Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02813/17.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/17/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA;
DISPENSA DO PAGAMENTO;
Sumário:
1 - Dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais que nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

2 - Têm-se por verificados os apontados pressupostos da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, se mediante concreta e casuística avaliação, o Juiz constata que a questão em apreço não se revestiu de especial complexidade e que a sua apreciação reclamou uma tramitação processual simples, potenciada pela adequada conduta processual das partes.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


ENTIDADE NACIONAL PARA O SECTOR ENERGÉTICO, EPE (ENSE)
[devidamente identificada nos autos], notificada do Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 01 de março de 2024 [Cfr. fls. 1188 dos autos – SITAF] que tendo indeferido a Reclamação que apresentou perante a Conferência face à Decisão sumária proferida pelo Relator em 16 de janeiro de 2024 [Cfr. fls. 1046 dos autos – SITAF], e pelo qual foi concedido provimento ao recurso jurisdicional deduzido pela Recorrente [SCom01...], Ld.ª [também devidamente identificada nos autos], tendo assim sido (i) revogada a Sentença recorrida, (ii) julgados procedentes os pedidos deduzidos, (iii) anulados os actos da autoria do Presidente do Conselho de Administração da ENMC, EPE, proferidos nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, no âmbito dos processos UB/04/2017 e UB/08/2017, e (iv) condenada em custas, veio apresentar requerimento pelo qual, em suma e a final, peticionou a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP.

*

Nesse requerimento expendeu o que, pro facilidade, para aqui se extrai o que segue:
“[…]
1. A taxa de justiça aplicável ao processo a que respeitam os autos e ao presente recurso, é determinada nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do RCP, sendo aplicáveis os valores constantes da tabela anexa que variam em função do valor da causa.
Sendo que, o n.º 7 do artigo 6.º do RCP dispõe que “nas causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça e considerado na conta a final, salvo se ́ a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente a complexidade da causa e à conduta processual das partes, ̀ dispensar o pagamento”.
2. Importa notar que este é o caso dos presentes autos, em que o valor da ação é de €3 754 000,00 (três milhões, setecentos e cinquenta e quatro mil euros), pelo que, por aplicação do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, o remanescente da taxa de justiça será considerado aquando da elaboração final da conta de custas, salvo se o juiz, de forma fundamentada, dispensar o respetivo pagamento.
3. Ora, atendendo ao valor da taxa de justiça remanescente a liquidar na conta final, por aplicação dos critérios legais e nada tendo sido especificadamente mencionado por este douto Tribunal quanto à dispensa do remanescente da taxa de justiça, impõe-se requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
4. Sendo que, como foi entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 3 de janeiro de 2022, no âmbito do Processo n.º 1118.16.3T8VRL-B.G1.S1-A, a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo, podendo até este momento qualquer das partes requerer a sua dispensa.
5. De acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP são critérios orientadores da decisão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a utilidade económica, a complexidade da causa e a conduta processual das partes.
6. Assim, tem sido entendimento da jurisprudência que tais critérios deverão ser aplicados tendo em conta os princípios constitucionalmente consagrados da proporcionalidade, razoabilidade, adequação e igualdade conjugados com os princípios da tutela jurisdicional efetiva e do acesso ao direito (Neste sentido, cfr. entre outros Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de julho de 2022, no âmbito do Processo n.º 2851/19.3YRLSB-B.S1, relatado pelo Venerando Conselheiro Jorge Arcanjo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de dezembro de 2013, no âmbito do Processo n.º 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, relatado pelo Venerando Conselheiro Lopes do Rego, e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de novembro de 2022, no âmbito do Processo n.º 1816/19.0T8GMR.G1, relatado pela Veneranda Desembargadora Maria Eugénia Pedro, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt ).
7. A este propósito veja-se ainda o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21 de novembro de 2019, proferido no âmbito do Processo n.º 2142/03.1TBEVR-L.E1, relatado pelo Venerando Desembargador Tomé de Carvalho (Sumário): “4 – Sem ignorar o valor da causa, o factor decisivo no preenchimento do conceito de complexidade deve estar indexado aos meios humanos, técnicos, logísticos e temporais disponibilizados pelos Tribunais que se pronunciaram sobre o objecto da 3 causa, em associação com a substância qualitativa das diferentes peças processuais presentes nos autos e com a natureza das diligências de prova produzidas em sede de julgamento 5 – Ainda assim, quando por via dessa normação abstracta o custo do acesso ao direito for notoriamente exagerado, cumpre aos Tribunais corrigir as eventuais distorções e reduzir o montante em causa à sua justa medida, promovendo uma interpretação conforme à Constituição no sentido do redimensionamento da proporcionalidade entre o serviço prestado pelo Estado e as utilidades que os utentes da Justiça retiram da actividade jurisdicional exercida pelos Tribunais.”
8. E entre a doutrina, veja-se ainda SALVADOR DA COSTA: “A referência a ̀ complexidade da causa e a conduta processual das partes significa, por um lado, a ̀ sua menor complexidade ou maior simplicidade, e, por outro lado, a atitude das partes na prática dos atos processuais necessários à adequada decisão da causa, isto é, à margem de afirmações ou alegações de índole dilatória. A este propósito, é necessário ter em conta que a taxa de justiça é um dos elementos essenciais do financiamento dos tribunais e do acesso ao direito e aos tribunais. A atitude das partes com vista à dispensa ou não do remanescente da taxa de justiça deve ser apreciada à luz dos princípios da cooperação e da boa fé processual, a que se reportam os artigos 7.º, n.º 1, e 8.º do CPC.”1
9. Ora, atendendo aos critérios acima mencionados, às taxas de justiça que já foram pagas pelas partes, e o valor da taxa de justiça remanescente a liquidar na conta a elaborar a final, por aplicação dos critérios legais, associados, à circunstância de, não obstante a matéria em discussão revelar, originariamente, alguma complexidade, a mesma ter sido decidida de acordo com o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 9 de março de 2023, entretanto proferido, não revelando um acréscimo excecional do trabalho para este douto tribunal, e os autos apresentarem uma tramitação simples, verificam-se os pressupostos para a dispensa do remanescente da taxa de justiça.
10. Cumpre ainda notar que a taxa de justiça é uma contrapartida de um serviço prestado pelo Tribunal, sendo que o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o direito de acesso aos Tribunais, consagrados pela Constituição da República Portuguesa, impõem a existência de uma correspondência entre os serviços prestados pelo tribunal e a taxa de justiça a liquidar – que não se limita a uma mera correspondência com o valor da ação/utilidade económica – sob pena de violação do próprio direito de acesso aos tribunais.
11. Face ao exposto, atentos os princípios da proporcionalidade e do acesso à justiça, constitucionalmente consagrados, e tendo em conta que se verificam os pressupostos legais para tal dispensa – nomeadamente que o processo apresentou uma tramitação simples, não se revestiu de grande complexidade e em que as partes, designadamente a ora Demandada, pautaram a sua conduta pela boa-fé processual - deverá este douto tribunal dispensar a Recorrida do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP.
[…]”

**

Cotejado o requerimento e tendo presente que a pretensão da Recorrida ora requerente radica, em substancia, num pedido de reforma do Acórdão proferido quanto a custas judiciais, não se vislumbram obstáculos de natureza adjectiva impeditivos da apreciação do presente requerimento, pelo que, com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

Sustenta a Recorrida, ora requerente, em suma, que se encontram preenchidos os requisitos que determinam a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, in fine do Regulamento das Custas Processuais [RCP].

O valor da acção, como assim fixado na Sentença recorrida, com observância do disposto no artigo 32.º, n.º 2 do CPTA, foi de € 15.942.000,00 [correspondente à soma dos valores de compensações a que se reportam os actos impugnados], portanto, de montante consideravelmente superior ao valor de €275.000,00 a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do RCP.

Vejamos.

A imposição da taxa de justiça surge como contrapartida da prestação de um serviço, sendo a mesma apenas paga pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais – Cfr. artigo 530.º, n.º 1 do CPC , correspondendo ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e sendo fixada em função do valor e complexidade da causa, sempre e ainda nos termos do Regulamento das Custas Processuais – Cfr. artigo 529.º, n.º 2 do CPC.

O disposto no n.º 7 do referido artigo 530.º do CPC esclarece, para efeitos da condenação no pagamento da taxa de justiça, que considera de especial complexidade as causas que contenham articulados ou alegações prolixas e as que digam respeito a questões de elevada especialização jurídica especificidade técnica ou importe a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso e bem assim as causas que impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

Assim, atento o princípio do utilizador pagador e o princípio da proporcionalidade a que a actividade pública está sujeita, neste caso a do serviço de justiça, e bem assim todo o sistema fiscal - Cfr. artigos 103.º e 266.º, n.º 2, da CRP - para além da fixação do custo do serviço judiciário com base no valor da acção, está implicada uma ideia de equilíbrio nessa fixação, pelo ajustamento, em função de outros critérios, do valor da taxa de justiça a pagar em cada caso concreto.

Daí que no Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, o legislador haja mitigado o valor das custas processuais decorrente do valor da causa, tal como decorre da motivação ínsita no seu preâmbulo, que para aqui se extrai parte, como segue:

“[…] De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa. (…) quando se trate de processos especiais, procedimentos cautelares ou outro tipo de incidentes, o valor da taxa de justiça deixa de fixar-se em função do valor da acção, passando a adequar-se à efectiva complexidade do procedimento respectivo.”.

De notar que o artigo 2.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, manteve idêntico propósito no n.º 7 que foi inserido ao artigo 6.º do RCP, ao estipular que “Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

A dispensa, a título excepcional, do pagamento do remanescente da taxa de justiça depende assim, segundo o estabelecido no apontado normativo, da especificidade da situação, devendo atender-se, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes.

Como esclarece Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236, “A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes”.

O remanescente da taxa de justiça é, como regra, considerado na conta a final. Só assim não será se a especificidade da situação o justificar.

Cabe ao Juiz, nesse caso, identificar a especificidade da situação concreta dos autos, tanto quanto aos parâmetros materialmente impostos pela lei, como também à luz dos princípios do utilizador pagador e da proporcionalidade, por referência, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, com o sentido de que a uma simplicidade ou menor complexidade da causa conjugada com uma conduta processual das partes não dilatória, positiva ou de cooperação corresponderá, na justificação em concreto encontrada, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Quanto à referida complexidade, dispõe o n.º 7 do artigo 530.º do CPC, como segue:

“7 - Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”.

Vejamos em concreto.

Em causa, o recurso interposto da sentença, datada de 09 de abril de 2022, do TAF do Porto, que julgou improcedente a/s acção/ões, e absolveu a Ré dos pedidos contra si formulados pela Autora.

Quanto à complexidade da causa, constata-se que a Petição inicial, Contestação e Réplica apresentadas no TAF do Porto, assim como as Alegações de recurso e Contra alegações apresentadas, não revelam prolixidade, e embora digam respeito a questões de especialização jurídica, não importaram na análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso, sendo que, no mais, a causa não sofreu arrastamento decorrente de análise de meios de prova complexos ou de similar morosidade no âmbito da produção de prova.

No mais, consta-se que as partes tiveram uma actuação meritória em sede da sua actuação processual, intervindo com probidade, rigor assertivo e objectividade na defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Tudo ponderado, no âmbito e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP, julgamos assim pela dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Remanescente da taxa de justiça; Dispensa do pagamento.

1 - Dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais que nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

2 - Têm-se por verificados os apontados pressupostos da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, se mediante concreta e casuística avaliação, o Juiz constata que a questão em apreço não se revestiu de especial complexidade e que a sua apreciação reclamou uma tramitação processual simples, potenciada pela adequada conduta processual das partes.


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II – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência, em DEFERIR a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente ao valor da/s causa/s, que excede €275.000,00.

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Custas a cargo da Recorrida, ora requerente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça – Cfr. artigos 527.º do CPC e 6.º, n.º 7, do RCP.

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Notifique.

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Porto, 17 de maio de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Luis Migueis Garcia
Celestina Caeiro Castanheira