Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02623/13.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:OPOSIÇÃO; DOCUMENTOS JUNTOS COM AS ALEGAÇÕES;
COMPENSAÇÃO; AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ;
Sumário:I – Deve ser rejeitado o documento, junto com as alegações de recurso, se está relacionado com factos que, por um lado, não foram oportunamente alegados e, por outro, já antes da decisão da 1ª instância a Recorrente tinha consciência de estarem sujeitos a (alegação e) prova, sem que haja diligenciado pela sua oportuna obtenção e apresentação.

II – Não tendo sido alegada, na contestação, qualquer diligência encetada pelo OEF para lhe serem restituídos, por terceiros, os montantes que colocou sua à disposição, não é possível dá-las como provadas e proceder ao correspondente aditamento ao elenco dos factos provados.

III - O facto de, segundo alega no recurso, a AT não dispor dos valores que entregou à ordem do processo de falência de terceira pessoa, não a dispensa de entregar ao Recorrido a quantia determinada no processo de embargos de terceiro e, assim, de cumprir a sentença ali proferida.

IV - Se a invocação da litigância de má fé pelo Recorrido resulta de um facto (pretensão de recebimento de valores em duplicado, pela massa insolente de terceiro e pela AT) que, para além não ter sido alegado na contestação, não está adquirido nos autos como correspondendo à realidade, não se verifica o pressuposto factual em que a Recorrente assenta a sua alegação e, nessa conformidade, não é possível a pretendida condenação.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A Exmª Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida em 26.02.2021 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgada procedente a oposição que «AA» deduziu à execução fiscal nº ....................717, contra si instaurada por dívida de IRS do ano de 2010, no montante de €14.806,32, determinando a extinção da «execução, por pagamento das dívidas exequendas, por via de compensação de créditos».

1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A- Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida nos presentes autos que julgou a oposição procedente e extinguiu a execução por pagamento das dívidas exequendas, por via da compensação de créditos.
B- A Fazenda Pública não se conforma com o decidido, pois entende que a douta sentença incorreu em erro de julgamento em matéria de facto, por manifesto défice instrutório e bem assim erro de julgamento em matéria de direito, nomeadamente quanto à interpretação do artigo 90º do CPPT.
C- Por sentença proferida pelo TAF de ..., em 2004-06-08 no processo de Embargos de Terceiro nº 103/2004, foi ordenada a restituição ao aqui oponente da quantia de € 36.063,20, relativa a penhora de rendas de um imóvel destinado a oficina de reparações e stand de automóveis auferidas pelo sujeito passivo «BB» – NIF ...89, no âmbito de dívidas fiscais deste que se encontravam em cobrança coerciva, tendo em cumprimento da mesma a Administração Tributária procedido ao levantamento da penhora das rendas naquele montante.
D- Em 27/10/2005 foi o Chefe do Serviço de Finanças de ... notificado pelo Tribunal Judicial de ... – ... Juízo, no âmbito do processo de falência nº ....6/2002 para colocar à disposição da massa falida, daqueles autos, por transferência bancária para o NIB da Massa Falida de «BB» e outros nº ...5, os fundos de que era depositária, tendo em cumprimento desse despacho sido depositado na conta da massa falida de «BB», os montantes de € 8.685,92 (transferência em 2005/10/02) e € 14.269,54 (depósito em 2008/10/02), conforme documentos 2, 3 e 4 juntos com a contestação.
E- Em cumprimento da sentença proferida pelo TAF de ..., e para além dos montantes depositados à ordem do processo de insolvência 16/2002, determinado pelo despacho judicial proferido nesses autos, foi ainda restituído ao oponente os montantes de € 270,88, em 14/05/2005; € 6.184,43 (€ 4.828,80 referente a contribuições e € 1.355,63 relativo a juros de mora), em 27/05/2010, através do cheque ...83 sacado do Banco 1..., levantado pelo oponente em 01/06/2010; € 6.652,43 aplicado no PEF nº ....................717, conforme doc. 5 junto com a contestação.
F- Todos estes factos foram dados como provados na fundamentação de facto, nomeadamente nos pontos 5., 6., 8., 9., 10., 11., e 14. daquela fundamentação, bem como na fundamentação de direito (fls. 9 e fls. 10 da sentença proferida).
G- O oponente propôs nova ação no Tribunal Judicial de ... contra os credores, que correu termos por apenso aos autos de insolvência de «BB» sob o nº de processo ....6-N/2002 na qual peticionava que seja reconhecida a propriedade das quantias colocadas à ordem da massa falida de «BB» como sendo suas, que as mesmas não integram a massa falida e, em conformidade se determine que as mesmas sejam separadas e restituídas ao demandante, não tendo havido qualquer oposição à mesma por parte dos credores e por decisão proferida naqueles autos (processo ....6-N/2002) datada de 13/11/2009 foi determinada a separação dos montantes que constavam na massa falida e a sua restituição ao oponente, conforme resulta de fls. 16 do auto de oposição.
H- Tal factualidade não foi levada ao probatório nem computada na decisão proferida pelo Tribunal a quo nos presentes autos, que decidiu extinguir o PEF por via de compensação de créditos, partindo da premissa que a Administração Tributária dispunha de tais créditos, ou se não dispunha já dispôs, sem antes obter o conhecimento se tais quantias foram entregues pelo administrador de insolvência ao oponente no seguimento da decisão proferida no processo de insolvência, mais concretamente no processo ....6-N/2002, que correu termos por apenso aquele.
I- Por via de diligências efetuadas junto do administrador de insolvência, nos autos de insolvência anteriormente citados, a Fazenda Pública foi informada que o oponente foi ressarcido do montante de € 37.000,00, no qual se integra os montantes em questão (€ 8.685,92 e € 14.269,54), conforme documento cuja junção se requer ao abrigo do disposto nos artigos 425º e nº 1 do artigo 651º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT, por só nesta data ter tido conhecimento do mesmo em virtude das diligências efetuadas junto do administrador de insolvência e face à fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, tornando-se a sua junção necessária para provar factos com cuja relevância a AT não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.
J- O oponente pretende a compensação de um pretenso crédito com dividas de que é titular no PEF nº ....................717, crédito esse que já não existia na posse na AT e cujo montante de € 37.000,00 (no qual se inclui os montantes de € 5.357,84 e € 14.269,54) havia sido restituído ao oponente em 18/10/2010, por transferência bancária para a conta bancária do oponente (NIB ...81), no âmbito da ação intentada pelo oponente no Tribunal Judicial de ... contra os credores, que correu termos por apenso aos autos de falência de «BB» sob o nº de processo ....6-N/2002, cuja integração na matéria de facto se requer, devendo pois a mesma ser ampliada.
K- Montantes estes que o oponente pretende ingressar novamente na sua esfera jurídica, o que constitui, para além de um indevido enriquecimento sem causa, uma manifesta litigância de má fé pelo uso indevido destes autos com vista a obter efeito equivalente em dobro.
L- A conduta do oponente é passível de se enquadrar nas previsões previstas no nº 2 do artigo 542º do CPC para que possa vir a ser condenado como litigante de má fé.
M- A litigância de má-fé envolve um juízo de censura assente na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa-fé entre as partes, vertida nas alíneas a) a d) do artigo 542º do CPC, sendo que em qualquer dessas situações estamos perante uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva.
N- No caso sub judice o oponente atuou com manifesto dolo e violou manifestamente o disposto no nº 2 do artigo 542º do CPC, pois apresentou oposição judicial em 2013, na qual peticionava a compensação do PEF nº ....................717 com créditos que dizia a AT ter em sua posse, quando sabia bem que tal não correspondia à verdade, ocultando a verdade dos factos, pois já os havia recebido em 18/10/2010 por transferência bancária da massa falida de «BB», e desta forma pretendia obter uma compensação indevida no PEF nº ....................717, do qual é devedor.
O- A sua atuação é dolosa e intencional pois tem em vista obter ressarcimento do mesmo crédito por duas vias, uma através da restituição dos montantes pela massa falida de «BB» (já recebido) e pela via da compensação de créditos pela AT, pelo que preenchendo os requisitos legais da litigância de má fé insertos no artigo 542º do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT, deve em face de tal atuação ser condenado como litigante de má fé nos termos legais.
P- A lei tributária admite a compensação de créditos (forma de extinção das obrigações que pode ser utilizada quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor - artigo 847º, nº 1 do CC) como forma de extinção da obrigação tributária, podendo a compensação com créditos tributários ser efetuada a pedido do contribuinte nos termos do artigo 90º do CPPT.
Q- O Tribunal a quo deveria ter aferido se se encontravam preenchidos os requisitos legais para que pudesse ser efetuada a compensação de créditos e não o fez, até porque no caso sub judice e salvo o devido respeito por opinião contrária, entende a Fazenda Pública que em face da factualidade inserta nos autos não se encontravam preenchidos os requisitos para que a compensação pudesse ocorrer uma vez que não havia ficado demonstrado que a Administração Tributária era devedora/detentora de qualquer crédito do oponente, uma vez que os valores correspondentes ao total das rendas penhoradas (€ 36.063,20), haviam sido devolvidos na totalidade ao oponente, através do depósito na massa falida (€ 8.685,92 e € 14.269,54), tal como ordenado no despacho judicial proferido no processo de falência nº ....6/2002 do Tribunal Judicial de ... – ... Juízo (que veio a ser restituído ao oponente pela massa falida em 18/10/2010, conforme documento ora junto) e através de restituição pela AT ao oponente (€ 270,00; € 6.184,44 e € 5.575,22, este último valor aplicado no PEF nº ....................717).
R- O tribunal a quo não computou nem levou ao probatório as diligências que a AT havia efetuado e que demonstravam não lhe ter sido devolvido qualquer montante pela massa falida de «BB», cuja integração na matéria de facto se requer, devendo pois a mesma ser ampliada.
S- O Tribunal a quo não podia impor à Administração Tributária a compensação de créditos com créditos que esta não tem, sem diligenciar no sentido de saber se o oponente já havia sido ressarcido no âmbito da ação nº ...6-B/2002 que intentou por apenso aos autos de falência nº ....6/2002, e que efetivamente veio ser devolvido por essa via como se provou, e assim decidir extinguir a execução por pagamento da dívida exequenda, por via de compensação de créditos, isto porque a compensação só opera quando se reúnem efetivamente o crédito com o débito.
T- A decisão do Tribunal Judicial de ... – ... Juízo, proferida no processo ....6-N/2002 que determinou a separação dos montantes que constavam da massa falida e a consequente restituição ao oponente ocorreu em 13/11/2009 e as entregas na massa falida de «BB» ocorreram em data anterior àquela, ou seja, em 31/10/2005 e 30/09/2008.
U- A douta sentença incorreu em erro de julgamento de matéria de facto, por défice instrutório e erro de matéria de direito, nomeadamente por errada interpretação e aplicação do artigo 90º do CPPT ao caso em apreço.
V- Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor e Vosso douto entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” caiu em erro, porquanto da factualidade provada deve levar, na aplicação devida da norma substantiva, a solução diversa da constante na sentença recorrida e, portanto, conduzir a uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal a quo, e ainda apreciar a litigância de má fé do oponente, nos termos legais.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.».

1.3. O Recorrido apresentou contra-alegações que concluiu nos termos seguintes:
«I)
1ª- Nos termos do art. 651º nº 1 do CPC as partes apenas podem juntar documentos às alegações «nas situações excepcionais a que se refere o art. 425º» (apresentação impossível até ao momento) «ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».
2ª- Ora, por um lado, a recorrente alega falsamente e não comprova (como não poderia curialmente comprovar uma falsidade…) que só agora soube desse documento, concretamente, do que nesse papel é alegado;
3ª- pois que, na verdade, foi a própria Fazenda Nacional quem entregou montantes à Massa Falida – como o próprio papel refere «(…) depositados pelo Serviço de Finanças de ... na massa falida de «BB»» (destaque, nosso).
4ª- Tão-pouco comprova a recorrente que a sua apresentação fora impossível até ao momento; e, outrossim, faz uma interpretação truncada e errada dos art.s 425º e 651º nº 1 do CPC:
5ª- Pois que, na verdade, alega que a junção do documento se tornou «necessária» «em virtude do julgamento proferido na 1ª Instância» (texto do preceito), o que é tentativa de subversão da lei:
6ª- Como deixou consignado sobre o tema o Acórdão do STJ de 2007.10.09, Proc. nº 07A703, por forma lapidar: «Não é de admitir a junção de documentos com as alegações de recurso, quando não estejam reunidos os respectivos pressupostos de admissibilidade. A junção dos aludidos documentos não se tornou apenas necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. Era já necessária na primeira instância, para prova dos fundamentos da defesa, e os recorrentes podiam ter junto tais documentos com a contestação que deixaram de apresentar. Perderam o direito de os apresentar visto que não foi a sentença, e só ela, que criou a necessidade da junção. Essa necessidade já existia face aos termos em que foi elaborada a petição inicial, termos esses que os réus/recorrentes tinham interesse em rebater mas deixaram de tempestivamente fazer» (destaque e sublinhado, nossos).
7ª- Não é, pois, a «novidade» ou «surpresa» da decisão que legitima a possibilidade de junção, mas sim que a necessidade da junção do documento, além do mais, tenha sido causada pela sentença e que essa necessidade, antes, não existisse – o que não é o caso dos autos! (cfr., a propósito, os Ac.s RP de 2005.03.17, Proc. nº 0530835 e de 2008.06.11, Proc. nº 0842171, citados nesta contra-alegação)
8ª- Segue-se, pois, que a apresentação do documento por parte da recorrente se traduz na prática de um acto que a lei não prevê nem consente, e que pode influir no exame ou decisão da causa, vale dizer, consubstancia uma nulidade (CPC, art. 195º nº 1), cujo suprimento se requer, devendo este conduzir ao desentranhamento do documento e a sua devolução à procedência.
Sem prescindir:
II)
9ª- Preceitua a lei que «toda a defesa deve ser deduzida na contestação» (CPC, art. 573º nº 1), e a construção, aliás «habilidosa», intentada pela recorrente, não foi por ela suscitada na sua contestação, pelo que também por essa razão não pode vir agora levantar, em sede de recurso (e apenas em sede de recurso) uma questão «nova» que não suscitara naquele seu articulado.
III)
10ª- Sem conceder – e sem prejuízo do que ao diante se dirá –, sempre deverá salientar-se que o papel em causa se traduz numa mera afirmação de um Administrador de Insolvência, sem nada que a corrobore, constituindo um ilícito «depoimento escrito» por quem não alega – e comprova – deter as qualidades para poder depor dessa forma (CPC, art. 503ºnº 2)
11ª- E que, por isso, além de não ter sido ajuramentado, não permite que se possa instar, acarear e/ou contraditar o «depoimento escrito» do respectivo subscritor… – mais uma razão subsistindo, por isso, para que esse papel seja retirado dos autos.
IV)
12ª- Todavia, e sempre sem prejuízo, por mera obrigação de patrocínio, a seguir se abordará a questão que a recorrente pretendeu suscitar ao juntar o dito papel.
13ª- Basicamente e em resumo, a FN, procurando apoiar-se no papel que juntou (e que, como se disse, deverá ser desentranhado), pretende propugnar que o Oponente, ora recorrido, teria recebido da Massa Falida de «BB» a própria quantia que invocou nestes autos como compensação. Falsidade gratuita – o que a FN não ignora.
14ª- Numa execução fiscal movida contra «BB», foi penhorada em 9 de Julho de 1999 uma renda de que ele era credor, razão pela qual o arrendatário passou a depositá-la à ordem do Serviço de Finanças.
15ª- Todavia, dado que o crédito dessa renda havia sido cedido ao aqui recorrido em 10.12.1998, este intentou embargos de terceiro contra a Fazenda Nacional e contra o referido executado, tendente a ver declarar que esse crédito das rendas lhe pertencia, a ele embargante, e em consequência ser levantada tal penhora – que obteve sentença em 2004.04.13, tendo o Tribunal ordenado o levantamento da penhora e a restituição ao embargante (aqui recorrido) das quantias penhoradas, que o arrendatário tinha vindo a depositar à ordem das Finanças.
16ª- Face a essa decisão, em 2005.01.27 o Serviço de Finanças computou a quantia que deveria ser restituída ao embargante (aqui recorri[d]o), (…) que era, então, do montante de € 36.063,24.
17ª- Entretanto, dado que o referido executado fora declarado falido, foi, no processo de falência, decretada a «suspensão» desse pagamento ao embargante (aqui recorrido) por parte do Serviço de Finanças; e o arrendatário notificado para passar a entregar as rendas à Massa Falida de «BB» – o que ele arrendatário passou a fazer.
18ª- É importante, neste momento, ter presente que, quando o arrendatário passou a entregar as rendas à Massa Falida, o aqui recorrido já era credor da FN de € 36.063,24. .
19ª- E as rendas que viessem a ser desde então entregues à Massa também pertenciam ao aqui recorrido, pelo que este propôs contra a Massa Falida, acção de separação e restituição de bens, tendente a que essa Massa lhe entregasse as rendas que viesse a receber e passasse, ele, a recebê-las do arrendatário.
20ª- Acção essa que obteve sentença favorável em 2009.11.02, pelo que essa Massa ficou de entregar os montantes respectivos ao aqui recorrido.
21ª- Ao longo do tempo em que a acção de separação e restituição de bens correu os seus termos e a apreensão das rendas se manteve, a Massa Falida recebeu directamente do Serviço de Finanças a quantia de € 8.685,92 em 2005.10.31 e foi recebendo do arrendatário as rendas que entretanto se venceram.
22ª- Essas rendas foram dos seguintes montantes:- € 4.489,20 em 2005; - € 5.985,60 em 2006; - € 5.985,60 em 2007; - € 5.985,60 em 2008; e - € 5.985,60 em 2009 (Soma: € 28.431,60; com a quantia referida na conclusão que antecede, € 37. 117,52).
Aqui chegados:
23ª- Resulta do exposto que:
- Em 2005, o Serviço de Finanças computou que era, por ele, devida ao aqui recorrido a quantia de € 36.063,24 – quantia de que este era, pois, credor da Fazenda Nacional.
- Entre 2005 e 2009, a massa falida recebeu, de rendas que pertenciam ao aqui recorrido, a quantia de 8.685,92 directamente do Serviço de Finanças; e, do arrendatário, a de € 28.431,60, ou seja, um total de € 37.117,52 – quantia de que o ora recorrido era, pois, credor da massa falida.
Ou seja: ao contrário do que o representante da Fazenda Nacional procura inviamente inculcar, aquele crédito do recorrido sobre a Administração Tributária nada tem a ver com este outro crédito de que ele era também titular sobre a massa falida!
24ª- Tratam-se de dois créditos absolutamente distintos e independentes – e teria bastado até, se boa fé tivesse havido – nas datas: o crédito sobre a Fazenda Nacional foi computado em 2005 e relativo a anos anteriores, enquanto que o crédito sobre a Massa Falida constituiu-se depois, entre 2005 e 2009; tanto teria bastado para constatar que se tratam de dois créditos absolutamente distintos. Se boa fé tivesse havido por parte da FN, que não houve!
25ª- Em suma, o aqui recorrido recebeu da Massa Falida o montante correspondente as rendas vencidas desde 2005 a 2009, € 37.000,00 (por arredondamento). E continuou credor da FN dos montantes correspondentes às rendas penhoradas até 2005, que totalizavam € 36.063,24 (de capital) [cfr. supra, 16ª conclusão).
26ª- Daqui se alcança a mentira da FN, a tentativa de confundir, enganar e ludibriar o Tribunal, com reserva mental e deliberada subversão dos princípios basilares da boa fé e da verdade.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso, em conformidade com as conclusões que antecedem, confirmando-se na íntegra a douta sentença proferida
Com o que apenas se fará
JUSTIÇA!».


1.4. O DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer com o seguinte teor:
«O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo TAF do Porto em 26 de Fevereiro de 2021, que julgou a oposição procedente, extinguindo a execução fiscal, pelo pagamento das dívidas exequendas, por via de compensação de créditos, por discordar da mesma, invocando os seguintes fundamentos:
I – Erro de julgamento da matéria de facto, já que deveria ter ido ao probatório o facto de:
O oponente propôs nova ação no Tribunal Judicial de ... contra os credores, que correu termos por apenso aos autos de insolvência de «BB» sob o nº de processo ....6-N/2002 na qual peticionava que seja reconhecida a propriedade das quantias colocadas à ordem da massa falida de «BB» como sendo suas, que as mesmas não integram a massa falida e, em conformidade se determine que as mesmas sejam separadas e restituídas ao demandante, não tendo havido qualquer oposição à mesma por parte dos credores e por decisão proferida naqueles autos (processo ....6-N/2002) datada de 13/11/2009 foi determinada a separação dos montantes que constavam na massa falida e a sua restituição ao oponente, conforme resulta de fls. 16 do auto de oposição.”
II – Erro de julgamento da matéria de direito, por errada aplicação do artigo 90.º do CPPT, pois que:
Q-O Tribunal a quo deveria ter aferido se se encontravam preenchidos os requisitos legais para que pudesse ser efetuada a compensação de créditos e não o fez, até porque no caso sub judice e salvo o devido respeito por opinião contrária, entende a Fazenda Pública que em face da factualidade inserta nos autos não se encontravam preenchidos os requisitos para que a compensação pudesse ocorrer uma vez que não havia ficado demonstrado que a Administração Tributária era devedora/detentora de qualquer crédito do oponente, uma vez que os valores correspondentes ao total das rendas penhoradas (€ 36.063,20), haviam sido devolvidos na totalidade ao oponente, através do depósito na massa falida (€ 8.685,92 e € 14.269,54), tal como ordenado no despacho judicial proferido no processo de falência nº ....6/2002 do Tribunal Judicial de ... – ... Juízo (que veio a ser restituído ao oponente pela massa falida em 18/10/2010, conforme documento ora junto) e através de restituição pela AT ao oponente (€ 270,00; € 6.184,44 e € 5.575,22, este último valor aplicado no PEF nº ....................717).
R- O tribunal a quo não computou nem levou ao probatório as diligências que a AT havia efetuado e que demonstravam não lhe ter sido devolvido qualquer montante pela massa falida de «BB», cuja integração na matéria de facto se requer, devendo pois a mesma ser ampliada.
S- O Tribunal a quo não podia impor à Administração Tributária a compensação de créditos com créditos que esta não tem, sem diligenciar no sentido de saber se o oponente já havia sido ressarcido no âmbito da ação nº ...6-B/2002 que intentou por apenso aos autos de falência nº ....6/2002, e que efetivamente veio ser devolvido por essa via como se provou, e assim decidir extinguir a execução por pagamento da dívida exequenda, por via de compensação de créditos, isto porque a compensação só opera quando se reúnem efetivamente o crédito com o débito.”
O Oponente «AA» apresentou contra-alegações.
*
Não acompanhamos tal entendimento da recorrente Fazenda Pública.
Na verdade, a recorrente FP diz que as quantias de €8.685,92 e €14.269,54 foram restituídas ao Oponente, mas não foram levadas ao probatório e, como tal, esse facto não foi tido em conta na sentença.
Por outro lado, diz que, nesta data, ou seja, em Abril de 2021, tomou conhecimento que o mesmo Oponente recebeu do Administrador de Insolvência a quantia de €37.000, que integrava aqueles montantes de €8.685,92 e €14.269,54. (nosso negrito e sublinhado)
Ora, em primeira mão, e sem prejuízo das diligências que o tribunal possa efetuar, é às partes que compete levar os factos em discussão perante o tribunal e apresentar as provas que fundamentem os factos por elas invocados.
Se a Fazenda Pública, que era parte interessada na questão, vem dizer que só agora, em Abril de 2021, é que soube que Oponente havia recebido por parte do Administrador de Insolvência, aquelas quantias, como é que pode atribuir a falta desse facto no probatório ao Juiz do TAF do Porto.
Além disso, e de acordo com o constante do probatório, o Oponente, em 19-10-2012, tinha uma dívida de €14.806,32 para com a AT, após ter sido feita a compensação de €5.575,22, sendo credor dessa mesma AT da quantia de €36.063,20, desde 07-07-2004, data da notificação do TAF de ... ao OEF, que estavam a vencer juros, que de acordo com as contas apresentadas pelo Oponente, nas suas alegações, são de muitos milhares de euros.
A verdade é que, na altura em que foi pedida a compensação pelo Oponente, o crédito deste era superior à sua dívida para com a AT, pelo que havia fundamento para que a compensação fosse efetivada e não o foi.
Daí que, o constante da sentença, “Mas ainda que assim não fosse, o certo é que independentemente do destino que a Fazenda Pública desse ao dinheiro, o certo é que à data da instauração da execução contra o oponente este detinha um crédito sobre a Fazenda Pública, pelo que podia haver compensação, como forma de pagamento da dívida, tal como requerido pelo oponente.”, tem toda a razão de ser.
Diga-se ainda que, foi a falta de cumprimento atempado, do decidido pelo TAF de ..., por parte do OEF, que deu origem a este processo, pois, se em 2004, após ter sido notificado da decisão daquele tribunal, o órgão de execução fiscal tivesse restituído a quantia de €36.063,20 que pertencia ao Oponente, como se lhe impunha, nem sequer tinha existido razão ou fundamento para ser pedida a compensação por parte deste.
Além disso, face a essa decisão do TAF de ..., anterior à notificação da AT por parte do ... Juízo do Tribunal Judicial de ..., que apenas se verificou em 27-10-2005, ou seja, mais de um ano depois, o OEF não deveria ter depositado aquelas verbas a favor da massa falida mas sim, entregues ao Oponente, como lhe impunha aquela ordem judicial anterior.
Assim, perante tal factualidade dada como provada, que a nosso ver, se mostra correta, a sentença não incorre nos vícios apontados pelo recurso apresentado pela recorrente, devendo a mesma ser mantida na ordem jurídica, indeferindo-se o recurso.».
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se:
(i) É admissível o documento junto com as alegações de recurso da AT;
(ii) Deve ser aditado à matéria de facto provada o facto que, alegadamente, decorre daquele documento;
(iii) A sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por errada aplicação do artigo 90º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e se
(iv) O Recorrente deve ser condenado como litigante de má fé.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os factos seguintes:
1. Em 21.10.2011 foi instaurado no Serviço de Finanças ... 4 o processo de execução fiscal (PEF) nº ....................717, contra o oponente «AA», com o NIF ...11, por dívida de IRS, do ano de 2010, no montante de €14.806,32 - cfr. fls. 2 e ss.;
2. No processo de embargos de terceiro n.º 103/2004, que correu no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., foi proferida sentença em 06.06.2004, que determinou a restituição ao oponente da quantia de €36.063,20 - cfr. fls. 10 a 14;
3. Pelo oficio ...33, de 07.07.2004, do TAF de ..., o órgão de execução fiscal (OEF) foi notificado daquela decisão que determinou o levantamento das penhoras e a restituição daquele montante ao oponente - cfr. fls. 15;
4. O oponente requereu junto do OEF, em 12.07.2004, a restituição daquele montante - fls. 15;
5. Em Janeiro de 2005 o OEF determinou o levantamento das penhoras - cfr. fls. 14 e ss..
6. Em 15.05.2005 foi devolvido ao oponente, através do cheque n.º ...16 ...24 ..., a quantia de €270,88 relativo a restituição de contribuição autárquica
7. O oponente instaurou execução de julgado da sentença referida que em 04.07.2015 ainda se encontravam pendentes - fls. 7 e ss.;
8. Em 27.10.2005 o Chefe do Serviço de Finanças foi notificado pelo ... Juízo do Tribunal Judicial de ..., processo 16/2002, para “colocar à disposição da Massa Falida, dos autos acima indicados, os fundos que é depositária (…)” – cfr. fls. 53;
9. Em 31.10.2005, o OEF ordenou a transferência para a conta da massa falida, do montante de €8.685,92 - cfr. fls. 54;
10. E depositou, para a referida conta da massa falida, em 30.09.2008, o montante de €14.269,54, referente ao IRS de 1995, 1996 e 1997 de «BB» - cfr. fls. 55;
11. Foi restituído ao oponente o montante de €6.184,44, aplicado em dividas à segurança social (€4.828,80, referente a contribuições, e €1.355,63, relativo a juros de mora), através do cheque n.º ...83, sacado no Banco 1..., levantado pelo oponente em 01.06.2010 - cfr. fls. 56 – cfr. doc. 5;
12. Em 26.09.2011 o oponente requereu ao OEF a compensação de créditos - cfr. fls. 27;
13. No processo de execução fiscal em apreço foi prestada a informação seguinte (fls. 27):
Aos 23.09.2011 o contribuinte solicitou neste Serviço, através de um requerimento, a compensação do crédito, atribuído pelo TAF de ... de ano de 2010, no processo executivo nº ....................717 instaurado em 21-10-2011;
Este Serviço verificou que, no sistema informático não constavam quaisquer créditos a favor do contribuinte requerente;
A disponibilização dos referidos créditos não depende de acção deste Serviço, pelo que se aguardava o processamento dos mesmos para aplicação na dívida de IRS;
Porém, em 14-11-2011 e 25-11-2011 a direcção de Finanças ... (...) deu conhecimento a este Serviço, dos contactos com o Serviço de Finanças de ..., sobre a impossibilidade do processamento imediato dos referidos créditos, pelo que, foi proferido despacho de “suspensão a aguardar anulação” em relação ao processo executivo instaurado neste Serviço, de modo a evitar penhoras ou outras medidas coactivas para cobrança da dívida, sendo esta a única diligência qe, por agora, este Serviço de Finanças pode efectuar.
Verifica-se que no SEFWeb a suspensão do processo se encontra “Inactiva”. Todavia mantêm-se os fundamentos da suspensão, nomeadamente “aguarda processamento de crédito a decisão judicial favorável do Tribunal de ..., no valor de 34.253,56, para compensar a dívida deste processo” pois até esta data não existe em nenhum dos “menus” do Gestão Financeira – Gestão de Créditos o referi[do] valor para aplicar.
14. O montante de €5.575,22 foi aplicado pela AT no PEF nº ....................717 em 19.10.2012 - acordo, conforme resulta do artigo 8, da contestação e do requerimento de fls. 99.
*
Factos não provados: com interesse para a decisão da causa não foram apurados.
*
Motivação.
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, conforme indicado em cada facto.
Os demais factos não considerados resultam da circunstância de se tratar de conclusões, considerações jurídicas ou sem interesse para a decisão da causa.».

3.1.2. Da admissibilidade do documento junto com as alegações de recurso
Segundo dispõe o artigo 651º, nº 1, do Código de Processo Civil, “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Por sua vez, o artigo 425º do Código de Processo Civil expressa que “[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Assim, as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excecional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1ª instância.
Como se esclarece no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8.11.2011, Proc. 39/10.8TBMDA.C1, (disponível www.http://dgsi.pt), relativamente à primeira hipótese, há que distinguir entre superveniência objetiva - em que o documento é produzido após o encerramento da discussão - e subjetiva – em que o documento só posteriormente é conhecido ou acedido pelo sujeito pela parte a quem incumbe a sua apresentação.
A superveniência será subjetiva no caso em que o documento se encontra em poder da parte ou de terceiro, que, apesar de lhe ser feita a notificação, nos termos do artigo 429º ou 432º do CPC só posteriormente o disponibiliza, ou em que a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente é emitida, bem como no caso de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento.
No entanto, cabe à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a referida superveniência, objetiva ou subjetiva.
Conforme adverte Rui Pinto, “[n]o tocante à superveniência subjectiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1.º instância, já que isso abria de par em par a porta a todas as incúrias e imprevidências das partas: a parte deve alegar – e provar – a impossibilidade da sua junção naquele momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. Realmente, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento - cfr. Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra, Almedina, 2018, p. 314.
Em suma, o desconhecimento ou a falta de acesso anterior ao documento deve, portanto, assentar em razões atendíveis, não podendo ser imputável à falta de diligência dos sujeitos, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a exceção que resultam da lei.
Os casos fundados no argumento da necessidade admissíveis estão relacionados com a novidade ou a imprevisibilidade da decisão, com a eventualidade de a decisão ser “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), p. 242.
Sobre esta hipótese alertam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, comentando a norma do artigo 651º, nº 1, do CPC, que [a] jurisprudência tem entendido que a junção de documentos às alegações de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado (cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I - Parte Geral e Processo de declaração – Artigos 1.º a 702.º, Coimbra, Almedina, 2018, p. 786). Mais referem que [n]o que tange à parte final do n.º 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam”.
Resulta daqui que não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma direta e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas.
No caso que nos ocupa, vem pedida a extinção da execução fiscal instaurada contra o Recorrido e a declaração de compensação da dívida exequenda, com fundamento na existência de um crédito seu sobre a AT no montante de €31.472,85, ao passo que a dívida exequenda ascende a €14.001,19.
A Fazenda Pública contestou, alegando que, por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 2004-06- 08, no processo de embargos de terceiro nº 103/2004, foi ordenada a restituição ao aqui oponente da quantia de €36.063,20, referente a rendas penhoradas a «BB»; em 2005-05-14 foi devolvido ao oponente, através de cheque, a quantia de €270,88 relativo a restituição de contribuição autárquica; em 2005-10-31, foi transferida para a massa falida do executado a quem foram penhoradas as rendas a quantia de €8.685,92 e, em 2008-09-30, depositado o montante de montante de € 14.269,54 referente ao IRS de 1995, 1996 e 1997 de «BB»; como também lhe foi restituído o montante de € 6.184,44, restando a quantia de €6.652,43, quantia exequenda € 1.077,21 e juros de mora € 5.575,22, tendo este último valor sido aplicado pela AT no PEF nº ....................717 em 2012-10-19.
Pretende agora a AT juntar aos autos documento comprovativo de que, segundo alega, «(…) nos autos de falência anteriormente citados, […] o oponente foi ressarcido do montante de € 37.000,00, no qual se integra os montantes em questão (€ 8.685,92 e € 14.269,54) (…)».
Sucede que, para além de não ter alegado tal facto – limitando-se a referir, no artigo 14º da contestação, que quanto aos valores entregues pela AT ao processo de insolvência, deveria «(…) o oponente solicitar a sua restituição aos responsáveis pela gestão da massa falida,», também não alega a superveniência objetiva do documento que agora pretende juntar aos autos, consubstanciado numa mensagem de correio eletrónico, alegadamente proveniente do administrador da massa falida de «BB», com data de 7.04.2021, aludindo a um pagamento efetuado em 18.10.2012 ao advogado do falido «BB» e esposa.
Facilmente se percebe que o documento agora apresentado podia ter sido emitido em data muito anterior, uma vez que se reporta a factos ocorridos há muitos anos atrás. Por outro lado, a Fazenda Pública não evidenciou qualquer dificuldade na sua obtenção nem justifica, objetivamente, a impossibilidade de o ter apresentado oportunamente.
É certo que a Recorrente se escuda na existência de «défice instrutório decorrente da atuação do tribunal nos presentes autos»; contudo, o Tribunal apenas está vinculado a diligenciar no sentido de obtenção da prova dos factos que sejam alegados pelas partes, mas sem prejuízo do dever que sobre estas impende de indicar os meios de prova que sustentam os factos que alegam, pois o princípio do inquisitório não pode desvirtuar o ónus probatório que existe, a montante, sobre as partes.
Como resulta do que já vem exposto, as partes apenas podem juntar documentos às alegações de recurso nas situações excecionais em que façam prova de que não lhes foi possível promover essa junção ao processo em momento anterior ou quando essa junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância – é só neste limitadíssimo caso que o princípio da justiça se pode sobrepor ao princípio processual de oferecimento imediato de documentos.
E, para além dos casos em que os documentos a juntar só tenham sido obtidos mais tarde, apesar dos esforços envidados pela parte para promover a sua junção atempada, a junção de documentos só pode ser admitida com as alegações se se mostrar que a mesma foi “imposta” por um facto superveniente ou por que a decisão de facto em 1ª instância assentou em pressupostos com os quais a parte, por mais diligente que tenha sido na instrução do processo com todos os meios de prova, não teve como antever – cfr., neste sentido, o acórdão do STA de 03.06.2020, proferido no processo 02383/07.2BELSB e disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cde1cce84749a4a28025858c005045ec?OpenDocument&ExpandSection=1.
Ora, sem embargo de, como já foi salientado, a AT nunca ter alegado o facto que agora se propõe provar, não descortinamos como era possível à AT/Recorrente não antever que a entrega dos valores (respeitantes a rendas) ao processo de insolvência terceira pessoa, quando já havia sido judicialmente declarado, com transito em julgado, que pertenciam ao ora Recorrido, não a exonerava do dever de cumprir o julgado no processo de embargos. E que, verificando-se o cumprimento (parcial) do julgado em terceira pessoa, era a si (AT) que incumbia regularizar tal situação – que decorreu de erro seu – e, não, ao ora Recorrido. Na verdade, não existe norma legal que permitisse a AT considerar-se desobrigada de cumprir a obrigação junto do Recorrido, conforme determinado por sentença transitada em julgado.
Não obstante, sempre diremos que a declaração/documento apresentado com as alegações não nos permite aferir, com segurança, que provém do administrador da falência do já mencionado «BB», nem que a ação que correu termos sob o Apenso N incluía os valores de €5.357,84 e €14.269,54, que entraram nas contas da massa falida “codificadas como de Recebimento de Rendas de Locação Penhoradas” ou, sequer, que este último valor efetivamente respeitava a rendas e, não, a IRS daquele «BB», dos anos de 1995 a 1997, como consta do ponto 10 do probatório, que não foi impugnado.
Em suma, o documento apresentado com as alegações de recurso da Fazenda Pública relaciona-se com factos que já antes da decisão da 1ª instância a Recorrente tinha consciência de que estavam sujeitos a (alegação e) prova, sem que haja diligenciado pela sua oportuna obtenção e apresentação, pelo que deve rejeitar-se a sua junção.


3.1.3. Ampliação da matéria de facto
Pretende a Fazenda Pública que este Tribunal proceda à ampliação da matéria de facto, porquanto « O tribunal a quo não computou nem levou ao probatório as diligências que a AT havia efetuado e que demonstravam não lhe ter sido devolvido qualquer montante pela massa falida de «BB», cuja integração na matéria de facto se requer».
Sucede que não foi alegada, na contestação, qualquer diligência encetada pelo OEF para que a referida massa falida lhe restituísse os montantes que colocou à disposição desta; pelo contrário, resulta do teor desta peça processual que nada terá sido feito nesse sentido, porquanto ali se defendeu (cfr. artigo 14º da contestação) que «Relativamente aos valores referidos no § 12º e § 13º da presente contestação, (€ 8.685,92 e € 14.269,54) deverá o oponente solicitar a sua restituição aos responsáveis pela gestão da massa falida,».
Nesta conformidade, não é possível proceder ao aditamento almejado pela Recorrente.

3.2. DE DIREITO
A Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, apontando-lhe erro de julgamento e violação do artigo 90º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Vejamos, antes do mais, a fundamentação jurídica que sustenta a sentença sob escrutínio:
«(…)
Equiparáveis ao pagamento e enquadráveis na alínea f) por interpretação extensiva daquela expressão, são as outras formas de extinção da obrigação tributária que se reconduzem a uma transferência patrimonial para o credor, designadamente a dação em pagamento e a compensação, reguladas nos arts. 87, 89 e 90, do CPPT.
A compensação é uma forma de extinção das obrigações que pode ser utilizada quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor (artigo 847, n.º 1 do Código Civil).
De acordo com a norma do artigo 40, da LGT, a compensação de dívidas tributárias é admitida nos casos previstos na lei, ou seja, e no que ora importa, nos casos previstos nos artigos 89 (compensação por iniciativa da administração tributária) e 90 (compensação por iniciativa do contribuinte), ambos do CPPT.
No caso em apreço, estamos perante uma situação de compensação por iniciativa do contribuinte (artigo 90, do CPPT) já que foi o oponente que requereu à administração tributária o pagamento da dívida exequenda pela compensação de créditos.
Estabelece o artigo 90, do CPPT:
“1. A compensação com créditos tributários pode ser efectuada a pedido do contribuinte quando, nos termos e condições o artigo anterior, a administração tributária esteja impedida de a fazer.
2. A compensação com créditos tributários de que seja titular qualquer outra pessoa singular ou colectiva pode igualmente ser efectuada, nas mesmas condições do número anterior, desde que o devedor os ofereça e o credor expressamente aceite.
3. A compensação referida nos números anteriores é requerida ao dirigente máximo da administração tributária, devendo, no caso do número anterior, o devedor apresentar com o requerimento prova do consentimento do credor.
4. (…)”.
Portanto, a compensação de dívidas com créditos tributários pode ser feita, por iniciativa do contribuinte, quando se verificarem os requisitos seguintes: (i) existência de um crédito tributário a favor de um contribuinte de que seja devedora a administração tributária; (ii) esse crédito resulte de reembolso, de revisão oficiosa, reclamação graciosa ou de impugnação judicial, ou outro meio administrativo ou contencioso; (iii) o contribuinte seja simultaneamente devedor de tributos; (iv) o contribuinte formule um pedido no sentido de ser efetuada a compensação - neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, volume I, pág. 735.
Ora, resulta dos autos que por sentença proferida em processo de embargos de terceiro, foi determinada a restituição ao oponente da quantia de €36.063,20 e que a AT determinou o levantamento da penhora das rendas, ao ter conhecimento através da referida sentença que as mesmas eram pertença do oponente.
Também resultou demonstrado que em 27.10.2005 o Chefe do Serviço de Finanças foi notificado pelo ... Juízo do Tribunal Judicial de ..., para colocar à disposição da Massa Falida, daqueles autos, os fundos de que era depositária, tendo o OEF ordenado a transferência para a conta da massa falida, do montante de €8.685,92.
Também se demonstrou que o OEF depositou, em 30.09.2008 o montante de €14.269,54, referente ao IRS de 1995, 1996 e 1997 de «BB» e que foi restituído ao oponente o montante de €6.184,44, aplicado em dividas à segurança social.
Resulta igualmente do probatório que o processo de execução fiscal que deu origem aos presentes autos foi instaurado em 21.10.2011 e que após requerimento feito pelo oponente no referido PEF para que fosse feita compensação de créditos foi efetuada a compensação do montante de €5.575,22, que foi aplicado pela AT no PEF nº ....................717 em 19.10.2012.
Aqui chegados, verificamos que o oponente tem um crédito junto da AT decorrente de sentença judicial, no montante de €36.063,20 e que, posteriormente foi instaurada execução fiscal contra o oponente pelo montante de €14.806,32. Em relação ao crédito do oponente, conforme resulta do probatório não houve restituição, tendo havido apenas uma compensação parcial.
Na verdade, e como resulta do probatório, foram restituídos os valores seguintes: €270,88 relativo a restituição de contribuição autárquica; €6.184,44, aplicado em dividas à segurança social, através do cheque n.º ...83; o montante de €5.575,22 foi aplicado pela AT no PEF nº ....................717 em 19.10.2012.
Estes valores perfazem um montante de €24.032,66 pelo que tendo em conta o valor da dívida exequenda, esta poderia ser compensada.
Todavia, alega a Fazenda Pública que à data da prolação da decisão proferida no processo de embargos já não dispunha da totalidade do valor em porque os montantes de €8.685,92 e €14.269,54 foram entregues à massa falida e sendo posterior a sentença de procedência dos embargos de terceiro a AT não pode devolver valores que já haviam sido restituídos a quem judicialmente os reclamava.
Resulta do probatório que a sentença foi proferida no processo de embargos de terceiro n.º 103/2004, em 06.06.2004 (que determinou a restituição ao oponente da quantia de €36.063,20 - fls. 10 a 14) e que por oficio de 07.07.2004, do TAF de Viseu o OEF foi notificado da daquela decisão, sendo que as transferências em causa, nos montantes de €8.685,92 e €14.269,54, entregues à massa falida, ocorreram em 31.10.2005 e 30.09.2008.
Mas ainda que assim não fosse, o certo é que independentemente do destino que a Fazenda Pública desse ao dinheiro, o certo é que à data da instauração da execução contra o oponente este detinha um crédito sobre a Fazenda Pública, pelo que podia haver compensação, como forma de pagamento da dívida, tal como requerido pelo oponente.
E assim concluímos que existe um crédito tributário a favor do oponente, que, por sua vez, é devedor à administração tributária; esse crédito resulta de processo judicial (processo de embargos de terceiro); o oponente é simultaneamente devedor de tributos; e o oponente formulou pedido de compensação, pelo que se verifica o preenchimento de todos os requisitos do art. 90, do CPPT, impondo-se a compensação de créditos com a consequente extinção da execução fiscal.».
A Recorrente discorda do assim decidido, alegando que o Tribunal a quo deveria ter aferido se se encontravam preenchidos os requisitos legais para que pudesse ser efetuada a compensação de créditos e não o fez. Entende que não se encontram preenchidos os requisitos para que a compensação possa ocorrer, pois a Administração Tributária não é devedora de qualquer crédito ao oponente, uma vez que, em cumprimento da sentença proferida pelo TAF de Viseu no âmbito do processo de embargos de terceiro nº 103/2004, restituiu os valores correspondentes ao total das rendas penhoradas tendo sido os mesmos devolvidos à massa falida, no âmbito do despacho judicial proferido no processo de falência nº ....6/2002 do Tribunal Judicial de ... – ... Juízo e ao oponente. Sendo que a compensação de créditos apenas poderia ser efetuada se os créditos se encontrassem na disponibilidade da Administração Tributária, o que não sucede.
Ora, se é verdade que o Tribunal a quo aferiu a verificação das condições para operar a requerida compensação, também é certo que a Fazenda Pública não alegou (nem provou) que os créditos colocados à disposição da massa insolvente respeitavam todos às rendas penhoradas - aliás, segundo resulta do ponto 10 do probatório, a quantia de €14.269,54€, depositada na conta da massa falida em 30.09.2008, referia-se a IRS dos anos de 1995, 1996 e 1997 de «BB»; portanto, não respeitava às rendas penhoradas. Aliás, cabe notar que, da informação aludida no ponto 13 do probatório, apesar de mencionar que «no sistema informático não constavam quaisquer créditos a favor do contribuinte requerente», não resulta claro que, de facto, tais créditos não existissem.
Por outro lado, tendo o OEF sido notificado, em 07.07.2004, da sentença que lhe ordenou a restituição ao Recorrido da quantia de €36.063,20, por as rendas não pertencerem ao executado a quem foram penhoradas, não se compreende que, em violação do caso julgado, em vez de proceder a essa restituição, tenha entregue parte desses valores a um processo de insolvência que não respeitava ao Recorrido, mas ao terceiro a quem as rendas haviam sido penhoradas, o já mencionado «BB».
Ora, o facto de, alegadamente, a AT não dispor dos valores que entregou à ordem do processo de falência, não a dispensa de entregar ao Recorrido a quantia determinada no processo de embargos de terceiro e, assim, de cumprir a sentença ali proferida.
Conforme resulta da matéria de facto assente, apenas foram “devolvidos” ao Recorrido os valores de €270,88 (em 15.05.2005, relativo a restituição de contribuição autárquica e não das rendas indevidamente penhoradas), €6.184,44 (em 01.06.2010, aplicado em dívidas à segurança social) e €5.575,22 (aplicado em 19.10.2012 para compensação de outra dívida, no PEF nº ....................717), perfazendo o total de 12.030,54, rectius, €11.759,66, pois a quantia de €270,88 não está incluída no valor cuja restituição foi ordenada no processo de embargos, que determinou a ilegalidade da penhora das rendas, por pertencerem ao aqui recorrido e não ao ali executado, nada referindo quanto a restituição de contribuição autárquica. Ou seja, a restituição deste valor, por não respeitar às rendas indevidamente penhoradas, não pode ser considerado para cálculo dos valores “restituídos” em execução da sentença referida.
Mesmo considerando a quantia de €8.685,92, entregue pelo OEF à massa falida do já referido «BB», o valor total das quantias “entregues” ao Recorrido ascenderia, no máximo, a €20.445,58; daí que o valor remanescente de €15.617,62 (€36.063,20 - €20.445,58) era suficiente para pagar o IRS exequendo (e acrescido) de €14.806,32.
Nesta conformidade, a sentença recorrida não viola o disposto no artigo 90º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pelo que vai confirmada, negando-se, também por aqui, provimento ao presente recurso.

3.2.1. Da litigância de má-fé
Por último, importa apreciar se o Recorrido deve ser condenado como litigante de má-fé, pedido que a Recorrente sustenta na conclusão de que aquele pretende receber da AT os valores que já lhe foram entregues pela massa falida do já referido «BB».
Fazendo nossa, com a vénia devida, a fundamentação acolhida no acórdão do STA de 08.01.2020, proc, 0952/18.4BEPRT, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a2a369c286826e41802584f1003fafc9?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1, também afirmamos que:
«Não nos dá o ordenamento jurídico-tributário a noção de litigância de má-fé (sobre as origens, desenvolvimento histórico e âmbito actual do instituto da litigância de má-fé vide António Menezes Cordeiro, Litigância de má-fé, Abuso do direito de ação e Culpa “In agendo”, Almedina, 2016, pág.45 e seg.)., devendo ir buscar-se ao C.P.Civil, o qual se aplica supletivamente (cfr.artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário; artº.104, da L.G.Tributária; artº.122, nº.2, do C.P.P.T.).
Neste campo, o princípio geral a observar, decorrente do próprio direito de acção, consagrado no artº.20, da C.R.P., é o de que o processo deve proporcionar às partes a ampla e incondicionada possibilidade de dirimir, com intensidade, liberdade e abrangência, as suas razões de facto e de direito, segundo um espírito de razoabilidade e equilíbrio, mas igualmente sem inibições ou constrangimentos, que possam advir do receio de futuras penalizações, assentes no entendimento que o Tribunal vier a adoptar sobre os temas em discussão.
Em consonância com o disposto no artº.266-A, do C.P.Civil (cfr.artº.8, do actual C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) o qual impõe às partes o dever geral de probidade, estatui o artº.456, nº.1, do mesmo diploma legal (cfr.artº.542, nº.1, do actual C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) que será condenado em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir, o litigante de má-fé.
Na descrição da figura do litigante de má-fé, o texto legal diz-nos que se deve considerar como tal aquele que actuando com dolo ou negligência grave (cfr.artº.542, nº.2, do C.P.Civil; José Alberto dos Reis, C.P.Civil Anotado, II, 3ª. Edição-Reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág.263; António Menezes Cordeiro, Litigância de má-fé, Abuso do direito de ação e Culpa “In agendo”, Almedina, 2016, pág.63 e seg.):
1-Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (modalidade de dolo ou negligência grosseira substancial);
2-Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factualidade relevante para a decisão da causa (modalidade de dolo ou negligência grosseira substancial);
3-Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou use o processo ou os meios processuais de forma manifestamente reprovável (modalidades de dolo ou negligência grosseira instrumental).
O dolo ou negligência grosseira/grave substancial dizem respeito à relação material ou de direito substantivo, enquanto o dolo ou negligência grosseira/grave instrumental dizem respeito à relação jurídico-processual. No primeiro caso o litigante visa a obtenção de decisão de mérito que não corresponda à verdade e à justiça. No segundo a parte procura cansar o seu adversário, somente pelo espírito de fazer mal, ou na expectativa condenável de o desmoralizar, de o enfraquecer, de o levar a uma transacção injusta.
Na base da má-fé encontra-se o seguinte vector essencial: consciência de não ter razão. É necessário que as circunstâncias do caso induzam o Tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 5/06/2000, rec.24971, Ac.Dout., nº.466, pág.1302 e seg.; ac.S.T.A.- 2ª.Secção, 9/08/2006, rec.690/06; ac.S.T.A.- 2ª.Secção, 1/06/2015, rec.726/15).
O instituto da litigância de má-fé deve ser, nesta perspetiva, reservado, em moldes relativamente apertados, para as condutas processuais inequivocamente inadequadas ao exercício de direitos ou à defesa contra pretensões, assentando num critério semelhante ao que se encontra subjacente à figura do abuso de direito que se situa apenas no âmbito dos direitos substantivos e está genericamente consagrada no artº.334, do C.Civil. Com o instituto da litigância da má-fé pretende-se, pois, acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo Tribunal e pela própria Justiça (cfr. Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, pág.368 e seg.; Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, pág.193 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.311 e seg.).».
Assim, no âmbito do contencioso tributário, como decorre do nº 2, do artigo 104º da LGT O sujeito passivo poderá ser condenado como litigante de má fé, nos termos da lei geral»), é, portanto, aplicável o regime acabado de expor.
Ora, na situação vertente, como ressalta do que já evidenciámos supra, a invocação da litigância de má fé pelo Recorrido resulta de um facto (pretensão de recebimento de valores em duplicado, pela massa insolente de «BB» e pela AT) que, para além não ter sido alegado na contestação, não está adquirido nos autos como correspondendo à realidade.
Daqui decorre, portanto, que não se verifica o pressuposto factual em que a Recorrente assenta a sua alegação e, nessa conformidade, manifestamente, não é possível a pretendida condenação, improcedendo o recurso igualmente nesta parte.

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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – Deve ser rejeitado o documento, junto com as alegações de recurso, se está relacionado com factos que, por um lado, não foram oportunamente alegados e, por outro, já antes da decisão da 1ª instância a Recorrente tinha consciência de estarem sujeitos a (alegação e) prova, sem que haja diligenciado pela sua oportuna obtenção e apresentação.
II – Não tendo sido alegada, na contestação, qualquer diligência encetada pelo OEF para lhe serem restituídos, por terceiros, os montantes que colocou sua à disposição, não é possível dá-las como provadas e proceder ao correspondente aditamento ao elenco dos factos provados.
III - O facto de, segundo alega no recurso, a AT não dispor dos valores que entregou à ordem do processo de falência de terceira pessoa, não a dispensa de entregar ao Recorrido a quantia determinada no processo de embargos de terceiro e, assim, de cumprir a sentença ali proferida.
IV - Se a invocação da litigância de má fé pelo Recorrido resulta de um facto (pretensão de recebimento de valores em duplicado, pela massa insolente de terceiro e pela AT) que, para além não ter sido alegado na contestação, não está adquirido nos autos como correspondendo à realidade, não se verifica o pressuposto factual em que a Recorrente assenta a sua alegação e, nessa conformidade, não é possível a pretendida condenação.


4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 11 de março de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 1ª Adjunta
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 2ª Adjunta