Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00671/14.0BECBR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 02/11/2015 |
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Tribunal: | TAF de Coimbra |
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Relator: | Rogério Paulo da Costa Martins |
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Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA POR CONTRADIÇÃO; ALÍNEA C) DO N.º 1, DO ART.º 615º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (2013); FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; ERRO DE DIREITO; INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS; ART.º 109º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; ÓNUS DA PROVA; CONVOLAÇÃO EM PROVIDÊNCIA CAUTELAR. |
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Sumário: | 1. A contradição a que alude alínea c) do n.º 1, do art.º 615º do actual Código de Processo Civil (alínea c) do n.º 1, do art.º 668º do anterior Código de Processo Civil), aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, é uma incongruência lógica ou jurídica. 2. Esta incongruência lógica ou jurídica pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo. A razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma sentença cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar. 3. Apenas se verifica a nulidade da decisão judicial por omissão de pronúncia, a que alude a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, por referência à primeira parte do n.º2, do artigo 608º, do Código de Processo Civil de 2013 (alínea d) do n.º1, do artigo 668º, por referência ao artigo 660º do anterior Código de Processo Civil), aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. 4. O erro de direito não se integra no conceito de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia. 5. Questões para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes. 6. A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, definida no artigo art.º 109º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, visa primordialmente garantir uma tutela judicial efectiva e célere quando estão em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais, de natureza pessoal, concretizando assim o princípio constitucional plasmado no art.º 20º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa. 7. Mas nada no preceito permite excluir os direitos de natureza análoga do âmbito de aplicação deste meio processual; pelo contrário, a sua inclusão neste normativo impõe-se pela razão de o regime dos direitos liberdades e garantias se aplicar aos direitos fundamentais de natureza análoga – art.º 17º da Constituição da República Portuguesa. 8. São pressupostos de utilização deste mecanismo processual: a) a urgência na decisão de modo a evitar a lesão ou inutilização de um direito, liberdade ou garantia fundamental ou de natureza análoga; b) a impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar para o fim pretendido; e c) a referência do pedido à imposição de uma conduta positiva ou negativa da Administração. 9. Cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, ou seja, em que fundamenta o seu pedido e cabe ao demandado alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito arrogado pelo autor bem como a matéria de impugnação – artigo 342º, n.º2, do Código Civil, e artigos 5º e 414º do actual Código de Processo Civil (artigos 264º e 516º, do anterior Código de Processo Civil). 10. O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo pelas partes e, para além desta, os factos instrumentais e os factos notórios ou de conhecimento geral (cf. artigo 5º, 411º, 412º e 414º, do actual Código de Processo Civil (artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do anterior Código de Processo Civil). 11. Os documentos são meios de prova e não substituem, face a essa natureza. o ónus – que cabe ao autor ou requerente – de especificar, por artigos, os fundamentos do pedido deduzido a título principal ou da providência cautelar – para além dos artigos do Código de Processo Civil acima indicados, ainda os artigos 78º, n.º2, alínea g), e 114º, n.º3, alínea g), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 12. A remissão para os documentos apenas pode servir como alegação de factos, em obediência ao princípio pro actione e da prevalência da justiça material sobre a apreciação meramente formal das pretensões deduzidas em Juízo, quando permita perceber, de forma inequívoca, quais os factos, mencionados nos documentos, para os quais se remete. 13. Não tendo sido alegados factos – que supõem pessoais ou do conhecimento pessoal do autor ou requerente – nem havendo factos a conhecer oficiosamente, que permitam concluir pela urgência na decisão de modo a evitar a lesão ou inutilização de um direito, liberdade ou garantia fundamental ou de natureza análoga, torna-se desnecessária a produção de qualquer prova, documental ou testemunhal. 14. Prevê-se, no n.º 1 do artigo 121º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo e Fiscais, a convolação do decretamento de uma providência cautelar numa decisão própria de um processo principal, como a que se impõe tomar no pedido de intimação regulado no artigo 109º do mesmo diploma, mas não se prevê, em qualquer norma, o inverso, a convolação de um processo principal em cautelar, o que se compreende, pois no processo cautelar, à imposição de invocar os factos que permitem aquilatar da necessidade de tomar uma medida cautelar, acresce a necessidade de invocar factos dos quais se extraia a existência de fundamento da pretensão própria do processo principal – artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.* *Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | LMGPR |
Recorrido 1: | União de Freguesias S.MAL... |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Impugnação Urgente - Intimação Protecção Direitos, Liberdades e Garantias (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: LMGPR veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 29.10.2014, pela qual foi indeferido o pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias que deduziu contra a União de Freguesia de S.MAL, pedindo a intimação da requerida “a não promover o funcionamento da casa mortuária” que confina com o seu prédio e, subsidiariamente, a convolação da intimação em providência cautelar, com decretamento provisório, com o mesmo objectivo. Invocou para tanto, em síntese, que: a sentença recorrida enferma de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que inexiste qualquer nexo de causalidade entre os fundamentos invocados e a decisão prolatada; enferma também de nulidade por omissão de pronúncia, já que o tribunal a quo não se pronunciou acerca do mérito intrínseco da pretensão da requerente, ora recorrente, tendo-se limitado a julgar a viabilidade de prova dos fundamentos daquela pretensão, violou, os deveres estatuídos no artigo 413.º do CPC (ex vi art.º 1.º do CPTA), ao desconsiderar, de todo em todo, a prova documental produzida pela ora recorrente; e no artigo 110.º, n.º 2 do CPTA, ao ter concluído pela necessidade de prova testemunhal, sem cuidar de promover (oficiosamente), como sempre lhe incumbiria, qualquer diligência nesse sentido; A recorrida apresentou contra-alegações, a defender a manutenção da sentença impugnada. Foi proferido despacho de sustentação pelo Tribunal a quo. O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. * * I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:I- A douta sentença recorrida enferma de manifesta nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA, uma vez que inexiste qualquer nexo de causalidade entre os fundamentos invocados e a decisão prolatada; II- Enferma, outrossim, de nulidade por omissão de pronúncia, por força do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, já que o tribunal a quo não se pronunciou acerca do mérito intrínseco da pretensão da requerente, ora recorrente, tendo-se limitado a julgar a viabilidade de prova dos fundamentos daquela pretensão; III- Violou, ademais, o tribunal recorrido, os deveres estatuídos nos art.ºs: - 413.º do CPC (ex vi art.º 1.º do CPTA), ao desconsiderar, de todo em todo, a prova documental produzida pela ora recorrente; e - 110.º, n.º 2 do CPTA, ao ter concluído pela necessidade de prova testemunhal, sem cuidar de promover (oficiosamente), como sempre lhe incumbiria, qualquer diligência nesse sentido; * II – Matéria de facto. 1 - A requerente tem inscrito a seu favor, na matriz predial urbana da União de freguesias de S. MAL, sob o artigo 1158, o prédio urbano, destinado a habitação, sito na R...,, no lugar de A... (artigo 12.º do R.I. e 45.º da oposição). 2 - O prédio referido no número anterior confronta, do sul, com o prédio inscrito sob o artigo 1473, em nome da Requerida (artigo 13.º do R.I. e 45.º da oposição). 3 - Em Maio de 2013 a requerida iniciou as obras de construção de uma casa mortuária no referido prédio (artigo 14.º do R.I. e 45.º da oposição). 4 - Em 29/11/2013, a requerente instaurou um procedimento cautelar de embargo de obra nova contra a antecessora da requerida, que corre termos pelo extinto 5.º Juízo Cível de Coimbra, sob o n.º 3837/13.7TJCBR, indeferido por sentença de 26/8/2014 (artigos 21.º do R.I. e 45.º da oposição, e 23.º do R.I.). * III - Enquadramento jurídico. 1. As nulidades da sentença. 1.1. A nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão. A contradição a que alude alínea c) do n.º 1, do art.º 615º do actual Código de Processo Civil (alínea c) do n.º 1, do art.º 668º do anterior Código de Processo Civil), aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, é uma incongruência lógica ou jurídica. Esta incongruência lógica ou jurídica pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo. A razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma sentença cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar. Ver neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.11.2005, no processo n.º 01051/05. A nulidade aqui prevista pressupõe um vício lógico de raciocínio; “a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984, reimpressão, p. 141: “nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, n.º 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” - Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 690; “se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” - Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, p.670). Como diz Alberto dos Reis, obra citada, nas páginas 130 e 141, convirá notar que “a contradição entre os fundamentos e a decisão nada tem a ver, seja com o erro material – contradição aparente, resultante de uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real: escreveu-se uma coisa, quando se queria escrever outra –, seja com o erro de julgamento – decisão errada, mas voluntária, quanto ao enquadramento legal ou quanto à interpretação da lei; o erro material e o erro de julgamento não geram a nulidade da sentença, como sucede com a oposição entre os fundamentos e a decisão, mas, tão-só, e apenas, a sua rectificação ou a eventual revogação em via de recurso”. “Não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável…” - Antunes Varela, obra citada, página 686. No caso concreto a decisão recorrida mostra-se, desde logo de um ponto de vista estritamente lógico, impassível de censura. Em resumo entendeu-se na decisão recorrida que a simples alegação de que foi dada a utilização como casa mortuária a um prédio da requerida vizinho do seu prédio, através de obras levadas a cabo, não é suficiente para fundar o pedido de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias; em concreto tais factos são insusceptíveis de afectar “(1) a sua “cidadania activa”, (2) a sua integridade física e moral, ou (3) a qualidade da sua vida, sendo que nada, nos autos, evidencia a menor possibilidade de tais ocorrências; e, para além disto, não é possível atender ao pedido subsidiário de convolação para uma providência cautelar, dado desta não ser no caso legalmente admissível; destes pressupostos, partiu o Tribunal a quo para a decisão de indeferir o pedido. Poderá discordar-se da decisão. O que não existe, claramente, é contradição lógica. Não se verifica, em suma, esta nulidade. 1.2. A nulidade por omissão de pronúncia. Determina a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil actual (alínea d) do n.º1, do artigo 668º, do anterior Código de Processo Civil), aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º2, do artigo 608º, do mesmo diploma (anterior artigo 660º, com sublinhado nosso): “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e na doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).
O erro de direito não se integra no conceito de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia.
O erro no enquadramento jurídico leva à revogação da sentença e não à declaração de nulidade, nos termos da invocada norma da alínea b), do n.º1 do artigo 615º do actual Código de Processo Civil.
A nulidade só ocorre quando a sentença ou acórdão não aprecie questões suscitadas e não argumentos apresentados no âmbito de cada questão, face ao disposto nos artigos 697º e 608º do actual Código de Processo Civil (artigos 659º e 660º do anterior Código de Processo Civil).
Efectivamente, o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas apenas fundamentar suficientemente em termos de facto e de direito a solução do litígio.
Questões para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes (Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, página 112), não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão (Alberto dos Reis, obra citada, 143, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228).
No mesmo sentido se orientou a jurisprudência conhecida, em particular os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2003, processo n.º 03B1816, e de 12.05.2005, processo n.º 05B840; os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.02.2002, processo n.º 034852 (Pleno), de 02.06.2004, processo n.º 046570, e de 10.03.2005, processo n.º 046862.
Para melhor apreciar o decidido, e determinar se a sentença omitiu ou não a apreciação de alguma questão importa desde logo trazer aqui à colação alguns considerandos sobre o meio processual escolhido em primeira linha pela autora, ora recorrente.
Determina o art.º 109º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, referindo-se aos pressupostos do pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o seguinte, no seu n.º 1:
“A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º.”
Este preceito visa primordialmente garantir uma tutela judicial efectiva e célere quando estão em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais, de natureza pessoal, concretizando assim o princípio constitucional plasmado no art.º 20º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa:
“Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”
Ver a este propósito o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 06-12-2006, no processo 0885/06; na doutrina, Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 7ª edição p. 261, nota 5).
Mas nada no preceito permite excluir os direitos de natureza análoga do âmbito de aplicação deste meio processual; pelo contrário, a sua inclusão neste normativo impõe-se pela razão de o regime dos direitos liberdades e garantias se aplicar aos direitos fundamentais de natureza análoga – art.º 17º da Constituição da República Portuguesa.
Neste sentido, ver Maria Fernanda Maçãs no artigo “As formas de tutela urgente previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, publicado na Revista do Ministério Público, Ano 25, Out/Dez. 2004, n.º 100, página 50, e Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, edição de 2005, página 537.
Assim como se devem considerar integrados na previsão deste preceito os direitos, fundamentais ou de natureza análoga que não sejam pessoais mas de conteúdo patrimonial (Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, obra e local citados).
Neste mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.01.2005, processo n.º 00203/04.9 BEMDL, de 26.10.2006, processo n.º 00589/06.0 BECBR, de 25.01.2007, processo n.º 00678/06.1 BECBR, de 05.07.2007, processo n.º 02834/06.3 BEPRT, de 19-07-2007, processo n.º 02840/06.8BEPRT, de 13.08.2007, processo n.º 01600/06.0 BEVIS, e de 12.03.2009, processo n.º 02236/08.7 BEPRT, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 31.01.2008, processo n.º 03290/07, de 30.11.2011, processo 08139/11, de 12.01.2012, processo 0838/22, e de 10.05.2012, processo n.º 08736/12, e o acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.12.2007, processo n.º 0775/07, e de 13.07.2011, processo n.º 0345/11.
São pressupostos de utilização deste mecanismo processual (ver Vieira de Andrade, na obra citada, páginas 262 e 263; e acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06-06-2007, processo 02536/07): a) A urgência na decisão de modo a evitar a lesão ou inutilização de um direito, liberdade ou garantia fundamental ou de natureza análoga. b) A impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar para o fim pretendido. c) A referência do pedido à imposição de uma conduta positiva ou negativa da Administração. Importa, portanto verificar se no caso concreto se verificam estes pressupostos. No caso concreto, como se decidiu na sentença recorrida, a autora não especifica, com factos, como o início do funcionamento da casa mortuária mandada edificar pela demandada afectam a sua “cidadania activa”, a sua integridade física e moral, ou a qualidade da sua vida.
Como ensinava Alberto dos Reis, no Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, página 372, distinguindo as figuras da ineptidão e da incorrecção ou insuficiência da petição, a propósito da causa de pedir:
“Importa, porém, não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente. Claro que deficiência pode implicar ineptidão: é o caso de a petição ser omissa quanto ao pedido ou à causa de pedir; mas aparte esta espécie, daí para cima são figuras diferentes a ineptidão e a insuficiência da petição. Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga”.
E, mais adiante, na página 374:
“Por vezes torna-se difícil distinguir a deficiência que envolve ineptidão da que deve importar improcedência do pedido. Há uma zona fronteiriça, cuja linha divisória nem sempre se descobre com precisão. São os casos em que o autor faz, na petição, afirmações mais ou menos vagas e abstractas, que umas vezes descambam na ineptidão por omissão da causa de pedir, outra na improcedência por falta de material de facto sobre que haja de assentar o reconhecimento do direito”.
Na situação em apreço a autora alegou apenas em parte os factos relevantes para o seu pedido, em particular, a conduta da demandada no sentido de construir uma casa mortuária paredes meias com a sua casa; para além da situação de doença do seu filho.
Mas esses são factos que não são decisivos; não permitem a conclusão, necessária para a procedência do pedido, de que a descrita conduta da autora provocou na sua esfera jurídica, a lesão de direitos fundamentais e em que medida, em particular, a “cidadania activa”, a sua integridade física e moral, ou a qualidade da sua vida.
Ora, cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, ou seja, em que fundamenta o seu pedido e cabe ao demandado alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito arrogado pelo autor bem como a matéria de impugnação – artigo 342º, n.º2, do Código Civil, e artigos 5º e 414º do actual Código de Processo Civil (artigos 264º e 516º, do anterior Código de Processo Civil). O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo pelas partes e, para além desta, os factos instrumentais e os factos notórios ou de conhecimento geral (cf. artigo 5º, 411º, 412º e 414º, do actual Código de Processo Civil (artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do anterior Código de Processo Civil).
Em particular dispõe o artigo 5º do actual Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal”:
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.” No caso não se vislumbra que factos, instrumentais, complementares, do conhecimento geral ou oficioso, o Tribunal poderia ter em conta, pois, olhando para os termos em que foi configurada a acção, sempre seriam factos pessoais ou do conhecimento pessoal da autora.
Por outro lado, a prova documental é, como o próprio nome indica, um meio de prova. Não substitui a articulação de factos, destina-se a provar os factos que foram articulados. Dito de outro modo: a prova documental não substitui o ónus – que cabe ao requerente – de especificar, por artigos, os fundamentos do pedido principal ou da providência cautelar – para além dos artigos do Código de Processo Civil acima indicados, ainda os artigos 78º, n.º2, alínea g), e 114º, n.º3, alínea g), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Em casos contados poderá a remissão para os documentos servir como alegação de factos, em obediência ao princípio pro actione e da prevalência da justiça material sobre a apreciação meramente formal das pretensões deduzidas em Juízo. Mas para que assim suceda é necessário que a remissão permita perceber, de forma inequívoca, quais os factos, mencionados nos documentos, para os quais se remete. Caso contrário, a outra parte ficará impedida de contradizer os factos invocados e o Tribunal ficará impossibilitado de apreciar o pedido por desconhecer, com certeza, os factos que lhe servem de fundamento. Neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10.07.2008, no processo 03870/08. Dito isto, teremos de concluir que o Tribunal apreciou o que havia que apreciar, a insubsistência evidente do pedido face aos factos atendíveis, os articulados e provados.
O mesmo se diga em relação ao pedido subsidiário: o tribunal pronunciou-se nos únicos termos em que se impunha pronunciar, com prejuízo de todas as demais questões que se pudessem suscitar.
Considerou - bem, de resto -, inatendível a convolação do processo de intimação em procedimento cautelar.
Diz-se, a este propósito, na sentença recorrida:
Com efeito, da forma como a Requerente configura o pedido não existe margem para dúvidas quanto à forma processual escolhida, pelo que a pronúncia sobre o respectivo mérito há-de realizar-se no âmbito do processo de intimação para a protecção de direitos liberdades e garantias, e não da forma para a qual se impetra a convolação, ou seja, de uma providência cautelar inominada.
A intervenção do juiz na convolação da forma processual, deve, e só pode, ocorrer, quando o interessado introduz em juízo um pedido fundado numa específica causa de pedir, ao qual corresponde uma forma processual diferente da escolhida – v.g. o pedido de anulação de um acto administrativo sob a forma de acção administrativa comum. Já não se revela aceitável quando para o efeito é imprescindível a formulação de um juízo prévio sobre a questão substantiva, em ordem a verificar que o pedido concreto formulado, improcedendo na forma escolhida pelo interessado, com a qual é compatível o silogismo judiciário em que assenta, reuniria condições para apreciação numa outra qualquer.
Vale o referido por dizer que alegando a Requerente, exclusivamente, a violação de direitos fundamentais por parte da Requerida, para remédio da qual requer a intervenção do tribunal ao abrigo da forma processual especificamente prevista para o efeito, surge absolutamente Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra impossível a convolação numa providência cautelar - cujo objecto, que a requerente não expressa, seria, eventualmente, de intimação a suspender a utilização da casa mortuária - perante um articulado destituído de uma factualidade adequada a demonstrar a ilegalidade do comportamento da Requerida, sintética e conclusiva, de todo, quanto a hipotética lesividade, omitindo até, requerimento para a realização da menor diligência probatória.
Em conclusão, não é ao tribunal, mas à Requerente, que competiria a escolha, dentre os pedidos ainda que subsidiariamente formulados, daquele que se adapta ao desiderato que visa alcançar.
Isto porque não pode o juiz ser colocado na obrigação de decidir, substituindo-se ao interessado, qual a forma processual sob a qual deve ser tramitado o pedido (até porque a convolação em providência cautelar, exigiria, além do mais, o pagamento prévio da taxa de justiça devida)”.
Acresce, a estes argumentos válidos, coerentes e suficientes para a decisão tomada, de não aceitar a convolação pretendida, o seguinte:
Como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.01.2008, no processo 03290/07 (ponto I do sumário):
“A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, regulada nos artigos 109° a 111° do CPTA, é um meio processual principal de carácter urgente, que constitui a concretização, no plano processual, do disposto no artigo 20° n° 5, da CRP.”
A lei prevê, por outro lado, o n.º1 do artigo 121º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo e Fiscais, sob a epígrafe, “Decisão da causa principal”:
“Quando a manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, permita concluir que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar e tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito, o tribunal pode, ouvidas as partes pelo prazo de 10 dias, antecipar o juízo sobre a causa principal.
E, como já se deixou dito, um dos requisitos ou pressupostos deste meio processual é a impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar para o fim pretendido.
Ou seja, prevê-se a convolação do decretamento de uma providência cautelar numa decisão própria de um processo principal, como a que se impõe tomar no pedido de intimação regulado no artigo 109º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, mas não o inverso, a convolação de um processo principal em cautelar.
O que se compreende:
No processo cautelar, à imposição de invocar os factos que permitem aquilatar da necessidade de tomar uma medida cautelar, acresce a necessidade de invocar factos dos quais se extraia a existência de fundamento da pretensão própria do processo principal – artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Já no processo principal não cabe articular factos enquadráveis no disposto neste preceito, a justificar a adopção de medidas cautelares.
Daí que no processo cautelar seja suposto que “…tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito …de …antecipar o juízo sobre a causa principal”, conforme determina o n.º1, do artigo 121º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo e Fiscais.
O que não sucede na hipótese inversa, aqui pretendida.
Conclui-se, assim que a decisão recorrida não só não padece de qualquer nulidade, também nesta parte, como decidiu com acerto.
2. A preterição da prova documental oferecida. Conclui a recorrente, nesta parte que a decisão impugnada violou o disposto no artigo 413º do Código de Processo Civil (ex vi art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), ao desconsiderar em absoluto a prova documental produzida pela ora recorrente. Mas sem razão. Como ficou acima dito, a prova documental é isso mesmo, prova, e não substituto do articulado. Ora os factos alegados relevantes para a decisão do pleito foram dados como provados, pelo que nessa parte era desnecessário produzir qualquer outra prova, documental ou não. A recorrente, aliás, continua sem alegar quais os factos para cuja prova os documentos apresentados eram relevantes e decisivos para a procedência da acção. Nem se descortina que factos pudessem ser esses, a provar pelos documentos apresentados. Não se verifica, pois, a violação desta disposição legal, ou outra, na decisão recorrida. Improcede também nesta parte o recurso. 3. A preterição de prova testemunhal, oficiosamente determinada. Finalmente, invoca a recorrente que a decisão em apreço desrespeitou a norma constante do artigo 110.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ao ter concluído pela necessidade de prova testemunhal, sem cuidar de promover (oficiosamente), como sempre lhe incumbiria, qualquer diligência nesse sentido. Também já se adiantou, em parte, a decisão desta questão. Ao contrário do decidido, mas conduzindo ao mesmo resultado, não se impunha sequer produzir qualquer prova testemunhal. Isto porque não havia factos alegados – ou de conhecimento oficioso – que pudesse ser objecto dessa ou de outra prova qualquer. Improcedendo também este último fundamento, improcede o recurso na sua totalidade. * IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em JULGAR IMPROCEDENTE O PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, pelo que mantém a decisão recorrida, embora por fundamentos não totalmente coincidentes. Custas pela recorrente. * Ass.: Rogério Martins |