Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00510/20.3BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/04/2025
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:LUÍS MIGUEIS GARCIA
Descritores:RESPONSABILIDADE;
AUTO-ESTRADA;
ITINERÁRIO PRINCIPAL;
Sumário:
I) – Prevê a Lei nº 24/2007, de 18/07, que a mesma se aplica aos “(…) itinerários principais e itinerários complementares, nos termos do Plano Rodoviário Nacional (PRN) vigente, dotados de perfil transversal com faixas separadas e, no mínimo, com duas vias em cada sentido”.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

[SCom01...], S.A. (Praça ..., ... ...), em acção administrativa intentada por [SCom02...] (... LU ...65; Rue ..., ... ..., Luxemburgo), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra que julgou «procedente a presente ação e condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de €6.019,10, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento».

A recorrente conclui:

1. Recorre a IP, por não poder conformar-se, quer de facto quer de direito, com a sentença proferida em primeira instância, assim impugnando quer a decisão aí proferida sobre a matéria de facto e respetiva fundamentação, quer a aplicação que do direito fez a Mmª. Juiz a quo.
2. A decisão de que se recorre merece ser censurada, porque não fez uma correta aplicação do direito que foi presente ao Tribunal, e, por isso, sofre de vícios que decisivamente interferiram na prolação da sentença.
3. A A./Recorrida demandou a R./Recorrente, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.
4. Os serviços da Recorrente, vigiam aturada e constantemente as condições de circulação IP 3.
5. Face ao sobredito, não se demonstrou que foi, qualquer omissão da Recorrente, que constituiu causa adequada do evento danoso, já que nada fazia prever o aparecimento de obstáculos no pavimento.
6. Ou seja, não se demonstrou, como seria mister que fosse feito, para a Autora da ação lograr êxito, que nas descritas circunstâncias, foi qualquer omissão de conservação da rede de vedação que ladeia o IP 3, da entidade Recorrente que deu causa à produção do acidente.
7. A Recorrente, ilidiu, como se lhe impunha, que exerceu a devida vigilância e fiscalização sobre as condições da rede de vedação da sua responsabilidade, nomeadamente, no IP 3.
8. A Recorrente organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis, e no caso concreto exerceu efetivamente uma adequada e contínua fiscalização, pelo que, também não existiria culpa da Ré.
9. À data do acidente em causa nos autos, vigorava já o regime jurídico dos direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, aprovado pela Lei n.º 24/2007, de 18 de julho
10. Tal diploma, independentemente da existência de portagens e do pagamento de taxa pela utilização da autoestrada concessionada, estabeleceu as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis para os utentes, sem prejuízo de regimes mais favoráveis estabelecidos ou a estabelecer (respetivo art.º 1º).
11. Nos termos do art.º 12º, da citada Lei n.º 24/2007:
“1- Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a:
a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.
3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;
b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c) Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra.”
12. Ora “Autoestradas” são as vias classificadas como tal no PRN e conjuntos viários a elas associados, incluindo obras de arte, praças de portagem e áreas de serviço nelas incorporados, bem como os nós de ligação e troços das estradas que os completarem [cfr. artigo 3º, alínea a) da citada Lei nº. 24/2007];
13. Já os “Itinerários principais” são as vias classificadas como tal no PRN [cfr. artigo 3º, alínea b) da citada Lei nº. 24/2007];
14. Desta previsão legal resulta que a concessionária de autoestrada em que se verifique um sinistro rodoviário causado por objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, atravessamento de animais e líquidos na via, neste último caso quando não resultantes de condições climatéricas anormais, está onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar.
15. Contudo, e como decorre da própria letra da lei, tal presunção, que é simultaneamente de ilicitude e de culpa, impõe-se exclusivamente às concessionárias de vias de circulação classificadas como autoestradas, que não à entidade exploradora dos itinerários principais e complementares, sendo que, na presente lide, nos deparamos com esta segunda situação, um IP, o IP 3, explorado pela aqui Recorrente.
16. Efetivamente, e se bem que na definição do seu âmbito de aplicação, faça a Lei n.º 24/2007 abranger, para além das autoestradas, os itinerários principais e os itinerários complementares, usando o legislador, indistintamente, a expressão “vias rodoviárias” para referir os três tipos, optou o legislador, ao estabelecer a referida presunção de ilicitude e culpa, no artigo 12º, por restringir a operação da inversão do ónus da prova às autoestradas.
17. Na verdade, na interpretação legal, está o Tribunal obrigado a respeitar o disposto no artigo 9º, do Código Civil, normativo que estabelece, no seu n.º 3, que: “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
18.Ora, se é certo que a letra da lei é o ponto de partida da tarefa de interpretação jurídica, não menos é que esse mesmo elemento hermenêutico constitui o limite do resultado interpretativo [artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil].
19. A partir daqui, é possível inferir que, pese embora a Lei n.º 24/2007 seja aplicável a todas as vias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, o legislador teve o cuidado de distinguir as referidas vias entre si, tendo optado por estabelecer a referida presunção de incumprimento das obrigações de segurança prevista no artigo 12° apenas para as vias rodoviárias classificadas como Autoestradas.
20. Isto para dizer que, tendo o legislador apenas previsto a aplicação do disposto no artigo 12º da citada Lei nº. 24/2007 para as vias rodoviárias classificadas como autoestradas, não há como concluir que, no caso concreto, que o ali se vem de preceituar é igualmente aplicável às vias rodoviárias classificadas itinerários principais.
21. Nem se diga que estamos perante um lapso do legislador, nada nas normas em apreço inculca a ocorrência de tal lapso e, ademais, deve presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil].
22. Pelo que não colhe aqui a argumentação de que o disposto no artigo 12º da citada Lei nº. 24/2007 é igualmente aplicável aos itinerários principais.
23. E o que se vem de se considerar nada contende com o princípio da igualdade constitucionalmente previsto no artigo 13º da CRP.
24. Na verdade, o princípio da igualdade consiste na necessidade de tratar igualmente as situações iguais e desigualmente as situações desiguais.
25. A igualdade entre situações é uma igualdade não fáctica, mas de qualificação jurídica;
26. não tem de ser avaliada quanto à aparência ou à exteriorização dessas situações, mas quanto à sua substância e a ponderação substancial deve ser efetuada em função dos valores constitucionais e legais.
27. Sendo assim, quanto à aplicação da Lei n.º 24/2007, de 18/07, estamos perante um erro quanto à aplicação da mesma na sentença ora recorrida.
28. Consequentemente, não será a referida presunção prevista no indicado artigo 12º, da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho, aplicável à situação sob análise nos presentes autos, por se tratar de um itinerário principal, o IP 3.
29. A douta sentença recorrida não cumpriu a lei, devendo-se, por isso, ser revogada.
30. A Recorrente entende que a manter-se a decisão conforme proferida pelo tribunal de 1ª instância, existe uma clara violação das normas supra elencadas, devendo em consequência, a decisão de 1ª instância ser substituída por outra que absolva a Recorrente no valor do pedido.

Apresentou contra-alegações a autora, concluindo:

I- Alega a Ré que ilidiu a presunção de culpa não tendo a Autora provado que demonstrado qualquer omissão da Ré.
II- Ora, salvo o devido respeito que é todo, resulta que a Ré não só não ilidiu a presunção de culpa como ficou demonstrado que que a Ré não “organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância”.
III- Durante a noite, altura em que ocorreu o acidente, (Ponto 7 dos Factos Provados na Sentença) a Ré não faz qualquer vigilância e / ou fiscalização da via, (Ponto 15 dos Factos provados na Sentença) principalmente quando se trata de um local sem iluminação, (cfr. Ponto 7) o que merecia ainda mais atenção por parte da Ré.
IV- Quanto ao nexo de causalidade, não é posto em causa que o acidente e, logo, os danos verificados por virtude desse acidente resultaram da existência de um tronco de madeira na via.
V- A ser aplicável o artigo 12º da Lei de 18 de junho seja aplicável às auto estradas, o que não se admite nem se concede, mas que se equaciona apenas para efeitos de raciocínio, o certo é que a presunção de culpa sempre existirá por força do disposto no artigo 493.º nº 1 do Código Civil.
VI- Neste sentido, o Acórdão deste Tribunal Central, proferido em 25/03/2022, no processo 01593/18.1BEBRG, disponível em www.dgsi.pt
VII- Termos em que devem improceder todas as conclusões do recurso.

A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta foi notificada nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitindo parecer.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Os factos, que o tribunal a quo deu como provados:
1. A Autora é uma companhia de seguros com sede no Luxemburgo (doc. a fls.: 89 a 94 do SITAF);
2. No exercício da sua atividade seguradora, a Autora celebrou com «AA» um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel do veículo de que aquela é proprietária de marca Audi, modelo A5 com matrícula Luxemburguesa PA...., com a cobertura de danos próprios do veículo e assistência em viagem, a que corresponde a apólice n.º ...01 (doc. a fls.: 89 a 94 do SITAF);
3. No dia 15-08-2017, pelas 2H50, na IP3, ao Km 56,340, em ..., ..., ..., 3 Distrito de Coimbra, ocorreu dois acidentes de viação, no qual foram intervenientes: (doc. n.º 1 da petição inicial; prova testemunhal);
a. o veículo de matrícula ..-..-UL, conduzido por «BB» no momento do acidente;
b. o veículo de matrícula Luxemburguesa PA-...., segurado na ora Autora, conduzido por «AA» no momento do acidente.
4. Quer o condutor «BB» quer a condutora «AA», foram surpreendidos com a presença de um tronco de madeira, com cerca de 90 cm de comprimento que se encontrava no meio da via da esquerda, não conseguindo evitar o embate no tronco (Doc. nº1 da petição inicial; prova testemunhal);
5. Após o embate ambos os condutores «BB» e «AA» imobilizaram, os respetivos veículos, poucos metros mais à frente, na berma direita da via (prova testemunhal);
6. A via no IP3, no local do embate, apresenta-se plana, sendo constituída por duas vias em cada sentido, com um separador central em guardas de segurança rígidas (doc. nº1 da petição inicial);
7. No momento do acidente era de noite, não havendo no local iluminação (doc. n.º 1 da petição inicial; prova testemunhal);
8. Após o acidente, a GNR – Destacamento de Trânsito de Coimbra deslocou-se ao local, lavrando nota da ocorrência (doc. n.º 1 da petição inicial; prova testemunhal);
9. Em consequência do acidente, o veículo de matrícula PA.... ficou danificado no pneu da frente do lado esquerdo e no para choques (doc. n.º 1, 2 da petição inicial; prova testemunhal);
10. A reparação dos danos acima referidos, foi efetuada em Luxemburgo, tendo a Autora pago, pela referida reparação, o valor de €1.908,29 (doc. n.º 2 da petição inicial; prova testemunhal);
11. O veículo de matrícula PA.... ficou impossibilitado de circular pelos seus próprios meios e teve de ser rebocado do local do acidente para Luxemburgo, tendo a Autora pago pelo serviço de reboque, o valor de €1.971,00 (doc. n.º 3 da petição inicial; prova testemunhal);
12. A segurada da Autora «AA» e 3 familiares, deslocaram-se de avião no dia 17-08-2017 para o Luxemburgo onde residem, tendo a segurada pago os bilhetes de avião no valor de €1.766,36 e pago as despesas de deslocação em táxi para o Aeroporto de Sá Carneiro, no Porto, quer a deslocação de táxi do Aeroporto do Luxemburgo para o domicilio da segurada, no total de € 221,65 (doc. n.º 4,5, 6, 7 da petição inicial; prova testemunhal);
13. Durante o período de tempo em que o veículo de matrícula PA.... esteve imobilizado na oficina a ser reparado, a segurada da Autora teve de socorrer-se de um carro de aluguer, tendo a Autora pago pelo serviço o valor de €151,35 (doc. n.º 8 da petição inicial; prova testemunhal);
14. A Ré é a entidade concessionária do IP 3 (acordo);
15. A Ré, tem a seu cargo a fiscalização/policiamento do IP 3, onde passa em média 2 vezes por semana, apenas durante o dia, podendo ser com regularidade semanal, em função dos trajetos que tenham de ser feitos, sem prejuízo das passagens realizadas pela Brigada de Intervenção e de conservação (prova testemunhal);
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A apelação :
O TAF, subsumindo os dados do caso concreto aos gerais presupostos de responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos previamente por si enunciados, concluiu “que estão preenchidos todos os pressupostos para afirmar a responsabilidade da Ré, em virtude dos factos imputados, gerando assim na sua esfera a obrigação de indemnizar a Autora.”.
No seu julgamento atendeu também ao regime da Lei n.º 24/2007, de 18/7.
A qual enuncia no seu art.º 12º:
Artigo 12.º
Responsabilidade
1 - Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.
3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;
b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.
O que a recorrente, fazendo notar que o evento infortunístico aqui em causa ocorreu num IP, censura.
A nosso ver, não negando margem de discussão, sem razão.
A ré/recorrente é responsável pela gestão da infraestrutura rodoviária a que aqui se alude, nos termos do Contrato de Concessão Geral da rede rodoviária nacional celebrado com o Estado.
A identificada Lei n.º 24/2007, de 18/7, «Define direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares ».
«A presunção mista de culpa e de ilicitude que em caso de acidente em autoestrada, impende sobre a concessionária, decorrente do ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança que recai sobre aquela, estabelecido no art.º 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18/07, aplica-se a acidentes ocorridos em IP ou IC, quando esses itinerários, no local do acidente, se apresentarem dotados de perfil transversal com faixas separadas e, no mínimo, com duas vias em cada sentido.» - Ac. deste TCAN, de 18-09-2020, proc. n.º 48/13.5BEVIS (tb. Ac. deste TCAN, de 31/05/2019, proc. n.º 0765/14.BECBR).
Não se desconhece jurisprudência que, em contrário, no sentido que a recorrente preconiza, aponta que “o legislador teve o cuidado de distinguir as referidas vias entre si, tendo optado por estabelecer a referida presunção de incumprimento das obrigações de segurança prevista no artigo 12° apenas para as vias rodoviárias classificadas como Autoestradas.” (Ac. deste TCAN, de 17-04-2020, proc. n.º 189/17.0BEVIS).
Mas a interpretação de lei não polariza só no elemento literal.
«A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.» (art.º 9º, n.º 1, do CC).
Emana também de outros elementos.
Presente que o objeto de interpretação não é o texto em si, mas a norma que o texto pretende manifestar enquanto critério de decisão de conflitos (cfr. Castanheira Neves, Interpretação Jurídica, in “Enciclopédia Polis”, vol. 3, Ed. Verbo, col. 657).
O elemento histórico tem aqui acentuado contributo.
Mostram os trabalhos preparatórios que, inegavelmente, a proposta de lei inicialmente apresentada tão só centrou atenção a disciplinar matéria que abrangia as auto-estradas.
Todavia, bem que assim tenha sido, e que o debate na generalidade tenha por aí tido foco - já aí com alimento de previsão do actual art.º 12º -, na baixa à comissão da especialidade foi claramente alargado o âmbito de regime - sem qualquer derrogação de aplicação do art.º 12º - aos “itinerários principais e itinerários complementares, nos termos do Plano Rodoviário Nacional (PRN) vigente, dotados de perfil transversal com faixas separadas e, no mínimo, com duas vias em cada sentido” e “com as devidas adaptações, às auto-estradas concessionadas com portagem, sem custos directos para o utilizador”.
Diz-se norma remissiva, de remissão ou indirecta a norma em que o legislador, «em vez de regular directamente a questão de direito em causa, lhe manda aplicar outras normas do seu sistema jurídico, contidas no mesmo ou noutro diploma legal» (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 105); «As normas remissivas constituem um instrumento de técnica legislativa a que se recorre com frequência e que tem cabimento sempre que um dado facto ou instituto jurídico possui já uma disciplina jurídica própria e o legislador quer que essa disciplina se aplique também a outro facto ou instituto. Para tal efeito, elabora então uma norma em que declara que as relações jurídicas que a este último respeitam se regulam (mutatis mutandis) pelas normas que integram o regime jurídico do primeiro.» (J. Dias Marques, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1979, pág. 199).
O art.º 2.º da citada lei determina [estendendo e assimilando (não deixando de ter esteio, pelo que são - pelo menos algumas, suficientemente motivadoras - condições próximas das de utilização das auto-estradas; aliás, tanto assim, que por classificação do PRN alguns IP´s e IC´s - troços - são desde logo integrados na rede nacional de auto-estradas; e a lei, de 2007, que se poderia limitar a remeter para tal classificação, bem mais que isso aponta ao critério material que erigiu), a protecção (regendo que “O disposto na presente lei aplica-se (…)”, com claro intuito de assim estender solução, em todo o seu bloco, sem restringir qualquer uma das disposições - e na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados)] - que o disposto na mesma (também, e também só também) se aplica aos «(…) itinerários principais e itinerários complementares, nos termos do Plano Rodoviário Nacional (PRN) vigente, dotados de perfil transversal com faixas separadas e, no mínimo, com duas vias em cada sentido.» (Ac. deste TCAN, de 18-12-2020 proc. n.º 542/15.3BEMDL).
Assim, salvo o devido respeito por diferente entendimento, confrontando na economia do diploma a citada disposição do art.º 2º, a interpretação que, a nosso ver, deverá vingar, vista a feitura da lei, e segundo elemento lógico e sistemático, atravessando princípio de consistência, e não deixando de ter apoio teleológico, deverá ser a que vê aplicação do citado art.º 12º ao caso em mãos.
Decorre perante a factualidade apurada, muito em particular, no ponto, pelo que se encontra definido:
- «A via no IP3, no local do embate, apresenta-se plana, sendo constituída por duas vias em cada sentido, com um separador central em guardas de segurança rígidas».
Resulta aplicação do regime, e a operatividade da presunção que comporta.
Para contrariar presunção, a recorrente mais não faz que asseverar um cumprimento genérico de obrigação.
É desde há muito apontado que “A ilisão de uma presunção "juris tantum" só é feita mediante a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova, pelo que o "non liquet" prejudica a pessoa/parte contra quem funciona a presunção.
Sobre a Concessionária impende o ónus de provar a adoção de todas as providências que, segundo a experiência comum e as regras técnicas aplicáveis, fossem suscetíveis de evitar o perigo, prevenindo o dano, o qual não se teria ficado a dever a culpa da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Para se ter como ilidida a presunção de culpa da Concessionária não basta a simples prova, em abstrato, de que o mesmo desenvolve ou dispõe de funcionários ou dum corpo técnico que têm por função proceder à fiscalização e reparação das vias sob sua jurisdição, pois tem de ser demonstrado quais são as providências desencadeadas em relação à via pública em questão, a fim de que o Tribunal possa aferir se aquele organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis, exercendo uma adequada e contínua fiscalização.” (Ac. TCAN, de 30-10-2020, proc. n.º 334/19.0BEBRG; entre muitos outros).
Foi também caminho trilhado na decisão recorrida.
Com bom juízo.
Nem se percebe como a recorrente intenta contrariar colocando foco em negar uma “omissão de conservação da rede de vedação” - pensada ela em função do atravessamento de seres vivos - com relação a um evento consistente na presença de um tronco de madeira na via!
A prova em contrário haveria de conduzir a concluir que o obstáculo detetado na via e causador do acidente não poderia ter sido detetado e retirado atempadamente pela concessionária por forma a evitá-lo.
Tal demonstração está ausente do caso.
A apelação não convoca ocorrência de qualquer outro erro de julgamento; julgamento que, em conformidade, conduz(iu) ao estatuído.
Restará observar que, como a recorrida desperta, bem que o tribunal “a quo” não tenha carecido de recorrer à presunção de culpa contida no artigo 493.º do CC, face a ela, e não fosse de seguir pelo caminho já exposto, então, poderia questionar-se - aqui e agora não solicitando maior desenvolvimento - qual o desfecho sob tal luz.
Donde, o recurso não obtém provimento.
*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.

Porto, 4 de Abril de 2025.

Luís Migueis Garcia
Alexandra Alendouro,em substituição
Celestina Castanheira