Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00078/21.3BEMDL |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 06/27/2024 |
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Tribunal: | TAF de Mirandela |
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Relator: | ANA PATROCÍNIO |
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Descritores: | PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO RETROACTIVA DA LEI NOVA MAIS FAVORÁVEL; DISPENSA, REDUÇÃO E ATENUAÇÃO ESPECIAL DAS COIMAS; LEI N.º 7/2021, DE 26 DE FEVEREIRO; |
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Sumário: | Concluindo-se que as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, no Regime Geral das Infracções Tributárias, em sede de dispensa, redução e atenuação especial das coimas, se repercutem na decisão de aplicação e na medida da coima questionada nos autos – por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável - haverá que, oficiosamente, determinar a remessa do processo à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações em vigor, introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório Domus [SCom01...], Lda., com sede na Rua ..., em ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 03/06/2022, que julgou improcedente o recurso da decisão de aplicação de coima, no valor de €14.316,16, no âmbito do processo de contra-ordenação n.º ...50, pela prática de infração aos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA, punida pelos artigos 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a) e 26.º, n.º 4 do RGIT. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “A Recorrente conclui pelos factos descritos e pelo Direito invocado que: a) A (in)existência da nulidade insuprível no processo de contraordenação i. O Tribunal a quo, através da remissão para diversos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, concluiu que não existia uma nulidade insuprível do processo de contraordenação aqui em crise porque (i) a Recorrente foi notificada para efetuar o pagamento da coima ou para recorrer judicialmente e (ii) a decisão de aplicação da coima cumpriu com os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 79º do RGIT – máxime alínea c) daquele preceito –, apresentando uma fundamentação “sintética e padronizada” dos elementos previstos no artigo 27º do RGIT, tendo sido assegurado o direito de defesa da Recorrente. ii. A Recorrente não pode concordar com a conclusão do Tribunal a quo relativamente à alegada inexistência da nulidade insuprível no processo de contraordenação aqui em apreço. iii. O n.º 1 do artigo 79º do RGIT consagra os requisitos legais da decisão administrativa de aplicação da coima, sendo que a sua falta constitui nulidade insuprível, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63º do RGIT. iv. É jurisprudência pacífica e reiterada que ter-se-á de entender que quando se diz que a decisão administrativa deve conter uma descrição sumária dos factos e a indicação das normas punitivas violadas, esta obrigação compreende não só os factos de que o arguido vem acusado como também os factos que se julgaram provados e que fundamentam a punição aplicada. v. O objetivo máximo do legislador com a exigência de inclusão na decisão de todos os elementos relevantes para a aplicação da coima é assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efetivo do seu direito de defesa, previsto no n.º 10 do artigo 32º da CRP. vi. Porém, este direito de defesa só consegue ser exercido na sua plenitude se for efetivamente comunicado ao arguido (i) os factos que lhe são imputados, (ii) as normas legais alegadamente violadas e punitivas, (iii) o valor da coima e sanções acessórias e (iv) os elementos que contribuíram para a sua fixação, em consonância com o direito constitucional à notificação de atos lesivos e à respetiva fundamentação expressa e acessível (artigo 268º, n.º 3 da CRP). vii. Tendo em consideração o objetivo do legislador com as imposições legais referidas (artigo 63º, n.º 1 e artigo 79º, n.º 1, ambos do RGIT), atentemos que a AT fundamentou a decisão de fixação da coima em concreto acima do montante mínimo legal aplicável através da simples remissão para um quadro com informações ininteligíveis. viii. É evidente que a AT, através da remissão para o quadro que acima se ilustrou, não deu plena concretização aos requisitos previstos no artigo 27º e n.º 1 do artigo 79º, ambos do RGIT, uma vez que da sua análise não resultam expressas as razões e os fundamentos que presidiram à aplicação da coima no valor superior ao mínimo legal. ix. Considerando que no caso em concreto a coima não foi fixada no limite mínimo abstratamente aplicável ou num valor muito próximo deste limite, a exigência da alínea c) do n.º 1 do artigo 79º do RGIT assume particular relevo jurídico no exercício efetivo do direito de defesa da Recorrente, não bastando para a satisfação daquela exigência a mera referência aos critérios sinteticamente previstos no quadro supra ilustrado. x. Conclui-se de forma clara que não foi dado cumprimento ao dever de fundamentação da coima aplicada, isto é, não foram indicados os elementos que contribuíram para a fixação do concreto montante exigido a título de coima, pela prática da alegada contraordenação em causa, em valor superior ao mínimo legal abstratamente aplicável. xi. Assim sendo, não podemos concordar com os fundamentos do Tribunal a quo, uma vez que no caso em concreto é evidente que o direito à defesa da Recorrente não foi devidamente acautelado através da decisão de aplicação da coima aqui em apreço, havendo uma notória nulidade insuprível do processo de contraordenação, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63º do RGIT, por incumprimento da alínea c) do n.º 1 do artigo 79º do RGIT. xii. Deste modo, podemos concluir que o presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, quanto a esta questão, uma vez que o processo de contraordenação enferma de nulidade insuprível, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63º do RGIT, por incumprimento da alínea c) do n.º 1 do artigo 79º do RGIT. b) A verificação dos pressupostos da aplicação de admoestação xiii. O Tribunal a quo decidiu não haver lugar à aplicação de admoestação por considerar que não existe reduzida culpa da Recorrente, uma vez que, “de forma sistemática, ao longo de 6 anos, não tem cumprido com as suas obrigações fiscais”. xiv. Esta conclusão do Tribunal a quo baseia-se na situação de a Recorrente ter sido alegadamente sujeita a cerca de sessenta processos de contraordenação tributárias, entre os anos de 2015 a 2021. xv. A decisão do Tribunal a quo quanto a esta questão não teve em conta os factos demonstrados anteriormente no recurso da decisão de aplicação da coima relativamente (i) aos alegados sessenta processos de contraordenação que são imputados à Recorrente e (ii) ao reconhecimento da responsabilidade da Recorrente, bem como a sua concreta situação económica e financeira. xvi. O verdadeiro número de processos de contraordenação instaurados é de quarenta e dois e não de sessenta, uma vez que dezoito dos sessenta contabilizados pelo Tribunal a quo dizem respeito a processos de redução de coima. xvii. Da análise efetuada aos processos de contraordenação e de redução de coima instaurados contra a Recorrente, concluímos que os mesmos abrangem quase seis anos civis completos, o que equivale, só relativamente ao IVA, a cerca de vinte e cinco declarações periódicas entregues. xviii. Acresce que, a Recorrente apresentou recurso judicial da decisão de aplicação da coima relativamente a muitos dos quarenta e dois processos de contraordenação que lhe são imputados, estando a aguardar o seu desfecho. xix. Assim, o Tribunal a quo não pode ter consideração os processos de contraordenação que se encontram em litígio para aferir a culpa da Recorrente no presente processo de contraordenação, caso contrário estaria conscientemente e antecipadamente a penalizar a Recorrente por uma infração que não lhe é imputável. xx. A determinação da medida da coima deve ser feita em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação (artigo 27º do RGIT e artigo 18º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) ex vi artigo 3º do RGIT). xxi. O processo de contraordenação em apreço tem na sua base o atraso de um dia na entrega ao Estado do IVA referente ao quarto trimestre de 2019. xxii. Com o pagamento da prestação tributária aqui em causa no dia seguinte ao termo do prazo de pagamento voluntário (antes da instauração do processo de contraordenação em apreço), a Recorrente reconheceu absoluta e expressamente a sua obrigação. xxiii. Na própria decisão de aplicação da coima aqui em apreço, a AT para além de referir expressamente que não foram praticados quaisquer atos de ocultação da infração, que o benefício económico retirado pela Recorrente foi nulo, refere ainda que a infração foi praticada com negligência simples, o que se traduz numa reduzida culpa por parte da Recorrente, pressuposto base para a aplicação da admoestação (artigo 51º do RGCO). xxiv. Deste modo, podemos concluir que o presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, quanto a esta questão, porquanto estão verificados os pressupostos para aplicação de admoestação (artigo 51º do RGCO). c) A verificação dos pressupostos da atenuação especial da coima xxv. O Tribunal a quo considerou que não poderá ter lugar a atenuação especial de coima nas várias vertentes pretendidas pela Recorrente “considerando que inexistem circunstâncias anteriores e posteriores que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto e da culpa do agente, antes pelo contrário”. xxvi. De acordo com o artigo 32º do RGIT, os requisitos que têm de estar preenchidos para a coima ser especialmente atenuada são: (i) o infrator reconhecer a sua responsabilidade e (ii) o infrator regularizar a situação tributária até à decisão do processo. xxvii. O Tribunal a quo deu como facto provado que a Arguida, aqui Recorrente, cumpriu a obrigação no dia seguinte (21/02/2020) ao termo do prazo previsto para o efeito (20/02/2020), ou seja, regularizou a situação tributária, encontrando-se preenchido o segundo requisito para a coima ser especialmente atenuada. xxviii. Consequentemente, é evidente que a Recorrente ao regularizar a sua situação tributária, reconheceu absoluta e expressamente a sua responsabilidade, encontrando-se preenchido o primeiro requisito para a coima ser especialmente atenuada. xxix. Atendendo à proporcionalidade que deverá estar inerente na fixação da coima e a culpabilidade subjacente à infração, e por se encontrarem integralmente preenchidos os pressupostos previstos no artigo 32º do RGIT, a coima aqui em apreço deverá ser especialmente atenuada. xxx. Deste modo, podemos concluir que o presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, quanto a esta questão, porquanto estão verificados os pressupostos para aplicação da coima especialmente atenuada (artigo 32º do RGIT). d) A não fixação pelo montante mínimo da coima xxxi. O Tribunal a quo não se pronunciando diretamente sobre a questão da aplicação pelo montante mínimo da coima, determinou a improcedência de todo o recurso, inclusivamente da questão aqui em apreço. xxxii. Tendo em consideração que a alegada infração aqui em apreço foi praticada pela Recorrente com diminuta ilicitude e reduzida gravidade, o Tribunal a quo deveria ter julgado o recurso judicial da decisão de aplicação da coima procedente por não se vislumbrarem razões mínimas e significativas para a AT aplicar a coima em concreto num montante superior ao mínimo legal. xxxiii. Deste modo, podemos concluir que o presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, quanto a esta questão, porquanto a Recorrente praticou a alegada infração com diminuta ilicitude e reduzida gravidade, devendo a coima ser aplicada pelo montante mínimo legal. Pedido: Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, a sentença recorrida deve ser revogada nos termos supra expostos, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!” **** O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela respondeu, tendo concluído do seguinte modo: “1.º A douta sentença fundamentou, e diga-se muito bem, a razão pela qual entendeu não haver quaisquer nulidades, a não aplicação da admoestação e a não fixação da coima pelo mínimo. 2.º A sentença recorrida não violou, por conseguinte, qualquer preceito legal e constitucional, antes tendo feito uma correta aplicação do direito aos factos, revelando-se estes corretamente apreendidos, valorados e juridicamente enquadrados, donde resulta que o recurso não merece provimento e, consequentemente, deve aquela sentença ser integralmente mantida. OS SENHORES DESEMBARGADORES ASSIM DECIDINDO FARÃO A ACOSTUMADA JUSTIÇA!” A Recorrida não respondeu. **** Tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 3.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), do artigo 74.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) e do n.º 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal (CPP), o digníssimo Magistrado junto deste Tribunal revelou concordância com a pronúncia do Ministério Público em primeira instância. **** Tendo em vista ponderação de questão de conhecimento oficioso, consubstanciada na eventual aplicabilidade de regime concretamente mais favorável, foram notificados todos os intervenientes processuais para se pronunciarem acerca da possível aplicabilidade a este procedimento de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma. Apenas a Recorrente emitiu pronúncia, vindo alegar que beneficia do direito à redução da coima, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 30.º do RGIT. **** Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 418.º, 419.º e 4.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e n.º 4 do artigo 74.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, sendo o processo submetido à conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR O presente recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS); pelo que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões [cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS], excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso. Assim, será ponderada a aplicabilidade a este procedimento de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma, dado que, além do mais, está em análise no recurso a verificação dos pressupostos da atenuação especial da coima, da aplicação de admoestação e não ter sido fixada a coima pelo seu montante mínimo. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Factos provados: 1. Em 5/1/2021 a AT aplicou uma coima no valor de 14.316,16€ à Arguida, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque ( Fls. 29 e 30 do suporte físico do processo): [considera-se aqui reproduzida a imagem constante do original] (…) 2. A Arguida cumpriu a obrigação no dia posterior (21/2/2020) ao legalmente previsto (20/2/2020) – cfr. decisão e art.º 22 da PI 3. A Arguida tem antecedentes criminais pela prática do crime de falsificação ou contrafacção de documento, cuja decisão foi proferida em 24/4/2018 e a pena extinta a 17/1/2019 – Fls. 75 do SITAF a 77 do SITAF; 4. Entre 2015 e 2021 a Recorrente foi sujeita a cerca de 60 processos contraordenações tributárias, parte substancial por falta de atempado pagamento de prestações tributárias - Fls. 81 e 82 do SITAF;” 2. O Direito No âmbito do presente recurso jurisdicional, foram todos os intervenientes processuais notificados para se pronunciarem acerca da possível aplicabilidade a este procedimento de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma. Trata-se de lei nova, em matéria contra-ordenacional, estabelecendo um novo regime sancionatório, com alterações relevantes no que toca à dispensa, redução e atenuação das coimas aplicáveis. Para melhor ponderação desta questão de conhecimento oficioso, foram os intervenientes processuais alertados que, na determinação da coima aplicável, em caso de alteração do regime legal, há que verificar qual o regime concretamente mais favorável, considerando o disposto no n.º 4, parte final, do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal e no n.º 2 do artigo 3.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social. Nessa sequência, somente a Recorrente emitiu pronúncia, tendo requerido o seguinte: «Por força da alteração do artigo 30º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), através da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, esta vem requerer que a coima seja reduzida nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 30º do RGIT, porquanto a regularização da situação tributária, através da liquidação e pagamento do imposto devido, se verificou antes do levantamento do respetivo auto de notícia. Da leitura e análise da descrição sumária dos factos da decisão de aplicação da coima aqui em causa, verificamos que o imposto em atraso foi pago um dia após o termo do prazo para cumprimento da obrigação, logo antes do levantamento do respetivo auto de notícia. PEDIDO: Nestes termos e nos demais que Vs. Exas. doutamente suprirão, a Recorrente vem, em aditamento ao recurso interposto, alegar que a Recorrente beneficia do direito à redução da coima, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 30º do RGIT. Assim, sem prejuízo das questões e fundamentos anteriormente invocados em sede de alegações de recurso e da relação subsidiária entre os pedidos, deve o recurso interposto ser julgado procedente quanto à questão do direito à redução da coima da Recorrente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 30º do RGIT.» Vejamos. Em 27 de Fevereiro entrou em vigor a Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que veio reforçar “as garantias dos contribuintes e a simplificação processual, alterando a Lei Geral Tributária, o Código de Procedimento e de Processo Tributário, o Regime Geral das Infracções Tributárias e outros actos legislativos”. Estando em causa nos presentes autos decisão de aplicação de coima por infracção ao disposto no artigo 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea b) do Código do Imposto Sobre Valor Acrescentado, punível pelo disposto no artigo 114.º, n.º 2, n.º 5, alínea a) e 26.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), mostra-se relevante o RGIT ter sido objecto de recente alteração e aditamento pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que, em concreto, procedeu à alteração dos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 40.º, 41.º, 58.º, 70.º, 75.º, 79.º, 80.º, 83.º, 84.º, 92.º, 96.º, 97.º, 108.º e 128.º e aditamento dos artigos 28.º -A, 32.º -A e 112.º -A. Cumpre atentar às alterações impostas ao RGIT, em sede do regime de dispensa, redução e atenuação das coimas, cuja entrada em vigor ocorreu a 01 de Janeiro de 2022 (vide artigo 17.º da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro). De entre as alterações ao RGIT, há precisamente a destacar as que directamente têm a ver com medida e aplicação da coima e sanções acessórias, entre as quais a dispensa, redução e atenuação das coimas. Estabelece-se a dispensa de coima (artigo 29.º do RGIT) quando, nos cinco anos anteriores, o agente não tenha sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias, ou beneficiado de dispensa ou de pagamento de coima com redução. A dispensa de coima aplica-se ainda às situações em que (i) não esteja em causa a falta de entrega da prestação tributária e (ii) o agente tenha cumprido as obrigações tributárias que deram origem à infracção. Deixa de ser expressamente exigido, nesta sede, um diminuto grau de culpa. Fica estipulada a redução do valor da coima para 12,5% ou 50% do montante mínimo legal, respectivamente, nas situações em que as coimas tenham sido pagas, a pedido do agente, e o pagamento for apresentado (i) sem que tenha sido levantado auto de notícia, recebida participação ou denúncia ou iniciado procedimento de inspecção tributária, ou (ii) até ao termo do prazo para apresentação de audição prévia no âmbito de procedimento de inspecção tributária (artigo 30.º do RGIT). Sublinhe-se que, adquirido o conhecimento da prática de infracção, se prevê a notificação do infractor informando-o de que pode, em 30 dias, regularizar a situação tributária e exercer o direito à redução de coima (artigo 28.º-A do RGIT). Com relevo, surgem ainda as alterações em sede de atenuação especial das coimas. A reformulação do regime de atenuação especial das coimas (artigo 32.º do RGIT) esclarece o momento em que o infractor – que reconhece a sua responsabilidade e regulariza a situação tributária - pode pedir a atenuação da coima: no decurso dos 30 dias concedido para a defesa e, ainda que, nas situações em que haja lugar à atenuação especial da coima, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade, não podendo resultar um valor inferior ao que resultaria da aplicação do artigo 30.º, nem ser inferior a 25€. A entidade competente pode limitar-se a proferir uma admoestação quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique. É manifesto, desde logo, de entre as alterações, a regra de notificação para regularização e para exercício do direito à redução, que consta do artigo 28.º-A, que não existia no regime anterior. Depois, temos o artigo 29.º que passa a prever a chamada dispensa das coimas (que anteriormente estava prevista no n.º 4 do mesmo artigo e no 32.º, n.º 1 do RGIT) quando o regime anterior só permitia tal possibilidade para pessoas singulares, não abrangendo as pessoas colectivas e, mesmo em caso de reincidência o n.º 2 não afasta agora a possibilidade de mesmo assim ser aplicada a dispensa de coima, a requerer em 30 dias, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias: “a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária; b) Estar regularizada a falta cometida”. Mais, estarmos perante um regime mais favorável advém ainda do regime quanto à redução de coimas, pois tal como resulta do artigo 30.º, em que a redução que então no anterior regime oscilava entre 12,5%, 30% e 75% (artigo 29.º, n.º 1 da lei anterior), apresenta agora valores inferiores e, bem assim, do regime da atenuação especial das coimas agora previsto. As principais alterações, referidas, prendem-se com a objectividade que as mesmas transmitem aos regimes de dispensa, redução e atenuação de coima, exemplos disso são: (i) passar, desde logo, a estar definido que não pode ser aplicada coima quando o agente, nos cinco anos anteriores, não tenha: a) Sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias; b) beneficiar de dispensa ou de pagamento de coima com redução nos termos do RGIT; (ii) ser eliminado o requisito do “diminuto grau de culpa” e definido o conceito de “prejuízo efectivo”; (iii) o alargamento aos sujeitos passivos colectivos da possibilidade de dispensa de coima nas situações em que o agente, nos cinco anos anteriores, não tenha sido condenado por decisão transitada em julgado em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias e beneficiado de dispensa ou de pagamento de coima com redução. Posto isto, não podemos olvidar que, em matéria penal, como em matéria contra-ordenacional, vigora por imperativo constitucional e legal a regra da aplicação retroactiva da lei mais favorável – cfr. artigos 29.º, n.º 4 da CRP, 2.º, n.º 4 do Código Penal e 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT – daí que o facto de em causa nos autos estar contra-ordenação praticada em data anterior à da entrada em vigor da Lei nova não constitui obstáculo a essa aplicação se esta lei se revelar mais favorável, enquanto não ocorrer decisão com trânsito em julgado (cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 21.10.2015 proferidos nos recursos n.ºs 719/15, 808/15, 833/15, 983/15, 1043/15 e 1059/15 e de 04.11.2015, nos recursos n.ºs 1042/15 e 1062/15 e vastíssima jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores em matéria penal). E é precisamente isso que sucede in casu. Com as alterações introduzidas ao RGIT, pela lei n.º 7/2021, ao dar nova redacção aos artigos do RGIT em matéria de dispensa, atenuação e redução da coima, o legislador introduziu, como já referimos, um conjunto de mudanças em sede das consequências jurídicas da infracção, no sentido de concretizar e tornar mais objectiva a aplicação daqueles regimes, ao alargar a sua aplicação às pessoas colectivas (e, estamos in casu, perante uma sociedade), ao introduzir ex novo determinados condicionalismos para funcionar o regime de redução (artigo 28º - A), aumentando os valores percentuais de redução da coima, e a possibilidade de substituição da coima por admoestação. Qualquer destas hipóteses, não previstas no regime contra-ordenacional em vigor na altura da aplicação da coima à Recorrente, a se justificar no caso em apreço, é mais favorável àquela. Perante o exposto, impõe-se, necessariamente, nova graduação da coima aplicada, que tenha agora em conta as disposições do RGIT que entraram em vigor no dia 01 de Janeiro de 2022, o que necessariamente implica uma nova decisão administrativa de aplicação da coima, nomeadamente com cumprimento da imposição do artigo 28.º - A e verificação de determinados condicionalismos, havendo que apurar da regularização da situação tributária, o seu momento temporal, ocorrência ou não de situações anteriores de aplicação de coimas para aferir da reincidência e, perante tais elementos, proceder à atenuação/redução das coimas ou mesmo dispensa, a verificarem-se os pressupostos legais da sua aplicação, o que implica uma reapreciação para aplicação do novo regime – cfr., neste sentido, Acórdão deste TCA Norte, de 06/10/2022, proferido no âmbito do processo n.º 361/16.0BEAVR. Pelas razões expostas, a decisão administrativa de aplicação da coima sindicada nos presentes autos, referente a infracção praticada em 2020, não se pode manter, desde logo, porque haverá que graduar a coima aplicada, atendendo aos novos regimes de redução, dispensa e atenuação da pena e, eventualmente, retirar as legais consequências dos mesmos, o que apenas poderá ser feito de modo adequado e eficiente pelos próprios serviços da autoridade administrativa, que não por este tribunal ad quem, a quem não cabe substituir-se à Administração nas decisões de aplicação de coimas, antes escrutinar se tais decisões são conformes à Lei e ao Direito. A decisão de aplicação de coima que está na origem dos presentes autos foi tomada em momento anterior ao da entrada em vigor da nova Lei (01/01/2022), mas esta repercute-se inelutavelmente nela, como supra demonstrado, impedindo que possa subsistir nos termos em que foi proferida. Impõe-se, em consequência, a baixa dos autos à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de a rever ou renovar, em conformidade com o novo quadro legal, o que se determina. Conclusão/Sumário Concluindo-se que as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, no Regime Geral das Infracções Tributárias, em sede de dispensa, redução e atenuação especial das coimas, se repercutem na decisão de aplicação e na medida da coima questionada nos autos – por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável - haverá que, oficiosamente, determinar a remessa do processo à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações em vigor, introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a remessa do procedimento contra-ordenacional à autoridade administrativa, para que reveja ou renove a decisão de aplicação de coima, em conformidade com as alterações em vigor introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro. Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público [cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais]. Porto, 27 de Junho de 2024 [Ana Patrocínio] [Maria do Rosário Pais] [Vítor Salazar Unas]Descritores: Princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável, dispensa, redução e atenuação especial das coimas, Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro Processo n.º 78/21.3BEMDL Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório Domus [SCom01...], Lda., com sede na Rua ..., em ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 03/06/2022, que julgou improcedente o recurso da decisão de aplicação de coima, no valor de €14.316,16, no âmbito do processo de contra-ordenação n.º ...50, pela prática de infração aos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA, punida pelos artigos 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a) e 26.º, n.º 4 do RGIT. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “A Recorrente conclui pelos factos descritos e pelo Direito invocado que: a) A (in)existência da nulidade insuprível no processo de contraordenação i. O Tribunal a quo, através da remissão para diversos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, concluiu que não existia uma nulidade insuprível do processo de contraordenação aqui em crise porque (i) a Recorrente foi notificada para efetuar o pagamento da coima ou para recorrer judicialmente e (ii) a decisão de aplicação da coima cumpriu com os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 79º do RGIT – máxime alínea c) daquele preceito –, apresentando uma fundamentação “sintética e padronizada” dos elementos previstos no artigo 27º do RGIT, tendo sido assegurado o direito de defesa da Recorrente. ii. A Recorrente não pode concordar com a conclusão do Tribunal a quo relativamente à alegada inexistência da nulidade insuprível no processo de contraordenação aqui em apreço. iii. O n.º 1 do artigo 79º do RGIT consagra os requisitos legais da decisão administrativa de aplicação da coima, sendo que a sua falta constitui nulidade insuprível, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63º do RGIT. iv. É jurisprudência pacífica e reiterada que ter-se-á de entender que quando se diz que a decisão administrativa deve conter uma descrição sumária dos factos e a indicação das normas punitivas violadas, esta obrigação compreende não só os factos de que o arguido vem acusado como também os factos que se julgaram provados e que fundamentam a punição aplicada. v. O objetivo máximo do legislador com a exigência de inclusão na decisão de todos os elementos relevantes para a aplicação da coima é assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efetivo do seu direito de defesa, previsto no n.º 10 do artigo 32º da CRP. vi. Porém, este direito de defesa só consegue ser exercido na sua plenitude se for efetivamente comunicado ao arguido (i) os factos que lhe são imputados, (ii) as normas legais alegadamente violadas e punitivas, (iii) o valor da coima e sanções acessórias e (iv) os elementos que contribuíram para a sua fixação, em consonância com o direito constitucional à notificação de atos lesivos e à respetiva fundamentação expressa e acessível (artigo 268º, n.º 3 da CRP). vii. Tendo em consideração o objetivo do legislador com as imposições legais referidas (artigo 63º, n.º 1 e artigo 79º, n.º 1, ambos do RGIT), atentemos que a AT fundamentou a decisão de fixação da coima em concreto acima do montante mínimo legal aplicável através da simples remissão para um quadro com informações ininteligíveis. viii. É evidente que a AT, através da remissão para o quadro que acima se ilustrou, não deu plena concretização aos requisitos previstos no artigo 27º e n.º 1 do artigo 79º, ambos do RGIT, uma vez que da sua análise não resultam expressas as razões e os fundamentos que presidiram à aplicação da coima no valor superior ao mínimo legal. ix. Considerando que no caso em concreto a coima não foi fixada no limite mínimo abstratamente aplicável ou num valor muito próximo deste limite, a exigência da alínea c) do n.º 1 do artigo 79º do RGIT assume particular relevo jurídico no exercício efetivo do direito de defesa da Recorrente, não bastando para a satisfação daquela exigência a mera referência aos critérios sinteticamente previstos no quadro supra ilustrado. x. Conclui-se de forma clara que não foi dado cumprimento ao dever de fundamentação da coima aplicada, isto é, não foram indicados os elementos que contribuíram para a fixação do concreto montante exigido a título de coima, pela prática da alegada contraordenação em causa, em valor superior ao mínimo legal abstratamente aplicável. xi. Assim sendo, não podemos concordar com os fundamentos do Tribunal a quo, uma vez que no caso em concreto é evidente que o direito à defesa da Recorrente não foi devidamente acautelado através da decisão de aplicação da coima aqui em apreço, havendo uma notória nulidade insuprível do processo de contraordenação, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63º do RGIT, por incumprimento da alínea c) do n.º 1 do artigo 79º do RGIT. xii. Deste modo, podemos concluir que o presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, quanto a esta questão, uma vez que o processo de contraordenação enferma de nulidade insuprível, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63º do RGIT, por incumprimento da alínea c) do n.º 1 do artigo 79º do RGIT. b) A verificação dos pressupostos da aplicação de admoestação xiii. O Tribunal a quo decidiu não haver lugar à aplicação de admoestação por considerar que não existe reduzida culpa da Recorrente, uma vez que, “de forma sistemática, ao longo de 6 anos, não tem cumprido com as suas obrigações fiscais”. xiv. Esta conclusão do Tribunal a quo baseia-se na situação de a Recorrente ter sido alegadamente sujeita a cerca de sessenta processos de contraordenação tributárias, entre os anos de 2015 a 2021. xv. A decisão do Tribunal a quo quanto a esta questão não teve em conta os factos demonstrados anteriormente no recurso da decisão de aplicação da coima relativamente (i) aos alegados sessenta processos de contraordenação que são imputados à Recorrente e (ii) ao reconhecimento da responsabilidade da Recorrente, bem como a sua concreta situação económica e financeira. xvi. O verdadeiro número de processos de contraordenação instaurados é de quarenta e dois e não de sessenta, uma vez que dezoito dos sessenta contabilizados pelo Tribunal a quo dizem respeito a processos de redução de coima. xvii. Da análise efetuada aos processos de contraordenação e de redução de coima instaurados contra a Recorrente, concluímos que os mesmos abrangem quase seis anos civis completos, o que equivale, só relativamente ao IVA, a cerca de vinte e cinco declarações periódicas entregues. xviii. Acresce que, a Recorrente apresentou recurso judicial da decisão de aplicação da coima relativamente a muitos dos quarenta e dois processos de contraordenação que lhe são imputados, estando a aguardar o seu desfecho. xix. Assim, o Tribunal a quo não pode ter consideração os processos de contraordenação que se encontram em litígio para aferir a culpa da Recorrente no presente processo de contraordenação, caso contrário estaria conscientemente e antecipadamente a penalizar a Recorrente por uma infração que não lhe é imputável. xx. A determinação da medida da coima deve ser feita em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação (artigo 27º do RGIT e artigo 18º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) ex vi artigo 3º do RGIT). xxi. O processo de contraordenação em apreço tem na sua base o atraso de um dia na entrega ao Estado do IVA referente ao quarto trimestre de 2019. xxii. Com o pagamento da prestação tributária aqui em causa no dia seguinte ao termo do prazo de pagamento voluntário (antes da instauração do processo de contraordenação em apreço), a Recorrente reconheceu absoluta e expressamente a sua obrigação. xxiii. Na própria decisão de aplicação da coima aqui em apreço, a AT para além de referir expressamente que não foram praticados quaisquer atos de ocultação da infração, que o benefício económico retirado pela Recorrente foi nulo, refere ainda que a infração foi praticada com negligência simples, o que se traduz numa reduzida culpa por parte da Recorrente, pressuposto base para a aplicação da admoestação (artigo 51º do RGCO). xxiv. Deste modo, podemos concluir que o presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, quanto a esta questão, porquanto estão verificados os pressupostos para aplicação de admoestação (artigo 51º do RGCO). c) A verificação dos pressupostos da atenuação especial da coima xxv. O Tribunal a quo considerou que não poderá ter lugar a atenuação especial de coima nas várias vertentes pretendidas pela Recorrente “considerando que inexistem circunstâncias anteriores e posteriores que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto e da culpa do agente, antes pelo contrário”. xxvi. De acordo com o artigo 32º do RGIT, os requisitos que têm de estar preenchidos para a coima ser especialmente atenuada são: (i) o infrator reconhecer a sua responsabilidade e (ii) o infrator regularizar a situação tributária até à decisão do processo. xxvii. O Tribunal a quo deu como facto provado que a Arguida, aqui Recorrente, cumpriu a obrigação no dia seguinte (21/02/2020) ao termo do prazo previsto para o efeito (20/02/2020), ou seja, regularizou a situação tributária, encontrando-se preenchido o segundo requisito para a coima ser especialmente atenuada. xxviii. Consequentemente, é evidente que a Recorrente ao regularizar a sua situação tributária, reconheceu absoluta e expressamente a sua responsabilidade, encontrando-se preenchido o primeiro requisito para a coima ser especialmente atenuada. xxix. Atendendo à proporcionalidade que deverá estar inerente na fixação da coima e a culpabilidade subjacente à infração, e por se encontrarem integralmente preenchidos os pressupostos previstos no artigo 32º do RGIT, a coima aqui em apreço deverá ser especialmente atenuada. xxx. Deste modo, podemos concluir que o presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, quanto a esta questão, porquanto estão verificados os pressupostos para aplicação da coima especialmente atenuada (artigo 32º do RGIT). d) A não fixação pelo montante mínimo da coima xxxi. O Tribunal a quo não se pronunciando diretamente sobre a questão da aplicação pelo montante mínimo da coima, determinou a improcedência de todo o recurso, inclusivamente da questão aqui em apreço. xxxii. Tendo em consideração que a alegada infração aqui em apreço foi praticada pela Recorrente com diminuta ilicitude e reduzida gravidade, o Tribunal a quo deveria ter julgado o recurso judicial da decisão de aplicação da coima procedente por não se vislumbrarem razões mínimas e significativas para a AT aplicar a coima em concreto num montante superior ao mínimo legal. xxxiii. Deste modo, podemos concluir que o presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, quanto a esta questão, porquanto a Recorrente praticou a alegada infração com diminuta ilicitude e reduzida gravidade, devendo a coima ser aplicada pelo montante mínimo legal. Pedido: Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, a sentença recorrida deve ser revogada nos termos supra expostos, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!” **** O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela respondeu, tendo concluído do seguinte modo: “1.º A douta sentença fundamentou, e diga-se muito bem, a razão pela qual entendeu não haver quaisquer nulidades, a não aplicação da admoestação e a não fixação da coima pelo mínimo. 2.º A sentença recorrida não violou, por conseguinte, qualquer preceito legal e constitucional, antes tendo feito uma correta aplicação do direito aos factos, revelando-se estes corretamente apreendidos, valorados e juridicamente enquadrados, donde resulta que o recurso não merece provimento e, consequentemente, deve aquela sentença ser integralmente mantida. OS SENHORES DESEMBARGADORES ASSIM DECIDINDO FARÃO A ACOSTUMADA JUSTIÇA!” A Recorrida não respondeu. **** Tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 3.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), do artigo 74.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) e do n.º 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal (CPP), o digníssimo Magistrado junto deste Tribunal revelou concordância com a pronúncia do Ministério Público em primeira instância. **** Tendo em vista ponderação de questão de conhecimento oficioso, consubstanciada na eventual aplicabilidade de regime concretamente mais favorável, foram notificados todos os intervenientes processuais para se pronunciarem acerca da possível aplicabilidade a este procedimento de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma. Apenas a Recorrente emitiu pronúncia, vindo alegar que beneficia do direito à redução da coima, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 30.º do RGIT. **** Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 418.º, 419.º e 4.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e n.º 4 do artigo 74.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, sendo o processo submetido à conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR O presente recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS); pelo que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões [cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS], excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso. Assim, será ponderada a aplicabilidade a este procedimento de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma, dado que, além do mais, está em análise no recurso a verificação dos pressupostos da atenuação especial da coima, da aplicação de admoestação e não ter sido fixada a coima pelo seu montante mínimo. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Factos provados: 1. Em 5/1/2021 a AT aplicou uma coima no valor de 14.316,16€ à Arguida, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque ( Fls. 29 e 30 do suporte físico do processo): [considera-se aqui reproduzida a imagem constante do original] (…) 2. A Arguida cumpriu a obrigação no dia posterior (21/2/2020) ao legalmente previsto (20/2/2020) – cfr. decisão e art.º 22 da PI 3. A Arguida tem antecedentes criminais pela prática do crime de falsificação ou contrafacção de documento, cuja decisão foi proferida em 24/4/2018 e a pena extinta a 17/1/2019 – Fls. 75 do SITAF a 77 do SITAF; 4. Entre 2015 e 2021 a Recorrente foi sujeita a cerca de 60 processos contraordenações tributárias, parte substancial por falta de atempado pagamento de prestações tributárias - Fls. 81 e 82 do SITAF;” 2. O Direito No âmbito do presente recurso jurisdicional, foram todos os intervenientes processuais notificados para se pronunciarem acerca da possível aplicabilidade a este procedimento de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma. Trata-se de lei nova, em matéria contra-ordenacional, estabelecendo um novo regime sancionatório, com alterações relevantes no que toca à dispensa, redução e atenuação das coimas aplicáveis. Para melhor ponderação desta questão de conhecimento oficioso, foram os intervenientes processuais alertados que, na determinação da coima aplicável, em caso de alteração do regime legal, há que verificar qual o regime concretamente mais favorável, considerando o disposto no n.º 4, parte final, do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal e no n.º 2 do artigo 3.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social. Nessa sequência, somente a Recorrente emitiu pronúncia, tendo requerido o seguinte: «Por força da alteração do artigo 30º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), através da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, esta vem requerer que a coima seja reduzida nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 30º do RGIT, porquanto a regularização da situação tributária, através da liquidação e pagamento do imposto devido, se verificou antes do levantamento do respetivo auto de notícia. Da leitura e análise da descrição sumária dos factos da decisão de aplicação da coima aqui em causa, verificamos que o imposto em atraso foi pago um dia após o termo do prazo para cumprimento da obrigação, logo antes do levantamento do respetivo auto de notícia. PEDIDO: Nestes termos e nos demais que Vs. Exas. doutamente suprirão, a Recorrente vem, em aditamento ao recurso interposto, alegar que a Recorrente beneficia do direito à redução da coima, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 30º do RGIT. Assim, sem prejuízo das questões e fundamentos anteriormente invocados em sede de alegações de recurso e da relação subsidiária entre os pedidos, deve o recurso interposto ser julgado procedente quanto à questão do direito à redução da coima da Recorrente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 30º do RGIT.» Vejamos. Em 27 de Fevereiro entrou em vigor a Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que veio reforçar “as garantias dos contribuintes e a simplificação processual, alterando a Lei Geral Tributária, o Código de Procedimento e de Processo Tributário, o Regime Geral das Infracções Tributárias e outros actos legislativos”. Estando em causa nos presentes autos decisão de aplicação de coima por infracção ao disposto no artigo 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea b) do Código do Imposto Sobre Valor Acrescentado, punível pelo disposto no artigo 114.º, n.º 2, n.º 5, alínea a) e 26.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), mostra-se relevante o RGIT ter sido objecto de recente alteração e aditamento pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que, em concreto, procedeu à alteração dos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 40.º, 41.º, 58.º, 70.º, 75.º, 79.º, 80.º, 83.º, 84.º, 92.º, 96.º, 97.º, 108.º e 128.º e aditamento dos artigos 28.º -A, 32.º -A e 112.º -A. Cumpre atentar às alterações impostas ao RGIT, em sede do regime de dispensa, redução e atenuação das coimas, cuja entrada em vigor ocorreu a 01 de Janeiro de 2022 (vide artigo 17.º da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro). De entre as alterações ao RGIT, há precisamente a destacar as que directamente têm a ver com medida e aplicação da coima e sanções acessórias, entre as quais a dispensa, redução e atenuação das coimas. Estabelece-se a dispensa de coima (artigo 29.º do RGIT) quando, nos cinco anos anteriores, o agente não tenha sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias, ou beneficiado de dispensa ou de pagamento de coima com redução. A dispensa de coima aplica-se ainda às situações em que (i) não esteja em causa a falta de entrega da prestação tributária e (ii) o agente tenha cumprido as obrigações tributárias que deram origem à infracção. Deixa de ser expressamente exigido, nesta sede, um diminuto grau de culpa. Fica estipulada a redução do valor da coima para 12,5% ou 50% do montante mínimo legal, respectivamente, nas situações em que as coimas tenham sido pagas, a pedido do agente, e o pagamento for apresentado (i) sem que tenha sido levantado auto de notícia, recebida participação ou denúncia ou iniciado procedimento de inspecção tributária, ou (ii) até ao termo do prazo para apresentação de audição prévia no âmbito de procedimento de inspecção tributária (artigo 30.º do RGIT). Sublinhe-se que, adquirido o conhecimento da prática de infracção, se prevê a notificação do infractor informando-o de que pode, em 30 dias, regularizar a situação tributária e exercer o direito à redução de coima (artigo 28.º-A do RGIT). Com relevo, surgem ainda as alterações em sede de atenuação especial das coimas. A reformulação do regime de atenuação especial das coimas (artigo 32.º do RGIT) esclarece o momento em que o infractor – que reconhece a sua responsabilidade e regulariza a situação tributária - pode pedir a atenuação da coima: no decurso dos 30 dias concedido para a defesa e, ainda que, nas situações em que haja lugar à atenuação especial da coima, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade, não podendo resultar um valor inferior ao que resultaria da aplicação do artigo 30.º, nem ser inferior a 25€. A entidade competente pode limitar-se a proferir uma admoestação quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique. É manifesto, desde logo, de entre as alterações, a regra de notificação para regularização e para exercício do direito à redução, que consta do artigo 28.º-A, que não existia no regime anterior. Depois, temos o artigo 29.º que passa a prever a chamada dispensa das coimas (que anteriormente estava prevista no n.º 4 do mesmo artigo e no 32.º, n.º 1 do RGIT) quando o regime anterior só permitia tal possibilidade para pessoas singulares, não abrangendo as pessoas colectivas e, mesmo em caso de reincidência o n.º 2 não afasta agora a possibilidade de mesmo assim ser aplicada a dispensa de coima, a requerer em 30 dias, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias: “a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária; b) Estar regularizada a falta cometida”. Mais, estarmos perante um regime mais favorável advém ainda do regime quanto à redução de coimas, pois tal como resulta do artigo 30.º, em que a redução que então no anterior regime oscilava entre 12,5%, 30% e 75% (artigo 29.º, n.º 1 da lei anterior), apresenta agora valores inferiores e, bem assim, do regime da atenuação especial das coimas agora previsto. As principais alterações, referidas, prendem-se com a objectividade que as mesmas transmitem aos regimes de dispensa, redução e atenuação de coima, exemplos disso são: (i) passar, desde logo, a estar definido que não pode ser aplicada coima quando o agente, nos cinco anos anteriores, não tenha: a) Sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias; b) beneficiar de dispensa ou de pagamento de coima com redução nos termos do RGIT; (ii) ser eliminado o requisito do “diminuto grau de culpa” e definido o conceito de “prejuízo efectivo”; (iii) o alargamento aos sujeitos passivos colectivos da possibilidade de dispensa de coima nas situações em que o agente, nos cinco anos anteriores, não tenha sido condenado por decisão transitada em julgado em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias e beneficiado de dispensa ou de pagamento de coima com redução. Posto isto, não podemos olvidar que, em matéria penal, como em matéria contra-ordenacional, vigora por imperativo constitucional e legal a regra da aplicação retroactiva da lei mais favorável – cfr. artigos 29.º, n.º 4 da CRP, 2.º, n.º 4 do Código Penal e 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT – daí que o facto de em causa nos autos estar contra-ordenação praticada em data anterior à da entrada em vigor da Lei nova não constitui obstáculo a essa aplicação se esta lei se revelar mais favorável, enquanto não ocorrer decisão com trânsito em julgado (cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 21.10.2015 proferidos nos recursos n.ºs 719/15, 808/15, 833/15, 983/15, 1043/15 e 1059/15 e de 04.11.2015, nos recursos n.ºs 1042/15 e 1062/15 e vastíssima jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores em matéria penal). E é precisamente isso que sucede in casu. Com as alterações introduzidas ao RGIT, pela lei n.º 7/2021, ao dar nova redacção aos artigos do RGIT em matéria de dispensa, atenuação e redução da coima, o legislador introduziu, como já referimos, um conjunto de mudanças em sede das consequências jurídicas da infracção, no sentido de concretizar e tornar mais objectiva a aplicação daqueles regimes, ao alargar a sua aplicação às pessoas colectivas (e, estamos in casu, perante uma sociedade), ao introduzir ex novo determinados condicionalismos para funcionar o regime de redução (artigo 28º - A), aumentando os valores percentuais de redução da coima, e a possibilidade de substituição da coima por admoestação. Qualquer destas hipóteses, não previstas no regime contra-ordenacional em vigor na altura da aplicação da coima à Recorrente, a se justificar no caso em apreço, é mais favorável àquela. Perante o exposto, impõe-se, necessariamente, nova graduação da coima aplicada, que tenha agora em conta as disposições do RGIT que entraram em vigor no dia 01 de Janeiro de 2022, o que necessariamente implica uma nova decisão administrativa de aplicação da coima, nomeadamente com cumprimento da imposição do artigo 28.º - A e verificação de determinados condicionalismos, havendo que apurar da regularização da situação tributária, o seu momento temporal, ocorrência ou não de situações anteriores de aplicação de coimas para aferir da reincidência e, perante tais elementos, proceder à atenuação/redução das coimas ou mesmo dispensa, a verificarem-se os pressupostos legais da sua aplicação, o que implica uma reapreciação para aplicação do novo regime – cfr., neste sentido, Acórdão deste TCA Norte, de 06/10/2022, proferido no âmbito do processo n.º 361/16.0BEAVR. Pelas razões expostas, a decisão administrativa de aplicação da coima sindicada nos presentes autos, referente a infracção praticada em 2020, não se pode manter, desde logo, porque haverá que graduar a coima aplicada, atendendo aos novos regimes de redução, dispensa e atenuação da pena e, eventualmente, retirar as legais consequências dos mesmos, o que apenas poderá ser feito de modo adequado e eficiente pelos próprios serviços da autoridade administrativa, que não por este tribunal ad quem, a quem não cabe substituir-se à Administração nas decisões de aplicação de coimas, antes escrutinar se tais decisões são conformes à Lei e ao Direito. A decisão de aplicação de coima que está na origem dos presentes autos foi tomada em momento anterior ao da entrada em vigor da nova Lei (01/01/2022), mas esta repercute-se inelutavelmente nela, como supra demonstrado, impedindo que possa subsistir nos termos em que foi proferida. Impõe-se, em consequência, a baixa dos autos à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de a rever ou renovar, em conformidade com o novo quadro legal, o que se determina. Conclusão/Sumário Concluindo-se que as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, no Regime Geral das Infracções Tributárias, em sede de dispensa, redução e atenuação especial das coimas, se repercutem na decisão de aplicação e na medida da coima questionada nos autos – por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável - haverá que, oficiosamente, determinar a remessa do processo à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações em vigor, introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a remessa do procedimento contra-ordenacional à autoridade administrativa, para que reveja ou renove a decisão de aplicação de coima, em conformidade com as alterações em vigor introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro. Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público [cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais]. Porto, 27 de Junho de 2024 Ana Patrocínio Maria do Rosário Pais Vítor Salazar Unas |