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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01963/14.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/16/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:MÉDICO. INTERNATO MÉDICO. DIREITO DE ACESSO À FUNÇÃO PÚBLICA.
Sumário:
I – Viola o “direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”, previsto no artigo 47.º, n.º 2, da CRP, o Despacho n.º 180-A/2014, de 3/01/2014, do Secretário de Estado da Saúde (DR, 2.ª série, n.º 3, parte C, de 06/01/2014), quando restringe o âmbito subjectivo do processo de recrutamento tão só aos médicos que concluíram a especialidade médica na 2.ª época de 2013. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Ministério da Saúde
Recorrido 1:DJGMO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

Ministério da Saúde e Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. interpõem, cada um, recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que em acção administrativa especial intentada por DJGMO (R. V… Viana do Castelo), JMSF (Praça A…, 4470-133 Maia), e JMCV (Praça A…, 4470-133 Maia) declarou “nulo o despacho impugnado e, inválidos todos os actos consequentes”.
*
O recorrente Ministério conclui:
O presente recurso vem interposto da decisão que julgou procedente a presente ação administrativa que impugnou o despacho nº 180-A/2014, de 3-01-2014, da autoria do Secretário de Estado da Saúde que identificou, ao abrigo do nº 2 do artº 3º do Decreto-Lei nº 45/2009, de 13 de fevereiro, em conjugação com a alínea b) do nº 1 do artº 2º do Decreto-Lei nº 112/98, de 24 de abril, os hospitais e as especialidades carenciadas de médicos especialistas, definindo que podiam ser opositores ao procedimento de seleção simplificado para a ocupação de postos de trabalho na categoria de assistente, aberto com base nesse despacho, os médicos que adquiriram o grau de especialista na 2ª época de 2013, na respetiva área de especialização, declarando-o nulo e inválidos todos os atos subsequentes;
Contudo,
O despacho em crise não padece de quaisquer vícios, porquanto o nº 2 do artº 3º do Decreto-Lei nº 45/2009, de 13 de fevereiro, autoriza a aplicação transitória do regime de contratação de médicos abrangidos pelo artº 2º do Decreto-Lei nº 112/98, de 24 de abril, que estabelecia as condições em que podiam ser prorrogados os contratos de provimento de pessoal médico que iniciasse o respetivo internato complementar após a entrada em vigor deste diploma;
Prevendo que tinham direito à prorrogação do contrato, pelo período de três anos, os internos que escolhessem para efeitos de realização do internato complementar, estabelecimento de saúde e especialidade em que se verificasse carência ou requeressem a colocação em estabelecimento ou serviço de saúde considerado carenciado (artº 2º);
Importa ter presente que, nos termos do regime legal do internato médico (anterior à alteração operada pelo Decreto-lei nº 45/2009, de 13 de fevereiro), o contrato administrativo de provimento e a comissão de serviço extraordinária tinha, em regra, a duração estabelecida no programa de formação da respetiva área profissional de especialização, incluindo as repetições legalmente admissíveis, sendo essa duração prorrogada automaticamente até à conclusão do processo de colocação dos médicos em estabelecimentos carenciados (cfr. nº 1 do artº 14º do Decreto-Lei nº 203/2014, de 18 de agosto, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-lei nº 60/2007, de 13 de março);
De facto,
Dispõe o referido nº 2 do artº 3 que:
"O disposto nos 5 a 7 do art° 12-A do Decreto- Lei nº 203/2004, de 18 de Agosto, na redação dada pelo presente decreto-lei, aplica-se aos médicos abrangidos pelo nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 112/98, de 24 de abril, salvo oposição dos interessados a apresentar; por escrito, no prazo de 30 dias a contar da data de entrada em vigor do presente decreto-lei."
Da conjugação do n° 1 do artº 2° do Decreto-lei n° 112/98[2] e dos nºs 5 a 7 do art° 12-A do Decreto-lei n° 203/2004, de 18 de agosto[3], dúvidas não restam que o médico recém especialista era obrigado a concorrer no âmbito do procedimento de colocação da respetiva época de conclusão do internato médico, caso pretendesse beneficiar da prorrogação do então contrato administrativo de provimento;
Sendo certo que a única exceção ao recrutamento circunscrito aos médicos que, em cada época, concluíssem o internato médico, encontrava-se expressamente prevista e regulada no art° 9º do referido Decreto-Lei n° 112/98 que, sob a epígrafe "Disposições finais", permitiu a aplicação do regime previsto naquele diploma "Aos médicos que, não se encontrando providos em lugar de quadro da respetiva carreira, tenham concluído o respetivo internato complementar após 1 de janeiro de 1993 e requeiram junto das administrações regionais de saúde, no prazo máximo de 30 dias úteis a contar do despacho previsto nº 2 do presente artigo, o reinício de funções como assistentes eventuais em estabelecimento carenciado";
O princípio da liberdade de acesso à função pública, alegadamente violado, postula a possibilidade de candidatura e a não exclusão do concurso dos indivíduos interessados que preencham os requisitos legais para o exercício da função pública em geral e/ou de um emprego público em particular;
No caso concreto do regime das vagas preferenciais está em causa o lançamento de um concurso que obedeça às condições previstas no nº 5 do artº 12-A e ao qual poderão candidatar-se todos os médicos que tenham concluído o internato médico e obtido o grau de especialista na correspondente área de especialização;
10ª E o que o Decreto-Lei n° 45/2009, de 13 de fevereiro, fez foi conferir aos médicos abrangidos pelo artº 2º do Decreto-lei nº 112/98, de 24 de abril, ou seja, os que iniciaram o internato médico durante a sua vigência, através do seu nº 2 do artº 3º, a possibilidade de acederem a um contrato de trabalho por tempo indeterminado, mantendo-o transitoriamente em vigor;
11º Sendo certo que, se se possibilitasse aos médicos abrangidos pela norma transitória de salvaguarda, candidatarem-se a mais do que um concurso de vagas preferenciais, tal consubstanciaria uma manifesta violação do princípio da igualdade porquanto a nenhuns outros médicos, quer os que concluíram o internato antes da revogação do decreto-lei nº 112/98, de 24 de abril, quer os que o concluíram em data posterior, é reconhecido esse direito;
12ª O despacho n° 180-A/2014, tal como os demais publicados ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 3º do Decreto-lei nº 45/2009, de 13 de fevereiro, têm efetivamente o âmbito subjetivo de aplicação, limitado aos titulares do grau de especialista adquirido em determinadas épocas e procurou identificar as vagas que foram sinalizadas pelos serviços e estabelecimentos de saúde e validadas pela respetiva ARS, como prioritárias em termos de necessidades de pessoal médico;
Assim,
13ª O imperativo que presidiu à identificação das vagas que aí constam foi a defesa do interesse público, consagrado no nº 1 do artº 266º da CRP, bem como a defesa do direito à proteção da saúde, no artº 64º, no sentido que se procura contribuir para colmatar as necessidades prioritárias sinalizadas pelos serviços e estabelecimentos de saúde e validadas pelas respetivas administrações regionais de saúde;
Pelo que,
14º Não pode proceder a invocada violação do princípio da igualdade de acesso à função pública e da liberdade de candidatura previsto no artº 47º da CRP, tanto mais que, para cada época do internato médico, tem existido sempre, baseado neste regime especial de seleção, um despacho da mesma natureza e ao abrigo do mesmo dispositivo legal;
15º O que se passa é que existe um regime especial de seleção, ao qual apenas podem candidatar-se os médicos que adquiriram o grau de especialista na época ou épocas a que respeite o procedimento de recrutamento, mas que não exclui que outros eventuais procedimentos de recrutamento de caráter geral possam ser desencadeados para qualquer especialidade e aos quais pode, preenchidos os necessários requisitos, candidatar-se qualquer médico;
16º E todos podem-se candidatar em igualdade de circunstâncias, preenchidos que estejam os requisitos impostos pelo concurso, mediante as vagas abertas após ponderação das necessidades por parte dos serviços;
17º E, por isso, pela prossecução do interesse público a que a Administração está vinculada, ela atua dentro da sua margem de discricionariedade, na procura das melhores soluções para a sua defesa ainda que estas possam, em algum momento, consubstanciar alguma limitação de interesses privados, conquanto o faça na estrita medida do necessário e com a necessária proporcionalidade (cfr. n.º 2, do artº 266.º da C RP);
18º O que está em causa, pois, é o estrito cumprimento da lei que impõe que seja proferido pelo membro do governo responsável pela área da saúde um despacho que identifique as especialidade e os estabelecimentos carenciados, em termos de pessoal médico, sendo certo que estes concursos "fechados" já existem desde 1998, data em que foi publicado e entrou em vigor o decreto-lei nº 112/98, de 24 de abril, sem que alguma vez tenha sido questionada a sua legalidade.
*
A recorrente ARSN deu em conclusões:
[as do Ministério da Saúde que aqui se reiteram]
O presente recurso vem interposto da decisão que julgou procedente a presente ação administrativa que impugnou o despacho nº 180-A/2014, de 3-01-2014, da autoria do Secretário de Estado da Saúde que identificou, ao abrigo do nº 2 do artº 3º do Decreto-Lei nº 45/2009, de 13 de fevereiro, em conjugação com a alínea b) do nº 1 do artº 2º do Decreto-Lei nº 112/98, de 24 de abril, os hospitais e as especialidades carenciadas de médicos especialistas, definindo que podiam ser opositores ao procedimento de seleção simplificado para a ocupação de postos de trabalho na categoria de assistente, aberto com base nesse despacho, os médicos que adquiriram o grau de especialista na 2ª época de 2013, na respetiva área de especialização, declarando-o nulo e inválidos todos os atos subsequentes; Contudo,
O despacho em crise não padece de quaisquer vícios, porquanto o nº 2 do artº 3º do Decreto-Lei nº 45/2009, de 13 de fevereiro, autoriza a aplicação transitória do regime de contratação de médicos abrangidos pelo artº 2º do Decreto-Lei nº 112/98, de 24 de abril, que estabelecia as condições em que podiam ser prorrogados os contratos de provimento de pessoal médico que iniciasse o respetivo internato complementar após a entrada em vigor deste diploma;
Prevendo que tinham direito à prorrogação do contrato, pelo período de três anos, os internos que escolhessem para efeitos de realização do internato complementar, estabelecimento de saúde e especialidade em que se verificasse carência ou requeressem a colocação em estabelecimento ou serviço de saúde considerado carenciado (artº 2º);
Importa ter presente que, nos termos do regime legal do internato médico (anterior à alteração operada pelo Decreto-lei nº 45/2009, de 13 de fevereiro), o contrato administrativo de provimento e a comissão de serviço extraordinária tinha, em regra, a duração estabelecida no programa de formação da respetiva área profissional de especialização, incluindo as repetições legalmente admissíveis, sendo essa duração prorrogada automaticamente até à conclusão do processo de colocação dos médicos em estabelecimentos carenciados (cfr. nº 1 do artº 14º do Decreto-Lei nº 203/2014, de 18 de agosto, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-lei nº 60/2007, de 13 de março); De facto,
Dispõe o referido nº 2 do artº 3 que: “O disposto nos 5 a 7 do artº 12-A do Decreto- Lei nº 203/2004, de 18 de Agosto, na redação dada pelo presente decreto-lei, aplica-se aos médicos abrangidos pelo nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 112/98, de 24 de abril, salvo oposição dos interessados a apresentar, por escrito, no prazo de 30 dias a contar da data de entrada em vigor do presente decreto-lei.”
Da conjugação do nº 1 do artº 2º do Decreto-lei nº 112/98 e dos nºs 5 a 7 do artº 12-A do Decreto-lei nº 203/2004, de 18 de agosto, dúvidas não restam que o médico recém especialista era obrigado a concorrer no âmbito do procedimento de colocação da respetiva época de conclusão do internato médico, caso pretendesse beneficiar da prorrogação do então contrato administrativo de provimento;
Sendo certo que a única exceção ao recrutamento circunscrito aos médicos que, em cada época, concluíssem o internato médico, encontrava-se expressamente prevista e regulada no artº 9º do referido Decreto-Lei nº 112/98 que, sob a epígrafe “Disposições finais”, permitiu a aplicação do regime previsto naquele diploma “Aos médicos que, não se encontrando providos em lugar de quadro da respetiva carreira, tenham concluído o respetivo internato complementar após 1 de janeiro de 1993 e requeiram junto das administrações regionais de saúde, no prazo máximo de 30 dias úteis a contar do despacho previsto nº 2 do presente artigo, o reinício de funções como assistentes eventuais em estabelecimento carenciado.”;
O princípio da liberdade de acesso à função pública, alegadamente violado, postula a possibilidade de candidatura e a não exclusão do concurso dos indivíduos interessados que preencham os requisitos legais para o exercício da função pública em geral e/ou de um emprego público em particular;
No caso concreto do regime das vagas preferenciais está em causa o lançamento de um concurso que obedeça às condições previstas no nº 5 do artº 12-A e ao qual poderão candidatar-se todos os médicos que tenham concluído o internato médico e obtido o grau de especialista na correspondente área de especialização;
10ª E o que o Decreto-Lei nº 45/2009, de 13 de fevereiro, fez foi conferir aos médicos abrangidos pelo artº 2º do Decreto-lei nº 112/98, de 24 de abril, ou seja, os que iniciaram o internato médico durante a sua vigência, através do seu nº 2 do artº 3º, a possibilidade de acederem a um contrato de trabalho por tempo indeterminado, mantendo-o transitoriamente em vigor;
11ª Sendo certo que, se se possibilitasse aos médicos abrangidos pela norma transitória de salvaguarda, candidatarem-se a mais do que um concurso de vagas preferenciais, tal consubstanciaria uma manifesta violação do princípio da igualdade porquanto a nenhuns outros médicos, quer os que concluíram o internato antes da revogação do decreto-lei nº 112/98, de 24 de abril, quer os que o concluíram em data posterior, é reconhecido esse direito;
12ª O despacho nº 180-A/2014, tal como os demais publicados ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 3º do Decreto-lei nº 45/2009, de 13 de fevereiro, têm efetivamente o âmbito subjetivo de aplicação, limitado aos titulares do grau de especialista adquirido em determinadas épocas e procurou identificar as vagas que foram sinalizadas pelos serviços e estabelecimentos de saúde e validadas pela respetiva ARS, como prioritárias em termos de necessidades de pessoal médico; Assim,
13ª O imperativo que presidiu à identificação das vagas que aí constam foi a defesa do interesse público, consagrado no nº 1 do artº 266º da CRP, bem como a defesa do direito à proteção da saúde, no artº 64º, no sentido que se procura contribuir para colmatar as necessidades prioritárias sinalizadas pelos serviços e estabelecimentos de saúde e validadas pelas respetivas administrações regionais de saúde; Pelo que,
14ª Não pode proceder a invocada violação do princípio da igualdade de acesso à função pública e da liberdade de candidatura previsto no artº 47º da CRP, tanto mais que, para cada época do internato médico, tem existido sempre, baseado neste regime especial de seleção, um despacho da mesma natureza e ao abrigo do mesmo dispositivo legal;
15ª O que se passa é que existe um regime especial de seleção, ao qual apenas podem candidatar-se os médicos que adquiriram o grau de especialista na época ou épocas a que respeite o procedimento de recrutamento, mas que não exclui que outros eventuais procedimentos de recrutamento de caráter geral possam ser desencadeados para qualquer especialidade e aos quais pode, preenchidos os necessários requisitos, candidatar-se qualquer médico;
16ª E todos podem-se candidatar em igualdade de circunstâncias, preenchidos que estejam os requisitos impostos pelo concurso, mediante as vagas abertas após ponderação das necessidades por parte dos serviços;
17ª E, por isso, pela prossecução do interesse público a que a Administração está vinculada, ela atua dentro da sua margem de discricionariedade, na procura das melhores soluções para a sua defesa ainda que estas possam, em algum momento, consubstanciar alguma limitação de interesses privados, conquanto o faça na estrita medida do necessário e com a necessária proporcionalidade (cfr. nº 2, do artº 266º da CRP);
18ª O que está em causa, pois, é o estrito cumprimento da lei que impõe que seja proferido pelo membro do governo responsável pela área da saúde um despacho que identifique as especialidade e os estabelecimentos carenciados, em termos de pessoal médico, sendo certo que estes concursos “fechados” já existem desde 1998, data em que foi publicado e entrou em vigor o decreto-lei nº 112/98, de 24 de abril, sem que alguma vez tenha sido questionada a sua legalidade.
19ª Finalmente, a circunstância de facto de os autores estarem já contratados por Unidades do SNS constitui causa que contende com os interesses pretendidos fazer valer e integrantes do objecto da instância.
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Sem contra-alegações a que haja que atender, na decorrência do que já em despacho de 1ª instância versou relativas vicissitudes processuais.
*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitiu parecer.
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Cumpre decidir, dispensando vistos.
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Os factos, elencados na decisão recorrida:
1.º - Os AA. são Médicos, especialistas em Endocrinologia, Imunoalergologia e Otorrinolaringologia, respectivamente (factualidade admitida por acordo das partes);
2.º - O R. emitiu o seguinte despacho:
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Gabinete do Secretário de Estado da Saúde
Despacho n.º 180-A/2014
O n.º 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de fevereiro, ao remeter para o regime previsto para as vagas preferenciais, constante dos n.os 5 a 7 do artigo 12.° -A do Decreto -Lei n.º 203/2004, de 28 de agosto, permite, de acordo com as necessidades, a contratação, por tempo indeterminado, dos médicos que adquiriram o respetivo grau de especialista em cada uma das duas épocas anuais de avaliação final do internato médico.
Assim, e porque do levantamento de necessidades efetuado pela Administração Central do Sistema de Saúde, I.P, em estreita articulação com as Administrações Regionais de Saúde, se conclui que, embora determinadas por fatores de diferente natureza, os serviços e estabelecimentos integrados no Serviço Nacional de Saúde, apresentam, ainda, algumas carências de pessoal médico, importa, nos termos da lei, viabilizar a contratação dos médicos internos que, tendo concluído o internato médico e obtido o grau de especialista na respetiva área profissional de especialização, para o que importa, na 2.ª época de 2013, possam ser, desde já, integrados na carreira médica, nos serviços e estabelecimentos de saúde onde se detetem maiores carências de pessoal.
Assim, por estarem reunidas as condições para o efeito, ao abrigo do n.º 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de fevereiro, em conjugação com a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.º 112/98, de 24 de abril, e relativamente aos médicos que concluíram a respetiva formação médica especializada na 2.ª época de 2013, determino o seguinte:
1. Tendo em vista a abertura de procedimento concursal para celebração de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado ou de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado ao abrigo do Código do Trabalho, consoante se trate de, respetivamente, estabelecimentos do sector público administrativo ou entidades públicas de natureza empresarial, conforme resulta, respetivamente, do n.º 5 e do n.º 13 do artigo 12.°-A do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de agosto, identifico como carenciados, nas respetivas áreas de especialização, os serviços e estabelecimentos de Saúde, nos termos que constam do quadro anexo ao presente despacho, e que dele faz parte integrante;
2. Podem ser opositores ao procedimento de seleção simplificado a que alude o presente despacho os médicos que adquiriram o grau de especialista na 2.ª época de 2013, na respetiva área profissional de especialização;
3. Os contratos a termo resolutivo incerto, celebrados no âmbito do internato médico, dos internos que, nos termos do presente despacho, sejam opositores aos procedimentos simplificados de recrutamento a desenvolver, mantêm-se enquanto estiver a decorrer o procedimento a que sejam opositores;
4. Sem prejuízo do disposto no ponto anterior, os contratos a termo resolutivo incerto cessam automaticamente quando os médicos optem por não se candidatar a nenhum dos procedimentos que venham a ser desenvolvidos para a respetiva especialidade ou, fazendo-o, se recusem a celebrar contrato de trabalho;
5. Para efeitos do disposto no ponto anterior, devem os serviços e estabelecimentos solicitar aos internos, cujo contrato a termo resolutivo incerto se considera prorrogado, comprovativo da apresentação de candidatura, bem como informação sobre o ponto de situação dos procedimentos a que sejam opositores;
6. Os procedimentos de seleção simplificados a desencadear ao abrigo do presente despacho são desenvolvidos a nível regional, incumbindo a cada uma das Administrações Regionais de Saúde, proceder à abertura do respetivo procedimento de recrutamento, por especialidade, para a totalidade dos serviços e estabelecimentos de saúde situados na respetiva área geográfica de influência.
7. Os avisos de abertura dos procedimentos de recrutamento aqui em causa devem ser publicados em Diário da República, 2.ª série, em simultâneo por todas as Administrações Regionais de Saúde;
8. Para efeitos do disposto no ponto anterior, os avisos devem ser publicados, na sua totalidade, no dia 15 de janeiro de 2014;
9. Os procedimentos de seleção simplificados a que se alude no ponto 4. do presente despacho, compreendem as seguintes fases:
a) Candidatura, a qual deve fazer -se acompanhar de um currículo que, embora elaborado em modelo europeu, proceda a uma descrição sucinta das atividades desenvolvidas, num total máximo de 10 páginas, assinado e rubricado pelo interessado, bem como pelo respetivo orientador de formação;
b) Seleção, na qual se integram as operações previstas no n.º 5 do artigo 12.°-A do Decreto -Lei n.º 203/2004, de 18 de agosto, aditado pelo Decreto -Lei n.º 45/2009, de 13 de fevereiro;
c) Afetação ao serviço ou estabelecimento de saúde, a qual visa a colocação dos candidatos, segundo a ordenação na lista de classificação final, que resulta da aplicação dos métodos de seleção a aplicar na fase referida na alínea anterior e em função das vagas a preencher, mediante a celebração de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado ou de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado ao abrigo do Código do Trabalho, consoante se trate de, respetivamente, estabelecimentos do sector público administrativo ou entidades públicas de natureza empresarial;
10. O júri de cada um dos procedimentos de seleção simplificados, a desenvolver ao abrigo do presente despacho, é constituído por um presidente e quatro vogais, dois dos quais são suplentes, a designar por deliberação do Conselho Diretivo de cada uma das Administrações Regionais de Saúde, ouvidos os estabelecimentos hospitalares contemplados, que, querendo, poderão apresentar propostas;
11. A deliberação prevista no ponto anterior designará o vogal efetivo e os dois vogais suplentes que substituem, respetivamente, o presidente e os vogais efetivos nas suas faltas e impedimentos;
12. Os procedimentos de seleção simplificados a desenvolver ao abrigo do presente despacho devem estar concluídos em simultâneo em todas as Administrações Regionais de Saúde, no prazo máximo de 90 dias seguidos, a contar da data da publicação do aviso de abertura do procedimento em Diário da República, ou seja, de 15 de janeiro de 2014;
13. O não cumprimento do prazo previsto no ponto anterior penaliza os serviços e estabelecimentos de saúde integrados nas Administrações Regionais de Saúde em causa, com uma redução de 10% das vagas a identificar no âmbito dos procedimentos a desenvolver, ao abrigo do mesmo regime, relativamente à colocação de médicos que concluam a formação médica, em qualquer uma das duas épocas de 2014;
14. Da abertura dos procedimentos de recrutamento aqui em causa e do seu desenvolvimento deve ser dado conhecimento, mensalmente, à Administração Central do Sistema de Saúde, I. P., que, com idêntica periodicidade, me deve apresentar a informação em forma de relatório.
3 de janeiro de 2014. — O Secretário de Estado da Saúde, MFT.” - (cf. DR, 2.ª série, n.º 3, parte C, de 06/01/2014);
3.º - A Contra-interessada fez publicar o seguinte Aviso:
“Administração Regional de Saúde do Norte, I. P.
Aviso n.º 2486/2014
Procedimento simplificado de seleção a nível regional conducente ao recrutamento de pessoal médico para a categoria de assistente, das áreas hospitalares, da carreira médica e da carreira especial médica consoante os casos, referenciadas por especialidade e instituição, conforme consta no anexo ao presente aviso.
Nos termos dos n.os 5 a 7 e 13.º do artigo 12.º -A do Decreto -Lei n.º 203/2004, de 18 de agosto, conjugado com o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto -Lei n.º 45/2009, de 13 de fevereiro, e ao abrigo do Despacho n.º 180-A/2014 publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 3, de 6 de janeiro, retificado pelo Despacho n.º 750-A/2014, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 11, de 16 de janeiro, faz-se público que, por deliberação do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Norte, IP, de 3 de fevereiro de 2014, se encontra aberto, pelo prazo de 10 dias úteis, a contar da data da publicação do presente aviso no Diário da República, procedimento de recrutamento simplificado destinado ao preenchimento de 56 postos de trabalho colocados a concurso, para a categoria de assistente das áreas hospitalares, mediante a celebração de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado ou de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado ao abrigo do Código do Trabalho, consoante se trate da carreira médica ou da carreira especial médica.
1 - Requisitos de admissão Podem candidatar -se ao procedimento simplificado aberto pelo presente aviso os médicos detentores do grau de especialista, que tenham concluído o respetivo internato médico na 2.ª época de 2013, cujo contrato a termo resolutivo incerto se tenha mantido, nos termos do n.º 5 do artigo 12.º-A do Decreto -Lei n.º 203/2004, de 18 de agosto…” - (cf. DR, 2.ª série, n.º 34, de 18/02/2014).
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De direito:
O tribunal “a quo” declarou “nulo o despacho impugnado e, inválidos todos os actos consequentes”, despacho impugnado que é aquele a que se faz referência em 3º do elenco factual supra (Despacho n.º 180-A/2014; o Despacho nº 750-A/2014, de 16/01 – DR 2.ª SERIE, Nº 11-Supl, de 16.01.2014 - substituiu o anexo ao Despacho n.º 180-A/2014).
Fundamentou nos seguintes termos:
«(…)
Indaguemos o que diz logo à partida o despacho ora posto em crise, donde brotam os comandos legais que, no entender do Impetrado, justificam a prolação do mesmo: “O n.º 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de fevereiro, ao remeter para o regime previsto para as vagas preferenciais, constante dos n.os 5 a 7 do artigo 12.° -A do Decreto -Lei n.º 203/2004, de 28 de agosto, permite, de acordo com as necessidades, a contratação, por tempo indeterminado, dos médicos que adquiriram o respetivo grau de especialista em cada uma das duas épocas anuais de avaliação final do internato médico”.
Perscrutemos o que preceitua cada um dos invocados preceitos legais.
O artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro, dita o seguinte: “2 — O disposto nos n.os 5 a 7 do artigo 12.º -A do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto, na redacção do presente decreto -lei, aplica-se aos médicos abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 112/98, de 24 de Abril, salvo oposição dos interessados a apresentar, por escrito, no prazo de 30 dias a contar da data de entrada em vigor do presente decreto -lei.”.
Os n.º s 5 a 7, do artigo 12.º-A do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pelo indicado Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro, trata das regras aplicáveis ao processo de recrutamento dos médicos internos colocados em vagas preferenciais que assumem, no respectivo contrato, a obrigação de, após o internato, exercer funções no estabelecimento ou serviço onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial.
Considerando o supra citado artigo 3.º, n.º 2, infere-se que o processo de recrutamento aplicável aos médicos na situação descrita no parágrafo precedente aplicar-se-á também a outros médicos, noutra situação. E qual será? Só pode ser a que vem prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 2.º do DL n.º 112/98, de 24/04, isto é, aos médicos internos que concluam uma “especialidade carenciada e efectuando o internato complementar em estabelecimento de saúde não identificado como carenciado, requeiram, no prazo máximo de 15 dias úteis contados a partir da data de conclusão do respectivo internato com aproveitamento, a colocação em estabelecimento ou serviço de saúde considerado carenciado”.
Aliás, a delimitação do despacho impugnado aos médicos que se encontrem inclusos na situação prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 2.º do DL n.º 112/98, de 24/04, é assumida pelo teor do próprio acto, bastando, para tal conclusão, ter em conta o 3.º parágrafo da parte preambular, onde consta o seguinte: “por estarem reunidas as condições para o efeito, ao abrigo do n.º 2 do artigo 3.° do Decreto -Lei n.º 45/2009, de 13 de fevereiro, em conjugação com a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.° do Decreto -Lei n.º 112/98, de 24 de abril”.
Atendendo ao regime legal indagado até ao presente momento podemos, desde já, extrair as seguintes conclusões: i) em primeiro lugar, está subjacente uma preocupação em dotar os estabelecimentos de saúde e as especialidades médicas onde se verifiquem carências de profissionais médicos detentores dessas mesmas especialidades; ii) em segundo lugar, tendo o legislador previsto um regime legal transitório e um processo de recrutamento para as vagas preferenciais a serem preenchidas pelos médicos internos colocados nessas mesmas vagas e no estabelecimento de saúde onde se verificou essa necessidade, quis também estender a aplicação desse regime aos médicos internos que concluam uma especialidade carenciada em estabelecimento de saúde não considerado como carenciado, mas que, por vontade própria, queiram requerer a colocação em estabelecimento ou serviço de saúde considerado carenciado.
Ao que importa nos presentes autos, segundo procede do n.º 5 do artigo 12.º-A, do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro, há lugar a um processo de recrutamento em que “são considerados e ponderados o resultado da prova de avaliação final do internato médico e a classificação obtida em entrevista de selecção a realizar para o efeito” (sublinhado e destaques meus).
Como se vê, da norma legal acabada de citar, mas também dos seus n.ºs 6 e 7, não decorre qualquer referência restritiva ao universo dos médicos internos (com internato concluído com aproveitamento) abrangido pelo processo de recrutamento, ou seja, não resulta dos dispositivos legais aludidos no despacho impugnado qualquer habilitação que permita restringir o processo de recrutamento apenas os internos que adquiriram o grau de especialista na 2.ª época de 2013.
Como dissemos, na 2.ª hipótese, a que se encontra prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 2.º do DL n.º 112/98, de 24/04, basta que o interno haja obtido o grau de especialista numa especialidade considerada carenciada, independentemente da época em que obtenha aquele grau, e logo ficará em condições de, se assim o pretender e requerer, sujeitar-se ao processo de recrutamento previsto no n.º 5 do artigo 12.º-A do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro.
O despacho impugnado, tal como se acha emitido, preconiza uma restrição quanto ao universo de candidatos que não encontra abrigo legal, pois impede quem para o respectivo processo de recrutamento está em condições de ser opositor num patamar de igualdade com os demais, preterindo, assim, uma sã concorrência entre todos os candidatos abrangidos pelo âmbito legal. Com o despacho em causa, o R. impede que o mérito de todos os potenciais candidatos possa ser avaliado, pois, como vimos, queda-se apenas pelos candidatos oriundos da 2.ª época de 2013.
Nesta matéria, por se reputar de justo e acertado, acolhe-se nesta sentença o entendimento já propugnado no douto Parecer da Provedoria de Justiça, levado ao conhecimento do autor do acto impugnado pela comunicação n.º Q-6842/12 (A4), com cópia patente nestes autos a fls. 39 e ss., destacando-se, entre outras, as seguintes linhas-mestras (por excertos): i) ocorre uma “restrição da liberdade de candidatura”, no sentido de ninguém “ser impedido de escolher (e exercer) qualquer profissão para a qual se tenha os requisitos necessários”, “(cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, 2007, p. 653”, tendo em atenção o artigo 47.º, n.º 1, da CRP; ii) “A afectação - relativamente aos indivíduos cuja exclusão determinam – da liberdade de candidatura e disputa dos correspondentes empregos é total. Nestas condições, existindo violação do conteúdo essencial de um direito fundamental e de um direito indisponível, os Despachos…e as decisões concursais que os aplicam estão feridos de nulidade…”; “Os despachos em referência não se limitam a impedir indivíduos que preenchem os requisitos legais de concorrer…e a limitar os candidatos que aos mesmos permite concorrer; assumem, também, um carácter individualizador dos candidatos. Isto é, os candidatos não são indeterminados, mas determinados. São exactamente aqueles - cuja identidade pode ser conhecida - que “concluíram a respectiva formação médica especializada na 2.ª época do internato médico”; “A fulanização dos concursos e, concomitantemente, dos empregos é contrária ao direito fundamental subjectivo, pessoal, de todos poderem disputar os empregos públicos”; “Mas nestes, e sobretudo nestes, não é consoante com o interesse público sacrificar o recrutamento dos melhores, sacrificar a “capacidade funcional ou de prestação” de tais estabelecimentos ou empresas públicas” em nome de um padrão abstracto de carência…”.
Por último, ao contrário do que invoca o R., a comprovada restrição do universo de candidatos que o acto impugnado encerra nada tem a ver, nem se salva da invalidade, com a invocada discricionariedade técnica da Administração. É que o Tribunal não se está a imiscuir em tal terreno, ou seja, não estamos a dizer que uma determinada especialidade é mais ou menos carenciada que outra, nem que um estabelecimento ou serviço de saúde é mais ou menos carenciado que outro. Estas são valorações próprias da Administração Pública e só a ela cabe fazer as escolhas nesta matéria. Como vimos, o cerne da presente demanda é outro. Reside na inadmissível restrição do âmbito subjectivo do processo de recrutamento tão só aos médicos que concluíram a especialidade médica na 2.ª época de 2013.
Em suma, o despacho impugnado ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, o direito de que “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”, previsto no artigo 47.º, n.º 2, da CRP. E, a ser assim, outro caminho não resta ao Tribunal que não seja o de ir declarar a nulidade do acto impugnado, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA, o que, como é óbvio, contamina a validade de todos os actos consequentes.
(…)».
Os recorrentes fazem defesa de posição com base no art.º 3º, nº 2, do DL nº 45/2009, de 13/02 [Procede à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto, que define o regime jurídico da formação médica, após a licenciatura em Medicina, com vista à especialização, e estabelece os princípios gerais a que deve obedecer o respectivo processo], que define, entre disposições transitórias: «O disposto nos n.os 5 a 7 do artigo 12.º-A do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto, na redacção do presente decreto-lei, aplica-se aos médicos abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 112/98, de 24 de Abril, salvo oposição dos interessados a apresentar, por escrito, no prazo de 30 dias a contar da data de entrada em vigor do presente decreto-lei.».
Assim abrangendo um universo de pessoal médico que em anterior regime de internato médico (DL. nº 128/92, de 4 de Julho) haveria de frequentar o que se designava de “internato complementar” - e relativamente aos quais o referido DL nº 112/98, de 24/04, estabelecia em que condições podiam ser prorrogados os respectivos contratos administrativos de provimento -, estendendo (salvo oposição) igual aplicação de ulteriores regras (“O disposto nos n.os 5 a 7 do artigo 12.º-A”) do novo modelo de internato médico (DL nº 202/2004, de 18/08):
5 - O exercício de funções nos termos do número anterior [“4 - Os médicos internos colocados em vagas preferenciais assumem, no respectivo contrato, a obrigação de, após o internato, exercer funções no estabelecimento ou serviço onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial, por um período igual ao do respectivo programa de formação médica especializada, incluindo repetições.”] efectiva-se mediante celebração do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, o qual é precedido de um processo de recrutamento em que são considerados e ponderados o resultado da prova de avaliação final do internato médico e a classificação obtida em entrevista de selecção a realizar para o efeito.
6 - Até à celebração do contrato previsto no número anterior, mantém-se em vigor o contrato celebrado a termo resolutivo incerto para efeitos de internato médico.
7 - Em casos devidamente fundamentados em proposta da ARS e autorizados pelo membro do Governo responsável pela área da saúde, ou das Regiões Autónomas, a obrigação determinada no n.º 4 pode ser cumprida em estabelecimento ou serviço de saúde públicos diferente daquele onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial, devendo a colocação situar -se na mesma região de saúde, salvo acordo diverso entre ARS ou Regiões Autónomas, sempre nos termos das regras de mobilidade geral aplicáveis às relações de trabalho em funções públicas, mas sem exceder um raio de 50 km ou a área da Região Autónoma respectiva.
Ao agregar (todos) os “médicos abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 112/98, de 24 de Abril”, a lei tanto contemplou a “prorrogação” dos contratos - segundo novos termos e salvo oposição - dos internos cujo internato complementar decorresse em “estabelecimento de saúde e especialidade em que se verifiquem carências” (art.º 2º, nº 1, a), do cit. DL), como também a situação daqueles que o realizassem em “especialidade carenciada e efectuando o internato complementar em estabelecimento de saúde não identificado como carenciado” (art.º 2º, nº 1, b), do cit. DL).
[importa salientar que ao que antes era uma prorrogação (por três anos) se sucede a “celebração do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado”]
Não se percebe, pois, que o despacho impugnado vá buscar justificação “ao abrigo do n.º 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de fevereiro, em conjugação com a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.º 112/98, de 24 de abril”, aparentemente logo aí se surpreendendo alguma perplexidade pela nota restritiva a apenas uma das situações, contrariando o que a lei não distingue.
De todo o modo, e neste específico ponto, não vem empreendida qualquer particular discussão.
O que importará realçar do apreciado conjunto normativo é que sequer daqui se retira de lei ordinária a previsão de um procedimento concursal de prorrogação de contratos restrito à queles médicos que concluíram o seu internato tendo de raiz o antigo modelo.
Os recorrentes até teriam razão ao afirmar que “se possibilitasse aos médicos abrangidos pela norma transitória de salvaguarda, candidatarem-se a mais do que um concurso de vagas preferenciais, tal consubstanciaria uma manifesta violação do princípio da igualdade porquanto a nenhuns outros médicos, quer os que concluíram o internato antes da revogação do decreto-lei nº 112/98, de 24 de abril, quer os que o concluíram em data posterior, é reconhecido esse direito”.
Mas, nem essa possibilidade se retira da dita norma transitória de salvaguarda, como também esta justificação não serve ao que nela não tem termo de comparação e mostra como fica sem amparo a solução adoptada.
Donde advém causa da afirmada desconformidade legal do acto impugnado é a restrição dos candidatos àqueles “que concluíram a respetiva formação médica especializada na 2.ª época de 2013”, sem justificação material.
Em directa violação do comando constitucional.
Pelo menos quanto a esta questão, única em discussão - ficando excluídas outras não tratadas ou não impugnadas -, o tribunal “a quo” julgou bem.
Note-se que, bem que os recorrentes realcem o ponto, não está em causa a escolha que a Administração faça quanto ao que sejam as “vagas preferenciais”; o tribunal foi muito claro em reconhecer que aí se está em campo das “valorações próprias da Administração Pública e só a ela cabe fazer as escolhas nesta matéria”.
Antes “(…) o cerne da presente demanda é outro. Reside na inadmissível restrição do âmbito subjectivo do processo de recrutamento tão só aos médicos que concluíram a especialidade médica na 2.ª época de 2013”.
O tribunal julgou que “o despacho impugnado ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, o direito de que “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”, previsto no artigo 47.º, n.º 2, da CRP”.
Direito de acesso à função pública que, como Raquel Carvalho sublinha, se «configura materialmente também como Direito, Liberdade e Garantia: o seu conteúdo está determinado na Constituição, resulta de uma opção do legislador constituinte e por isso vincula diretamente entidades públicas e privadas» («O procedimento concursal no acesso à função pública», in Marcelo Rebelo de Sousa, et al., Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Coimbra, Coimbra Editora, 3.v., 2012, p. 517).
«Como decorre do seu próprio enunciado, este preceito compreende três elementos: a) o direito à função pública, não podendo nenhum cidadão ser excluído da possibilidade de acesso, seja à função pública em geral, seja a uma determinada função em particular, por outro motivo que não seja a falta dos requisitos adequados à função (v. g., idade, habilitações académicas e profissionais); b) a regra da igualdade e da liberdade, não podendo haver discriminação nem diferenciações de tratamento baseadas em factores irrelevantes, nem, por outro lado, regimes de constrição atentatórios da liberdade; c) regra do concurso como forma normal de provimento de lugares, desde logo de ingresso, devendo ser devidamente justificados os casos de provimento de lugares sem concurso.» (Ac. do Trib. Const. n.º 368/2000 - DR, I Série - A, n.º 277, de 30/11/2000, pág. 6886).
«(…) esta norma não consagra apenas uma concretização para o regime do acesso à função pública do princípio da igualdade enquanto regra de direito objectivo. O princípio de direito objectivo aparece aqui como integrando um direito subjectivo – um direito de igualdade. É um dos casos – a título de exemplo, cfr. também os artigos 36º, n.ºs 1 e 4, 50º, n.º 1, 59º, n.º 1, alínea a), 74º, n.º 1, 76º, n.º 1 –, em que a Constituição explicitamente enuncia um direito subjectivo visto como um "direito de igualdade" (assim, G. Canotilho/V. Moreira, ob. e loc. cits.). Pode, assim falar-se – como o faz a doutrina germânica a propósito do artigo 33, n.º 2, da Lei Fundamental (v., por exemplo, Konrad Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 20ª ed., Heidelberg, 1999, n.º 437; entre nós, v. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, cit., pág. 394) –, de um "direito especial de igualdade" ("spezielles Gleichheitsrecht") no acesso à função pública» (Ac. do Trib. Const. n.º 683/99 - DR, II Série, n.º 28, de 3/2/2000, pág. 2351).
Julgou-se, no que toca à detecção da “ilegalidade”, abstraindo de outras questões/consequências que, atendendo à natureza do acto em impugnação, se pudessem colocar, sem erro de julgamento.
Não se encontrando justificação material para a “restrição do âmbito subjectivo do processo de recrutamento tão só aos médicos que concluíram a especialidade médica na 2.ª época de 2013”, arrendando do universo de candidatos outros internos com distinto tempo de conclusão de internato (mas também preenchendo mesmas outras condições para acesso às “vagas preferenciais”).
***
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento aos recursos.
Custas: pelos recorrentes.
Porto, 16 de Março de 2018.
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Alexandra Alendouro
Ass. João Beato Sousa

[2] Que sob a epígrafe "Prorrogação dos Contratos Administrativos de Provimento" estabelece:
"1 - Têm direito à prorrogação do contrato pelo período de três anos os internos que:
a) Escolham, para efeitos de realização do internato complementar e de acordo com o nº 3 do artº 16º do regulamento de concurso aprovado pela Portaria nº 950/95, de 2 de Agosto, estabelecimento de saúde e especialidade em que se verifiquem carências; ou que,
b) Tratando-se de especialidade carenciada e efetuado o internato complementar em estabelecimento de saúde não identificado como carenciado, requeiram, no prazo máximo de 15 dias úteis contados a partir da data de conclusão do respetivo internato com aproveitamento, a colocação em estabelecimento ou serviço de saúde considerado carenciado."

[3] O qual define o regime jurídico da formação médica após a licenciatura em medicina, com vista à especialização, e estabelece os princípios gerais a que deve obedecer o respetivo processo, com a epígrafe "Vagas Preferenciais" pode ler-se o seguinte:
"5 - O exercício de funções nos termos do número anterior efetiva-se mediante celebração do contrato de trabalho em funções pública por tempo indeterminado, o qual é precedido de um processo de recrutamento em que são considerados e ponderados o resultado da prova de avaliação final do internato médico e a classificação obtida em entrevista de seleção a realizar para o efeito.
6 - Até à celebração do contrato previsto no número anterior, mantém-se em vigor o contrato celebrado a termo resolutivo incerto para efeitos de internato médico.
7 - Em casos devidamente fundamentados em proposta a ARS e autorizados pelo membro de Governo responsável pela área da saúde, ou das Regiões Autónomas, a obrigação determinada no nº 4 pode ser cumprida em estabelecimento ou serviço de saúde públicos diferente daquele onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial, devendo a colocação situar-se na mesma região de saúde, salvo acordo diverso entre a ARS ou Regiões Autónomas, sempre nos termos das regras de mobilidade geral aplicáveis às relações de trabalho em funções públicas, mas sem exceder um raio de 50km ou a área da Região Autónoma respetiva."