Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02137/16.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/25/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Hélder Vieira
Descritores:PASSAGEM A LICENÇA SEM REMUNERAÇÃO, AUDIÊNCIA DO INTERESSADO, IMPRODUTIVIDADE DO EFEITO ANULATÓRIO
Sumário:I — Padece de erro nos pressupostos de facto e violação de lei o acto que determina a passagem de trabalhador à situação de licença sem remuneração, prevista no nº 5 do artigo 34º da Lei nº 35/2014, se se verifica que o mesmo foi adoptado antes de ser apurada a eventual incursão do interessado na situação prevista na alínea b) do nº 6 do mesmo artigo.

II — Deve considerar-se preterida a audiência prévia se, nesse caso, o trabalhador não foi ouvido no procedimento quanto àquele resultado, na medida em que, no exercício do direito de audiência, o interessado poderia ter-se pronunciado sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos, o que poderia obviar a uma tal prática de acto, pois a vinculação à solução jus-normativa da passagem a uma situação de licença sem remuneração só tem lugar no caso de se verificarem os atinentes pressupostos de facto, o que, no caso e à data, não haviam ocorrido, pela existência de um procedimento ainda em curso ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 6 do artigo 34º da Lei nº 35/2014, visando, precisamente, a não aplicação do disposto no nº 5 desse artigo 34º;

III — O que, igualmente, não permite a improdutividade do efeito anulatório do acto impugnado, uma vez que a apreciação do caso concreto não permite, no caso, identificar apenas uma solução como legalmente possível, nem se comprovou, sem margem para dúvidas, que mesmo sem o vício, o acto teria sido praticado com o mesmo conteúdo.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO

Recorrente: Centro Hospitalar de São João, EPE (adiante, Hospital)
Recorrido: Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, em representação do seu associado J... (adiante, designado por Trabalhador)
Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a acção administrativa impugnatória do acto administrativo, de 22-06-2016, pelo qual o trabalhador passou à situação de licença sem remuneração a partir de 06-06-2016.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, do seguinte teor:
“1 - O facto de o direito de audiência não ter sido exercido pelo associado do Recorrido deve considerar-se como não essencial, na medida em que os factos dados como provados demonstram que não ocorreram quaisquer circunstâncias passíveis de afastar o regime de licença sem remuneração (art. 34° n.º 6 da Lei n.º 35/2014), sendo certo que tivesse aquele direito sido exercido, a decisão [mal do Recorrente não poderia ser diferente;
2 - A verificação dos factos constantes do art. 34° n.° 6 da LGTFP não constituem pressupostos para o Recorrente colocar o trabalhador em licença sem remuneração, mas antes constituem pressupostos para o associado do Recorrido afastar a aplicação desse regime;
3 - Na sequência, o Recorrente não decidiu prematuramente a colocação do associado do Recorrido numa situação de licença sem remuneração, na medida em que os pressupostos legais do art. 34° n.° 5 da LGTFP estavam preenchidos e, por outro lado, era sobre este quem impendia o ónus de informar a sua entidade empregadora de um eventual facto que afastasse a aplicação daquele regime, ao abrigo art. 34° n.° 6 da LGTFP;
4 - Ainda que se considerasse que a decisão do ora Recorrente, em colocar o associado do Recorrido numa situação de licença sem remuneração, tivesse sido precipitada por não se conhecer o resultado da junta médica da CGA, sempre seria inútil proceder à anulação do ato administrativo;
5 - Os factos dados como provados - trabalhador ter sido considerado apto pela junta médica da CGA e trabalhador ter voltado a adoecer sem que tenha prestado mais de 30 dias de serviço consecutivos - constituem pressupostos suficientes para a aplicação do art. 34° n.º 5 da LGTFP, pelo que deverá prevalecer o princípio do aproveitamento do ato administrativo;
Termos em que deve revogar-se o acórdão, ora recorrido, absolvendo o Recorrente dos pedidos.”.

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e não se pronunciou.

De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, que balizam o objecto do recurso [(artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi nº 3 do artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)], impõe-se determinar, se a tal nada obstar, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito, nos aspectos adiante pontualmente indicados.

Sublinha-se que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm, como vimos, o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, a qual apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal «a quo» ou, no adequado contexto impugnatório, que aí devessem ser oficiosamente conhecidas.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Por não ter sido impugnada, nem haver lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão do TAF a quo sobre aquela matéria (artigo 663º, nº 6, do CPC).

II.2 – O DIREITO
Tendo presente os termos da causa e os argumentos das partes, passamos a apreciar cada uma das questões a decidir no plano da impugnação da decisão sob recurso, tendo presente que «jura novit curia», o mesmo é dizer, de harmonia com o princípio do conhecimento oficioso do direito, que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, tal como dispõe o nº 3 do artigo 5º do CPC.
II.2.1. — Intróito
Importa, antes de mais, ter presentes os factos relevantes estruturantes da causa e pacificamente assentes, designadamente, para o que ora importa:
— O Trabalhador em causa exerce as funções de assistente operacional no Hospital de S. João, afecto ao serviço de urgência;
— E, por motivo de doença, faltou ao serviço durante 18 meses;
— Findo esse período de faltas, o mesmo foi presente a junta médica da CGA, que o considerou apto para o trabalho;
— O Trabalhador apresentou-se ao serviço no dia 25-05-2016;
— E, nesse mesmo dia, iniciou um período de 26 dias de férias;
— No dia 02-06-2016, o Trabalhador deslocou-se ao serviço de urgência do Hospital de S. João, queixando-se de ter sofrido uma “queda”, tendo sido efectuado o diagnóstico de “traumatismo da grade costal esquerda”;
— Do doc. nº 3 junto com a petição inicial, que suporta a prova do facto 4º da matéria assente faz referência, pelas fls. 28 e 29 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, revela, ainda, designadamente:
— Sob a epígrafe “história da doença actual”, designadamente: “Acidente em alto mar (na pesca), arrastado por onda, com queda ao mar. Teve TCE parietal, com perda de consciência. Nega cefaleias, tonturas, náuseas ou vómitos. Ficou preso entre duas rochas.”;
— Teve alta no dia 03-06-2016;
— O Trabalhador apresentou dois certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, cobrindo o período de 06-06-2016 a 03-07-2016;
— Em 13-06-2016, o Trabalhador apresentou requerimento de junta médica à CGA (cf. fls. 32 e 100 do processo físico);
— O Hospital empregador, pelo seu conselho de Administração, veio a deliberar no dia 22-06-2016 que o Trabalhador havia passado à situação de licença sem vencimento, “…de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 34.º da Lei nº 35/2014 de 20 de junho…”.
Finalmente, tenha-se presente que a matéria assente por provada contém um facto, o 8º, que verte:
«8.º - A junta médica da CGA, realizada em 13-07-2016 “não considerou o (a) subscrito (a) em referência absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, pelo que o pedido de aposentação por incapacidade foi indeferido, por despacho de 27 de julho de 2016, proferido pela Direcção desta Caixa…” (cf. fls. 101 a 103 do processo físico)» (nosso sublinhado).
Deve dizer-se que este resultado da junta médica, como expressamente do mesmo consta, teve por base — em erro ou não por banda da junta médica, ignora-se nos autos — pedido de aposentação por incapacidade.
Diferentemente, o requerimento de junta médica em causa foi motivado pela necessidade de eventual confirmação de doença incapacitante, nos termos e para os efeitos previstos no nº 6, alínea b), do artigo 34º da Lei nº 35/2014, de 20 de junho.
Na verdade, o vertido no facto assente nº 8 não se apresenta como resposta da junta médica ao requerimento do Autor vertido no facto 6º da matéria assente, já que esse requerimento, tal como consta dos documentos que a sentença recorrida acolheu, junto aos autos a pag. 91 do SITAF, documento nº 006837278, notificado às partes, cujo integral teor se dá por reproduzido, e do qual se retira ter aquele requerimento de junta médica sido enviado à Caixa Geral de Aposentações pelo próprio Serviço de Recursos Humanos do Réu, com data de 15-06-2016, por ofício subordinado ao “Assunto Junta Médica de J...” e com o seguinte conteúdo, designadamente: “Para efeitos de cumprimento do estabelecido na alínea b) do nº 6 do art. 34º da Lei nº 35/2014 de 20 de junho, junto se anexa requerimento de pedido de junta médica”(nosso sublinhado).
Tendo presentes os factos, vejamos o mais.
II.2.2. — Dos alegados erros de julgamento
II.2.2.A — Do erro de julgamento na apreciação da violação de lei
Quanto ao vício invocado pelo Autor, o de violação de lei, por ofensa do disposto no artigo 34º, nº 6, alínea b), da Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, foi o mesmo julgado verificado, com o seguinte discurso dirimente:
«Relembrando de forma sintética os factos em presença, temos o seguinte cenário: o associado do A. esteve a faltar ao serviço durante 18 meses, findos os quais foi presente a junta médica da CGA, que o considerou apto para o trabalho; regressou ao serviço, mas entrou logo no gozo de um período de férias; em plenas férias, o associado do A. sofreu uma queda e ficou incapacitado para o trabalho por novo motivo de doença.
Perante o novo estado de doença do associado do A. e respectiva incapacidade laboral, vejamos qual o tratamento legal. O artigo 34.º, n.º 5, da LGTFP, dispõe o seguinte: “Passa igualmente à situação de licença sem remuneração o trabalhador que, tendo sido considerado apto pela junta médica da CGA, I.P., volte a adoecer sem que tenha prestado mais de 30 dias de serviço consecutivos, nos quais não se incluem férias”. Por aqui se vê que o associado do A. teria de passar “à situação de licença sem remuneração”.
Ainda assim, como poderia obviar a tal regime?
Não tendo ocorrido o internamento do associado do A., só não entraria em vigor o regime da “licença sem remuneração” se “Existir sujeição a tratamento ambulatório ou a verificação de doença grave, incapacitante, confirmada por junta médica, requerida pelo trabalhador, nos termos do artigo 39.º”, segundo o previsto no artigo 34.º, n.º 6, alínea b), do LGTFP (destaque e sublinhado meus).
“In casu”, o associado do A. sofreu a queda em férias no dia 02/06/2016, ficou na situação de incapacitado para o trabalho por motivo de doença a partir de 06/06/2016 e em 13/06/2016 apresentou requerimento de junta médica à CGA para os efeitos previstos no comando legal supra citado.
O R., sem aguardar pela decisão da junta médica de verificação da nova doença do associado do A., isto é, sem obter a certificação pelo órgão técnica e legalmente competente para qualificar essa doença de “grave” ou “incapacitante”, decidiu prematuramente em 22/06/2016 colocar o trabalhador associado do A. em situação de licença sem remuneração a partir de 06/06/2016.
Como já ventilámos, no momento em que proferiu o acto impugnado (“tempus regit actum”), o R. decidiu precocemente a situação concreta do associado do A., colocando-o em licença sem remuneração sem saber ainda se a junta médica requerida pelo trabalhador em 13/06/2016 confirmaria, ou não, a verificação de uma doença grave ou incapacitante do mesmo.
Ao ter actuado dessa forma precipitada (aplicando de imediato o artigo 34.º, n.º 5, da LGTFP), o R. não teve em conta a melhor interpretação do artigo 34.º, n.º 6, alínea b), do LGTFP, cometendo, com efeito, um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Em suma, procedem os vícios assacados pelo A. contra o acto administrativo impugnado, procedendo, de igual modo, a presente acção e a consequente anulação do mesmo acto.».
Fim da transcrição.
Esta decisão, perante os factos provados e o regime legal convocado e aplicável ao caso, deve ser mantida.
O Recorrente manifesta, impugnatoriamente, entendimento que vai no mesmo sentido da interpretação que a sentença recorrida acolhe quanto ao disposto no artigo 34º, nº 6, da Lei nº 35/2014, sem que constitua erro na declaração impugnatória, já que o repete em sede de conclusões.
Alega o Recorrente, designadamente:
“O Recorrente considera que tal conclusão [de anulação do acto impugnado] do Tribunal a quo incorreu numa (…) incorreta interpretação do art. 34º n.º 6 alínea b), do LGTFP, uma vez que a verificação dos factos (ex. doença grave ou incapacitante) não constitui pressuposto para o Recorrente colocar o trabalhador em licença sem remuneração, mas antes um pressuposto para o associado do Recorrido poder afastar a aplicação desse regime;”.
E na conclusão 2ª, alega:
“A verificação dos factos constantes do art. 34° n.° 6 da LGTFP não constituem pressupostos para o Recorrente colocar o trabalhador em licença sem remuneração, mas antes constituem pressupostos para o associado do Recorrido afastar a aplicação desse regime;”.
Ora, em lado algum dos fundamentos da sentença recorrida se descortina ter a decisão sido assente na consideração de que a verificação dos factos constantes do artigo 34°, n° 6, da Lei nº 35/2014 constituem pressupostos para o Recorrente colocar o trabalhador em licença sem remuneração, sendo certo que a solução ali preconizada foi, precisamente, a de que constituem pressupostos para o associado do Recorrido afastar a aplicação desse regime.
Basta atentar, entre o mais, neste segmento da decisão sob recurso:
«Não tendo ocorrido o internamento do associado do A., só não entraria em vigor o regime da “licença sem remuneração” se “Existir sujeição a tratamento ambulatório ou a verificação de doença grave, incapacitante, confirmada por junta médica, requerida pelo trabalhador, nos termos do artigo 39.º”, segundo o previsto no artigo 34.º, n.º 6, alínea b), do LGTFP (destaque e sublinhado meus).
“In casu”, o associado do A. sofreu a queda em férias no dia 02/06/2016, ficou na situação de incapacitado para o trabalho por motivo de doença a partir de 06/06/2016 e em 13/06/2016 apresentou requerimento de junta médica à CGA para os efeitos previstos no comando legal supra citado.» (nosso sublinhado).
A alegação do Recorrente carece de sentido impugnatório, sendo fundamento votado ao fracasso.
Quanto à alegação de que “o Recorrente não decidiu prematuramente a colocação do associado do Recorrido numa situação de licença sem remuneração, na medida em que os pressupostos legais do art. 34° n.° 5 da LGTFP estavam preenchidos” é mera conclusão despida de razões que belisquem os fundamentos da sentença sob recurso, uma vez que nesta expressamente se deixou exarado um juízo adversativo com fundamento, precisamente, na excepção que a lei determina no nº 6, alínea b), do artigo 34º e que, no caso, estava em curso de verificação por junta médica.
E daí ter concluído que «Ao ter actuado dessa forma precipitada (aplicando de imediato o artigo 34.º, n.º 5, da LGTFP), o R. não teve em conta a melhor interpretação do artigo 34.º, n.º 6, alínea b), do LGTFP, cometendo, com efeito, um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.».
No mais, quanto à alegação de que “era sobre este quem impendia o ónus de informar a sua entidade empregadora de um eventual facto que afastasse a aplicação daquele regime, ao abrigo art. 34° n.° 6 da LGTFP”, os factos 5º e 6º da matéria assente, não impugnada, vertem que «5.º - O associado do A. apresentou dois certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, cobrindo o período de 06/06/2016 a 03/07/2016 (cf. fls. 30 e 31 do processo físico); 6.º - Em 13 de Junho de 2016, o associado do A. apresentou requerimento de junta médica à CGA (cf. fls. 32 e 100 do processo físico);».
E certo é que, como já vimos acima, foi o próprio Réu que, com data de 15-06-2016, procedeu ao envio à Caixa Geral de Aposentações do requerimento apresentado pelo Autor, mediante ofício subordinado ao “Assunto Junta Médica de J...” e com o seguinte conteúdo, designadamente: “Para efeitos de cumprimento do estabelecido na alínea b) do nº 6 do art. 34º da Lei nº 35/2014 de 20 de junho, junto se anexa requerimento de pedido de junta médica”.
Carece de razão a alegação do Recorrente.
Improcedem os fundamentos do recurso nesta questão.
Alega, ainda o Recorrente:
“4 - Ainda que se considerasse que a decisão do ora Recorrente, em colocar o associado do Recorrido numa situação de licença sem remuneração, tivesse sido precipitada por não se conhecer o resultado da junta médica da CGA, sempre seria inútil proceder à anulação do ato administrativo;
5 - Os factos dados como provados - trabalhador ter sido considerado apto pela junta médica da CGA e trabalhador ter voltado a adoecer sem que tenha prestado mais de 30 dias de serviço consecutivos - constituem pressupostos suficientes para a aplicação do art. 34° n.º 5 da LGTFP, pelo que deverá prevalecer o princípio do aproveitamento do ato administrativo;”.
Em primeiro lugar, a esta reiterada pretensão do Recorrente opõe-se o disposto na alínea b) do nº 6 do artigo 34º da Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, cujo procedimento estava em curso à data da prolação do acto impugnado, mediante adrede requerimento formulado pelo Autor e remetido à CGA pelo próprio Réu, com expressa menção do seu propósito.
No mais, o princípio «utile per inutile non vitiatur» tem actualmente assento normativo no nº 5 do artigo 163º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e dispõe:
«5 - Não se produz o efeito anulatório quando:
a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;
b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;
c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.».
Ora, no caso presente, claramente, o conteúdo do acto anulado poderia vir a ser outro, pois se fundou em erro sobre os pressupostos de facto, podendo verificar-se a incursão do Autor na situação prevista na referida alínea b) do nº 6 do art. 34º da Lei nº 35/2014, assim obviando à sua passagem à situação de licença sem remuneração que o nº 5 daquele normativo prevê.
Improcedem os fundamentos do recurso nesta matéria.
II.2.2.B. — Do erro de julgamento na apreciação da preterição da audiência do interessado.
A sentença sob recurso conheceu também do vício de preterição da audiência do interessado, que julgou verificado, com a seguinte ponderação:
«Os artigos 121.º e 122.º do Código do Procedimento Administrativo
(CPA) preceituam o seguinte:
Artigo 121.º
Direito de audiência prévia
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 124.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
2 - No exercício do direito de audiência, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.
3 - A realização da audiência suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos.
Artigo 122.º
Notificação para a audiência
1 - Para efeitos do disposto no artigo anterior, o órgão responsável pela direção do procedimento determina, em cada caso, se a audiência se processa por forma escrita ou oral e manda notificar os interessados para, em prazo não inferior a 10 dias, dizerem o que se lhes oferecer.
2 - A notificação fornece o projeto de decisão e demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo pode ser consultado.
3 - No caso de haver sítio na Internet da entidade em causa onde o processo possa ser consultado, a notificação referida no número anterior deve incluir a indicação do mesmo para efeitos de o processo poder também ser consultado pelos interessados pela via eletrónica.
O Conselho de Administração do R. deliberou em 22/06/2016 passar o associado do A. à situação de licença sem remuneração a partir de 06/06/2016. Trata-se de uma decisão desfavorável (negativa), que sujeita a relação jurídica de emprego público do associado do A. a uma nova condição de índole suspensiva, sobretudo, na vertente remuneratória. Indubitavelmente, é uma decisão que causa prejuízos económicos ao associado do Autor.
Pelo atrás enunciado, o associado do A. tinha o direito se ser ouvido no procedimento antes de ser tomada a decisão final, designadamente, sobre o sentido provável desta. O R., omitindo a audiência prévia do associado do A., preteriu uma formalidade universal do procedimento administrativo, violando, assim, o prescrito nos comandos legais acima transcritos.
A ser assim, procede o invocado vício de forma.».
O Recorrente insurge-se contra esta decisão, alegando que “O facto de o direito de audiência não ter sido exercido pelo associado do Recorrido deve considerar-se como não essencial, na medida em que os factos dados como provados demonstram que não ocorreram quaisquer circunstâncias passíveis de afastar o regime de licença sem remuneração (art. 34° n.º 6 da Lei n.º 35/2014), sendo certo que tivesse aquele direito sido exercido, a decisão [mal do Recorrente não poderia ser diferente;”.
Mas não tem razão.
Reitera-se que o disposto no nº 5 do artigo 163º do Código do Procedimento Administrativo (CPA):
«5 - Não se produz o efeito anulatório quando:
a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;
b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;
c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.».
Ora, no caso presente, a audiência do interessado não foi efectuada «tout court».
E a verdade é que o conteúdo do acto anulável pode ser outro, pois a vinculação à solução jus-normativa da passagem a uma situação de licença sem remuneração só tem lugar no caso de se verificarem os atinentes pressupostos de facto, o que, no caso e à data, não ocorreram, pela existência de um procedimento em curso ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 6 do artigo 34º da Lei nº 35/2014, visando, precisamente, a não aplicação do disposto no nº 5 desse artigo 34º.
Por outro lado, não tendo o fim visado pela exigência de audiência prévia preterida tenha sido alcançado por outra via, também não se comprovou, sem margem para dúvidas — bem pelo contrário, em face dos atestados médicos da doença do Autor, na sequência de queda e com diagnosticado “traumatismo da grade costal esquerda” — que, mesmo sem o vício, o acto teria sido praticado com o mesmo conteúdo.
Improcedem totalmente os fundamentos do recurso.
Em suma, à luz do alegado e sopesando os fundamentos do recurso, não se descortina qualquer erro substancial que contenda com a bondade e legalidade do considerado e decidido pelo Tribunal «a quo», pelo que é nosso entendimento que o recurso não pode proceder, o que se decide.

III. DECISÃO

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conferência, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente (artigo 527º do CPC).

Notifique e D.N..

Porto, 25 de Fevereiro de 2022

Helder Vieira, o Relator
Alexandra Alendouro
Paulo Ferreira de Magalhães