Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03084/16.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:GRAÇA MARIA VALGA MARTINS
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS;
NORMA DECLARADA INCONSTITUCIONAL;
Sumário:
I – Está em causa saber se é necessário, para a aplicação do artigo 43º, nº 3, alínea d), da LGT, uma decisão do Tribunal Constitucional no caso concreto ou uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, ou se basta a desaplicação da norma com base em decisões do Tribunal Constitucional proferidas noutros processos semelhantes.

II – Deverá entender-se que, tendo sido proferidos diversos acórdãos do Tribunal Constitucional sobre situações de facto em tudo idênticas à dos presentes autos; não tendo o recorrente legitimidade para suscitar a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade e da legalidade de normas; não tendo a recorrente suscitado a fiscalização concreta da constitucionalidade, é possível aplicar o artigo 43º, n.º 3, al. d) da LGT, devendo ser atribuídos juros indemnizatórios.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1.1. Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), pessoa colectiva nº ...68, com sede em Avenida ..., ..., veio recorrer jurisdicionalmente da sentença proferida a 31 de Maio de 2024, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial, instaurada por [SCom01...], Sociedade Unipessoal, Lda, contra a liquidação da taxa anual devida pela prestação de serviços postais, referente ao ano 2014, no valor de € 28 212,68.

1.2. A recorrente terminou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:
1.ª O presente recurso é interposto da sentença de fls. 399 a 419 (numeração dos autos no SITAF) na parte em que esta condenou a ANACOM, ora Recorrente, no pagamento de juros indemnizatórios;
2.ª Nesse segmento, a sentença recorrida violou o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.° da LGT, na redação dada pela Lei n.º 9/2019, encontrando-se em contradição com a jurisprudência do STA em matéria de desaplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade e suas consequências no plano do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios (vide Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN e Acórdão do STA de 12.10.2022, proferido no processo n.º 01501/19.2BELRS);
3.ª Crê-se, com o devido respeito, que, na parte recorrida, a sentença padece de erro de julgamento ou de erro de direito, na medida em que a aplicação do artigo 43.°, n.º 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.º 9/2019, pressupõe uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, não sendo suficiente a existência de uma corrente jurisprudencial (consolidada) no sentido da inconstitucionalidade, para desencadear a aplicação da referida norma da LGT;
4.ª No caso em apreço e apesar de já terem sido proferidos diversos Acórdãos pelo Tribunal Constitucional, julgando inconstitucionais as normas em que se baseou a liquidação que constitui o objeto mediato do presente processo de impugnação, todas essas decisões foram proferidas em processos de fiscalização concreta da constitucionalidade (recursos de constitucionalidade), não tendo sido proferido qualquer acórdão declarando a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nem estando em causa a violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias;
5.ª A ANACOM, ora Recorrente, encontra-se vinculada pelo princípio da legalidade e pela presunção de constitucionalidade das normas, estando impedida de recusar a aplicação ou desaplicar as normas dos n.ºs 2 e 3 do Anexo IX da Portaria n.º 1473-B/2008, na redação aplicável à data da liquidação das respetivas taxas, na medida em que não foi declarada, pelo Tribunal Constitucional, a respetiva inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nem está em causa a violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias;
6.ª À luz dos Acórdãos do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN, e de 12.10.2022, proferido no processo n.º 01501/19.2BELRS, só existe obrigação de indemnizar com fundamento em julgamento de inconstitucionalidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43.°, n.º 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.º 9/2019, quando exista uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral;
7.ª Como nenhum destes pressupostos se verifica no caso em apreço, a sentença recorrida padece de erro de julgamento ou erro de direito, ao considerar aplicável ao caso dos autos o artigo 43.°, n.º 3, alínea d), da LGT, na ausência de qualquer uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou na ausência de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral;
8.ª No caso em apreço, o valor da causa foi fixado em €28.212,68 (artigo 97.°-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e artigo 306.°, n°s 1 e 2, do CPC), sendo inferior à alçada dos Tribunais Centrais Administrativos, pelo que o STA não é hierarquicamente competente para a apreciação do presente recurso, sendo competente para o efeito, em razão da hierarquia, o TCA Norte (Secção de Contencioso Tributário);
9.ª A expressão "juros indemnizatórios" não é, necessariamente, sinónima de "indemnização" pela Administração Tributária, e a perceção de juros indemnizatórios apenas tem lugar nos casos expressamente previstos na lei;
10.ª Nos restantes casos, não haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, embora não possa deixar de haver ressarcimento pelos prejuízos eventualmente causados, ressarcimento esse que pode ter lugar por vias alternativas: (i) ou o próprio legislador prevê expressamente um meio indemnizatório autónomo, o qual deverá ser obrigatoriamente seguido, sob pena de inadequação procedimental ou processual , ou (ii) se aplica o regime geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas;
11.ª A ratio legis, o contexto histórico e a motivação do legislador para a introdução da nova alínea d) do n.º 3 do artigo 43.° da LGT, apontam no sentido de não se pretender alargar o direito a juros indemnizatórios a todos os casos de desaplicação de normas tributárias pelas instâncias com fundamento em inconstitucionalidade, sob pena de se prejudicar o julgamento de constitucionalidade que cabe ao Tribunal Constitucional, violando a reserva de jurisdição que lhe foi constitucionalmente conferida, tanto para a apreciação, em sede de recurso, das decisões dos Tribunais que (i) recusem a aplicação de certa norma com fundamento em inconstitucionalidade ou em ilegalidade (recursos interpostos de decisões positivas de inconstitucionalidade ou de ilegalidade); como para a apreciação das decisões dos Tribunais que (ii) apliquem norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sido suscitada durante o processo (recursos interpostos de decisões negativas de inconstitucionalidade ou de ilegalidade);
12.ª A generalização do direito a juros indemnizatórios, sem qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, equivaleria a alargar um instituto desenhado para o ressarcimento do contribuinte, em situações de pagamento indevido de prestações tributárias, decorrente da violação de normas fiscais substantivas, a todos e quaisquer casos de desaplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade, sem qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, sendo certo que nada impede o contribuinte lesado de aceder aos meios normais de tutela fundados em responsabilidade civil extracontratual do Estado;
13.ª Tendo presente a jurisprudência do STA em matéria de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, seria manifestamente excessivo ignorar por completo, na interpretação do artigo 43.° da LGT, o conceito de "erro imputável aos serviços", criando um campo aberto de acesso à tutela ressarcitória automática, inerente aos juros indemnizatórios, sempre que ocorresse a desaplicação de uma norma tributária sem pronúncia do Tribunal Constitucional, tanto mais que a Administração se encontra vinculada pelo princípio da legalidade e pela presunção de constitucionalidade das normas;
14.ª Não podendo recusar-se a aplicar a norma julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional em sede de recurso (fiscalização concreta), não é imputável à ANACOM, ora Recorrente, a responsabilidade por eventuais prejuízos causados ao contribuinte;
15.ª O conceito de "erro imputável aos serviços" continua a desempenhar um papel hermenêutico na configuração do direito a juros indemnizatórios;
16.ª Ao considerar que pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, mesmo que não exista uma decisão do Tribunal Constitucional no caso concreto e na ausência de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 43.°, n.º 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.º 9/2019, padecendo de erro de julgamento ou erro de direito, pelo que deverá ser revogada na parte em que condena a ANACOM a pagar à Impugnante juros indemnizatórios.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. que se pede e espera, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogada a sentença recorrida, na parte em que condena a ANACOM”

1.3. A recorrida, [SCom01...] sociedade Unipessoal, Lda, apresentou contra-alegações, sem conclusões.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

1.5. Com dispensa dos vistos legais dos juízes-adjuntos (cfr. art. 657º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
* * *
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

Factos Provados
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Impugnante encontrava-se registada junto da ANACOM como prestador de serviços postais – cfr. Declaração n.º ICP-ANACOM - 06/2013 – SP, de 08/01/2014, inserta a fls. 128 e 129 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido
B) Na declaração, referente ao exercício de 2013, apresentada à ANACOM para efeitos de cálculo da taxa anual devida pelo exercício da atividade de prestador de serviços postais, não foram declarados pela Impugnante quaisquer rendimentos decorrentes da prestação de serviços postais, o que deu origem à realização de uma auditoria onde se concluiu que o total de rendimentos relevantes, em 2013, era de € 24 260 690,00 – cfr. fls. 12 a 17 e 53 a 65 do processo administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
C) Em 20/11/2014, o Conselho de Administração da ANACOM deliberou, após audição prévia da Impugnante, proceder à revisão do rendimento relevante da Impugnante para efeitos de aplicação da taxa devida pelo exercício da atividade de prestador de serviços postais, considerando como rendimento relevante de 2013 o valor de € 24 260 690,00 – cfr. fls. 76 a 107 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
D) Em 27/11/2014, a ANACOM emitiu em nome da Impugnante, ao abrigo do art.º 44º, n.º 2, da Lei n.º 17/2012, de 26/4 e dos n.os 2 a 6 do Anexo IX à Portaria n.º 1473-B/2008, de 17/12, a fatura/nota de liquidação F2......67, no valor de € 28 212,68, respeitante à taxa anual devida pela prestação de serviços postais, referente ao ano 2014 – cfr. fls. 108 a 110 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
E) A taxa mencionada na alínea antecedente foi paga em 29/12/2014 – cfr. fls. 113 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
F) Em 24/04/2015, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação da taxa mencionada na alínea D) supra – cfr. fls. 114 a 139 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
G) A reclamação graciosa foi indeferida por deliberação do Conselho de Administração da ANACOM de 08/09/2016, notificada à reclamante em 12/09/2016 – cfr. fls. 266 a 319 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
H) A presente impugnação judicial foi deduzida em 06/12/2016 – cfr. fls. 2 a 31 e 36 do SITAF.

Factos Não Provados
Inexistem, com interesse para a decisão.

Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados resultou da análise dos documentos, não impugnados, juntos aos autos.”

3. Atentas as conclusões extraídas da motivação de recurso, que sintetizam as razões do pedido e recortam o thema decidendum, as questões que reclamam solução neste recurso consistem em aferir se, para poder ser aplicado o art. 43º, nº 3 al. d) da LGT, tem de haver decisão do Tribunal Constitucional proferida no caso em apreço ou declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

4. No caso em apreço, a sentença recorrida determinou a anulação da liquidação da taxa anual devida pelo exercício da actividade de prestador de serviços postais de 2014, liquidada pela Anacom – Autoridade Nacional de Comunicações, condenando a recorrente a restituir o montante liquidado acrescido de juros indemnizatórios.
Insurge-se a recorrente contra esta condenação no pagamento de juros indemnizatórios, efectuada pelo Tribunal recorrido, por entender que os mesmos não são devidos, pois não existe neste processo, decisão de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional nem declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
Deste modo, na situação vertente, importa decidir se, tal como entende a recorrente, é necessário, para a aplicação do artigo 43º, nº 3, al. d), da LGT, uma decisão do Tribunal Constitucional proferida no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral; ou se basta a desaplicação da norma com base em decisões do Tribunal Constitucional proferidas noutros processos semelhantes, mesmo que não digam respeito ao caso concreto em apreciação.
Vejamos.
Dispõe o citado preceito, na redacção introduzida pela Lei nº 9/2019, de 1.2:
“3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(…)
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.
Decorre do Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em 30.01.2019, no processo nº 0564/18.2BALSB, que “para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266º, nº 2, da CRP e art. 55º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP)”.
Porém, como tem vindo a decidir o STA recentemente Entre outros, acórdãos de 10.4.2024, proc. nº 0845/17.2BELRS; de 11.7.2024, proc. nº 0697/14.4BELRS, de 12.2.2025, proc. nº 01527/16.8BELRS; de 15.1.2025, proc. nº 0107/22.3BELRS., o contexto em que foi estabelecida esta jurisprudência é diverso do deste caso, na medida em que, na altura, como se constata pela data de prolação do acórdão, 30.01.2019, ainda não tinha sido aditada ao nº 3 do artigo 43º da LGT, a alínea d), o que só aconteceu com a Lei nº 9/2019, no dia 1.2.2019, pelo que não pode ser retirada daí a consequência que a recorrente pretende em termos de interpretação da alínea aditada.
Atentemos, em concreto, no que decidiu o acórdão do STA de 15.1.2025, proferido no proc. nº 0107/22.3BELRS, em situação de facto semelhante à dos autos, cujo teor inteiramente sufragamos:
“(…) Resulta apenas da jurisprudência firmada por este Supremo Tribunal (designadamente nos Acórdãos de 02.02.2022, proferido no Processo n.º 0107/17.5BEFUN, e de 12.10.2022, proferido no Processo n.º 01501/19.2BELRS), no que se refere especificamente ao âmbito de aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, a ideia de que para que esta disposição se mostre aplicável, é necessário que a norma ou normas que sustentam o ato tributário tenham sido declaradas ou julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, ao qual é cometida a reserva da jurisdição constitucional. Não decorrendo, portanto, destes arestos, contrariamente ao que afirma a recorrente, que tenha de existir necessariamente uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Posição esta, aliás, que tem pleno apoio na letra da lei que também não limita a necessidade da existência de uma declaração de inconstitucionalidade unicamente a essas situações, tendo abrangência suficiente para, por uma questão de elementar justiça, abarcar outro tipo de pronunciamentos do Tribunal Constitucional quando a declaração com força obrigatória não é acessível ao sujeito passivo e, além disso, lhe é impossível suscitar uma decisão no caso concreto. É precisamente isso que se passa no caso sub judice.
No que respeita à fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, a recorrida não tem legitimidade para a desencadear ao abrigo do artigo 281.º, n.º 3, da CRP, estando esse impulso processual apenas na disponibilidade dos Juízes Conselheiros ou do Ministério Público, nos termos do artigo 82.º da LTC, podendo quando muito, e no limite, solicitar ao Ministério Público que promova esse processo.
No que concerne à existência de uma pronúncia de inconstitucionalidade no caso concreto, em circunstâncias em que há desaplicação da norma pelas instâncias, por inconstitucionalidade, o sujeito passivo (recorrida) carece de legitimidade para apresentar recurso de constitucionalidade, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade (artigo 280º, nº 1, alínea a), da CRP), maxime porque a desaplicação da norma corresponde à satisfação da sua pretensão estando, antes, na disponibilidade da parte vencida, desencadear esse procedimento. Pelo que, fazer depender a atribuição de juros indemnizatórios de uma declaração de inconstitucionalidade no caso concreto que não está na sua disposição, implicaria um tratamento discriminatório face a um sujeito passivo que, apesar de estar numa situação em tudo igual, não tenha visto o juiz da causa desaplicar exatamente a mesma norma por inconstitucionalidade, tendo podido recorrer para o TC e logrado obter a pretendida declaração de inconstitucionalidade. Um entendimento restritivo no caso sob julgamento, como propõe a recorrente, implicaria que só poderiam ser atribuídos juros indemnizatórios se ela mesma (recorrente), credora tributária, tivesse recorrido da sentença na parte em que desaplicou a norma por inconstitucionalidade, o que não aconteceu. É no mínimo anómalo que em situações como a que está em causa, apesar de existir jurisprudência consolidada dizendo respeito a situações em tudo idênticas, a atribuição de juros indemnizatórios esteja dependente de um supostamente necessário recurso para o TC por parte da credora tributária (no caso sob julgamento, a recorrente).
Entendemos, portanto, que em situações especiais como a que está em causa, tendo sido proferidos diversos Acórdãos do Tribunal Constitucional que se pronunciaram sobre situações de facto em tudo idênticas à dos presentes autos [vd., por todos, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 173/2024, de 29.02.2024 (Proc. n.º 1109/2023), n.º 44/2024, de 18.01.2024 (Proc. n.º 1086/2023), n.º 27/2024, de 16.01.2024 (Proc. n.º 1001/2022), n.º 911/2023, de 21.12.2023 (Proc. n.º 1239/2022), n.º 850/2023, de 07.12.2023 (Proc. n.º 488/2023), e n.º 430/2023, de 04.07.2023 (Proc. n.º 233/2023)] e, sobretudo, pelo facto de o sujeito passivo não ter legitimidade para, junto daquele Tribunal, suscitar a fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade de normas, nos mesmos termos em que outros sujeitos passivos em situações de facto similares, mas no âmbito das quais, por não ter sido desaplicada a norma, tenham legitimidade para o efeito – deveria ser possível aplicar o artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, e, consequentemente, ser atribuídos juros indemnizatórios. (…).
Esta questão foi igualmente decidida pelo acórdão de 20.4.2024, proferido no proc. nº 0845/17.2BELRS, de onde se extracta:
“(…) Na verdade, ainda que se retire do exposto nos dois arestos a que alude a Recorrente, que a norma em apreço exige que exista uma decisão do Tribunal Constitucional que julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária, não se retira da mesma a exigência de uma declaração com força obrigatória geral (sendo de notar que o contribuinte não terá legitimidade para desencadear um processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade ao abrigo do artigo 281º nº 3 da CRP, estando esse impulso processual apenas na disponibilidade dos Juízes Conselheiros ou do Ministério Público, nos termos do artigo 82.º da LTC, podendo o mesmo, no limite, solicitar ao Ministério Público que promova esse processo) e, muito menos, uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto, até porque, como refere a própria Recorrente, nem a ANACOM, ora Recorrente, nem o Ministério Público, apresentaram recurso de constitucionalidade, tendo em conta a consolidação da jurisprudência do Tribunal Constitucional em torno da inconstitucionalidade dos n.ºs 1, 2, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17-12, na redacção vigente à data da liquidação das respectivas taxas (cf., por último, o Acórdão n.º 27/2024 do Tribunal Constitucional), o que repugna ao simples bom senso, dado que, tendo sido reconhecida a bondade da pretensão da ali Impugnante pelos motivos já descritos, não faz sentido que a mesma seja, afinal, penalizada por uma conduta a que é alheia, nomeadamente pelo facto de a entidade impugnada conformar-se com a tal consolidação da jurisprudência do Tribunal Constitucional, renunciando a continuar a discutir tal questão, de modo que, perante norma em análise - art. 43º nº 1 al. d) da LGT - e os dados de factos que emergem destes autos, tem de concluir-se no sentido de que estão reunidos os pressupostos legais para que, além do reembolso do montante pago com referência ao tributo descrito nos autos, a aqui recorrida seja ainda credora do pagamento de juros indemnizatórios, o que significa a decisão recorrida não merece qualquer censura no segmento impugnado, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso. (…)”.
Em suma, existindo já acórdãos em que o Tribunal Constitucional considerou verificar-se a inconstitucionalidade da norma desaplicada e não tendo a recorrida legitimidade para apresentar recurso, quer de fiscalização concreta quer de fiscalização abstracta sucessiva, é de aplicar o art. 43º, 3, al. d) da LGT, com a consequente condenação da recorrente no pagamento de juros indemnizatórios.
Deste modo, improcede o recurso, sendo de manter a sentença recorrida, que não merece qualquer censura.

5. Decisão:
Em consonância com o que acabamos de expender, acordam em conferência os juízes deste Tribunal, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Nos termos do art. 663º, nº 7, do CPC, elabora-se o sumário:

I – Está em causa saber se é necessário, para a aplicação do artigo 43º, nº 3, alínea d), da LGT, uma decisão do Tribunal Constitucional no caso concreto ou uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, ou se basta a desaplicação da norma com base em decisões do Tribunal Constitucional proferidas noutros processos semelhantes.
II – Deverá entender-se que, tendo sido proferidos diversos acórdãos do Tribunal Constitucional sobre situações de facto em tudo idênticas à dos presentes autos; não tendo o recorrente legitimidade para suscitar a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade e da legalidade de normas; não tendo a recorrente suscitado a fiscalização concreta da constitucionalidade, é possível aplicar o artigo 43º, n.º 3, al. d) da LGT, devendo ser atribuídos juros indemnizatórios.
* * *
Porto, 27 de Março de 2025
Graça Valga Martins
Paula Moura Teixeira
Virgínia Andrade