âmbito do qual foi efectuada [pela 1.ª Ré, S.], a “Avaliação psicológica forense de progenitores”, mais concretamente a “Avaliação de competências parentais.”, visando, designadamente, o Autor, ora Recorrente. Conforme assim resultou provado, em sede da avaliação psicológica dos dois progenitores dos menores [o aqui Autor e ora Recorrente, e a aqui 2.ª Ré, e ora Recorrida], a 1.ª Ré elaborou dois relatórios periciais, que avaliados do ponto de vista formal, encerram em si um modo de realização, uma estrutura comum a relatórios dessa natureza. Cotejando o relatório pericial visando a 2.ª Ré, ora 2.ª Recorrida, mãe dos dois menores e ex-mulher do Autor, ora Recorrente, dele se extrai a identificação da avaliado [ponto 1], qual a metodologia pericial usada [ponto 2], qual o enquadramento da situação/narrativa dos factos processuais do ponto de vista da examinanda [ponto 3], qual a situação dos menores [ponto 4], quais os seus antecedentes familiares e pessoais [ponto 5], quais os antecedentes conjugais [ponto 6], qual a história e situação clínica actual [ponto 7], qual o resultado da avaliação psicológica [ponto 8], e a final as respectivas conclusões [ponto 9]. Por sua vez, em torno do relatório pericial visando o Autor, ora Recorrente, pai dos dois menores e ex-marido da 2.ª Ré, ora 2.ª Recorrida, dele se extrai a identificação do avaliando [ponto 1], qual a metodologia pericial usada [ponto 2], qual o enquadramento da situação/narrativa dos factos processuais do ponto de vista do examinando [ponto 3], quais os seus antecedentes familiares e pessoais [ponto 4], quais os antecedentes conjugais [ponto 4.1], qual a história e situação clínica actual [ponto 5], qual o resultado da avaliação psicológica [ponto 6], e a final as respectivas conclusões [ponto 7]. Neste patamar. Atentas as conclusões 26, 31, 32, 33, 34, 35 e 36 das Alegações de recurso, sustenta o Recorrente que “… o relatório, apontado, e, assinado pela recorrida S. o foi no âmbito das suas funções como funcionária pública, mas mais, foram vertidas aquelas palavras num [papel] timbrado do Hospital (...), que por sinal é uma EPE”, e que na Petição inicial referiu que a 1.ª Ré, ao imputar-lhe os factos constantes do relatório, que “… a mesma bem sabia era ofensivo da esfera jurídica do recorrente...”;, e que a afirmação por si exposta no ponto 49.º da Petição inicial “… transporta-nos para a culpa exposta em factos …”, e desta feita, que a sua ilegitimidade passiva [como assim julgou o Tribunal recorrido] “… só poderia ser aferida no final do processo corrida audiência de julgamento, e, aí é que deveria ser considerado ou não tendo o recorrente conseguido provar tal facto …”, pelo facto de a 1.ª Ré ser “… parte legitima do modo que o recorrente configurou a ação …” e que outra coisa “… é dar-se como provada ou não a sua culpa …”, concluindo o Recorrente que “… andou mal o tribunal recorrido quando entende, que os factos vertidos nestes autos não estão compreendidos numa relação jurídica administrativa de acordo com o que a lei afirma no seu artigo 2.º n.º 2 al. k) do CPTA.”, e que também face ao disposto no artigo 10.º do CPTA, a mesma não poderia deixar de ser parte legítima. Ora, é absolutamente certo que entre a 1.ª Ré e o Interveniente Principal Hospital (...) está estabelecida uma relação jurídica de emprego público, porquanto a mesma exerce funções de Psicóloga Clínica nesta instituição hospitalar de capitais públicos, sendo detentora da categoria de Assessora da Carreira Técnica Superior de Saúde, e como resulta do processado nos autos, exerce funções na Unidade Funcional de Psiquiatria e Psicologia Forense desse Hospital, competindo-lhe entre o mais do que assim for incumbida no âmbito das suas funções, designadamente, a elaboração de relatórios periciais no âmbito da avaliação de competências parentais, por determinação de Tribunal judicial. Assim, e porque de outro modo não alega o Autor na Petição inicial, a 1.ª Ré elaborou o relatório pericial em que foi visado, pelo facto de exercer funções no Hospital (...), decorrendo o que verteu nesse relatório, da relação jurídica administrativa que tem para com esta instituição hospitalar, exercendo essas funções na sua dependência, embora com salvaguarda da independência técnica que a sua função carece, atentos os juízos periciais que prossegue no âmbito do que é determinado pelas instâncias judiciais ao Hospital, e que este, dada a relação de subordinação jurídica [mas não técnica] que a 1.ª Ré tem para consigo, leva a que esta execute relatórios periciais para as instâncias judiciais, por ser uma decorrência do seu conteúdo funcional no âmbito da instituição hospitalar. Daí que, como julgamos, sendo a 1.ª Ré funcionária do Hospital, e sabendo o Autor, ora Recorrente, que a mesma foi a autora do relatório pericial em que é visado e que foi remetido ao Tribunal de Família e Menores do Porto, por assim ter sido requisitado fosse levado a cabo pelo Hospital, e assacando-lhe o Autor que no âmbito e para efeitos da execução desse relatório, a mesma recebeu documentos da parte da sua ex-mulher que abrangiam aspectos da sua vida social, contabilística, societária e negocial das suas empresas, tendo ainda tido acesso a relatórios clínicos que o visavam, sujeitos a sigilo que constavam da base de dados do Hospital, para o que nunca o mesmo deu consentimento, nem tinham relevância para o relatório psicológico que o visava, na medida em que o Autor lhe imputa com essa conduta a produção de danos não patrimoniais, prima facie, está a mesma incursa no dever de o indemnizar, como assim requer. Para efeitos da elaboração desse relatório, a 1.ª Ré levou a cabo as diligências que entendeu por adequadas em ordem a dar satisfação ao ordenado pelo Tribunal de Família e Menores, tendo nesse âmbito procedido à audição da 2.ª e 3.º Réus, que perante si prestaram declarações, assim como aquela lhe prestou/exibiu documentos à Ré, que a mesma utilizou para efeitos de realização do relatório. Aqui chegados. Sustenta o Autor, ora Recorrente, que o Tribunal recorrido não poderia ter julgado pela ilegitimidade passiva da 1.ª Ré, pois que sob o ponto 49 da Petição inicial, referiu que ao ter elaborado o relatório pericial pelos termos que elaborou, e pelas imputações que lhe fez, que a mesma “... bem sabia que [...] os factos [...] eram ofensivos da esfera jurídica do Autor...“, e que foi por isso que imputou culpa à Recorrida S., e que só depois de efectuada a Audiência final é que se poderia saber se ele [Autor] conseguiu ou não provar essa factualidade. Ora, por aqui julgamos que não assiste razão ao Autor na sua pretensão recursiva. Basta ler o relatório pericial em que é visado, para concluir com toda a segurança que o que a 1.ª Ré levou a cabo foi o que era devido no âmbito da sua função de perita, enquanto funcionária do Hospital, e ao serviço do Tribunal. Vejamos. O cerne da actuação da 1.ª Ré centra-se na prestação da colaboração devida ao Tribunal de Família e Menores, mormente, na elaboração dos relatórios periciais versando a avaliação psicológica dos pais dos menores. Foi pedido pelo Tribunal de Família e Menores a realização de estudo psicológico forense ao Autor e à sua ex-mulher, aqui 2.ª Ré, para efeitos de avaliação das competências parentais [pois que são/eram pais de dois menores] no âmbito de um processo de regulação do poder paternal. Em sede da metodologia utilizada pela 1.ª Ré para avaliação do Autor [Cfr. ponto 2 do relatório] a mesma referiu que consultou os documentos constantes do processo jurídico, que fez entrevista clínica individual ao Autor, que o Autor não concedeu autorização para que ela consultasse o seu processo clínico existente no Hospital (...), e que aplicou instrumentos de avaliação psicológica. Referiu ainda, em nota a este ponto 2 do relatório, que a avaliação psicológica que fez ao Autor beneficiou do facto de também ter avaliado no âmbito da Unidade de Psicologia e Psicologia Forense do Hospital, e com referência ao mesmo processo judicial a sua ex-mulher, a 2.ª Ré, ora Recorrida. Por sua vez, em sede da metodologia utilizada pela 1.ª Ré para avaliação da ex-mulher do Autor, 2.ª Ré, ora Recorrida [Cfr. ponto 2 do relatório] a mesma referiu que consultou os documentos constantes do processo, que consultou dossier trazido pela 2.ª Ré [de que anexou alguns documentos, nomeadamente uma cronologia de factos que a mesma 2.ª Ré elaborou], que fez entrevista clínica individual à 2.ª Ré, e que aplicou instrumentos de avaliação psicológica. Referiu ainda, em nota a este ponto 2 do relatório, que a avaliação psicológica que fez à 2.ª Ré beneficiou do facto de também ter avaliado no âmbito da Unidade de Psicologia e Psicologia Forense do Hospital, e com referência ao mesmo processo judicial, o seu ex-marido, o Autor, ora Recorrente. Resulta assim evidente, que tendo a 1.ª Ré sido incumbida de realizar os relatórios periciais quer ao Autor, quer à sua ex-mulher, que a mesma [1.ª Ré] tenha “cruzado“ alguma da informação obtida durante ambas as perícias, para dessa forma melhor habilitar o Tribunal de Família e Menores com informação atinente à avaliação psicológica por si prosseguida, a fim de ser tomada decisão judicial em torno das competências parentais dos progenitores no âmbito do processo de regulação do poder paternal, tendo em ambos os relatórios seguido idêntica metodologia, e a final estabelecido o resultado da avaliação psicológica de ambos, assim como tirado as respectivas conclusões. Em torno da conduta ilícita que o Autor assaca à 1.ª Ré, como enunciado sob os pontos 25.º a 31.º, 35.º a 41.º da Petição inicial, depois de perscrutados ambos os relatórios, não há a alegação de evidência alguma por parte do Autor, de que a 1.ª Ré tenha acedido de forma ilícita a dados/documentos, e depois, que tivesse utilizado esses dados para causar dano na esfera jurídica do Autor, ora Recorrente. Na Petição inicial [Cfr. pontos 43.º e seguintes], o Autor imputa ainda à 1.ª Ré, a autoria do que ele considera ser ofensivo, e transcreve, sendo que resulta, quer da leitura do vertido na Petição inicial quer desde logo nos relatórios periciais, que o que a 1.ª Ré empreendeu foi o enquadramento da situação sobre a qual tinha de efectuar relatório pericial de avaliação psicológica, tendo estabelecido uma “... narrativa dos factos processuais do ponto de vista do examinando[a], ou seja, do que por eles lhes foi relatado. Ou seja, a 1.ª Ré relatou o que lhe foi narrado, quer pela 2.ª Ré, quer pelo Autor aquando das entrevistas realizadas em vários dias [ao Autor, nos dias 10, 18 e 25 de março de 2008; e à 2.ª Ré, nos dias 11, 18, 27 e 31 de março de 2008], e se no âmbito da entrevista realizada à 2.ª Ré a mesma se fez acompanhar de documentos e se a 1.ª Ré os leu e quanto a alguns deles se os anexou ao relatório, se esses documentos eram/são decorrentes de acesso não autorizado, o Autor não refere, não explica nem evidencia, quer na Petição inicial, quer nas suas Alegações de recurso, por que modo, termos e pressupostos é que o quanto foi levado a escrito por parte da 1.ª Ré em ambos os relatórios, resulta de uma sua actuação ilícita, e designadamente, se são ou não lícitas e admissíveis as conclusões que tirou a mesma 1.ª Ré no âmbito de ambos os relatórios, em particular daquele em que foi o avaliado. No relatório pericial relativo ao Autor, consta expresso na metodologia adoptada pela 1.ª Ré, que o Autor não deu autorização para consulta do seu processo clínico que existe no Hospital (...). E não resulta de modo algum do relatório, que a 1.ª Ré tenha violado esse acesso, e que tenha consultado esse processo clínico. Em sede do ponto 4 do relatório, aí enunciou a 1.ª Ré que “O examinando facultou pouca informação biográfica, e em relação à informação que disponibilizou fê-lo de modo estereotipado e contido.“. E sob o ponto 5 do relatório refere que “O examinado tem processo clínico no Hospital (...)“, e quando se refere ao internamento do Autor, a 1.ª Ré fá-lo por reporte à exposição/entrevista dada pelo Autor, daí não resultando, minimamente, que o vertido nesse ponto 5 seja uma decorrência da consulta que tenha feito do seu processo clínico. E em sede das nove conclusões constantes do ponto 7 do relatório, o que daí se retira é que são efectivas as conclusões que são devidas serem tiradas no âmbito de um relatório pericial por quem o redigiu, e porque de avaliação psicológica se trata, e para efeitos de avaliação da regulação do poder paternal sobre os dois filhos menores, a sua formulação revela-se cuidada e assertiva. E neste conspecto, até para aqui retiramos da conclusão 6 do relatório do Autor, que “No momento actual consideramos que não foi encontrada patologia ou descompensação psicológica susceptível de impedir o examinando de conviver com os seus filhos [...]“ A autoria dos relatórios periciais é de quem os subscreve, sendo que o que deles consta, tanto pode ser resultado do emprego de um “dicurso directo“, ou de um “discurso indirecto“, em termos do que foi escrito por decorrência do que foi sendo relatado ao perito, ou do que foi o resultado do seu exame/análise/observação, ou o que são as conclusões do seu trabalho face ao que lhe foi pedido pela instância judicial. E não pode dizer-se, como o faz o Autor, que porque a 2.ª Ré se fez acompanhar a uma das entrevistas com o seu actual marido e com o seu filho mais velho, que estes tenham responsabilidade pelo que foi o resultado do trabalho realizado pela 1.ª Ré, pois que a esta, e apenas a esta, competia definir a metodologia da realização do trabalho, e do relatório consta de forma pormenorizada por que termos é que o fez. Assim, e revertendo para a pretensão recursiva do Recorrente, mormente, para o quanto verteu sob as respectivas conclusões, e como já expendemos supra, julgamos que não lhe assiste razão alguma. Com efeito, quanto à 1.ª Ré, enquanto Psicóloga Clínica ao serviço do Hospital (...), que na qualidade de perita elaborou os dois relatórios para o Processo n.º 497/06.5TMPRT, por assim ter sido requerida a realização dessa perícia, e que versou a avaliação psicológica de ambos os progenitores dos menores visados nesse Processo, a saber, o ora Recorrente e a sua ex-mulher, a ora 2.ª Recorrida, não resulta dos relatórios que a mesma [1.ª Ré] tenha querido prejudicar, causar danos ao Autor seja a que título for, nem também beneficiá-lo a ele ou à ex-mulher, antes deles [relatórios] se extraindo o resultado do exercício da avaliação psicológica que a mesma ponderou e efectuou, e que comunicou à entidade jurisdicional que os requisitou. Efectivamente, o Autor não assaca àquela 1.ª Ré qualquer comportamento doloso, antes lhe imputa, como sintetizamos, a omissão de zelo e cuidados exigíveis nos termos da elaboração do relatório pericial, mas nunca refere que esse comportamento foi doloso ou com uma diligência e zelo manifestamente inferiores ao que era exigível à 1.ª Ré. O Autor, ora Recorrente, não alegou que com a elaboração do relatório pericial para o Tribunal, a 1.ª Ré tenha querido provocar danos na esfera jurídica do Autor, ou seja, que tenha actuado com dolo, isto é, com intenção de o prejudicar, ou mesmo, de beneficiar a 2.ª Ré. E neste conspecto, também não alegou que a mesma 2.ª Ré, tenha mesmo assim actuado com culpa grave, ou seja, que em face das circunstâncias em questão e do relatório pericial que a mesma tinha que realizar e prestar ao Tribunal de Família e Menores, que actuou com negligência grosseira nos termos e modo como elaborou esse relatório em que foi o avaliado. Como referiu o Autor sob os pontos 115.º e 116.º da sua Petição inicial [e assim bem notou o Tribunal recorrido], concluiu o mesmo que por via do que a 1.ª Ré escreveu nos relatórios efectuados, que ofendeu a sua personalidade moral e que é em face dessa violação que se impõe o disposto no artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, e mais ainda, que tendo a mesma representado a violação dos seus direitos de personalidade, que ainda “... assim não se inibiu de emitir e comunicar o referido relatório às entidades que lho solicitaram [...] o que torna a Ré responsável por aquele acto ilícito nos termos dos artigos 1.º, n.º 4 e artigo 7.º, n.º 1 da [...] Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.“ Conforme assim dispõe o artigo 7.º n.º 1 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas [RCEEP], aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício “. Dispõe ainda o artigo 8.º do RCEEP que “Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo.“ [Cfr. n.º 1], e que “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício.“ [Cfr. n.º 2] Ora, em face do que se extrai destes normativos, no âmbito de acção judicial proposta contra o Estado ou pessoa colectiva de direito público para efectivação de responsabilidade civil emergente da prática de acto ilícito praticado por funcionário/agente seu, no exercício das suas funções e por causa delas, o pedido pode ser dirigido também contra este último quando os invocados factos ilícitos que estiveram na origem dos danos [in casu, de natureza não patrimonial] que o Autor refere que lhe foram infligidos tiverem sido provocadas com dolo, ou com culpa grave, o que é de dizer que a responsabilização da 1.ª Ré, Psicóloga Clínica ao serviço do Hospital, se encontra limitada aos casos em que actue sob essa égide [com dolo ou culpa grave], e dessa actuação [decorrentes do seu exercício e por causa desse exercício] advenham danos na esfera jurídica do Autor. Como assim articulou o Autor na Petição inicial, o mesmo qualificou a invocada actuação ilícita da 1.ª Ré, de forma expressa, sob o regime da culpa leve - Cfr. artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro -, sendo por isso que, ainda que tivesse alegado e querido fazer prova de uma sua actuação ilícita, sempre o Autor qualificou essa actuação como prosseguida com culpa leve, o que significa, até face ao que constitui a epígrafe do referido artigo 7.º, que nessa eventualidade a responsabilidade pelo ressarcimento de eventuais danos produzidos por via da emissão desse relatório, seria exclusiva do Hospital (...). De maneira que, tendo o Autor enquadrado a invocada actuação lesiva e ilícita da 1.ª Ré, a Psicóloga Clínica S., sob o regime da culpa leve, é assim manifesto, como assim bem apreciou e decidiu o Tribunal a quo, que a mesma carece de legitimidade para intervir nos autos, numa demanda com pretensão indemnizatória contra si requerida, com fundamento em ter sido a autora de um relatório pericial em que é visado, pelo que, bem andou o Tribunal recorrido ao decidir pela sua ilegitimidade passiva, e consequentemente, pela sua absolvição da instância. E não pode valer a referência que o Recorrente vem a fazer sob a conclusão 31, e do reporte que faz para o ponto 49 da Petição inicial, para querer reverter em sede recursiva o que explicitou na Petição inicial em obediência ao princípio do dispositivo, e em sede da causa de pedir, tanto mais que o aí referido [no ponto 49] mais não encerra do que um juízo conclusivo. E neste patamar, resulta assim também evidente e lapidar, que a 2.ª Ré [ex-mulher do Autor] e o 3.º Réu [actual marido da 2.ª Ré], no quanto foi a sua intervenção/participação no âmbito da/s avaliação/ões psicológica/s, que não foram os mesmos intervenientes em qualquer relação jurídica administrativa que pelo seu desvalor fosse/pudesse ser determinante da sua demanda nos Tribunais Administrativos. Com efeito, a 2.ª Ré foi alvo de uma avaliação psicológica, resultando óbvio que do exercício dialético que a Senhora perita Psicóloga Clínica consigo traçou, resultou em tudo quanto foi levado ao relatório pericial, e em ordem a fundamentar as conclusões que a final veio a enunciar, e que tem em vista permitir auxiliar o Tribunal na formação da sua decisão em torno da regulação do poder paternal exercido pelo Autor [e pela sua ex-mulher, 2.ª Ré]. Como bem frisou o Tribunal a quo, se a causa de pedir relativamente a estes dois intervenientes tem subjacente o que eles disseram no âmbito da consulta realizada na avaliação psicológica [Cfr. quanto à 2.ª Ré, os pontos 65.º a 79.º; e quanto ao 3.º Réu os pontos 80.º a 84.º; e relativamente a ambos o ponto 111.º, todos da Petição inicial], e se o Autor tem as suas declarações como fundadas em “mentira e falsidade“, a sindicância dessa sua actuação não pode ser feita junto dos Tribunais Administrativos, seja porque neles só se julgam os conflitos a que a lei se reportar [Cfr. artigos 1.º, n.º 1 e 4.º, ambos do ETAF], sendo desde logo manifesta a sua incompetência para tratar de questões que encerram matéria de natureza penal, ou que sejam relativos a conflitos que envolvam pessoas singulares [designadamente, um pedido indemnizatório] e não esteja em causa a apreciação da violação de qualquer norma de direito administrativo. Lida atentamente a Petição inicial dela não se descortina a alegação de factos dos quais resulte uma actuação por parte da 1.ª Ré, Psicóloga Clínica, dolosa ou gravemente culposa, ou seja, que traduzam uma actuação excepcionalmente descuidada e incauta. Aliás, cotejada a Reposta/Réplica deduzida pelo Autor, o mesmo convocou o disposto no artigo 10.º, n.º 7 do CPTA [na redação vigente à data da interposição da Petição inicial] para fundamentar a legitimidade da 1.ª, 2.ª e 3.º Réus, sendo que, se bem que a 1.ª Ré, na relação que consigo estabeleceu seja ela decorrente do facto de ser funcionária de uma pessoa colectiva de direito público, e que, nessa ambiência, podia, abstractamente considerado, praticar actos ilícitos lesivos da esfera jurídica do Autor, já quanto à 2.ª e 3.º Réus, carece o Tribunal Administrativo em absoluto, de competência para conhecer do objecto do litígio, por não estarem os mesmos Réus adstritos ao cumprimento de um qualquer dever jurídico-administrativo e de que o Autor fosse destinatário. Ou seja, para que o Tribunal a quo fosse competente para conhecer da sua demanda [da 2.ª e 3.º Réus] pelo Autor, era mister que o mesmo lhes imputasse a violação de vínculos jurídico-administrativos [decorrentes de normas, actos ou contratos], ou que com eles fosse interveniente [enquanto sujeitos] em relações jurídico-administrativas, o que de modo algum disso tratam os autos. Conforme assim dispõem os artigos 211.°, n.º 1, da CRP, 64.º do CPC, e 40.°, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário [LOSJ – Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto], os tribunais judiciais têm competência para julgar as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, sendo que, quanto aos tribunais administrativos e fiscais, os mesmos são competentes para julgar as causas “emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais“ – Cfr. artigos 212.º, n.º 3, da CRP, e 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF - Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro]-, competência essa que, nos termos do seu artigo 4.º é concretizada com a delimitação do "âmbito da jurisdição" mediante uma enunciação positiva [Cfr. n.ºs 1 e 2 ] e negativa [Cfr. n.ºs 3 e 4]. E como assim se extrai do ponto 8 [“Resultado da avaliação psicológica“] do relatório pericial que visou a 2.ª Ré, o facto de na 2.ª das 4 avaliações realizadas, a mesma se ter feito acompanhar pelo 3.º Réu, seu actual marido, e pelo seu filho mais velho, essa concretude não pode por si, ser determinante, nem indiciar o cometimento de qualquer ilícito por sua parte, pois que, inclusive, a referenciação dessas ocorrências até tornam é o relatório mais conciso e preciso em torno dos acontecimentos, por forma a que todos quantos o leiam ou queiram ler [designadamente o Autor] possam ficar a saber e a conhecer desse concreto contexto. Em face do que alegou o Autor na Petição inicial, sendo patente que imputou à 1.ª Ré uma actuação ilícita [que de todo o modo assim não julgamos ter sido prosseguida, pois que não alicerçada pelo Autor, ainda que indiciariamente] que enquadrou sob o regime da culpa leve, a que se reporta o artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, não tendo a mesma sob esse regime legal qualquer dever de indemnizar pela ocorrência de eventuais danos que resultem de actuações no âmbito do seu exercício funcional ao serviço do Hospital (...), EPE, é manifesto que, abstractamente considerando, é todo ele [o dever de indemnizar] do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público, in casu, o Hospital (...), pelo que a mesma carece assim de legitimidade passiva, pelo que não merece censura o julgamento do Tribunal recorrido. Estando em causa a apreciação de uma actuação a título de negligência/culpa leve, o ressarcimento por tais danos só poderá ser exigido ao Estado, ou a pessoa coletiva pública que responda directa e exclusivamente perante o lesado, pelos danos resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos, funcionários ou agentes. Como bem se refere na Sentença recorrida, e tal não vem questionado pelo Recorrente, resulta do artigo 8.º da Lei n.º 67/2007, que apenas perante uma actuação dolosa ou gravemente culposa haverá responsabilidade solidária do titular do órgão ou agente e da Administração, sendo assim que, no caso de actuação negligente a responsabilidade será exclusiva da Administração, embora com direito de regresso perante o titular do órgão ou do agente, no caso de ter havido diligência e zelo manifestamente inferiores aos que eram devidos em razão do cargo. Com efeito, o regime de responsabilidade civil do Estado consagrado naquele diploma estipula que: (i) o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve (artigo 7.º, n.º 1); (ii) os titulares de órgãos, funcionários e agentes respondem pessoalmente quando tenham actuado com dolo ou culpa grave [com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo], funcionando, neste caso, a responsabilidade solidária da pessoa colectiva pública, embora com a possibilidade de esta exercer o direito de regresso [cfr. artigos 7.º, n.º 1, e 8.º, n.ºs 1, 2 e 3)]. Em suma, a Psicóloga Clínica, S. só poderia ser demandada directamente pelo Autor, se o mesmo tivesse sido alegado que a mesma agiu com dolo, ou negligência grave, o que, como resulta da Petição inicial [cfr. artigos 100.º, 103.º, 104.º, 108.º, 115.º, 116.º], e da resposta do Autor à excepção de ilegitimidade, invocada pela 1.ª Ré S., não foi feito. Nesse âmbito, para efeitos de responsabilização por danos que resultem de acções ou omissões ilícitas cometidas com culpa leve, o Hospital (...), EPE, seria a pessoa colectiva de direito público contra quem, nessa eventualidade, o Autor poderia direccionar um pedido de efectivação de responsabilidade civil extracontratual pela prática de actos ilícitos, mas todavia, o certo é que, tendo o Tribunal a quo julgado da ocorrência da excepção peremptória da prescrição do direito indemnizatório que o Autor pretendia contra si [Hospital] fazer valer, jamais o pode ver o Autor efectivado, pois que pela Sentença recorrida, foi o Hospital, Interveniente Principal, absolvido do pedido, decisão que já transitou em julgado. Restando nos autos a 2.ª Ré e o 3.º Réu, e sendo certo que com o Autor, a terem pendente alguma questão controvertida que tenha de ser dirimida perante os Tribunais, em função dos sujeitos, essa tutela jurisdicional não pode ser requerida junto dos Tribunais Administrativas, por não estar subjacente à relação que deles dimana, qualquer âmbito de índole administrativa, e sendo os Tribunais comuns os tribunais materialmente competentes para dirimir conflitos entre privados, por aqui se julga verificada a incompetência absoluta em razão da matéria do Tribunal a quo, pelo que, também por aqui não assiste razão ao Recorrente. Assim, atentos os termos e pressupostos por que o Autor ancorou a sua pretensão [mormente, quanto aos respectivos fundamentos e à identidade das partes], isto é, o modo como estruturou a causa e expressou a sua pretensão junto do Tribunal Administrativo, é assim manifesta a sua incompetência para apreciar e decidir a demanda da 2.ª e do 3.º Réus, atenta a inexistência de qualquer vínculo jurídico administrativo do Autor para com cada um deles, ou porque não se verifica a violação [por parte dos identificados Réus] de qualquer dever jurídico enquanto sujeitos de relações jurídico-administrativas, porque assim não foram caracterizadas/qualificadas pelo Autor, assim como, que carece de legitimidade passiva a 1.ª Ré, porquanto, pese embora ser funcionária de pessoa colectiva de direito público, a ilicitude da actuação que lhe vem assacada pelo Autor [como assim resulta da Petição inicial – Cfr. artigos 115.º e 116.º] foi feita a título de culpa leve, donde, não merece assim censura a Sentença recorrida, que por isso se confirma. Forçoso é, pois, concluir que a Sentença recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe são imputados pelo Recorrente [erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito], improcedendo assim as conclusões das suas Alegações, e assim, a sua pretensão recursiva. * E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO: Descritores: Relatório pericial; Responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito; Grau de culpa; Ilegitimidade passiva; Incompetência do Tribunal em razão da matéria. 1 – Como resulta do artigo 8.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas [RCEEP], aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, apenas perante uma actuação dolosa ou gravemente culposa geradora de danos, é que haverá responsabilidade solidária do titular do órgão ou agente e da Administração, tendo esta, todavia, direito de regresso perante o titular do órgão ou do agente, no caso de ter havido diligência e zelo manifestamente inferiores aos que eram devidos em razão do cargo. 2 - Estando em causa a apreciação de uma actuação imputada a título de culpa leve, o ressarcimento por tais danos só poderá ser exigido ao Estado ou a pessoa coletiva de direito público, entidade esta que responde directa e exclusivamente perante o lesado, pelos danos resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos, funcionários ou agentes. 3 - A autoria de um relatório pericial é de quem o subscreve, sendo que o que dele consta enunciado, tanto pode ser resultado do emprego de um “dicurso directo“, ou de um “discurso indirecto“, em termos do que foi escrito por decorrência do que foi sendo relatado ao perito, ou do que foi o resultado do seu exame/análise/observação, ou o que são as conclusões do seu trabalho face ao que lhe foi pedido pela instância judicial, e tendo a 1.ª Ré sido a perita designada para o fazer, a esta e apenas a esta, competia definir a metodologia da realização do trabalho, e do relatório consta de forma pormenorizada por que termos é que o fez. 4 – Enquanto Psicóloga Clínica ao serviço do Hospital (...), e na qualidade de perita, a 1.ª Ré elaborou dois relatórios para o Tribunal de Família e Menores [visando o Autor e a 2.ª Ré enquanto pais dos dois menores], que versou a avaliação psicológica de ambos os progenitores dos menores visados em autos que aí correu termos, não resultando dos relatórios que a mesma [1.ª Ré] tenha querido prejudicar/causar danos ao Autor seja a que título for, nem também beneficiá-lo a ele ou à ex-mulher, antes deles [relatórios] se extraindo o resultado do exercício da avaliação psicológica que a mesma ponderou e efectuou, e que comunicou à entidade jurisdicional que os requisitou. 5 – Não tendo o Autor referido que a actuação ilícita que imputa à 1.ª Ré encerra um comportamento doloso ou que que foi prosseguida com uma diligência e zelo manifestamente inferiores ao que lhe era exigível [com culpa grave], antes tendo qualificado a invocada actuação ilícita da 1.ª Ré, de forma expressa, sob o regime da culpa leve, tal significa que nessa eventualidade a responsabilidade pelo ressarcimento de eventuais danos produzidos por via da emissão de relatório pericial, seria exclusiva do Hospital (...), carecendo por isso a mesma de legitimidade para intervir nos autos, numa demanda com pretensão indemnizatória contra si requerida, com fundamento em ter sido a autora de um relatório pericial em que o mesmo [Autor] é visado. 6 - Conforme assim dispõem os artigos 211.°, n.º 1, da CRP, 64.º do CPC, e 40.°, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário [LOSJ – Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto], os tribunais judiciais têm competência para julgar as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, sendo que, quanto aos tribunais administrativos e fiscais, os mesmos são competentes para julgar as causas “emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais“ – Cfr. artigos 212.º, n.º 3, da CRP, e 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF - Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro], competência essa que, nos termos do seu artigo 4.º é concretizada com a delimitação do "âmbito da jurisdição" mediante uma enunciação positiva [Cfr. n.ºs 1 e 2 ] e negativa [Cfr. n.ºs 3 e 4]. 7 – Atento o princípio do dispositivo, se a causa de pedir relativamente à 2.ª e 3.º Réus tem subjacente o que eles disseram à 1.ª Ré, enquanto perita, no âmbito de consulta realizada na avaliação psicológica, e se o Autor tem as suas declarações como fundadas em “mentira e falsidade“ e lesivas da sua esfera jurídica, a sindicância dessa sua actuação não pode ser feita junto dos Tribunais Administrativos, porque neles só se julgam os conflitos a que a lei se reportar [Cfr. artigos 1.º, n.º 1 e 4.º, ambos do ETAF], carecendo o Tribunal Administrativo em absoluto, de competência para conhecer do objecto do litígio em causa, por não estarem os mesmos Réus adstritos ao cumprimento de um qualquer dever jurídico-administrativo e de que o Autor fosse destinatário. *** IV – DECISÃO Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em negar provimento ao recurso interposto pelo Recorrente J., e consequentemente, em manter a Sentença recorrida. * Custas a cargo do Recorrente.** Notifique.* Porto, 09 de abril de 2021.Paulo Ferreira de Magalhães Fernanda Brandão Hélder Vieira |