Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02733/10.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO;
FUNDAMENTAÇÃO, IRS;
IRC, COIMAS;
Sumário:
I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.

II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

III - A actual jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo consolidou-se em termos de não ser «inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora».

IV – Não estando consagrada no artigo 8.º do RGIT qualquer presunção de culpa, recai sobre a Administração Tributária (autora do despacho de reversão) o ónus de alegar e, em caso de contestação dessa responsabilidade, provar a culpa do gerente pela insuficiência do património social (artigo 74.º da Lei Geral Tributária).

V – A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT). Sendo o despacho de reversão um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da CRP; artigos 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).

VI - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária e com a referência à extensão temporal dessa responsabilidade que está a ser efectivada.

VII – No caso concreto, não se mostram alegados, no despacho de reversão, todos os pressupostos da responsabilidade subsidiária, nomeadamente, inexiste menção ao exercício efectivo das funções do gerente revertido e, no que tange às dívidas de coimas revertidas, também não existe alegação da culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora. Por isso, falta fundamentação bastante para fundar a reversão.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 22/06/2019, que julgou procedente a oposição intentada por «AA», contribuinte n.º ...91, na qualidade de revertido, contra o processo de execução fiscal n.º ......................438 e apensos, originariamente instaurado contra a sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, para cobrança de dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (retenções na fonte), Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Imposto de selo (retenções na fonte) e coimas, relativas aos anos de 2006 a 2008, no montante de €8.070,89.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida que julgou procedente a presente oposição, decidindo no sentido da procedência da questão relativa à alegada ilegalidade do despacho de reversão, por falta de fundamentação, elaborando:
«É hoje pacificamente aceite pela jurisprudência que a falta de fundamentação do despacho de reversão constitui fundamento de oposição à execução fiscal, subsumível à previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do C.P.P.T..
Ora, o despacho de reversão, embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de acto administrativo tributário, pelo que tem de obedecer a todos os requisitos das decisões administrativas, designadamente, às exigências de fundamentação impostas pelo n.º 3 do artigo 268.º da C.R.P., pelo artigo 77.º da L.G.T. e, especificamente pelo n.º 4 do artigo 23.º da L.G.T., tendo de conter a alegação dos pressupostos da reversão e a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada.
Quanto à reversão das dívidas de coimas, a lei impõe uma fundamentação específica relativa à culpa do revertido na insuficiência do património da sociedade para pagamento da coima e ao fundamento normativo correspondente (cfr. alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 8.º do R.G.I.T.).
Retornando ao caso em apreço, decorre da análise do despacho de reversão (alínea E) dos factos provados), que o órgão de execução fiscal limitou-se a reproduzir o teor da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da L.G.T. e da alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do R.G.I.T., nada mais mencionando.
Efectivamente, no despacho não vem alegada nem a gerência de facto pelo Oponente, nem feita qualquer referência à situação de inexistência ou insuficiência de bens da sociedade “[SCom01...]” e, no que concerne às coimas, é ainda omisso quanto à culpa.
Conclui-se, assim, que o despacho de reversão padece de falta de fundamentação, por dele apenas constarem os fundamentos de direito da reversão, sendo completamente omisso quanto aos fundamentos de facto, o que determina a anulação do despacho de reversão».
B. Concluindo:
«Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se a presente Oposição procedente, anulando-se o despacho de reversão (por falta de fundamentação) e, em consequência, absolvendo-se o Oponente da instância executiva».
C. Com o assim decidido não pode a Fazenda Pública, respeitosamente, conformar-se, atento o entendimento actual da jurisprudência sobre as exigências da fundamentação do acto administrativo;
D. Com efeito, e nesse sentido v.g. os acórdãos do STA, nomeadamente, os proferidos em 04/11/2018 – proc. 0978/17, 19/04/2017 – proc. 0100/17, 13/12/2017 – proc. 01184/17, 16/12/2015 – proc. 0361/14, 10/10/2012 – proc. 0726/12, e do TCA de 04/06/2017 – proc. 456/13.1BELLE;
E. Destes se retira, quanto a esta matéria, nomeadamente, do acórdão da TCA – proc. 456/13.1BELLE, como se propugna:
“4. O despacho de reversão, embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de acto administrativo (cfr.artº.120, do C.P.A.), pelo que são de considerar em relação a ele as exigências legais próprias deste tipo de actos, designadamente, no que concerne à fundamentação (cfr.artºs.268, nº.3, da C.R.Portuguesa, e 23, nº.4, e 77, da L.G.T.).
5. Face à jurisprudência do S.T.A., com a qual concordamos, a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (cfr.artº.23, nº.4, da L.G.T.) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a A. Fiscal fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido”.
Desenvolvendo a seguir, quanto a esta matéria:
F. «O instituto da reversão é exclusivo da execução fiscal, sendo desconhecido na execução comum, e traduz-se numa modificação subjectiva da instância, pelo chamamento, a fim de ocupar a posição passiva na acção, de alguém que não é o devedor que figura no título. O legislador só consagrou o instituto da reversão na execução fiscal, como alteração subjectiva da instância executiva, para possibilitar que, por essa via, se cobrem, no mesmo processo executivo, as dívidas de impostos, mesmo de quem não ocupa, inicialmente, a posição passiva na execução, por não figurar no título executivo. O que se justifica em atenção à natureza da dívida e aos interesses colectivos em jogo (o legislador concebeu a execução fiscal como um meio mais expedito e célere do que a execução comum, visando a cobrança coerciva das dívidas fiscais)».
E mais adiante:
G. «O despacho de reversão, embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de acto administrativo (cfr.artº.120, do anterior C.P.A.), pelo que são de considerar em relação a ele as exigências legais próprias deste tipo de actos, designadamente, no que concerne à fundamentação (cfr.arts. 268º, nº.3, da C.R.P., e 77º, da L.G.T.).
H. Isto é, o revertido deve, através da fundamentação do acto de reversão, ficar em condições de se aperceber das razões de facto e de direito que levaram o órgão de execução fiscal a decidir como decidiu e de poder impugnar a decisão por erro nos pressupostos ou qualquer outro vício».
Ora,
I. Dos fundamentos do despacho de reversão constam os respectivos pressupostos e, a este despacho foi anexa uma listagem com a identificação das dívidas a ser cobradas, da qual consta a data do início do pagamento voluntário das mesmas;
J. Constando, também, da Declaração de Insolvência onde o oponente se reconhece como administrador e donde também resulta a insuficiência de bens da devedora originária; bem como da Certidão da Conservatória do Registo Comercial, onde se verifica que dela é gerente desde a sua génese, ínsitas nos autos e levadas ao probatório.
K. Pelo que com o que foi decidido na, aliás, mui douta sentença (págs. 7 e 8), não pode a FP conformar-se.
L. Assim, é nosso entendimento que a douta sentença sob recurso padece de notório erro de julgamento da matéria de facto, visto que releva como provada factualidade que não mostra ter sido submetida a um exame crítico de credibilidade, nos termos do artº 607º, nº 3 do Código de Processo Civil (CPC), nomeadamente através do seu confronto com outros dados apurados no processo ou pela sua confirmação através de meios de prova distintos, não apreciando todos os factos resultantes dos elementos constantes dos autos e levada ao probatório e valorando erradamente a prova produzida, errando no juízo sobre a mesma.
M. Desta forma a sentença em análise padece ainda de erro de julgamento de direito, uma vez que, fazendo a devida análise e valoração da matéria de facto transposta para o probatório, tomaria uma decisão diferente da que resulta da douta decisão.
Nestes termos,
E nos melhores de Direito aplicável, que V.Exª.s doutamente suprirão, deverá a o identificado segmento da sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e a impugnação ser julgada totalmente improcedente com as legais consequências.”
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O Recorrido contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:
“A. Vêm as presentes Alegações apresentadas no âmbito do recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida no processo n.º 2733/10.4BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a Oposição apresentada pelo ora Alegante, que aí pugnava pela anulação do despacho de reversão no âmbito do PEF n.º ......................438 e apensos.
B. Compulsada a Sentença a quo constata-se que a procedência da oposição se ficou a dever, prima facie, à ilegalidade do despacho de reversão, por falta de fundamentação, o que determinou a sua anulação.
C. Todavia, a Fazenda Pública não se conforma com a Douta decisão que julgou procedente a oposição, alegando, em suma, que “ (…) a douta sentença sob recurso padece de notório erro de julgamento da matéria de facto, visto que releva como provada factualidade que não mostra ter sido submetida a um exame crítico de credibilidade, nos termos do artº 607º, nº 3 do Código de Processo Civil (CPC), nomeadamente através do seu confronto com outros dados apurados no processo ou pela sua confirmação através de meios de prova distintos, não apreciando todos os factos resultantes dos elementos contantes dos autos e levada ao probatório e valorando erradamente a prova produzida, errando no juízo sobre a mesma.”
D. Concluindo que “Desta forma a sentença em análise padece ainda de erro de julgamento de direito, uma vez que, fazendo a devida análise e valoração da matéria de facto transposta para o probatório, tomaria uma decisão diferente da que resulta da douta decisão.”.
E. Assim, a única questão diretamente colocada perante o Tribunal ad quem consiste em saber se o Mm.º Juiz a quo incorreu em erro de julgamento, ao concluir pela falta de fundamentação do despacho de reversão.
F. No que respeita ao dever de fundamentação do despacho de reversão, tal como resulta da sentença recorrida, constitui jurisprudência assente a de que o despacho de reversão, enquanto ato administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal,“ (…) obedecer a todos os requisitos das decisões administrativas, designadamente, às exigências de fundamentação impostas pelo n.º 3 do artigo 268.º da C.R.P., pelo artigo 77.º da L.G.T. e, especificamente pelo n.º 4 do artigo 23.º da L.G.T., tendo de conter a alegação dos pressupostos da reversão e a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária de que está a ser efetivada.”
G. Do ponto de vista do cumprimento de dever de fundamentação formal do despacho de reversão, é exigido ao Órgão de Execução Fiscal que: (i) indique as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade; (ii) mencione o preenchimento dos pressupostos da reversão, a saber: a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do art.º 23.º da LGT e n.º 2 do art.º 153.º do CPPT); e o exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes, dependendo do enquadramento da situação na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT; e (iii) mencione a sua extensão temporal.
H. No que concerne à reversão das dívidas pelas coimas tributárias, a lei impõe à A.T. um ónus acrescido, competindo-lhe alegar e provar a culpa do revertido na insuficiência do património da sociedade para pagamento da coima, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
I. Compulsada a fundamentação do despacho de reversão em crise, constata-se que a A.T. não só não faz referência à qualidade de gerente nominal do Recorrente, como não invoca um único facto demonstrativo do exercício efetivo da gerência.
J. Paralelamente, a A.T. não logrou, fundamentadamente, demonstrar a insuficiência dos bens da devedora originária, como lhe competia, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º da LGT e n.º 2 do artigo 153.º do CPPT.
K. Com efeito, não consta do despacho de reversão qualquer indicação sobre a situação patrimonial da devedora originária, resultando, somente, do ofício de “Citação (Reversão)”, a seguinte menção “Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23º/n.º 2 da LGT)”
L. E quer da notificação para audição prévia quer da citação, para além dessa formulação genérica “inexistência ou insuficiência de bens do devedor principal e responsáveis solidários”, nada mais consta e não se consegue perceber se está em causa uma situação de insuficiência de bens ou de inexistência dos mesmos, sendo certo que um e outro não são sinónimos.
M. Ademais, o órgão da execução fiscal não alegou sequer o preenchimento do pressuposto estabelecido no artigo 8.º do RGIT, como fundamento para a reversão, não sendo referido, nem demonstrado no despacho de reversão, que tenha sido por culpa do Oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente para o pagamento das coimas, sustentando a reversão somente na consideração de que “Dos responsáveis subsidiários que exerçam funções de gestão, pelas coimas aplicadas por infracções cujo temos de pagamento ocorra no período de exercício do cargo e cuja falta de pagamento lhes seja imputada [artº 8º/n.º 1/ b) do RGIT].”
N. Assim, bem andou o Mm.º Juiz a quo ao concluir que “ (…) o órgão de execução fiscal limitou-se a reproduzir o teor da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da L.G.T. e da alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do R.G.I.T., nada mais mencionando. Efectivamente, no despacho não vem alegada nem a gerência de facto pelo Oponente, nem feita qualquer referência à situação de inexistência ou insuficiência de bens da sociedade “[SCom01...]” e, no que concerne às coimas, é ainda omisso quanto à culpa”.
O. Não obstante, e pese embora se reconheça que a jurisprudência tem sido unanime no sentido de não exigir que do despacho de reversão constem os factos concretos nos quais a A.T. fundamenta a referida alegação, sempre se dirá que, ao não fazer qualquer referência (i) à gerência de facto pelo Oponente; (ii) à situação patrimonial concreta da devedora originária e (iii) à culpa do Oponente quanto à falta de pagamento das coimas, o despacho de reversão padece, notoriamente, de falta de fundamentação, porquanto não são tão-pouco alegados os pressupostos de que depende a concretização da responsabilidade subsidiária.
P. Por outro lado, no que concerne ao invocado erro de julgamento da matéria de facto, é inequívoco que a prova relevante para efeito de apreciação do invocado vicio de falta de fundamentação decorre objetivamente do despacho de reversão. E tratando-se de prova que resulta de documento, competia simplesmente ao Mm.º Juiz a quo apreciar e constatar o que resulta do referido despacho, não sendo, para tanto, admissível o confronto “com outros dados apurados no processo ou pela sua confirmação através de meios de prova distintos”.
Q. Pois que, tratando apenas de indagar da suficiência ou insuficiência da fundamentação do despacho de reversão, só a análise daquele importa, não competindo ao Mm.º Juiz a quo, nem podendo a Fazenda Pública escudar-se na restante prova produzida nos autos.
R. Por último, atendendo ao enquadramento jurídico do dever de fundamentação, anteriormente gizado, também, não merece acolhimento a tese recursiva quando imputa à sentença recorrida o erro de julgamento de direito.
S. Neste enfoque, todos os argumentos que vêm de se expor são bem elucidativos da legalidade da decisão proferida, pelo que Sentença recorrida não merece qualquer censura
T. Pelo que deverá manter-se a decisão recorrida, nos termos da qual se determinou julgar totalmente procedente a oposição e, nessa medida, manter-se a anulação do despacho de reversão, por falta de fundamentação.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão deverá ser rejeitado o recurso em resposta e confirmada a Sentença Recorrida, com o que V. Exas. farão a sã e costumada JUSTIÇA!”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso merecer parcial provimento, no que respeita às dívidas referentes a coimas.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que o despacho de reversão não está fundamentado.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos provados
A) Da “Certidão da Conservatória do Registo Comercial do ...” da sociedade “[SCom01...], Lda” (em diante “[SCom01...]”) consta o seguinte:
“…
AP. 9/2007..-

FORMA DE OBRIGAR / ÓRGÃOS SOCIAIS:
Forma de obrigar: Intervenção do seu gerente único.
Estrutura de gerência: Será exercida pelo sócio único «AA».
Data da deliberação: 26 de Março de 2007…”
Fls 54 e 55.
B) Em 2007, 2008 e 2009, no Serviço de Finanças ..., foram instaurados os P.E.F. n.º ......................438 e aps, para cobrança de dívidas de I.R.C. de 2006, I.R.S. (retenções na fonte) dos anos de 2007 e 2008, Imposto do Selo (retenções na fonte) do ano de 2007 e coimas, da sociedade “[SCom01...]”, ascendendo a quantia exequenda a € 8.070,89. Fls 3, 22 e 29 a 42.
C) As datas limite de pagamento voluntário das dívidas referidas na alínea anterior foram as seguintes:
20/10/2007
29/11/2007
20/12/2007
20/01/2008
18/06/2008
20/06/2008
20/07/2008
28/07/2008
20/08/2008
20/09/2008
20/10/2008
09/12/2008
20/12/2008
Fls 22.
D) Em 23/02/2010 foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade [SCom01...], pelo Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, no processo n.º ...1/09.0TYVNG.
Fls 46 a 50.
E) Em 12/05/2010, foi proferido “Despacho (reversão)”, do qual consta o seguinte: “Face às diligências de fls precedentes, e estando concretizada a audição do(s) responsá(veis) subsidiário(s) prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra «AA», contribuinte…., morador em ……, na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada. Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do…
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24.º /n.º 1/ b) LGT].
Dos responsáveis subsidiários que exerçam funções de gestão, pelas coimas aplicadas por infracções cujo termo de pagamento ocorra no período de exercício do cargo e cuja falta de pagamento lhes seja imputada [art. 8.º /n.º 1/ b) do RGIT]. IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA N.º PROCESSO PRINCIPAL: n.º ......................438
TOTAL DA QUANTIA EXEQUENDA: 8.070,89 EUR…”
Fls 24 e 25.
F) O Serviço de Finanças ... expediu ofício de “Citação (reversão)” para o Oponente, do qual consta o seguinte:
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23.º/n.º 2 da LGT);
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24.º /n.º 1/ b) LGT].
Dos responsáveis subsidiários que exerçam funções de gestão, pelas coimas aplicadas por infracções cujo termo de pagamento ocorra no período de exercício do cargo e cuja falta de pagamento lhes seja imputada [art. 8.º /n.º 1/ b) do RGIT]….
Fls 26 e 27.
G) A “[SCom01...]” geria o projecto “"Projecto ... P"”, financiado pelo Fundo Social Europeu, obtendo financiamentos/subsídios e prestando contas ao FSE de dois em dois meses.
Depoimento prestado pela testemunha «BB».
H) O valor do projecto “"Projecto ... P"” foi sujeito a cortes porque não foram aceites determinadas despesas e existiam dívidas fiscais.
Depoimentos prestados pelas testemunhas «BB» e por «CC».
Factos não provados
1. O “Instituto de Gestão do F.S.E.” comunicou em Outubro de 2008 os pedidos de financiamento, o que veio a merecer decisão de aprovação, por carta que a devedora originária recebeu e de que resultou um saldo a seu favor de € 311.215,10.
Artigo 106 da P.I.
2. Numa primeira fase as autoridades reduziram o valor final para € 201.967,64.
Artigo 108 da P.I.
3. O valor de € 201.967,64 não foi pago à “[SCom01...]”, por razões que não foram comunicadas.
Artigos 108, 109, 110 e 113 da P.I.
4. No decurso da inspecção os responsáveis entenderam que o I.V.A. de 2006 não estava a ser devidamente contabilizado e promoveram a liquidação do I.V.A. adicional referente ao ano de 2006.
Artigos 120 e 122 da P.I.
5. O I.V.A. liquidado pela A.T. nunca foi cobrado ou recebido de terceiros.
Artigos 125 da P.I.
6. O I.V.A. foi liquidado pela A.T. por culpa imputável ao responsável da contabilidade, cujo ascendente era exercido pelo sócio maioritário da “[SCom01...]”.
Artigos 126 da P.I.
Motivação da decisão da matéria de facto
A decisão da matéria de facto baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos que não foram impugnados e nos depoimentos das testemunhas, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.
Os factos dados como não provados resultaram da ausência de produção de prova, uma vez que:
- o Oponente não apresentou qualquer documento que comprovasse as alegações de que o FSE aprovou um saldo final de € 311.215,10, que este foi reduzido para € 201.967,64 e que não foi pago à “[SCom01...]”. A testemunha «BB», economista que prestou serviços no âmbito do projecto, afirmou não se recordar, em concreto dos valores. «CC», T.O.C. da “[SCom01...]” em 2007 e 2008 também não esclareceu os valores concretos.
- o Oponente não apresentou qualquer documento que comprovasse as alegações relativas à liquidação adicional de I.V.A. nem os depoimentos das testemunhas versaram sobre tal matéria.”

2. O Direito

A Recorrente assaca erro à sentença recorrida na análise do vício de falta de fundamentação do despacho de reversão, visto relevar como provada factualidade que não se mostra ter sido submetida a um exame crítico de credibilidade, nos termos do artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), nomeadamente através do seu confronto com outros dados apurados no processo ou pela sua confirmação através de meios de prova distintos, sustentando não terem sido apreciados todos os factos, levados ao probatório, resultantes dos elementos constantes dos autos e ter sido valorada erradamente a prova produzida, concluindo verificar-se um errado juízo sobre a mesma ao considerar não se encontrar devidamente fundamentada a decisão de reversão para a execução.
Para tanto, defende que, dos fundamentos do despacho de reversão, constam os respectivos pressupostos e que a este despacho foi anexa uma listagem com a identificação das dívidas a ser cobradas, da qual consta a data do início do pagamento voluntário das mesmas; que tais pressupostos também constam da “Declaração de Insolvência”, onde o oponente se reconhece como administrador e de onde resulta a insuficiência de bens da devedora originária; bem como da Certidão da Conservatória do Registo Comercial, onde se verifica que dela é gerente desde a sua génese; todos estes elementos ínsitos nos autos e levados ao probatório – cfr. conclusões I) a M) das alegações do recurso.
Consideramos esta questão basilar, dado ser na decisão de reversão que culmina todo o procedimento de reversão, aí se colhendo os fundamentos indicados pela AT para decidir reverter a execução fiscal contra o Recorrido. Na medida em que a legalidade do acto de reversão é apreciada tendo por base a motivação ínsita no mesmo, bem como as informações e diligências que o precederam e sustentaram, importa atentar nesses elementos que se mostram plasmados na decisão da matéria de facto – cfr. os pontos A), D), E) e F) do probatório.
Vejamos.
In casu, a dívida revertida respeita a IRS, IRC, Imposto de Selo e coimas de 2006 a 2008.
O dever de fundamentação do despacho de reversão insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
No que tange aos actos tributários, o dever de fundamentação encontra-se especificamente previsto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, para que o respectivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do acto em causa.
Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, assim, o desiderato constitucionalmente consagrado. De igual forma, se a fundamentação não tiver estas características, existe uma impossibilidade de o tribunal sindicar se estão presentes os requisitos para que possa operar a reversão da execução fiscal.
Sobre o alcance do dever de fundamentação do despacho de reversão, é de chamar à colação o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, prolatado em 16/10/2013, no âmbito do processo n.º 0458/13, onde se refere:
“(…) [E]nquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (…)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).
Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido (…)” (cfr., igualmente, os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 31/10/2012, processo n.º 580/12 e de 23/01/2013, processo n.º 953/12, mais recentemente, vide o Acórdão do STA, de 27/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 02001/16.8BEPRT 0552/18).
Para aferir do cumprimento do dever de fundamentação do despacho de reversão por parte do órgão de execução fiscal, cumpre atentar na disciplina aplicável in casu no que ao regime jurídico da reversão respeita.
Assim, desde logo, há que considerar o disposto no artigo 23.º da LGT, decorrendo do seu n.º 1 que é através da reversão que se efectiva a responsabilidade tributária subsidiária.
Resulta deste mesmo artigo 23.º que a reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário (n.º 2), sendo a este propósito de ter em consideração o disposto no n.º 2 do artigo 153.º do CPPT.
Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 23.º da LGT, a reversão é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.
Somos ainda remetidos para o artigo 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:
“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
Este artigo 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para accionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.
O artigo 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.
A primeira, correspondente à sua alínea a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efectiva - culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à AT alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.
A segunda, constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. A presunção constante da referida alínea b) do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, deriva da consagração do dever de boa prática tributária, constante do artigo 32.º da LGT, que prevê “(...) um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) - dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos” – cfr. Isabel Marques da Silva, «A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 132. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.
Feito este enquadramento legal (cfr. Acórdão do TCA Sul, de 29/04/2021, proferido no âmbito do processo n.º 723/10.6BELLE), resulta que, do ponto de vista do cumprimento de dever de fundamentação formal do despacho de reversão, é exigido ao órgão de execução fiscal que:
a) Indique as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade;
b) Mencione o preenchimento dos pressupostos da reversão, a saber:
b.1) Inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do artigo 23.º da LGT e n.º 2 do artigo 153.º do CPPT);
b.2) O exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes, dependendo do enquadramento da situação na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT;
c) Mencione a sua extensão temporal.

Pela sua especificidade, abordaremos, igualmente, o enquadramento legal respeitante à cobrança de dívidas referentes a coimas, uma vez que também estas foram objecto do procedimento de reversão em apreço.
É incontornável que a actual jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo se consolidou no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).
Com efeito, o acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 437/2011, prolatado no processo n.º 206/10, julgou não ser «inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1 do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora». E, na sequência dessa jurisprudência mais qualificada em termos de controlo da constitucionalidade das normas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sofreu uma inevitável alteração, passando igualmente a acolher essa posição, porque adoptada em formação plenária, conforme se pode ver pela leitura dos acórdãos proferidos em 19/04/2012, no proc. n.º 1216/09, em 21/11/2012, no proc. n.º 1176/11, em 09/01/2013, no proc. n.º 1187/12, em 16/01/2013, no proc. n.º 312/12, em 30/1/2013, no proc. n.º 1036/12, em 26/06/2013, no proc. n.º 554/13.
Importa começar por chamar a atenção que é hoje perfeitamente pacífico que a responsabilidade dos gerentes por dívidas provenientes de coimas, enquanto responsabilidade civilística que é, depende da alegação e prova de factos dos quais possa extrair-se a verificação da culpa do responsável subsidiário pelo não pagamento das coimas por parte da empresa originária devedora, os quais devem, desde logo, constar do despacho de reversão – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 17/03/2016, proferido no âmbito do processo n.º 09122/15.
Efectivamente, no que respeita à responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas provenientes de coimas rege o já citado artigo 8.º, n.º 1 do RGIT que prescreve o seguinte:
«1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento».
Tendo presente o teor do artigo 8.º do RGIT, que acima ficou transcrito, deve dizer-se que tal preceito não consagra qualquer presunção de culpa e, portanto, é sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar a culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora de que possa prevalecer-se a AT, pelo que lhe cabia alegar, em sede de acto de reversão, a culpa do gerente por essa insuficiência como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade subsidiária. (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) – neste sentido, entre outros, Ac.T.C.A.-2ª.Secção, 19/12/2001, proc.5568/01; Ac.T.C.A.-2ª.Secção, 11/06/2002, proc.6587/02; Ac.T.C.A.-2ª.Secção, 27/01/2004, proc.594/03; Ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/01/2005, proc.304/04, Ac. STA. – 2ª secção, de 16/01/13, proc. 312/12.
Dito de outro modo, e como se enfatiza no acórdão do STA de 09/04/2014 (processo n.º 341/13) “o art. 8.º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do acto de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social, tendo em conta o disposto no preceito, segundo o qual «Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento» (…). E, ainda assim, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artº 74º nº 1 da LGT, segundo o qual «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque»”.
Feito este enquadramento legal, resulta que, do ponto de vista do cumprimento de dever de fundamentação formal do despacho de reversão, é exigido ao órgão de execução fiscal que:
a) Indique as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade;
b) Mencione o preenchimento dos pressupostos da reversão, a saber:
b.1) Inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do artigo 23.º da LGT e n.º 2 do artigo 153.º do CPPT);
b.2) O exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes, dependendo do enquadramento da situação na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do RGIT;
c) Mencione a sua extensão temporal;
d) Alegue a culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora.

In casu, com a informação oficial prestada nos termos do artigo 208.º do CPPT, foram enviadas cópias do processo de execução fiscal, ínsitas nos autos, reveladoras de toda a sua tramitação e preparação para a reversão no âmbito do respectivo procedimento, observando-se que tanto o projecto de reversão como o acto de reversão remetem para as “diligências precedentes”, destacando-se um auto de diligências do Serviço de Finanças ... - 2, datado de 18/02/2009, onde se informa o seguinte: “(…) ao deslocar-me (…) para cumprimento do mandado de penhora (…) não efectuei a diligência incumbida pelos seguintes factos: 1.º a firma executada já não exerce a sua actividade no local indicado; 2.º a morada acima indicada é a de um dos administradores, ...........91 «AA»; 3.º a firma executada em causa não possui bens na área deste Serviço de Finanças.
Não obstante as diligências efectuadas junto dos moradores próximos, autoridades administrativas e policiais da área da residência, não foram encontrados ou conhecidos quaisquer bens penhoráveis ao executado.
Tendo sido efectuada consulta ao Sistema “CEAP”, também não se encontraram outros bens susceptíveis de penhora.
4.º Pelo que me parece estarem reunidas as condições para se proceder à reversão da dívida, quer nos termos do art.º 23.º e 24.º da LGT quer no art.º 153.º do CPPT, contra os gerentes/sócios/administradores, que constam na base de dados informáticos:
ADMINISTRADOR ..........27 «DD»
ADMINISTRADOR ...........91 «AA» (…)”
Em 08/04/2010, foi, ainda, prestada informação não certificada pela Conservatória do Registo Comercial ao serviço de finanças, relativa à matrícula da devedora originária, constando como gerente «AA» – cfr. ponto A) do probatório.
Emerge ainda dos autos, sentença de declaração insolvência da devedora originária datada de 23/02/2010 – cfr. ponto D) do probatório.
Somente com base nestes elementos foi chamado à execução este contribuinte, tendo sido notificado para exercer por escrito o seu direito de audição prévia, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º da LGT, em conjugação com o artigo 60.º do mesmo diploma, apontando a informação oficial prestada nos termos do artigo 208.º do CPPT que o terá realizado. Note-se que do teor do modelo de notificação para audição prévia à reversão apenas se mostram transcritos três normativos para sustentar o projecto de reversão: o artigo 23.º, n.º 2 da LGT, o artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT e o artigo 8.º, n.º 1, alínea b) do RGIT.
Portanto, ao remeter para as diligências precedentes, o órgão de execução fiscal apenas parece atender ao facto de o Oponente constar das bases de dados informáticas e da matrícula da sociedade como gerente de direito da sociedade originária devedora, o que, por si só, é apenas indiciador de uma possível gestão de facto. Não se tendo detectado qualquer elemento do qual se possa extrair que o oponente se reconhece como administrador.
Na sequência desta notificação, foi emitido o acto de reversão propriamente dito, reproduzido no ponto E) do probatório.
Compulsando o teor do despacho de reversão, verificamos que tem em conta as diligências de folhas precedentes, que se limita a reproduzir a norma do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, a norma do artigo 8.º, n.º 1, alínea b) do RGIT e a identificar a dívida em cobrança coerciva, por referência ao elenco que consta em anexo.
Resulta inequivocamente dos normativos legais referidos que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente/administrador e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Desde logo ressalta que o pressuposto de reversão relativo à gerência efectiva não se mostrava vertido no despacho de reversão.
Como vimos supra, é essencial definir se os gerentes exerceram efectivamente funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária, pois, caso contrário, aplicar-se-á o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea a) da LGT [e não a alínea b)], com substanciais diferenças no ónus da prova da culpa, como referimos anteriormente.
As diligências prévias em que se baseia o acto de reversão limitam-se ao resultado de não terem sido encontrados bens susceptíveis de penhora, à declaração de insolvência e à identificação dos gerentes/sócios/administradores que constam na base de dados informáticos, nunca existindo qualquer menção à gerência de facto nem qualquer relação da mesma com o período a que respeitam as dívidas exequendas.
Com efeito, consta uma referência temporal à responsabilidade subsidiária - reportando-se a dívidas de IRS, IRC, Imposto de Selo e coimas de 2006 a 2008. Contudo, nenhuma menção é efectuada quanto ao exercício efectivo da gerência, nem a relacionando com a sua extensão temporal, desconhecendo-se se o prazo legal de pagamento das dívidas em questão terminou no período de exercício da sua gerência ou se o respectivo facto constitutivo ocorreu no período de exercício da sua gerência.
Na verdade, existe apenas uma referência à gerência de direito, dado que, como dissemos, na informação anterior à audição prévia à reversão somente se destacam os elementos registados na base de dados informáticos, tendo sido carreados para o processo de execução fiscal os elementos constantes na matrícula da sociedade devedora originária na competente Conservatória do Registo Comercial.
Em termos de declaração, em concreto, dos pressupostos da reversão, o despacho em análise nada afirma, apenas alude ao teor dos normativos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT e do artigo 8.º, n.º 1, alínea b) do RGIT, nem sequer mencionando expressamente a inexistência de bens penhoráveis do devedor originário (mas remetendo para as diligências precedentes, estando, depois, aludido no ofício de citação – “inexistência ou insuficiência”) ou a gerência de facto e a extensão temporal da administração de facto, exigível como pressuposto da reversão, omitindo, assim, a alegação ou a mera declaração de todos os pressupostos da reversão.
Por outro lado, compulsando, mais uma vez, o teor do respectivo despacho de reversão, verificamos, ainda, que não se mostra alegada qualquer factualidade que leve a concluir no sentido da culpa do Oponente no facto de o património da sociedade se ter tornado insuficiente para o pagamento da dívida de coimas, nem tão-pouco existe, sequer, alusão a essa culpa.
Por conseguinte, entendemos que a Administração Tributária, no caso, não alegou no despacho de reversão quaisquer elementos concretos dos quais, provados que fossem, fosse possível extrair qualquer juízo de censura ao comportamento do Oponente; não cumprindo o ónus que sobre si impendia, nada tendo sido alegado quanto à culpa do revertido na insuficiência do património da sociedade devedora ou na falta de pagamento das coimas que constituem a dívida exequenda, o que colocou a Fazenda Pública na impossibilidade de fazer a prova da culpa no processo de oposição.
Quer isto dizer que não existiu qualquer acto de verificação da responsabilidade civil relativamente às dívidas exequendas respeitantes a coimas, cuja responsabilidade pelo respectivo pagamento a AT imputa subsidiariamente ao Recorrido, sendo certo, repete-se, que este ónus recaía sobre a Administração, inexistindo, a este respeito, como já deixámos assinalado, qualquer presunção de culpa que funcione a favor da AT – cfr Acórdão do TCA Sul, de 10/07/2015, proferido no âmbito do processo n.º 08731/15.
Na linha do mencionado acórdão do Pleno do STA, não se impõe que do despacho de reversão constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido; ainda assim, não consta do despacho de reversão em crise qualquer alegação, declaração ou alusão ao exercício efectivo das funções do gerente revertido. Nesta conformidade, falta fundamentação bastante para fundar a reversão.
Assim sendo, na medida da suficiência do já exposto, pois foram agora ponderados todos os elementos probatórios a que a Recorrente alude no seu recurso, urge negar provimento ao mesmo e confirmar a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III - A actual jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo consolidou-se em termos de não ser «inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora».
IV – Não estando consagrada no artigo 8.º do RGIT qualquer presunção de culpa, recai sobre a Administração Tributária (autora do despacho de reversão) o ónus de alegar e, em caso de contestação dessa responsabilidade, provar a culpa do gerente pela insuficiência do património social (artigo 74.º da Lei Geral Tributária).
V – A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT). Sendo o despacho de reversão um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da CRP; artigos 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).
VI - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária e com a referência à extensão temporal dessa responsabilidade que está a ser efectivada.
VII – No caso concreto, não se mostram alegados, no despacho de reversão, todos os pressupostos da responsabilidade subsidiária, nomeadamente, inexiste menção ao exercício efectivo das funções do gerente revertido e, no que tange às dívidas de coimas revertidas, também não existe alegação da culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora. Por isso, falta fundamentação bastante para fundar a reversão.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 11 de Abril de 2024

[Ana Patrocínio]
[Ana Paula Santos]
[Maria do Rosário Pais]