Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00029/08.0BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 11/25/2021 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Tiago Miranda |
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Descritores: | MÉTODOS INDIRECTOS, ERRO NOS PRESSUPOSTOS DA DECISÃO DO PROCEDIMENTO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL |
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Sumário: | I – Assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, mais propriamente na decisão do respectivo Director de Finanças, é nesse acto final que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária. II – Contudo, nada obsta a que os requisitos da fundamentação, no que respeita à decisão final do procedimento de revisão, sejam encontrados no RIT e ou em pareceres pregressos. Aliás, isso é expressamente salvaguardado no artigo 77º nº 1 da LGT, cuja aplicação em caso de fixação da matéria tributável por métodos indirectos os nºs 4 e 5 do mesmo artigo, por compatíveis, não prejudicam. III – Não são suficiente prova da discrepância entre o valor declarado de trespasse de uma determinada farmácia e o seu valor de mercado, nos termos e para os efeitos da conjugação dos artigos 74º nº 3, 87º alª b) e 88º d) da LGT, notícias e artigos de opinião dos meios de comunicação social, pareceres e mesmo estudos científicos de avalisada instituição académica acerca do valor de trespasse da farmácia em abstracto, em Portugal, designadamente uma fórmula matemática a aplicar ao volume de negócios (vg. volume de negócios x 1,5) antes é necessário à AT coligir e provar (também) factos integrantes das circunstâncias objectivas e subjectivas do estabelecimento e do negócio, dos quais resulte a confirmação desse valor ou outro valor de mercado efectivamente discrepante com o declarado.* * Sumário elaborado pelo relator |
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Recorrente: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Recorrido 1: | A. |
Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 19 de Março de 2015, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial movida por A., NIF (…), com domicílio Fiscal na Rua (…), contra a liquidações adicional de IRS do ano de 2003 e juros compensatórios, no valor total de € 837.007,03, de que de que resultou o valor global a pagar de € 793.789,54, após compensação da liquidação anterior com o n.º 2004 5003053928, referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respectivos juros compensatórios. As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões: CONCLUSÕES: A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida em 19.03.2015 pelo Douto Tribunal a quo, que julgou procedente a impugnação contra a liquidação adicional do exercício de 2003, nº 2007 5004567762, de que resultou o valor global a pagar de €837.007,03, referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respectivos juros compensatórios, B. a qual após compensação da liquidação anterior com o n.º 2004 5003053928, originou a emissão da nota de demonstração de acerto de contas n.º 2007 00001307168, no montante total a pagar de € 793.789,54, com data limite de pagamento de 19-12-2007. C. Considerou a douta sentença de que se recorre, procedente a Impugnação sub judice por entender que, na sequência da invocação pela impugnante/recorrida do vício de fundamentação da liquidação e falta de verificação dos pressupostos que permitem o recurso a métodos indirectos na avaliação da matéria tributável, não subsiste o fundamento/critério utilizado pelos Serviços de Inspecção Tributária. D. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos e ausência da análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, e consequentemente, erro na aplicação do disposto nos artigos 74º, 75º, 87º, 88º e 90º, todos da LGT e art. 100º, nº 3 do Cód. Procedimento e de Processo Tributário. E. Os Serviços de Inspecção Tributária (doravante, SIT) aquando da acção de inspecção efectuada a coberto da Ordem de Serviço n.º O1200605500, de âmbito geral ao exercício de 2003, pela necessidade de análise de trespasse de farmácia ocorrida no ano de 2003, concluíram que estavam reunidos os pressupostos necessários à aplicação dos métodos de avaliação indirecta para a determinação da matéria tributável, em sede de IRS e quanto ao exercício de 2003, pela impossibilidade de comprovar e quantificar de forma directa e exacta os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, porquanto consideraram que, “dados os contornos da operação, tendo sido declarado um valor de trespasse no montante de, 349.158,00€, substancialmente inferior ao valor de mercado, vemos impossibilitada a comprovação e quantificação directa e exacta de todos os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, à luz da al. d) do art. 88º da Lei Geral Tributária, pelo que proceder-se-á à avaliação indirecta da matéria tributável, à luz do disposto nos art. 87º b) do mesmo diploma legal e art. 39º do Código do IRS. (cfr. ponto 5 dos Factos Provados, pág. 7 da decisão). F. Estamos perante o apuramento de uma mais-valia em sede de Categoria B de IRS, regime geral de tributação, derivada de um trespasse. G. A norma de incidência objectiva que sujeita a tributação a mais-valia obtida é o art. 2º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea c) do CIRS, e o próprio art. 2º, n.º 2, alínea c) do CIRS remete expressamente para o conceito de mais e menos valias do art. 43º do CIRC, H. Sendo certo que o art. 32º do CIRS contém uma norma remissiva genérica para a determinação de rendimentos empresariais e profissionais, que deverão seguir as regras estabelecidas no Código de IRC. I. E na quantificação dos rendimentos, subsidiariamente, como ficou supra exposto, é legítimo o recurso a métodos indirectos. J. Com efeito, a impugnante atribuiu ao trespasse, o valor de €349.158,00, nele incluindo o estabelecimento referido com todos os seus pertences, designadamente, móveis, utensílios, balcões, máquinas, mercadorias, respectivas licenças, alvará e o direito ao arrendamento. K. Ou seja, na contabilidade do sujeito passivo, os Serviços de Inspecção Tributária verificaram que o valor de realização da venda da farmácia, no total de 349.158,00€, é composto por três verbas: o valor líquido do Imobilizado Corpóreo à data do trespasse, no montante de 21.918,00€, o valor das Mercadorias existentes na farmácia no montante de 193.134,00€ e o valor do Imobilizado Incorpóreo/Alvará no montante de 134.106,00€. L. O que leva à conclusão incontestada de que o valor do imobilizado incorpóreo, que inclui o valor do alvará, mas também a clientela, foi quantificado em €134.106,00, retirando credibilidade à escrita da impugnante e, inviabilizando a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, no que concerne ao apuramento da respectiva mais-valia. M. Por outro lado, no exercício de 2002, o volume de negócios do sujeito passivo, respeitante exclusivamente a venda de mercadorias, ascendeu ao montante de € 1.406.655,28. N. Tal valor de trespasse, materializa assim, uma manifesta discrepância entre esse valor declarado e o valor de mercado do trespasse, o qual, de acordo com o conhecimento existente de operações da mesma natureza, nunca é inferior a 1,5 vezes o volume de negócios do exercício imediatamente anterior ao da celebração do contrato, podendo este factor ser maior em função designadamente da capacidade de obtenção de lucros e da localização do estabelecimento comercial. O. A correcção à matéria tributável encontrada tem por base o indicador/coeficiente de “1,5”, multiplicado pelo volume de negócios declarado pela impugnante no exercício imediatamente anterior à data de realização do contrato de trespasse, de € 2.109.983,00. P. Tendo por referência o que se deixou expresso, e também partindo da análise da declaração de rendimentos da Impugnante, a omissão de proveitos ao resultado líquido da Categoria B de IRS, consubstanciada pela divergência quantitativa entre o valor de mercado e o valor constante do contrato de trespasse do estabelecimento que constituía o património comercial da Impugnante, encaminha, por si só para a impossibilidade de apuramento da matéria tributável de forma directa e exacta. Q. E, vigorando no ordenamento jurídico o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, o recurso aos métodos indirectos assume carácter subsidiário e excepcional, na medida em que, nos termos do art. 75º da LGT, se presume a veracidade dos elementos de escrita e dos elementos e apuramentos declarados, caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei comercial e fiscal, a não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte. Neste sentido, Acórdão do TCAN de 26/01/2006, recurso nº 00381/04. R. Nesta conformidade, cremos que se encontra plenamente justificado o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável, com recurso a métodos indirectos ou presuntivos, embora tendo em atenção a situação específica da farmácia trespassada, nomeadamente o volume de negócios e o valor atribuído ao imobilizado e às existências. S. As correcções à matéria tributável foram efectuadas em conformidade com a alínea b) do art. 87º, alínea a) do art. 88º ambos da LGT e art. 39º do CIRS, na redacção vigente à data, normas que regulam a realização da avaliação indirecta, por impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, sendo entendimento dos SIT que o valor declarado do trespasse é manifestamente inferior ao valor de mercado. T. Preceitua a alínea b) do art. 87° da LGT, actual n°1, alínea b), que a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto. U. Dispõe o art. 88°, alínea d), do mesmo diploma, que no caso de impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de métodos indirectos, pode resultar da existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativa maior do que a declarada (cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03-07-2012, proc. Nº 04397/10 e de 11-06-2013, proc. Nº 06122/12) V. Quanto à alegada errónea quantificação da matéria tributável, cabe notar que compete à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indirectos, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, não em meras suspeitas ou suposições. W. Ora, afigura-se-nos que o Relatório de Inspecção Tributária apresentou de forma objectiva e coerente os critérios que utilizou na determinação da matéria tributável, designadamente, ao quantificar o valor do trespasse da farmácia em 1,5 do volume de negócios do ano de 2002. X. Efectivamente, o valor calculado para o referido trespasse mostra-se aceitável e ponderado, tendo a Administração Tributária, de acordo com o conhecimento de operações da mesma natureza, entre outras situações, diligenciado no sentido de aferir do valor de mercado do trespasse. Y. Para a Administração Fiscal encontrar aquele montante, foram determinantes as circunstancias específicas descritas no Relatório de Inspecção (cfr. ponto 5 dos factos provados), designadamente: Um parecer dado pela Associação Nacional de Farmácias (ANF), aos Serviços do Ministério Público, segundo a qual, o critério orientador do trespasse é o valor anual das vendas, acrescido de 50% e do valor do stock ao preço de custo; No resultado do estudo efectuado pela Universidade Católica a pedido da Autoridade da Concorrência, tendo como objecto a análise da situação concorrencial no sector das farmácias; Um parecer emitido na sequência de uma peritagem colegial solicitada pela 9ª Vara do Tribunal Cível do Porto, do qual consta que para se calcular o valor de transacção de uma farmácia deve multiplicar-se o volume de vendas por 150% a 200%, em que o citado processo consubstancia o diferendo entre promitentes compradores e vendedores de uma Farmácia; Bem como nos dados retirados da comunicação social e outros excertos publicados nas páginas electrónicas difundidas através da Internet. Z. Assim, na aplicação do coeficiente mínimo – valor mínimo divulgado – a AT teve em conta a informação prestada pela Associação Nacional de Farmácias, representativa do sector, mas também o volume de negócios específico da farmácia, o valor declarado pelo sujeito passivo para as existências, e o valor que deve corresponder ao valor de mercado do alvará e licenças. AA. Situação que, de entre várias possibilidades, nomeadamente a possível utilização de outro factor (2,0 ou 2,5) ou de acréscimo do valor de stocks de mercadorias ao preço de custo, optou por aquele que se mostra mais favorável à impugnante (cfr. ponto 5 dos factos provados). BB. A determinação da matéria tributável por métodos indirectos teve em atenção a al. h) do n.º 1 do art.º 90º da LGT, que refere que o valor de mercado de bens e serviços, como índice a ter em conta na metodologia indirecta. CC. Por definição, o contrato de trespasse titula a transmissão de um conjunto de bens e direitos corpóreos e incorpóreos susceptíveis de constituírem uma unidade jurídica e económica tendente ao desenvolvimento de actividade económica com mote lucrativo, que inclui não só as mercadorias, mobílias, utensílios, equipamentos, alvará e licenças, mas ainda a carteira de clientes, o aviamento ou clientela, a localização, o bom nome, ou reputação, a possibilidade de desenvolvimento e crescimento, etc. DD. Como vem demonstrado no relatório de inspecção, o valor atribuído ao trespasse pela Impugnante, em pouco ultrapassa o valor do imobilizado e das existências, deixando de fora praticamente todos os direitos incorpóreos, que, normalmente, têm até mais valor que os corpóreos, nomeadamente o alvará, sem o qual o estabelecimento não pode sequer funcionar. EE. Sendo o trespasse a transmissão de um conjunto de bens corpóreos e incorpóreos, relativamente aos corpóreos a AT aceitou os valores apurados pelo sujeito passivo, mas relativamente aos incorpóreos, como é o caso do alvará e demais licenças, o valor atribuído pelo sujeito passivo, é totalmente desfasado do valor de mercado, sendo este bem, o alvará, um elemento essencial e valioso, sem o qual a farmácia não poderia funcionar. FF. Ou seja, operou-se efectivamente a transmissão de uma universalidade de direito susceptível de constituir um ramo de actividade. GG. A utilização do referido método pelos SIT, traduz-se no recurso a elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência, orientados por critérios de razoabilidade e normalidade, conduzem à extrapolação de outros desconhecidos que fundamentem o juízo valorativo extraído da mesma. HH. Cumpre salientar que as características concretas do estabelecimento foram ponderadas, designadamente a antiguidade do imóvel, a sua dimensão, a clientela consistente e a distância que o separa de outros estabelecimentos de farmácia, os quais têm influência directa no volume de facturação do estabelecimento de farmácia. II. Os requisitos de facto e de direito para a aplicação de métodos indirectos mostram-se preenchidos e a quantificação efectuada com base nessa metodologia, de acordo com as informações recolhidas e normalmente aceites para o sector de actividade das farmácias, é adequada à tributação do rendimento presumivelmente real. JJ. No caso concreto, o volume de negócios do ano de 2002, ascendeu ao montante de €1.406.655,25, pelo que o valor a atribuir ao trespasse, multiplicando este montante pelo factor 1,5, deveria ser no mínimo de €2.109.983,00, substancialmente superior ao declarado de €349.158,00. KK. Atente-se que, o valor do trespasse declarado, retirado o valor atribuído ao imobilizado e às existências, foi de 134.106,00€. LL. A AT demonstrou claramente a falta de correspondência entre o teor da declaração e a realidade, concretizada no valor de mercado do trespasse do estabelecimento de farmácia, sendo certo que, o conceito de valor de mercado é relevante, em sede de aplicação de métodos indirectos, em dois momentos distintos: como critério aferidor de anomalia que inviabiliza o apuramento da matéria tributável, impossibilitando a comprovação e quantificação directa e exacta desse apuramento (art. 88º, alínea d) da LGT) e como suporte da quantificação da matéria tributável por métodos indirectos. MM. Assim, ficou devidamente demonstrada a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, encontrando-se reunidos os pressupostos mencionados na al. b) do art.º 87º e na al. d) do art.º 88º, ambos da LGT, conducentes à avaliação indirecta. NN. Justificado porque demonstrado e verificado por parte da AT, que o recurso a métodos indirectos é a única forma de calcular a matéria colectável, face aos elementos fornecidos pela contribuinte, cabe a esta o ónus da prova da ilegitimidade do acto, seja por erro nos pressupostos, seja por erro na quantificação (cfr. Acórdão do TCA Norte, de 25.01.2007, processo n.º 00235/04.7BEPNF). OO. Ora, a Impugnante não demonstrou outro valor que pudesse ou devesse ser atribuído ao alvará, ou ao trespasse no seu conjunto, sendo certo que também não vem demonstrado que o valor que praticou corresponde ao valor normal de mercado em situações idênticas. PP. O enquadramento legal dos casos de determinação da matéria tributável por métodos indirectos com previsão no art. 74.º n.º 3, da LGT procede a uma clara distribuição do ónus da prova, entre os envolvidos e interessados nessas situações, no sentido de competir à AT a verificação dos pressupostos da aplicação desses métodos - que, nos termos do art. 81.º n.º 1 LGT, só pode proceder a avaliação indirecta da matéria tributável “nos casos e condições expressamente previstos na lei” - e de caber ao sujeito passivo o encargo da prova do excesso da respectiva quantificação. QQ. A metodologia proposta e seguida é coerente e consistente na determinação da situação tributária em questão, tanto mais que o coeficiente utilizado foi o menor dos normalmente indicados, que variam entre 1,5 e 2,5, e o valor determinado acha-se aceitável e ponderado, tendo a Administração “de acordo com o conhecimento existente de operações da mesma natureza” diligenciado para aferir do valor do trespasse, atenta a forte valorização atribuída aos referidos trespasses e que é de divulgação pública, assentes nos princípios da lei da procura e da oferta, pelo que, a prova produzida e os factos considerados pelo Tribunal foram erradamente valorados. RR. A fundamentação, de facto e de direito, constante do Relatório de Inspecção Tributária é de molde a sustentar a correcção à matéria tributável por ela efectuada, uma vez que, a manifesta discrepância verificada entre o valor declarado e o valor de mercado é motivo suficiente para afastar a forma de tributação directa e proceder-se à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos em harmonia com as citadas disposições legais. SS. A decisão do Tribunal a quo peca na análise concreta e especificada da factualidade, não patenteando a conformidade completa entre a realidade dos factos e as razões da decisão, padecendo a sentença em análise de erro no seu julgamento, porquanto os factos tidos como assentes, bem como a prova produzida nestes autos, impõem decisão diversa da que foi proferida pelo douto Tribunal a quo. TT. Tendo em conta o disposto no n.º 3 do art.º 74º da LGT, compete à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos para a aplicação de métodos indirectos, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, pelo que, neste sentido, com o devido respeito, apenas pode resultar interpretação distinta da efectuada pelo Tribunal a quo. UU. Não se verificando as apontadas ilegalidades, inexistem os motivos conducentes à anulação do acto tributário de liquidação, devendo este permanecer na sua estabilidade e vigência no ordenamento jurídico. VV. Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, em violação do disposto nos artigos 74º, 75º, 87º, 88º e 90º, todos da LGT e art. 100º, nº 3 do Cód. Procedimento e de Processo Tributário. Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências. Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação. Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir. II - Âmbito do recurso e questão a decidir Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações. Então, a questão a resolver por este tribunal de apelação consiste em saber se o Tribunal recorrido errou no julgamento em matéria de facto e de direito ao concluir que a AT não invocou nem provou factos concretos demonstrativos da reunião dos pressupostos legais alegados – artigo 87º alª b) em conjugação com o artigo 88º alª b), ambos da LGT – para o recurso aos métodos indiciários na fixação da matéria colectável de IRS, ano de 2003, da Recorrida. III – Apreciação do Recurso A decisão recorrida em matéria de facto é redutível à transcrição seguinte: . Factos Provados: 1. Por contrato denominado “trespasse”, formalizado por escritura pública, celebrada no dia 30.6.1988, a impugnante adquiriu o trespasse do estabelecimento comercial de farmácia, instalado no rés-do-chão do prédio sito na Rua (…), pelo preço de Esc. 5.000.000$00 (doc. nº 1, junto com a p.i.). 2. Por contrato denominado “trespasse”, formalizado por escritura pública, celebrada no dia 21.3.2003, a impugnante deu de trespasse, a S., Lda o estabelecimento comercial de farmácia, denominado Farmácia (...), instalado no rés-do-chão do prédio sito na Rua (…), pelo preço de € 349.158,03 (doc. nº 2, junto com a p.i.). 3. Declarou a impugnante, na escritura referida em 2., que o estabelecimento é alienado com todos os seus elementos, designadamente móveis, utensílios, alvará, licenças e direito ao arrendamento. 4. A impugnante foi objecto de uma inspecção tributária, em sede de IRS, ao exercício de 2003, ordenada pela ordem de serviço nº OI200605500 e motivada pela análise de trespasse de farmácia, constante de listagem proveniente da Direcção de Finanças de Lisboa (cf. relatório de inspecção, constante do PA). 5. Em resultado da inspecção, foi elaborado relatório, em 3.7.2007, o qual se considera aqui integralmente reproduzido, onde se decidiu pela aplicação de métodos indiciários, com a seguinte fundamentação, constante do relatório: «(…) De acordo com o conhecimento existente de operações da mesma natureza, o valor do direito do Trespasse de um estabelecimento de farmácia, é definido normalmente em função do valor anual de vendas, sendo que a prática existente faz realçar como critério orientador do valor de trespasse, o valor anual de vendas acrescido de 50% e do valor de stock ao preço de custo. Veja-se o seguinte: - A Associação Nacional de Farmácias, em parecer dado aos Serviços do Ministério Público, refere que “O valor de trespasse das farmácias é definido normalmente em função do valor anual de venda, sendo que o critério orientador do valor do trespasse é, pela prática existente no sector, “o valor anual de vendas acrescido de 50% e do valor de stock ao preço de custo” (Anexo 1). - Em estudo efectuado pela Universidade Católica a pedido da Autoridade da Concorrência tendo como objecto a análise da situação concorrencial no sector das farmácias, vem na página 58 e 59, referir: “A elevada rentabilidade das farmácias traduz-se, como seria de esperar, numa elevada valorização. Embora não tendo conseguido obter informação sistemática sobre esta matéria, a informação sobre casos pontuais a que tivemos acesso aponta para que a prática habitual no sector seja a de estabelecer o valor das farmácias com base em múltiplos do seu volume de negócios. Estes múltiplos variam de caso para caso, mas parece não ser invulgar que se aproximem das 2 unidades e, em alguns casos, ultrapassem este valor. Mesmo admitindo um múltiplo de 1, que tudo leva a crer corresponder a uma forte sub- estimação dos valores praticados no sector, o valor das 2663 farmácias existentes em Portugal, tomando como representativos os valores médios apurados pela ANF com base em dados contabilísticos de 2003, seria de 3,3 mil milhões de euros. Este valor corresponde a 2,5% do PIB português daquele ano e sensivelmente, a cotações actuais, ao valor conjunto de Modelo Continente SGPS e Jerónimo Martins SGPS. Para um múltiplo de 1,5, que parece estar mais próximo dos valores que se praticam no mercado e mais consistente com os elementos contabilísticos disponíveis, o valor das farmácias portuguesas ascenderia a 5 mil milhões de euros, ou seja, 3,8% do PIB de 2003. Na Euronext Lisbon, só a Portugal Telecom, a EDP e o BCP têm uma capitalização bolsista que ultrapasse este montante.” (Anexo 2) - Também numa avaliação feita a propósito do processo 55/02 da 9ª Vara – 2ª Secção do Tribunal Cível do Porto, por três peritos, estes referem a páginas 230 (Anexo 3) desse processo que “Para se calcular o valor da transacção de uma farmácia deve multiplicar-se o volume de vendas por 150% a 200%”. Este processo judicial resultou dum diferendo entre os promitentes compradores e vendedores de uma farmácia cuja transacção se não chegou a realizar entre esses intervenientes. - No blog saudesa.blogspot.com (Anexo 4) pode ler-se que “As restrições impostas por lei à abertura de novas farmácias, fazem com que o seu trespasse atinja vários milhões de euros”. Aí também se pode ler que, segundo Vital Moreira, “a valorização especulativa e o enriquecimento indevido proporcionado pelas restrições à abertura de farmácias, criando verdadeiros monopólios territoriais com rendosos volumes de negócios e elevados níveis de lucros”, traduzem os valores envolvidos. Ainda segundo este blog “A mudança das regras de acesso ao estabelecimento de novas farmácias não consta das prioridades do programa de governo”. - Recorrendo ainda à comunicação social, desta vez aos media dedicados à economia, mais concretamente ao Jornal de Negócios de 12/9/2005 (Anexo 5), “…por inexplicáveis razões de saúde pública que a ANF invoca regularmente, (qualquer cidadão) não pode ser dono de uma farmácia, a menos que seja farmacêutico. É por isso que o valor do trespasse de uma farmácia atinge somas avultadas. E é por isso que a abertura de novas farmácias é regulada apertadamente para proteger os interesses dos que já estão instalados.” É pelos factos relatados e outros que estamos em presença de um negócio com muita procura e pouca oferta, por ser escasso, o que implica inevitavelmente o pedido de valores significativos por parte dos proprietários destes negócios. - O Jornal de Notícias de 01/8/05 (Anexo 6) faz mesmo referências várias a preços praticados mas também à fórmula de cálculo do respectivo preço para as transacções de farmácias. Assim, naquela publicação, no meio de um extenso texto dedicado ao tema dos elevados preços praticados na alienação destes negócios pode ler-se que “O cálculo do preço de uma farmácia resulta da multiplicação do valor de facturação pelo factor venda. E este, explica a fonte do sector imobiliário, é geralmente 2, mas pode variar entre 1,5 e 2,5”. 3) Fundamentação para aplicação de métodos indirectos 7 Face ao exposto, para o cálculo do preço da farmácia em questão, considerando que o valor desta transacção corresponde ao produto do volume de negócios do ano anterior pelo coeficiente 1,5, estima-se que o mesmo ascenderia no mínimo a valor de 2.109.983,00€. O artigo 87° alínea b) da LGT (Lei Geral Tributária) pressupõe que a avaliação indirecta só pode efectuar-se mediante a impossibilidade da determinação directa e exacta da matéria tributável. Por sua vez, o artigo 88° da mesma lei, diz que a impossibilidade da determinação directa e exacta da matéria tributável para efeitos do referido na alínea b) do art. 87°, pode resultar de várias anomalias, sendo que a prevista na sua alínea f) refere a existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens e serviços. Nestes termos, dados os contornos da operação, tendo sido declarado um valor de trespasse no montante de 349,158,00€, substancialmente inferior ao valor de mercado, vemos impossibilitada a comprovação e quantificação directa e exacta de todos os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, à luz da al. d) do art. 88° da Lei Geral Tributária, pelo que proceder-se-á à avaliação indirecta da matéria tributável, à luz do disposto no art. 87° b) do mesmo diploma legal e art. 39° do Código do IRS. V - CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS 1- Cálculo da correcção do valor do Trespasse Como foi já anteriormente referido, foi efectuado um contrato de Trespasse pelo preço de 349.158,00€ que se encontra pago, incluindo todos os pertences do estabelecimento, designadamente, móveis, utensílios, balcões, máquinas, mercadorias, respectivas licenças, alvará e o direito ao arrendamento. No exercício de 2002, o volume de negócios do sujeito passivo, respeitante exclusivamente a venda de mercadorias, ascendeu ao montante de 1,406.655,2 €. Considerando que o valor desta transacção corresponde ao produto do volume de negócios do ano anterior pelo coeficiente 1,5, foi no mínimo pelo valor de 2.109.983,00€, como se demonstra: (1) Volume de Negócios – 2002: 1.406.655,28 (2) 1,5 x Volume de negócios (valor de mercado do trespasse): 2.109.983,00 (3) Valor declarado pelo sujeito passivo: 349.158,00 (4) Acréscimo a efectuar = (2)-(3): 1.760.825,00 2- Correcções em sede de IRS No quadro que se segue é apurado o Lucro Tributável da actividade exercida no ano 2003, tendo em conta o valor estimado do Trespasse do estabelecimento: Correcção aos proveitos: 1.760.825,00 Lucro tributável declarado: 136.494,10 Lucro tributável proposto: 1.897.319,10». 6. Nas freguesias contíguas àquela em que se situa a Farmácia (...), existem farmácias (depoimento das testemunhas, V. e C.). Factos não Provados: Nada mais se provou com relevância para a decisão a proferir. Motivação: A convicção do tribunal baseou-se nos documentos constantes do processo administrativo junto aos autos, bem como na prova testemunhal produzida e analisados criticamente à luz das regras da experiência. O facto provado sob o número 6., alegado pela impugnante, foi sustentado pelo depoimento prestado pelas testemunhas, V. e C., respectivamente anterior e actual titular da sociedade que detém o estabelecimento comercial de farmácia, que demonstraram conhecimento dos factos relativos à situação em apreço.» Aditamento á matéria de facto provada: Usando do poder conferido pelo artigo 662º nº 1 do CPC, e uma vez que os autos contêm elementos suficientes para tal, aditamos aos factos julgados provados na sentença recorrida, os seguintes, necessários para a apreciação e a decisão da causa: 7. Com base nas conclusões do relatório inspectivo sobredito, um delegado do Director de Finanças, por decisão de 4/7/07, alterou o valor dos rendimentos em 2003 da Recorrida, tributáveis em IRS, para 1 897 319,10 €. Cf. Doc. 1 da Petição e o P.A. apenso. 8. Em 7 de Agosto de 2007 a Recorrida apresentou o pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, no valor de 1 760 825 €, pedido cujo teor no doc. 1 e no P.A. aqui se dá como reproduzido. Cf. P.A. e doc. 1 junto com a Petição. 9. Em 14 de Setembro de 2007 decorreu a reunião dos peritos indicados pela Requerente e pela AT, os quais não chegaram a acordo, pelo que emitiram os seus pareceres individuais, nos seguintes termos: O perito da Recorrida: “A., na qualidade de Vogal desta Comissão e Perito da Contribuinte não me conformando, com o devido respeito, pela opinião do Sr. Perito da Fazenda Pública, entendo que não deve haver lugar a correcção alguma ao valor da matéria tributável em IRS do exercício de 2003, apurada pela Administração Fiscal por métodos indirectos, isto, pelas razões já apresentadas no pedido de revisão da Matéria Colectável, as quais aqui dou por integralmente reproduzidas, nomeadamente “não teve a Administração em atenção as condicionantes do próprio negócio” nem quis utilizar o levantamento do sigilo bancário que lhe foi proposto”. O Perito da AT “(…) Após análise e discussão dos elementos constantes do processo, designadamente o relatório de inspecção tributária e o pedido de revisão apresentado pelo sujeito passivo, verifico que: 1. Subsistem motivos que justificam o recurso a métodos indirectos de avaliação, já que se encontram verificados os pressupostos legais estabelecidos para a sua aplicação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 87° - alínea b), 88° - alínea d) da Lei Geral Tributária (LGT). 2. Com efeito, a manifesta discrepância verificada entre o valor declarado e o valor de mercado é motivo suficiente para afastar a contabilidade, como não merecedora de crédito, constituindo, por isso, fundamento válido para afastar a forma de tributação directa e proceder-se à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos em harmonia com as citadas disposições legais. 3. Na verdade, o Relatório de Inspecção apresenta fundamentos que são conducentes à verificação de uma manifesta discrepância entre o valor declarado para o trespasse e o correspondente valor de mercado, face às informações e elementos já conhecidos e escritos, cujo montante não é inequivocamente conhecido e, por conseguinte, inviabiliza a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável. 4. Assim, perante esta impossibilidade, a metodologia proposta e seguida pela Inspecção é legal, pois teve em conta o disposto na alínea h) do nº 1 do art° 90º da LGT, uma vez que contempla a determinação da matéria tributável por métodos indirectos através do valor de mercado dos bens, para além de que o critério utilizado, consubstanciado na aplicação do coeficiente de 1,5 ao volume de negócios do ano anterior (2002), encontrar-se devidamente justificado e com aderência à realidade desse mesmo mercado. 5. A forte valorização atribuída aos referidos trespasses e que é de divulgação pública, assentes nos princípios da lei da procura e da oferta, manifesta-se também contraditória à justificação revelada pela impetrante (vide item 7 da petição) para o preço praticado, uma vez que afirma aí, de que o valor real do trespasse foi calculado tendo em conta a situação contabilística do estabelecimento à data, nomeadamente o valor dos capitais próprios. 6. Nesta conformidade, o valor de mercado calculado em função do referido coeficiente, afigura-se como mínimo aceitável face aos elementos de avaliação externa revelados no Relatório de Inspecção para o valor do trespasse das farmácias. 7. Face ao expendido, será de manter a tributação por métodos indirectos, bem como o rendimento de IRS proposto pelos serviços de inspecção. Cf. P.A. apenso e doc. nº 1 junto com a petição. 10. Em 25 de Setembro de 2007 um delegado do Director de Finanças do Porto proferiu a decisão final do procedimento de revisão, vindo a referir, decisão cujo teor no apenso e no doc. 1 junto com a PI aqui se dá como reproduzido, transcrevendo apenas o seguinte segmento (final): “Concluindo: Mos termos e para os efeitos do nº 6 do artigo 92º da Lei Geral Tributária, dou o meu acordo ao parecer do perito da Administração Tributária pelas razões nele constantes e, face ao exposto, indefiro a reclamação apresentada, mantendo os valores propostos no laudo do perito da Administração tributária.” Discussão do recurso: Pretende, a Recorrente, que este Tribunal de apelação julgue que o Tribunal recorrido errou no julgamento em matéria de facto e de direito violando os artigos 74º, 75º, 87º, 88º e 90º, todos da LGT e art. 100º, nº 3 do CPPT, ao julgar que a AT não alegou nem provou os pressupostos de facto do recurso aos métodos indirectos para a fixação da sua matéria tributável em IRC no ano de 2003, designadamente a manifesta discrepância entre o valor declarado do preço trespasse da farmácia instalada no nº 387 da Rua (…), e o valor de mercado do estabelecimento. Cumpre começar por dizer que o Tribunal a quo assestou indevidamente a mira da sua crítica, no que à decisão de recurso aos métodos indirectos concerne, no RIT, sem mais – por isso é que omitiu a discriminação, como provados, de factos tão relevantes como os acima aditados. Ora a decisão cuja legalidade aqui releva para a validade das liquidações adicionais impugnada não é a que directamente decorreu do RIT, mas sim a que pôs termo ao incidente de revisão da matéria tributável movido em devido tempo pela Recorrida (cf. artigos 91º e 92º da ÇGT e 117º do CPPT) Certo é, porém, que o parecer do perito da AT, no qual se louva a decisão aquela decisão final, em nada inova relativamente ao RIT, no qual, por sua vez, se louva, pelo que poderemos continuar a discutir o acerto de direito da sentença, como se a mesma se tivesse pronunciado directamente sobre a decisão efectivamente determinante das liquidações impugnadas. O Juízo da sentença recorrida, quanto a esta matéria, é redutível aos seus seguintes excertos: (…) Alega, ainda, que não estão verificados os pressupostos que permitem o recurso a métodos indirectos na avaliação da matéria tributável, uma vez que a contabilidade não apresenta inexactidões, erros ou omissões que possam colocar em causa a sua fiabilidade. Vejamos: (…) Por outro lado, de acordo com o preceituado no art. 81º, nº 1 da LGT, a matéria tributável deve ser avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei, constituindo, assim, a avaliação directa o princípio regra a seguir pela Administração Tributária e a avaliação indirecta um mecanismo de determinação da matéria tributável meramente subsidiário (em conformidade, aliás, com o disposto no art. 85º, nº 1 da mesma Lei), que o legislador estabeleceu tendo em vista a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis de um determinado sujeito passivo, a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha e a que recorra para aquele concreto fim (cf. art. 83º, nº 2 da mesma Lei citada). Ora, foi precisamente tendo em conta a natureza subsidiária do instituto e os pressupostos de facto de que há, necessariamente, que partir, que o legislador entendeu impor à Administração Tributária um especial dever de fundamentação sempre que a mesma lance mão desse mecanismo (“a decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável” –art. 77°, nº 4 da LGT). Por isso a Administração Tributária, em todos os casos em que recorra à tributação por métodos indirectos, está obrigada a demonstrar que estão verificados os pressupostos legitimadores dessa forma de determinação da matéria tributável, ou seja, que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se apresenta como a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a essa conclusão. Feita essa prova, recai, então, sobre o sujeito passivo, a obrigação ou ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável (cfr. art. 74º, nº 3 da LGT). E, no que concerne à quantificação da matéria tributável apurada através de métodos indirectos, é ainda de notar que é sobre a Administração Tributária que recai o ónus não só de indicar, como também de fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indirectos, tendo o volume da matéria colectável presumida, obrigatoriamente, de assentar em dados objectivos, racionais e fundamentados, ou seja, em dados aptos a inferir os factos tributários, e não meras hipóteses abstractas, suspeitas ou suposições. No caso em apreço, como resulta da factualidade assente, a impugnante (celebrou) um contrato de trespasse, mediante o qual deu de trespasse à sociedade S. Lda, um estabelecimento comercial de farmácia com todos os seus elementos, incluindo o seu alvará, mobiliário, utensílios e direito de arrendamento, pelo preço de € 349.158,83. Tendo tido conhecimento deste trespasse, a Administração Tributária, considerando que o valor declarado era inferior ao real, entendeu proceder a uma acção inspectiva, em ordem a apurar o real valor de trespasse. Para tanto, socorreu-se de artigos de informação e opinião, designadamente do Jornal de Notícias, do Jornal de Negócios, de um blog (saudesa.blospot.com) e, ainda, do teor de uma perícia realizada no âmbito de um específico processo de natureza cível (55/02 que correu termos na 9ª Vara – 2ª secção do Tribunal Cível do Porto) e ainda de um parecer que terá sido elaborado pela Associação Nacional de Farmácias. De acordo com a informação assim recolhida, concluiu a AT, que, para determinar o valor de mercado do trespasse das farmácias, deveria aplicar-se um coeficiente que se situa entre 1,5 e 2,5, ao valor da facturação anual da farmácia a trespassar. Ora, verificando que o valor de trespasse da farmácia em causa nos autos, ficou aquém daquele que resultaria da aplicação de tal coeficiente, a Administração Tributária procedeu à correcção deste valor pelo recurso a métodos indirectos, aplicando o coeficiente de 1,5 ao volume de negócios, sem contudo explicar a razão da escolha deste valor e não de outro. Analisando o teor do relatório de inspecção, constante dos factos provados, vemos que a AT motivou a sua actuação, ou seja, a decisão de recorrer à avaliação indirecta, nas seguintes razões: o conhecimento existente de operações da mesma natureza; a experiência obtida através de acções inspectivas anteriormente levadas a cabo; os dados retirados dos elementos supramencionados. Sucede, porém, que tais factores, para além de serem, por si só, vagos e de força probatória duvidosa quando abstractamente considerados, também não poderem deixar de ser absolutamente irrelevantes quando são desacompanhados de qualquer concretização, sendo esta a situação que ocorre no caso em apreço. Com efeito, do teor completo do relatório de inspecção constata-se que, em momento algum a Administração Fiscal concretizou quais foram as operações da mesma natureza que devem ser atendidas e que justificam que os conhecimentos e a experiência delas advenientes sejam relevantes no caso dos autos; qual foi a razão de ciência dos artigos jornalísticos e de opinião invocados; qual foi a factualidade subjacente ou que constituiu objecto do relatório pericial que foi junto aos presentes autos, que respeita a outro contribuinte e pertence a processo que correu termos num outro Tribunal; ou qual foi o circunstancialismo que rodeou ou condicionou a emissão do referido parecer da Associação Nacional de Farmácias; quais foram os parâmetros considerados no estudo conduzido pela Universidade Católica, em que provas ou elementos se baseou tal estudo para chegar às conclusões apresentadas. Resulta, assim, que a AT não cuidou de saber quais as especificidades subjectivas e objectivas que rodearam aquele concreto trespasse, as relações existentes entre as pessoas envolvidas, a situação geográfica da farmácia, a situação financeira do estabelecimento comercial que seriam relevantes para a determinação do preço, limitando-se a invocar dados gerais, obtidos em fontes que não apresentam a necessária fiabilidade para serem aplicados à situação concreta. Conclui-se, pois, que, na fundamentação aduzida pela Administração Tributária não se encontram elementos de facto concretos e objectivos de onde se possa retirar, com uma certeza razoável, que o valor declarado pela impugnante como sendo o do trespasse do estabelecimento não corresponde ao valor real desse negócio jurídico. Ou seja, o relatório de inspecção não enuncia sequer elementos de facto concretos suficientes para demonstrar que o “valor de mercado” do trespasse do estabelecimento em causa é substancialmente superior ao declarado. (Assim se decidiu no acórdão do TCA Norte, de 8.3.2012, no processo nº 01290/07.3BEPRT, que se debruçou sobre uma situação concreta semelhante à dos autos e cuja fundamentação acompanhamos). Procede, pois, a impugnação.” Apenas com a não despicienda nota de que a decisão administrativa, de fixação da matéria tributável da Recorrida com recurso a métodos indirectas a considerar em juízo ser a do Delegado do Director de Finanças do Poto, em parte transcrita no ponto 10 da matéria de facto provada, aditado nesta instância, este colectivo reconhece acerto à fundamentação de direito da sentença recorrida. Dispõe o nº 3 do artigo 74º da LGT que Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação. Objecto da prova só podem ser factos, não conclusões ou juízos, portanto o objecto desse ónus da AT não são teses, tendências, generalidades, mas sim os factos concretos, integrantes dos pressupostos de facto do recurso aos métodos indirectos na determinação de matéria colectável, preconizados na lei – in casu os preconizados na conjugação dos artigos 87º b) e 88º d) da LGT (hoje, 87º nº 1 alª b) e 88º alª d), respectivamente. A AT tem, assim, de invocar e provar os factos concretos que sejam pressupostos do seu agir. Facto concreto a provar, in casu, seria, desde logo, esse de o valor de mercado da farmácia vendida pela Recorrida ser muito superior aos declarados 349 158,53 €, designadamente, no mínimo, esse cerca de milhão e meio de euros a que chegou a AT. A AT, para prova desse facto, coligiu e louvou-se em notícias de meios de comunicação social, um blogue, pareceres e até estudos científicos, no sentido de o valor de mercado das farmácias se situar, em geral, entre uma vez e uma vez e meia o valor do volume de negócios do ano anterior. Porém, o objecto dessas notícias, pareceres e estudos não eram a farmácia aqui em causa, em todas as suas circunstâncias concretas, objectivas – relativas ao estabelecimento, sua localização, clientela etc. – e subjectivas – relativas à vendedora e ou seus familiares. Todas estas circunstâncias concretas, que concorriam para o que se pudesse considerar o preço de mercado, do estabelecimento, não foram tidos em conta nos estudos invocados, pelo que, mesmo que estes possam servir de instrumento para fins diversos do presente, de modo nenhum servem para os presentes fins tributários e judiciais. Deste modo, a sentença recorrida dispôs conforme o Direito, e sem desconformidade com o disposto nos artigos 74º, 75º, 87º, 88º e 90º, todos da LGT e art. 100º, nº 3 do Cód. Procedimento e de Processo Tributário, invocados pela Recorrente, pelo que o recurso não merece provimento. IV – Custas As custas, nas duas instâncias, ficam a cargo da Recorrente conforme decorre do artigo 527º do CPC. V- Dispositivo Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso improcedente e em manter o dispositivo da sentença recorrida, de procedência da Impugnação, com esta fundamentação. Custas pela da Recorrente. Porto, 25/11/2021 Tiago Afonso Lopes de Miranda Cristina da Nova Cristina Travassos Bento |