Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02045/15.7BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/15/2017
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL FGS; ACORDO COM ENTIDADE EMPREGADORA
Sumário:
1 – O regime legal vigente relativo ao acesso ao Fundo de Garantia Salarial encontra-se consagrado no artigo 336.° do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro e, ainda, nos artigos 316.° a 326.° da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho.
A lei exige a verificação cumulativa dos requisitos que enuncia, por forma a que possa haver lugar ao pagamento por parte do Fundo de Garantia Salarial de créditos resultantes da cessação do contrato de trabalho:
O FGS assegurará ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador judicialmente declarado insolvente, o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho, desde que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de declaração de insolvência ou após o referido período de referência, nos casos pontuais e com os limites enunciados no n.º 2 do citado artigo 319.°
2 – É irrelevante a circunstância do então Autor ter celebrado com a Entidade Empregadora um contrato de pagamento dos reclamados créditos em prestações e de tal contrato ter sido incumprido em data posterior, porquanto tal acordo não tem a virtualidade de alterar a natureza do crédito em causa perante o FGS, nem a data do respetivo vencimento.
Efetivamente, estamos perante um mero acordo de pagamento celebrado entre as partes quanto à forma como seriam pagos os créditos que o aqui Recorrente detinha sobre o Empregador, que, como se disse, não teve a virtualidade de derrogar o regime legal aplicável, sendo que, em concreto, a relação laboral enquanto tal havia cessado já anteriormente.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MFBFC
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
I Relatório
MFBFC no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Fundo de Garantia Salarial, tendente, designadamente, à impugnação do despacho do Presidente do Conselho de Gestão do FGS de 15 de maio de 2015, que indeferiu o seu requerimento de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, inconformada com a Sentença proferida no TAF de Penafiel em 22 de fevereiro de 2017, que julgou a Ação improcedente, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo.
Do referido Recurso jurisdicional interposto pelo Autor em 15 de março de 2017, para este TCAN, foram formuladas as seguintes conclusões (Cfr. fls. 89v a 91v Procº físico):
“O objeto do presente recurso circunscreve-se à decisão que determina que o crédito reclamado pela Recorrente, não é devido, porque se encontrava vencido fora do período de referência.
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 319° da Lei n° 35/2004 de 29/07 o "Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317° que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data de propositura da ação (…).
A Recorrente em 23/03/2012 fez cessar o contrato de trabalho que o ligava à sociedade JS - Indústria de Mobiliário, Lda., alegando justa causa por falta de pagamento de salários e outras retribuições.
Em 12/04/2012 foi celebrado entre a Recorrente e aquela sociedade um Acordo de pagamento respeitante aos montantes devidos pela entidade patronal à Recorrente relativos aos seus créditos laborais.
Fixaram o valor em dívida em 8.533,10 €, que seria pago em 24 prestações, mensais e sucessivas, as primeiras 12 no valor de 300 cada, as 11 seguintes no valor de 400 cada e a 248 e última no valor de 533,10 €,
A primeira delas vencer-se-ia no dia 30/04/2012 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes.
Daquele valor, a sociedade JS - Industria de Mobiliário, Lda., apenas liquidou as prestações de Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto de 2012, ou seja, a quantia de 1.500 €,
Sendo que a prestação que se venceu no dia 30 de Setembro de 2012 já não foi paga.
Ou seja, a partir de 30/09/2012 a Insolvente entrou em incumprimento do acordo estabelecido.
Vencendo-se nessa mesma data os créditos laborais da Recorrente.
Isto porque, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 781° do Código Civil, no caso em que a dívida seja liquidada em prestações, a falta de pagamento de uma delas, importa o vencimento de todas as restantes.
Sendo por via disso nosso entendimento que o pagamento dos créditos laborais reclamados pela Recorrente só se venceu e se tomou exigível a partir do momento em que a entidade patronal da Recorrente incumpriu o acordo de pagamento celebrado com a Recorrente, uma vez que por via de tal acordo celebrado entre as partes foi mutuamente acordado o protelamento e diferimento da data de vencimento da totalidade dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho da Recorrente (nos termos ali definidos),
Sendo para nós evidente que o vencimento e exigibilidade de todos esses créditos emergentes da cessão do contrato de trabalho da Recorrente para com a sua entidade patronal e reclamados junto do Fundo de Garantia Salarial ocorreu apenas no momento em que a entidade patronal/insolvente incumpriu o acordo de pagamento celebrado.
Ou seja, no dia 30/09/2012 (data em que a entidade patronal não efetuou o pagamento da prestação respeitante a Setembro) venceu-se o direito ao crédito da Recorrente.
E tendo sido intentada a ação de insolvência em 18/12/2012 (conforme resulta do facto B) dado como provado), não restam dúvidas que efetivamente o direito de crédito da Recorrente venceu-se cerca de 3 meses antes da propositura da ação.
Não comungamos pois do entendimento do douto Tribunal a quo, pois que, e não olvidando que o regime do Fundo de Garantia Salarial visa em primeira linha assegurar em tempo útil o pagamento de créditos laborais em sub-rogação mas apenas quando o empregador está insolvente ou em situação de económica difícil,
A seguir-se esse entendimento, estamos a transmitir uma visão errada na nossa perspetiva - de qual é o verdadeiro objetivo e fundamento da criação desse instituto,
Criando nos trabalhadores pelo menos naqueles que tenham cessado ou visto cessado o vínculo laborai com as suas entidades patronais - a ideia de que, nesse caso, têm seis meses para requerer a insolvência da sua entidade patronal, sob pena de perderam a proteção desse instituto,
Ainda que para o efeito não tenham justificação para esse pedido de insolvência,
Ainda que a empresa tenha viabilidade,
Ainda que tenha cessado o seu contrato por mútuo acordo,
No âmbito de uma extinção do posto de trabalho, de um despedimento coletivo...
O que levará por exemplo que qualquer acordo de pagamento entre trabalhador e sua entidade patronal não se venha a estender por mais de 5 meses por exemplo...
Que não havendo acordo, à cautela, se deixem de intentar ações laborais para se ir diretamente com o pedido de insolvência...
O que, nos tempos em que vivemos, já se coloca e irá se colocar muitas mais vezes, dada a fragilidade e o clima de desconfiança por que passa a nossa economia e o nosso tecido empresarial.
Começa-se a ouvir pelas salas dos Tribunais de Comércio desabafos dos Meritíssimos Juízes de que os pedidos de declarações de insolvência são hoje verdadeiras ações de cobrança, expedientes usados de forma cada vez mais banal...
Mas assim terá que continuar...
Não vale a pena recorrer ao Tribunal de Trabalho para ver reconhecidos os créditos laborais, nem valeria a pena obtida sentença, executá-la.
À cautela, mais vale requerer a insolvência da sua entidade patronal.
Parece-nos por isso que esse entendimento, transmite a ideia errada aos trabalhadores, aos beneficiários do Fundo de Garantia Salarial.
Sendo que, não esquecendo que a legislação procurou balizar o acesso á proteção pelo Fundo de Garantia Salarial, situações em que há por exemplo acordos de pagamento, judiciais ou extrajudiciais, devem ser relevadas para efeitos da aferição desse período de referência, sob pena de, não resolvendo um problema, estar a criar outro, "incitando" os trabalhadores a acautelarem-se e pedirem antes que passados os 6 meses a insolvência das suas entidades patronais.
Razão pela qual forçoso será de concluir que os créditos do Recorrente devem considerar-se abrangidos pela previsão do citado artigo 319°, e deveria ter sido condenado o Fundo de Garantia Salarial no pagamento dos mesmos.
Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se nula a sentença por vício de interpretação do n° 1 do artigo 319° da lei 35/2004 de 29/07, revogando-a, condenando a Fundo de Garantia Salarial a pagar à Recorrente o pagamento da quantia de 7.033,10 €, valor este que corresponde ao limite máximo que o FGS assegura nos termos da Lei 35/2004, isto é, o correspondente a 18 salários mínimos nacionais, com o que se fará inteira justiça.”
Em 14 de junho de 2017 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso interposto (Cfr. fls. 95 Procº físico).
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O Fundo de Garantia Salarial veio a apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 1 de agosto de 2017, nas quais conclui (Cfr, fls. 103 e 104 Procº físico):
1. O regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial regulado pela Lei n.º 35/2004, de 29/07, nos artigos 317.º a 326.º, impõe determinado requisitos, de cumprimento cumulativo, para que o Fundo de Garantia Salarial possa assegurar a um trabalhador o pagamento dos créditos requeridos.
2. Desde logo, um desses requisitos, impostos pela citada lei no n.º 1, do art. 318.º, é que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.
3. No presente caso, a ação de insolvência da entidade empregadora JS - INDUSTRIA MOBILIÁRIO LD foi intentada no dia 18.02.2012 e decretada por sentença datada de 03.01.2013.
4. Mas não são todos e quaisquer créditos que o Fundo de Garantia Salarial assegura, na medida em que o n.º 1, do art. 319.º da citada lei, impõe que apenas é assegurado o pagamento de créditos vencidos nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou da entrada do requerimento do procedimento de conciliação, se for o caso.
5. Na presente situação, e de acordo com a legislação, o Fundo de Garantia Salarial assegura os créditos vencidos entre 18.04.2012 e 18.12.2012.
6. O contrato de trabalho da Autora cessou e 23.03.2012.
7. Portanto, tendo os créditos laborais vencido na data da cessação do contrato de trabalho que ocorreu em 23.03.2012, os mesmos estão fora do período de referência.
8. Os créditos da Autora aqui recorrente, são créditos laborais e que se vencem com a cessação do contrato de trabalho.
Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, uma vez que o ato praticado pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial não padece de qualquer vício que o inquine com anulabilidade ou nulidade.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 12 de outubro de 2017 (Cfr. fls. 116 Procº físico), veio a emitir Parecer em 13 de outubro de 2017, no qual, a final, se pronuncia no sentido da ação dever “ser negado provimento ao recurso” (Cfr. fls. 117 a 121 Procº físico).
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, designadamente no que concerne à inaplicação devida do regime legal vigente por parte do tribunal a quo, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
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III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
A) Em 18/12/2012 deu entrada no Tribunal Judicial de Paredes a ação de insolvência em que é devedora “JS - Indústria Mobiliário, Lda”, que correu os seus termos sob o n.º 47177/12.4TBPRD – cf. fls. 7 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) No âmbito da ação mencionada no ponto antecedente foi proferida sentença de declaração de insolvência transitada em julgado em 03/01/2013- cf. fls. 7 do PA.
C) A Autora requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho nos seguintes termos:
Identificação do Empregador: JS - Indústria Mobiliário, Lda
Ret + Sub Férias € 863,30
Proporcionais Retrib +Sub. Férias € 242,50
Proporcionais Sub Natal € 121,25
Indemnização por cessação do contrato de trabalho € 5.806,05
Total - € 7.033,10
- Cfr. fls. 6 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) Por ofício datado de 29/05/2015 foi a Autora notificada do despacho de indeferimento do pedido, nos seguintes termos:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
Cfr. fls. 19 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) No dia 12/04/2012, a Autora e a “JS– Indústria de Mobiliário, Lda. outorgaram documento designado “acordo de pagamento” nos seguintes termos:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
Cfr. fls. 13 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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IV – Do Direito
Inconformado com a decisão proferida pelo tribunal a quo, veio a Autora MFBFC, interpor recurso jurisdicional da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a presente ação administrativa especial e, consequentemente, absolveu a Entidade Demandada do pedido.
Em função dos factos dados como provados importa analisar o suscitado.
No que ao “direito” concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...) são pressupostos do pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho por parte do FGS, no que ao caso concerne:
(i) A declaração de insolvência da entidade patronal do trabalhador;
(ii) O vencimento dos créditos emergentes de contrato de trabalho nos seis meses anteriores à data da instauração da ação insolvência;
(iii) E inexistindo créditos no período referido em (ii) ou caso o seu montante seja inferior ao limite máximo previsto no art.º 320.º, n.º 1 do diploma vindo a referenciar, o FGS garantirá os créditos vencidos após o período de referência, até àquele limite.
Contudo, a responsabilidade do FGS não é ilimitada, na medida em que os créditos serão pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida e se o trabalhador for titular de créditos correspondentes a prestações diversas, o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição: cfr. Art.º 320.º, n.º 1 e 2 do diploma vindo a referenciar.
Como vimos, o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de insolvência: cfr. art.º 319.º.
(...)
Alega que, em 23/03/2012, resolveu o seu contrato de trabalho com justa causa, por falta de pagamento de salários, sendo que a sua entidade patronal reconheceu a justa causa e celebrou com ela um acordo de pagamento no valor de € 8.533,10, em 12/04/2012, para pagamento em 24 prestações, mensais e sucessivas, com início em 30/04/2012, tendo apenas pago as prestações de abril a agosto de 2012, no valor total de € 1.500,00. Conclui que a partir de 30/09/2012, data de vencimento da sexta prestação venceu-se o direito de crédito da autora, pelo que estão reunidos os pressupostos para o pagamento por parte do FGS.
Sobre esta questão já se pronunciou o TCA Norte, proc. n.º 01513/13.0BEBRG, com cuja fundamentação se concorda, revendo posição anterior, segundo o qual “a sentença homologatória de transação efetuada entre o Recorrente e a sociedade empregadora em ação proposta no Tribunal do Trabalho contra aquela – fundada na prévia resolução do contrato pelo Recorrente, por justa causa, tendente à declaração e reconhecimento dos créditos emergentes da cessação contratual – na qual a empregadora se obrigou a pagar ao trabalhador a quantia peticionada reportada a “crédito referente a compensação global pela cessação do contrato de trabalho”, em prestações iguais, mensais e sucessivas, e no caso de não pagamento atempado de uma das prestações, a pagar a quantia acordada de uma só vez, não tem a virtualidade de alterar a natureza dos créditos laborais em causa, nem as datas dos respetivos vencimentos. V – Dessa forma contornar-se-ia o regime do FGS cujos pressupostos/exigências de intervenção – mormente a do “prazo” de acesso e a do “período de referência” – visam a assegurar em tempo célere e útil o pagamento de créditos laborais, em sub-rogação do empregador insolvente ou em situação económica difícil.”.
Assim, o acordo de pagamento dizia respeito a retribuições de janeiro a Março de 2012.
O crédito retributivo vence-se por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês do calendário: cfr. art.º 278.º, do Código de Trabalho.
Por conseguinte, atendendo ao regime legal aplicável as retribuições de Janeiro a março de 2012 venceram-se, maxime, no último dia do mês de cada mês, ou seja, em 31/01, 29/02 e 31/03, pelo que é forçoso concluir que aqueles créditos não se encontram abrangidos pelo período de referência (18/06/2012 a 18/12/2012 ), ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da ação de insolvência, nos termos do n.º 1 do art.º 319.º da Lei n.º 35/2004 de 29/07.
Relativamente à indemnização por rescisão com justa causa, a mesma venceu-se em 23/03/2012, data da cessação do contrato de trabalho, pelo que é forçoso concluir que este crédito não se encontra abrangido pelo período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da ação de insolvência, nos termos do n.º 1 do art.º 319.º da Lei n.º 35/2004 de 29/07.
Como se afirma no Acórdão do TCA Norte de 22/05/2015, proc. n.º 637/13.8BEPNF “O direito à indemnização vence-se na data da resolução do contrato e não da data em que é judicialmente declarada a resolução”.
No que respeita ao subsídio de natal de 2011, prescreve o art.º 263.º, n.º 1 e 2 do CT que o trabalhador terá direito a um subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.
Por conseguinte, o crédito referente ao subsídio de natal de 2011 venceu-se no dia 15/12/2011, data a partir do qual poderá ser exigido pelo trabalhador e, como tal, este crédito não se encontra abrangido pelo período de referência de seis meses que antecedem a propositura da ação de insolvência, nos termos do n.º 1 do art.º 319.º da Lei n.º 35/2004 de 29/07, que se situa entre 29/09/2012 e 29/03/2013.
No que respeita às férias e subsídio de férias de 2011, estatui o art.º 237.º, n.º 1 e 2 do CT que o trabalhador tem direito, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que se vence em 1 de Janeiro reportando-se ao trabalho prestado no ano anterior.
(...)
No caso dos autos, em 23/03/2012, data da cessação do contrato de trabalho, a Autora ainda não havia gozado as férias respeitantes ao trabalho prestado em 2011, pelo que reclama a quantia referente a subsídio de férias de 2011.
Sucede que nos termos do art.º 240.º do CT as férias são gozadas no ano civil em que se vencem, podendo ser gozadas até 30 de Abril do ano civil seguinte, em cumulação ou não com férias vencidas no início deste, por acordo entre empregador e trabalhador ou sempre que este as pretenda gozar com familiar residente no estrangeiro.
Assim, se a Autora não gozou as férias relativas ao trabalho prestado em 2011, vencidas em 01/01/2012, no ano civil em que as mesmas se venceram e se as podia gozar até 30 de Abril de 2013 tendo o contrato cessado em 23/03/2012 o direito a receber o valor relativo ao respetivo subsídio de férias venceu-se com a cessação do contrato de trabalho, o que in casu, ocorreu em 23/03/2012, nos termos do art.º 245.º do CT.
Desta forma, tendo a cessação do contrato de trabalho ocorrido em 32/03/2012 é manifesto que este crédito não se venceu no período de referência a que alude o n.º 1 do art.º 319.º da Lei n.º 35/2004, não assistindo à Autora o direito à sua perceção.
(...)
Assim, é inequívoco que os proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal do ano da cessação vencem-se na data da cessação do contrato de trabalho ocorrida em 23/03/2012 e, como tal, estes créditos venceram-se fora do período de referência a que alude o n.º 1 do art.º 319.º da Lei n.º 35/2004, pelo que o Fundo de Garantia Salarial não deve assegurar o pagamento.
Relativamente ao vício de forma por falta de fundamentação, importa dizer que estamos no domínio da atividade vinculada da Administração sendo que o indeferimento da pretensão da Autora mostra-se conforme à legalidade, pelo que é irrelevante o vício de forma apontado ao ato, atendendo ao princípio do aproveitamento do ato administrativo.
Acresce que estamos no âmbito de uma ação administrativa especial de condenação à prática de ato devido regulada nos artigos 66º e seguintes do CPTA.
Por força do art.º 66º, n.º 1 e 2 do CPTA, “a ação administrativa especial pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado” e “ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória”.
Assim, nas ações de condenação à prática de ato devido, o objeto do processo não é o ato de indeferimento, mas a pretensão material que o Autor pretende fazer valer na ação, sendo que a eliminação desse ato da ordem jurídica decorre da pronúncia condenatória da prática do ato devido.
Nessa conformidade, dispõe o art.º 71º, n.º 1 do CPTA que “ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada, o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo ou inexistente o eventual ato de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato devido”.
Desta forma, na ação administrativa especial de condenação à prática de ato devido o Tribunal deve pronunciar-se sobre a pretensão formulada pelo Autor, rejeitando-se, neste tipo de ações, a prolação de sentenças de anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos de indeferimento, sendo, por isso, irrelevantes os vícios imputados àqueles atos, pelo que ao Tribunal não compete apreciá-los com vista a eventual anulação ou declaração de nulidade do ato, cuja eliminação desses atos da ordem jurídica decorre da pronúncia condenatória de prática do ato devido.
Ante o exposto, deve a presente ação improceder in totum por os créditos não se encontrarem abrangidos pelo período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da ação de insolvência, nos termos do n.º 1 do art.º 319.º da Lei n.º 35/2004 de 29/07.
Aqui chegados, analisemos então os vícios imputados à decisão recorrida.
O regime legal aqui aplicável, relativo ao acesso ao Fundo de Garantia Salarial encontra-se consagrado no artigo 336.° do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro e, ainda, nos artigos 316.° a 326.° da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho.
Como resulta da decisão recorrida, a lei exige a verificação cumulativa dos requisitos que enuncia, por forma a que possa haver lugar ao pagamento por parte do Fundo de Garantia Salarial de créditos resultantes da cessação do contrato de trabalho:
Efetivamente, dispõe o artigo 317.° da Lei n.º 35/2004, de 29/07, que:
"O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes".
Correspondentemente, refere-se no nº 1 do artigo 318.°, do mesmo diploma, que "O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente".
Em qualquer caso, o Fundo de Garantia Salarial não garante o pagamento de todos e quaisquer créditos, mas, tão-somente, os que se encontrem abrangidos na previsão do artigo 319.° da mesma Lei n.º 35/2004, no qual se refere que:
"1- O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.° que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.
2- Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.
3- O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição."
Por outro lado, o artigo 320.° do mesmo diploma, já relativamente aos "Limites das importâncias pagas", estabelece no seu n.º 1, que "Os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida".
Assim, o FGS assegurará ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador judicialmente declarado insolvente, o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho, desde que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de declaração de insolvência ou após o referido período de referência, nos casos pontuais e com os limites enunciados no n.º 2 do citado artigo 319.°
É deste modo cumulativamente exigível o preenchimento dos seguintes requisitos:
(i) a prévia instauração da ação de insolvência e
(ii) o vencimento dos créditos reclamados, nos seis meses anteriores à data da instauração da ação de insolvência.
A este respeito, resulta claro do Acórdão do STA, de 10/09/2015, no Processo n.º 0147/15, que "O Fundo de Garantia Salarial, assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho "que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2.° anterior " - art.° 319.°/1 da Lei 35/2004.
Para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial e ao seu pagamento"
No mesmo sentido apontam diversos outros acórdãos do STA, designadamente o Acórdão de 10/09/2009, no Processo n.º 01111/08, no qual igualmente se refere que "O Fundo de Garantia Salarial, instituído pelo DL 219/99, de 15.6 (alterado pelo DL 139/01, de 24.4), assegura o pagamento dos "créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou da entrada do requerimento referidos no artigo 2.°.
Para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial".
Em função de tudo quanto ficou dito, é manifesto que a decisão recorrida assentou em entendimento sedimentado em jurisprudência, designadamente do STA, não tendo o Recorrente logrado contrariar a referida linha de raciocínio.
É pois irrelevante a circunstância da então Autora ter celebrado um contrato de pagamento desses créditos em prestações com a sua entidade patronal e de tal contrato ter sido incumprido em data ulterior, porquanto tal acordo não tem a virtualidade de alterar a natureza do crédito em causa, nem a data do respetivo vencimento.
Efetivamente, e como se sumariou no identificado Acórdão n.º 01513/13.0BEBRG, de 17 de Abril de 2015 deste TCAN:
"A sentença homologatória de transação efetuada entre o Recorrente e a sociedade empregadora em ação proposta no Tribunal do Trabalho contra aquela (...) na qual a empregadora se obrigou a pagar ao trabalhador a quantia peticionada reportada a "crédito referente a compensação global pela cessação do contrato de trabalho", em prestações iguais, mensais e sucessivas, e no caso de não pagamento atempado de uma das prestações, a pagar a quantia acordada de uma só vez, não tem a virtualidade de alterar a natureza dos créditos laborais em causa, nem as datas dos respetivos vencimentos.
Dessa forma contornar-se-ia o regime do FGS cujos pressupostos/exigências de intervenção - mormente a do "prazo" de acesso e a do "período de referência "- visam a assegurar em tempo célere e útil o pagamento de créditos laborais, em sub-rogação do empregador insolvente ou em situação económica difícil".
Como igualmente sumariámos no acórdão que relatámos, nº 2774/15.5BEPRT, de 15-09-2017:
“(...) A lei exige a verificação cumulativa dos requisitos que enuncia, por forma a que possa haver lugar ao pagamento por parte do Fundo de Garantia Salarial de créditos resultantes da cessação do contrato de trabalho:
O FGS assegurará ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador judicialmente declarado insolvente, o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho, desde que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de declaração de insolvência ou após o referido período de referência, nos casos pontuais e com os limites enunciados no n.º 2 do citado artigo 319.°
É irrelevante a circunstância do então Autor ter celebrado com a Entidade Empregadora um contrato de pagamento dos reclamados créditos em prestações e de tal contrato ter sido incumprido em data posterior, porquanto tal acordo não tem a virtualidade de alterar a natureza do crédito em causa perante o FGS, nem a data do respetivo vencimento.
Efetivamente, estamos perante um mero acordo de pagamento celebrado entre as partes quanto à forma como seriam pagos os créditos que o aqui Recorrente detinha sobre o Empregador, que, como se disse, não teve a virtualidade de derrogar o regime legal aplicável, sendo que, em concreto, a relação laboral enquanto tal havia cessado já anteriormente”
Assim, e em função dos factos dados como provados, e de modo a permitir uma mais eficaz visualização do que aqui está em causa, importa explicitar as principais datas aqui em causa:
a) A Recorrente resolveu o seu contrato de trabalho em 23/03/2012;
b) Em 12/04/2012 foi firmado entre as partes “acordo de pagamento”,
b) A Ação de Insolvência deu entrada em tribunal em 18/12/2012;
c) O período de referência situa-se entre 18/06/2012 e 18/12/2012
c) A Recorrente requereu ao FGS o pagamento dos créditos do contrato de trabalho em 28/02/2013
Em face do que antecede, é manifesto que os créditos reclamados estão fora do período de referência de seis meses, estabelecido no n° 1 do art° 319° do Lei n° 35/2004.
Por outro lado, o “acordo de pagamento” estabelecido em 12/04/2012, nunca poderia ter a virtualidade de derrogar o regime legal aplicável, sendo que a relação laboral enquanto tal havia cessado em 23/03/2012, sendo este facto incontornável.
O que releva pois é apenas a data do vencimento dos créditos laborais e não, designadamente, a data do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial – Cfr. Acórdãos do STA de 25.03.2009, 07.01.2009, 11.02.2009, 25.02.2009 proferidos respetivamente nos processos n.ºs 0704/08, 0780/08, 0703/08, 0728/08, 0858/08.
Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, não merece censura a sentença objeto de impugnação.
*
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao Recurso interposto, confirmando a Sentença objeto de Recurso.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Porto, 15 de dezembro de 2017
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Migueis Garcia