Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00680/16.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/15/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:COMISSÃO DE JOGO; MULTA; VIOLAÇÃO À PROIBIÇÃO DE ACESSO A CASINO; FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
Sumário:
1 – O tribunal ao fixar a materialidade controvertida, terá de assentar na prova disponível, recorrendo ao princípio da livre apreciação da prova produzida, como resulta dos artigos 366.º do Código Civil e 607.º, n.ºs 4 e 5, do novel Código de Processo Civil.
Não é suposto que o tribunal cuide de selecionar e fixar todos os factos que se mostrem provados, mas tão-só aqueles que sejam relevantes para a boa decisão da causa.
Ao tribunal de recurso não compete repetir o julgamento da matéria de facto efetuado pelo tribunal de 1.ª instância, nem pronunciar-se sobre impugnações genéricas da matéria de facto, apenas lhe incumbindo rever concretas questões de facto controvertidas, o que exige que o recorrente concretize as divergências que pretende ver apreciadas em sede de recurso.
2 - As concessionárias de jogo de fortuna e azar encontram-se legal e contratualmente obrigadas a cumprir as exigências de acesso às salas de jogos, a organizar e manter os meios necessários ao cabal cumprimento dessa obrigação, e em especial, a desenvolver os atos necessários a impedir o acesso às salas de jogos de quem requereu e obteve do Inspetor-geral de jogos a proibição de acesso às mesmas, nos termos do artigo 38.º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro que aprovou o regime jurídico do jogo (Lei do jogo).
3 - Por cada entrada irregular nas salas de jogos - as previstas no artigo 32º da Lei do jogo - a concessionária incorre na prática da infração administrativa prevista e punida com multa no artigo 125º da Lei do jogo.
4 - É incontornável que o facto do artigo 118.º da Lei do Jogo, afirmar expressamente que “O incumprimento pelas concessionárias, ainda que sem culpa, das obrigações legal e contratualmente estabelecidas constitui infração administrativa, punida com multa e rescisão do contrato, nos termos dos artigos seguintes”, mais se afirmando no nº 2 do mesmo normativo que “O disposto no número anterior é aplicável às concessionárias quando as infrações sejam cometidas por empregados ou agentes destas.”
É assim claro que o referido normativo não impõe a existência de culpa por parte dos empregados da concessionária para que haja responsabilidade da concessionária pela admissão indevida de frequentadores do casino. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:SV – SITCV, SA.
Recorrido 1:Instituto do Turismo de Portugal, IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A SV – SITCV, SA., no âmbito da Ação Administrativa que intentou contra o Instituto do Turismo de Portugal, IP, tendente, designadamente à impugnação da deliberação da Comissão de Jogo n.º 05-04/2016/CJ de 15 de fevereiro de 2016 que lhe aplicou uma multa no valor de €300, em decorrência da entrada em 2 de julho de 2015 no Casino de V… de pessoa proibida de aceder àquelas instalações, inconformada com a Sentença proferida no TAF de Aveiro em 29 de maio de 2018 que julgou a Ação improcedente, veio Recorrer para esta instância em 25 de junho de 2018, tendo concluído:
I - Na petição inicial a A, ora Recorrente, alega, além do mais, dois vícios do ato impugnado, a saber: a) Violação do art. 69°, nº 1, al. b) do Código de Procedimento Administrativo (cfr. Artigos 14° a 22° da Petição Inicial);
b) Violação do direito de audiência previa (Cfr. Artigos 23° a 33° da Petição Inicial) Confrontada a douta sentença recorrida, é inequívoca a ausência de qualquer referência ou pronúncia quanto aos vícios imputados ao ato impugnado, limitando-se a decisão à questão de fundo.
II - O artigo 95° n° 1 e 3 do CPTA. dispõe, expressamente, que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, o que, a não acontecer, determina a nulidade da sentença nos termos da al. d) do art. 615° do CPC, aplicável por remissão do artigo 1° do CPTA.
III - Sem conceder, deverá ainda ser determinada a anulação da decisão da matéria de facto, que, diga-se, não tem na sua base qualquer vício propriamente dito, mas sim um vício de base, concretamente na seleção da matéria de facto relevante. que deverá ser ampliada, tendo em conta as várias soluções de direito, designadamente a defendida pela ora Recorrente, sendo pacifico que esta questão pode ser suscitada em sede de recurso, podendo o Tribunal Superior anular a decisão recorrida e ordenar a repetição do julgamento, muito embora a repetição não abranja a parte da decisão não afetada pelo vício. ( cfr. art. 662°, n° 2, al c) e n° 3, aI. c) do CPC).
IV - Por último, constando da douta sentença que, "(...) É que resulta patente do texto do artigo 118º da Lei do Jogo que o legislador de 1995 (do DL nº 10/95 de 19 de janeiro), optou claramente por distinguir dois tipos de responsabilidade sancionatória atribuída às concessionárias: a responsabilidade administrativa e a responsabilidade contraordenacional [ver epigrafe do artigo 118° citado). A primeira delas, baseada apenas na culpa apurada dos seus empregados ou agentes; [ver artigo 118° n.º 1. e n.º 2 da lei do jogo) e a segunda baseada na culpa própria dos seus legítimos representantes [artigo 118° n.º 7]. (...)" importa sublinhar que compulsados os factos provados vertidos na douta sentença, alcança-se que eles não integram matéria de facto que permita suportar uma atuação culposa dos empregados da Recorrente/Concessionária e enquanto tal a sua própria responsabilidade administrativa, daí decorrendo erro de julgamento.
Termos em que, nos melhores de direito doutamente, supridos por V. Excias. Requer-se a revogação da douta sentença recorrida, e, consequentemente, seja julgado procedente o pedido de anulação deduzido pela A, ora recorrente.
Assim se fazendo Justiça”.
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O Turismo de Portugal, IP veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 2 de outubro de 2018, concluindo:
1.ª A Recorrente vem invocar a nulidade da sentença recorrida com fundamento na omissão de pronúncia relativo aos vícios imputados ao ato impugnado, a qual se afigura absolutamente improcedente, não sendo possível extrair tal desvalor.
2.ª A omissão de pronúncia que decorre na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex.vi artigo 1.º do CPTA só pode ser decretada quando o Tribunal não tome nenhuma posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição.
3.ª Da análise da sentença recorrida é manifesto que não se pode concluir pela omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal a quo apreciou as invalidades do ato impugnado, pelo que, não se verifica preenchido o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC,
4.ª Deve este Venerando Tribunal julgar improcedente o recurso quanto à anulação da decisão de facto, por se afigurar infundada qualquer falência de factos relevantes para a concreta decisão da causa.
5.ª Quanto ao primeiro ponto, no que respeita aos temas de prova, não procede o entendimento da Recorrente quando alega que recai sobre o Tribunal o dever de levar aos factos provados ou não provados os temas de prova. São os factos que constam dos articulados, e não os temas de prova, que o artigo 94.º n.º 3 do CPTA impõe que sejam declarados como provados ou não provados pelo Tribunal. 6.ª Também não procede o pedido de ampliação da matéria de facto, do qual a Recorrente pretende aditar o temas de prova, por se afigurar absolutamente irrelevante para o julgamento da presente causa.
7.ª Os factos que relevam para a decisão da causa são, tão-somente, os que permitem apurar a responsabilidade da Recorrente pela entrada irregular da frequentadora proibida pelo que, verificada a irregularidade - e tendo sido dado como provada - basta, per si, para a Recorrente incorrer na previsão normativa do artigo 125.º da Lei do Jogo.
8.ª Não procede, por outro lado, o alegado erro de julgamento por falta de matéria de facto que suporte a atuação culposa dos empregados da Recorrente e, consequentemente, a sua responsabilidade porquanto a responsabilidade das concessionárias não radica na culpa dos seus empregados.
9.ª O que decorre do n.º 1 e n.º 2 do artigo 118.º da Lei do Jogo é a responsabilidade administrativa das concessionárias por incumprimento das suas obrigações legal e contratualmente estabelecidas, ainda que tal incumprimento tenha sido cometido pelos seus empregados.
10.ª Trata de uma responsabilidade objetiva que prescinde do requisito da culpabilidade pelo que, não encontra qualquer cabimento legal a argumentação da Recorrente.
11.ª Fica, portanto, cabalmente demonstrada a manifesta improcedência do recurso interposto, porquanto se conclui pela impossibilidade de assacar qualquer censura ao aresto recorrido.
Nestes termos, E nos melhores de direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a decisão contida na sentença recorrida.”
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Por Despacho de 28 de novembro de 2018, foi admitido o Recurso
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 22 de janeiro de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, impondo-se verificar se se verificará a invocada omissão de pronúncia, para além da igualmente suscitada “falta de factos necessários para a correta decisão da causa”
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
1. A 22 de julho de 2013 é subscrito documento timbrado do Serviço de Inspeções de Jogos do Turismo de Portugal, onde consta:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 31 e segs dos autos – paginação eletrónica)
2. Em 25 de julho de 2013 é notificada a SV da "Notificação 415/2013", dirigido à SV e proveniente de "Turismo de Portugal", ali constando:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 31 e segs dos autos – paginação eletrónica)
3. A 2 de julho de 2015 foi levantado "Auto de Notícia" pelo serviço de regulação e inspeção de Jogos à SV, ali constando, em particular:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 31 e segs dos autos – paginação eletrónica)
4. A 20 de julho de 2015 foi feito visionamento do DVD 108, contendo as imagens gravadas dos factos ocorridos a 1 de julho de 2013, tendo ali sido visualizada entrada de GP no Casino de V… em 17h32:23, pela Câmara 18 e 270, sentando-se na máquina 92904;
(Facto Provado por documento, a fls 31 e segs dos autos – paginação eletrónica)
5. A 9 de setembro de 2015 a SV foi notificada da Nota de Responsabilização para que exerça o direito ao contraditório, no prazo de 10 dias;
(Facto Provado por documento, a fls 31 e segs dos autos – paginação eletrónica)
6. A 18 de setembro de 2015 a SV exerce o seu direito de defesa e o contraditório;
(Facto Provado por documento, a fls 31 e segs dos autos – paginação eletrónica)
7. A 25 de novembro de 2015 é elaborado o Relatório Final referente ao processo administrativo AD-2015-140-V…, cuja arguida é SV, SA, e cuja proposta é no sentido de a multar em € 300;
(Facto Provado por documento, a fls 31 e segs dos autos – paginação eletrónica)
8. A 15 de fevereiro de 2016 o serviço de regulação e inspeção de jogos delibera:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 31 e segs dos autos – paginação eletrónica)
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IV – Do Direito
Analisemos então o suscitado.
No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se no tribunal de 1ª instância:
“(...) A exploração das zonas de jogo é atribuída, mediante concessão do Estado, a entidades privadas, em regime de exclusividade. Como decorre do artigo 7º do Decreto-Lei nº 48 912, de 18 de Março de 1969: “…A concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar em cada uma das zonas de jogo efetuar-se-á em regime exclusivo, mediante concurso público, a empresas legalmente constituídas sob a forma de sociedades anónimas de responsabilidade limitada…”.
Em resultado disso, encontram-se atualmente adjudicadas dez zonas de jogo a que correspondem outros tantos casinos em exploração.
A atual Lei do Jogo, titulada pelo Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redação aqui aplicável, ou seja, conferida pelo DL n.º 114/2011, de 30 de novembro, estabelece, no seu artigo 9.º, que o direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado e só pode ser exercido por entidades a quem, na observância de determinadas condições, for adjudicada uma concessão.
Ao manter como princípio o regime de monopólio, o legislador deixa implícita a ideia de estarmos em presença de uma atividade que, pela sua natureza, apenas em condições determinadas e mediante outorga de um contrato de concessão, pode ser exercida por particulares mantendo-se, contudo, no domínio público. Assim, o Estado reserva-se ainda um extenso leque de poderes especiais relativamente à ação dos adjudicatários na execução dos contratos, e durante a vigência destes, por via da intervenção do organismo regulador e fiscalizador da atividade.
A figura da igualdade está pois arredada dos contratos de concessão das zonas de jogo pois que o Estado atua não como simples particular, mas dotado de poderes de autoridade e, portanto, imerso num princípio de competência, só podendo agir com expresso suporte legal, nos termos e até onde a lei o permitir. Como decorre dos artigos 9.º e 10.º desta Lei do Jogo “…O direito de explorar jogos de fortuna ou azar pode ser exercido por empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas a quem o Estado adjudicar a respetiva concessão … mediante contrato administrativo outorgado na sequência de concurso público…”.
Não é indiferente, no caso, a imposição de um tipo específico de sociedade comercial. Na verdade, ao impor que as empresas opositoras em concurso para adjudicação da exploração das zonas de jogo revistam a forma de sociedades anónimas, é visível a preocupação do Estado em subordiná-las a um regime determinado de funcionamento e organização interna e às consequentes regras de relacionamento institucional. As empresas que dispõem de licenças para explorar jogos de fortuna ou azar apresentam-se assim na dupla condição jurídica de sociedades comerciais e de concessionárias, regendo a sua ação, por um lado, pelas regras da legislação comercial e pelos seus estatutos e, por outro, pela legislação e regulamentação aplicável à atividade jogo. Quer-se com isso significar que, sempre que não resulte da lei do jogo e do contrato de concessão regime especial, as empresas concessionárias regem-se e são tratadas como sociedades comerciais.
Não existe em Portugal uma política consertada e dirigida à resolução à concreta proteção do jogador que vise acautelar as eventuais ocorrências de danos sociais e, numa outra instância, acolher, tratar e acompanhar os casos de patologia mais agravada. A atividade conhecida neste domínio parte da remessa, em boa parte, da responsabilidade inibitória para as concessionárias.
A legislação ordenadora da atividade de jogo a dinheiro praticado em casinos e salas de bingo prevê mecanismos de proteção ao jogador que integram, nomeadamente, a possibilidade de este requerer a inibição de aceder aos locais de jogo. Trata-se de medida de caráter administrativo que representa, ainda assim, um importante suporte nas iniciativas corretivas do problema do jogo como adição, uma vez que é aplicada pela própria entidade reguladora da atividade e sujeita à sua fiscalização.
Aliás, em Portugal, os casinos eram obrigados a exigir, desde 1927, a exibição do bilhete de identidade aos seus clientes, situação que veio a ser modificada por via das sucessivas alterações à Lei do Jogo, sobretudo as introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 10/1995, de 19 de janeiro e pelo Decreto-lei n.º 40/2005, de 17 de fevereiro.
Assim, só nas salas de jogos tradicionais se manteve o regime obrigatório de identificação prévia. Como se vê, o dever de os porteiros solicitarem a exibição do documento de identificação pressupõe a suspeita de os clientes serem menores de 18 anos ou não emancipados.
Em síntese, conservaram-se, tal qual, as disposições que visam impedir o acesso às salas de jogo de todos os casinos do território português por parte de indivíduos excluídos por iniciativa própria, por decisão do Serviço de Inspeção de Jogos ou mesmo na sequência de providência cautelar decretada ou de sentença judicial transitada em julgado. Por isso, o legislador português previu no artigo 38.º, n.º 1, da Lei do Jogo, na redação aos autos aplicável, que o Inspetor-Geral de Jogos, por “…sua iniciativa, ou a pedido justificado das concessionárias, ou ainda dos próprios interessados... pode proibir o acesso às salas de jogos a quaisquer indivíduos, nos termos do presente diploma, por períodos não superiores a cinco anos…”, de acordo com modelo de requerimento oficialmente disponibilizado.
A razão de ser da norma reside na ideia de proteção de um direito subjetivo de personalidade como apontou o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 29/3/2012 que entendeu que a apresentação do pedido de auto proibição de acesso às salas de jogos “…configura uma providência que visa salvaguardar um direito subjetivo de personalidade do autor em conformidade com o estatuído no n.º 2 do artigo 70.º do Código Civil…”.
Entendeu ainda aquele Tribunal que a lei visa proteger os indivíduos de si mesmos, procurando contê-los da adição, do vício a que estão sujeitos, e assim evitando a sua degradação, tanto como pessoas individualmente consideradas ou em sociedade, como financeiramente. Protege-se, pois, a integridade moral que, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, da Constituição, é inviolável e que, como tal, impõe uma exigência muito positiva de atuação dos poderes públicos no sentido de assegurar a sua tutela, adotando medidas legislativas correspondentes.
Na verdade, a respeito do direito de personalidade tem uma vertente objetiva e uma vertente subjetiva. A primeira pode designar-se de direito objetivo de personalidade e a segunda de direito subjetivo de personalidade.
Pois bem: constitui o direito objetivo de personalidade a regulação jurídica relativa à defesa da personalidade consagrada, quer no direito supranacional, quer na lei constitucional, quer na lei ordinária, cuja ratio se funda em razões de ordem pública e de bem comum. Por seu turno, o entendimento da defesa da personalidade como direito subjetivo é qualitativamente diverso, embora não deixem de estar intimamente ligadas a tutela objetiva e a tutela subjetiva da personalidade. A primeira é constituída como um dever de agir perante os outros; a segunda como direito subjetivo absoluto que cada um tem de defender a sua própria dignidade como Pessoa.
É neste enquadramento que se insere o disposto no artigo 70 nº 2 do CC, segundo o qual “…a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida…”.
Aliás, há poderes potestativos que permitem ao titular requerer e obter em juízo as providências preventivas e atenuantes consagradas no n.º 2 do artigo 70.º do CC, ou o poder de desvinculação às limitações voluntárias de direitos de personalidade, consagrado no artigo 81.º do CC. Estes poderes constituem os meios que o titular do direito subjetivo de personalidade tem ao seu alcance para assegurar o êxito da sua personalidade.
Ora, quando o jogador é interdito visa-se a defesa da sua compulsividade do jogo usando-se, precisamente, uma das providências adequadas à defesa do direito pessoal, consubstanciado nesse interesse subjetivo de se afastar das salas de jogo e, com isso, preservar a sua dignidade pessoal, salvaguardando a sua personalidade. Estamos, aqui, perante um direito subjetivo de personalidade do jogador com vista a salvaguardar a sua dignidade pessoal, que merece a tutela do direito, conforme decorre do citado artigo 70.º do C. Civil.
O réu abriu procedimento administrativo tendente a aferir a responsabilidade da autora, concessionária, tendo visualizado as imagens constantes do DVD sendo possível ver a frequentadora interdita a jogar em várias máquinas (Facto Provado 4.).
Está, assim, provado que a pedido da interessada GP foi proferido despacho de "interdição" no acesso às salas de jogo de todos os Casinos do país (Facto Provado 1.) e que a 25 de julho de 2013 a SV foi disso notificada (Facto Provado 2.).
G…, apesar de interdita, acedeu às salas de jogo do Casino de V… onde permaneceu mais de uma hora em 1 de julho de 2013 (Factos Provados 3. e 4.), tendo por isso sido multada em € 300 (Factos Provados 7. e 8.).
Constata-se que, atento os interesses públicos em causa, de atribuir à Inspeção Geral dos Jogos (Administração) a responsabilidade de fiscalização, mas chamando também as concessionárias à corresponsabilidade de, numa primeira análise, colaborarem na seleção qualitativa dos frequentadores através da emissão de cartões de acesso, ou não permitindo o acesso às salas de jogo.
O legislador quis responsabilizar as concessionárias, atribuindo-lhes o poder-dever de colaborar com aquela Inspeção nesse controlo, sem esquecer a tutela dos interesses públicos visados, como o condicionamento do acesso às salas de jogo em certas circunstâncias.
E sendo assim a autora, ao permitir ao réu o acesso às salas de jogo, não obstante estar notificada pela Inspeção Geral de Jogos daquela interdição, contribuiu inquestionavelmente para a violação daquele direito subjetivo.
Segundo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17 de fevereiro explicava-se que as “… condições estabelecidas para o acesso (às salas mistas), iguais às exigidas para as salas de jogos tradicionais … não têm favorecido a exploração das salas mistas…” [salas criadas em 1995, por via do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro, onde se podem praticar jogos tradicionais e de máquinas].
Os casinos portugueses passaram, voluntariamente, a qualificar-se, na sua totalidade, como espaços de jogo, abertos ao público e como centros integrados de animação e de lazer. Esta alteração teve como efeito prático o desaparecimento progressivo e quase total das salas de jogos tradicionais nos casinos, as únicas onde continua a haver controlo formal de acesso.
Contudo, estas alterações não foram acompanhadas de medidas de fiscalização no acesso às salas de jogo, através, nomeadamente, da criação de novos meios de controlo, com vista a impedir a entrada de pessoas proibidas de aí acederem. Em ordem a aumentar o sucesso na exploração das salas mistas, considerou-se “…necessário, reformular o regime de entradas nas salas em causa, dispensando-se a emissão de cartões…”.
Sabe-se que, efetivamente, o legislador foi longe já que, para além da dispensa da emissão de cartões, dispensou também o controle de acesso mediante a exibição de documento oficial de identificação, não tendo criado qualquer controle alternativo.
Em todo o caso, sobre as empresas concessionárias recai a obrigação de impedir e obstar a esse acesso, nos termos em que ele é determinado pela Inspeção-Geral de Jogos. E aqui, no que a este aspeto diz respeito, atente-se não só ao facto de a lei falar apenas em "…proibir o acesso às salas de jogos…" (não as distinguindo). Isto é, no que respeita à proibição de acesso – que o legislador previu no artigo 38.º da Lei de Jogo –, e atentos os interesses em causa que se pretendiam salvaguardar, não distinguiu o legislador entre salas tradicionais, salas de máquinas e salas mistas. Falou apenas em salas de jogos, nada levando a pressupor que ao fazê-lo estava na sua mente, circunscrever a proibição de acesso a umas salas, mas não a outras. E, se atentarmos na ratio da norma, nem teria sentido que assim fosse.
A consequência a retirar desta previsão do artigo 38.º da Lei do Jogo só pode ser uma, sob pena de a mesma ficar esvaziada de conteúdo e de âmbito de proteção: no caso do jogador proibido continuar a frequentar as salas de jogos, quem responde pela não efetivação da decisão – por omissão – só poderá ser a entidade sobre a qual recai a obrigação e o encargo de impedir a entrada do frequentador na sala, através dos seus trabalhadores e agentes: isto é, a empresa concessionária.
Aliás, o acesso às salas mistas foi excluído do âmbito de aplicação do artigo 41.º, n.º 1, onde se determina que as “…concessionárias manterão, durante todo o tempo em que estiverem abertas as salas de jogos tradicionais, um serviço, devidamente apetrechado e dotado de pessoal competente, destinado à identificação dos indivíduos que as pretendam frequentar e à fiscalização das respetivas entradas…”. E apenas se prevê no n.º 3, da mesma disposição, que a “…entrada e permanência nas salas mistas (...) é condicionada à posse de um documento de identificação devendo os porteiros de tais salas solicitar a exibição do mesmo, quando a aparência do frequentador for de molde a suscitar dúvidas…”. Assim, o único possível controlo é o que permitir a memória visual dos funcionários dos casinos.
Resta saber o que sucede quando no interior dos casinos sejam encontrados indivíduos dos que, por alguma razão, se encontrem impedidos de aceder ao jogo:
A) De acordo com o artigo 125.º da Lei do Jogo, sob a epígrafe “Responsabilidade por acessos irregulares”, determina-se que as entradas irregulares nas salas de jogo dos casinos fazem incorrer a concessionária em multa até € 1.250,00 por cada entrada.
Já quanto aos frequentadores das salas de jogo que violem a proibição de entrada, dir-se-á
A) Nas salas de jogos tradicionais dos casinos, as únicas onde é necessária a identificação prévia dos frequentadores, são sancionados com coima entre € 300,00 a € 1.300,00;
B) Nas salas de jogo não tradicionais dos casinos, que constituem a maioria, eliminou-se, desde 2005, a possibilidade de instauração de procedimento contraordenacional aos frequentadores pela irregularidade da entrada;
C) Nestas últimas salas dos casinos, apenas se prevê, no artigo 146.º, n.º 1 e 2, sob a epígrafe “Irregularidades nos acessos às salas de jogos” que, quem “… entrar nas salas mistas, de máquinas ou do jogo do bingo sem estar munido de um dos documentos de identificação previstos no artigo 39.º será punido com coima mínima de € 150,00 e máxima de € 650,00 e proibição de entrada nas salas de jogos até um ano…”;
D) Já na Lei do Bingo prevê-se que os indivíduos que não estejam na posse de documento de identificação legalmente válido sejam sancionados com coima (cfr. artigo 42.º, n.º 3). Neste caso, a coima varia de € 30,00 a € 200,00.
Não se antevendo as razões porque, no caso das salas de jogos dos casinos seja sancionada a concessionária e no caso das salas de jogo do bingo sejam sancionados os frequentadores, quando se viola a proibição de entrada, sendo prudente, de facto, uma uniformidade de soluções, a verdade é que o legislador as distinguiu.
Reconhecemos que, por melhores fisionomistas que sejam, não é possível aos funcionários do casino, todos os anos, memorizarem as feições de várias centenas de pessoas, a maioria das quais só conhecem por fotografia, mas isso deveria impor à autora a adoção, há mais tempo, de outros meios mais eficientes para um verdadeiro desempenho das suas funções de controlo e fiscalização.
A apresentação de documento de identificação à entrada do casino, conforme sucede na generalidade dos casinos europeus, permite compatibilizar a elevada frequência das salas, em certos dias e horas, com a necessidade evidente de tornar eficaz o sistema de exclusões ou proibições, o que deixou de suceder nos casinos em Portugal.
A consequência para o réu desta notificação é a de pender sobre si a obrigação correspondente à proibição, isto é, impedir a entrada da frequentadora nas salas de jogos do país.
Pois bem, a questão decidenda em apreço não é nova e ainda recentemente foi objeto do Acórdão deste TCAN de 20.05.2016, P. 00529/12.8BEAVR, cuja fundamentação parcialmente se transcreve: “… Tal como vertido no supracitado acórdão do STJ, de 25-06-2013, processo nº 948/09.7TVPRT.P1.S1, “…a evolução legislativa que se sumariou revela uma facilitação no acesso às salas de máquinas e salas mistas, criadas em 1995, justificada pelo legislador de 2005 pelo objetivo de rentabilizar a exploração do jogo concessionado, e que veio acompanhada de um acréscimo de responsabilização das concessionárias pela legalidade dessa exploração…" — Como principais inovações, acentua-se a responsabilidade das concessionárias pela legalidade e regularidade da exploração e prática do jogo concessionado e melhoram-se as condições para uma exploração rentável …".
Aliás, questão semelhante foi tomada pelo Acórdão do TCA Norte, de 17 de junho de 2016, no âmbito do processo n.º 00943/12.9BEAVR, onde se escreveu "… As concessionárias estão legal e contratualmente obrigadas a cumprir as exigências de acesso às salas de jogos; estão, pois, obrigadas a organizar e a manter os meios necessários ao cabal cumprimento dessa obrigação, respeitando, naturalmente, as regras legais aplicáveis (cfr., por exemplo, o artigo 52º já citado); e são ainda obrigadas a determinar a quem “for encontrado numa sala de jogos em infração às disposições legais” que se retire (artigo 37º da Lei do Jogo). Se na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como impõe o nº 3 do artigo 9º do Código Civil, então não pode que apenas concluir-se que o legislador, tendo consagrado a possibilidade de proibição de acesso a que se refere o artigo 38º da Lei do jogo, impõe necessariamente um controlo de acesso às salas de jogos, de molde a impedir a entrada a indivíduos que não reúnam os necessários requisitos para a sua frequência, incluindo naturalmente os indivíduos cujo acesso às mesmas está proibido. Reitera-se: Em particular, as concessionárias estão obrigadas a desenvolver os atos necessários a impedir o acesso às salas de jogos a quem requereu e obteve do Inspetor-Geral de Jogos a proibição de acesso, nos termos do disposto no artigo 38º da Lei do Jogo — nestes sentido, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-03-2012, processo nº 1840/05.0TBESP…".
Esta fundamentação, que subscrevemos, é inteiramente aplicável ao caso em apreço, em que o identificado frequentador estava proibido, a seu pedido, de aceder às salas de jogos dos casinos do país. Ordenada a proibição a pedido do jogador, nasce para este uma expectativa jurídica de que, independentemente da sua vontade, será impedido de aceder às salas de jogos.
Poderemos, então, falar, em lesão de direitos subjetivos na medida em que a norma que prevê a proibição de acesso – artigo 38.º da Lei do Jogo – tutela, entre outros, a personalidade moral dos indivíduos, protegendo-os de si mesmos, procurando contê-los da adição, do vício a que estão sujeitos, reprimindo a sua compulsividade, e assim evitando a sua degradação, tanto como pessoas individualmente consideradas ou em sociedade, como financeiramente. Protege-se, neste artigo 38.º da Lei do Jogo, a integridade moral, integridade moral essa que, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, da CRP é inviolável e que, como tal impõe uma exigência positiva de atuação dos poderes públicos no sentido de assegurar a sua tutela, adotando as medidas legislativas correspondentes.
Dúvidas não subsistem, por isso, que o âmbito de proteção da norma que permite a proibição de acesso a salas de jogo abrange a proteção do indivíduo de um estado de sujeição gerado pela dependência e compulsividade. E no que respeita aos direitos de personalidade, a Lei do Jogo é efetivamente um dos meios gerais de tutela, como resulta do artigo 70.º, n.º 2, do CC, verificando-se a infração a uma norma destinada a proteger interesses legalmente tutelados no artigo 38.º da Lei do Jogo, protegendo certa categoria de cidadãos: os adictos do jogo.
Por fim, esta sanção ínsita no ato impugnado não tem natureza contraordenacional. A existência da figura jurídica das chamadas infrações administrativas, ou seja, de ilícitos de natureza administrativa que convocam a aplicação das chamadas sanções penais administrativas.
É que resulta patente do texto do artigo 118º da Lei do Jogo que o legislador de 1995 [do DL nº 10/95 de 19 de janeiro], optou claramente por distinguir dois tipos de responsabilidade sancionatória atribuída às concessionárias: a responsabilidade administrativa e a responsabilidade contraordenacional [ver epígrafe do artigo 118º citado]. A primeira delas, baseada apenas na culpa apurada dos seus empregados ou agentes; [ver artigo 118º n.º 1 e n.º 2 da lei do jogo] e a segunda baseada na culpa própria dos seus legítimos representantes [artigo 118º n.º 7].
Isto significa que o legislador pretendeu, expressamente, autonomizar do âmbito do direito de mera ordenação social [ou direito contraordenacional] a figura jurídica das infrações administrativas, razão pela qual carece de fundamento a suscitada inconstitucionalidade por existir uma sanção sem culpa.
Improcede, por isso, a violação de lei invocada, não podendo proceder o pedido da autora.”
Vejamos:
O Recurso em análise foi interposto pela SV SA relativamente à sentença proferida no TAF de Aveiro, em 24 de maio de 2018, que julgou improcedente a ação administrativa de impugnação que apresentou tendente à anulação da Deliberação n.º 05-04/2016/CJ da Comissão de Jogos, do Turismo de Portugal.
Entendeu o Tribunal a quo que a controvertida deliberação, ao determinar a aplicação de uma coima de 300€, resultante da circunstância de ter sido viabilizado o acesso à sala mista do Casino de V…, em 1 de julho de 2015, de frequentadora, que se encontrava inibida de aceder às salas de jogos de todos os casinos do país, por um período de dois anos, não está ferida dos vícios que determinaram a aplicação da referida coima.
Analisemos os Vícios Suscitados
Da nulidade da sentença recorrida
Invoca a Recorrente/SV a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia relativamente às causas de invalidade imputadas ao ato impugnado.
A este respeito, referiu o tribunal a quo, em despacho de 28 de novembro de 2018 que “Foi suscitada a nulidade da decisão por omissão de pronúncia. Sem grandes delongas, não assiste razão ao autor e mesmo que lhe assistisse razão, ela não teria qualquer consequência por força do princípio do aproveitamento do ato ou princípio da inoperância dos vícios ou utile per inutile non vitiatur.”
Nos termos do artigo 615º do CPC, verifica-se a nulidade da decisão judicial, quando a mesma:
(...)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(...)”
A “omissão de pronúncia” está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por “omissão de pronúncia” verificar-se-á quando exista uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, a “omissão de pronúncia” existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
Logo, não se verifica tal nulidade quando todas as questões que as partes submeteram à apreciação jurisdicional foram objeto de decisão, como é, no essencial, a situação presente.
Na realidade, no caso, o acórdão constitui decisão jurisdicional proferida pelo tribunal no exercício da sua função jurisdicional que, num caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses (públicos e/ou privados) no âmbito das relações jurídicas administrativas (artºs 1º e 4º ambos do ETAF), sendo que os mesmos conhecem do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para aquele caso concreto, pelo que o acórdão pode estar viciado de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação; por outro, como atos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretados e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do falado artigo 615º do CPC.
Na situação em apreciação e tendo presente o enquadramento jurídico acabado de expor, temos que não se vislumbra no acórdão proferido por este TCAN qualquer nulidade.
Saber e determinar se o juízo contido no acórdão sob censura é ou não acertado, consubstanciaria porventura erro de julgamento, o qual, manifestamente, não se integra na previsão do normativo em análise.
Na hipótese vertente, não se vislumbra que o tribunal a quo tenha deixado de apreciar todas as questões que lhe haviam sido levantadas.
Na fase de recurso, em que nos encontramos, o que importa apreciar é se a sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º/2 do CPTA e 639º/1 e 635º do CPC, às que integram o objeto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelo recorrente nas suas alegações, mais concretamente nas suas conclusões (sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso), mas simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal recorrido - veja-se a este respeito, António Santos Abrantes Geraldes, em “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90; Miguel Teixeira de Sousa, em “Estudos sobre o novo processo civil”, Lex, 2ª ed., págs. 524/526 e os Acórdãos deste Tribunal de 08/05/2014/proc. 11054/14 e de 19/02/2013/proc. 06193/12.
Com efeito, configurando-se o recurso jurisdicional como o meio processual pelo qual se submete a decisão judicial a nova apreciação por outro tribunal, tendo por objeto quer a ilegalidade da decisão (erro de julgamento) quer a sua nulidade (artigos 627º e 615º do CPC, é pela alegação e conclusões que se fixa o conteúdo do recurso.
Diga-se, em qualquer caso e em concreto, no que respeita à invocada invalidade do ato por falta de audiência prévia, que o tribunal não deixou de assentar na sua improcedência, ao ter dado como provado a efetivação da notificação da Nota de Responsabilização à Recorrente para exercer o seu direito de defesa e contraditório, ao que acresce a circunstância desta ter exercido o seu direito de resposta antes da tomada da decisão final, como resulta dos factos provados 5 a 8.
Ficou assim factualmente demonstrada a realização da audiência prévia, em face do que se mostraria inútil e redundante qualquer acrescida pronuncia.
O mesmo se aplica relativamente à invocação recursiva quanto à suposta omissão de pronúncia quanto à violação do artigo 69.º. n.º 1, al. b) do CPA, relativa à intervenção do Diretor Coordenador do Serviço de Inspeção de Jogos.
Resultando a competência do referido Diretor dos n.ºs 2 e 3 ambos do artigo 7.º da Lei Orgânica do Turismo de Portugal, I.P., com as alterações introduzidas pelo DL n.º 129/2012, de 22 de junho, a questão está, por natureza dirimida, independentemente da falta de alusão expressa.
Em face de tudo quanto antecede, não se reconhece a verificação de qualquer omissão de pronúncia sobre as invalidades invocadas, suscetível de alterar o sentido da decisão proferida.
Da anulação da decisão de facto
A Recorrente/SV impugna a ainda a Sentença objeto de Recurso, em decorrência da fixação da matéria de facto, pugnando pela sua ampliação, por via da inclusão dos factos que correspondem aos temas de prova fixados na audiência prévia, o que denota desde logo algum equivoco processual.
Desde logo e antes de mais, em termos abstratos e no que concerne à alteração da matéria de facto, refira-se o seguinte:
Como sumariado, entre muitos outros, no recente Acórdão deste TCAN nº 2570/14.7BEBRG, de 01-03-2019 “1 – O tribunal a quo ao fixar a materialidade controvertida, terá de assentar na prova disponível, recorrendo ao princípio da livre apreciação da prova produzida, como resulta dos artigos 366.º do Código Civil e 607.º, n.ºs 4 e 5, do novel Código de Processo Civil.
Não é suposto que o tribunal cuide de selecionar e fixar todos os factos que se mostrem provados, mas tão-só aqueles que sejam relevantes para a boa decisão da causa.
Ao tribunal de recurso não compete repetir o julgamento da matéria de facto efetuado pelo tribunal de 1.ª instância, nem pronunciar-se sobre impugnações genéricas da matéria de facto, apenas lhe incumbindo rever concretas questões de facto controvertidas, o que exige que o recorrente concretize as divergências que pretende ver apreciadas em sede de recurso.”
Como se sumariou ainda no Acórdão deste TCAN nº 00455/17.4BEPRT, de 30/08/2017, “o Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.”
Com efeito, "em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida" (Vg. Acórdão do STA, de 14/04/2010, no Proc. n.º 0751/07).
Objetivando, entende o Recorrente que o Tribunal a quo tinha o dever de levar aos factos provados os temas de prova, o que só pode ser um equívoco.
Efetivamente, a enunciação dos temas de prova constitui um instrumento de suporte aos sujeitos processuais com o intuito de apontar, de forma genérica, o sentido da instrução.
Como resulta desde logo da "Exposição de Motivos" que antecedeu a última reforma do CPC, “Relativamente aos temas de prova a enunciar, não se trata mais de uma quesitação atomístico e sincopada de pontos de facto, outrossim de permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa”.
Como lapidarmente se afirmou no Acórdão do STJ de 17 de maio de 2018, no processo n.º 3811/13.3TBPRD.P1Sl, trazido aos autos pelo recorrido, “No domínio da vigência do Código de Processo Civil de 1961, dispunha o art. 511º, na redação dada pelo DL nº 180/96, de 25.09, sob a epígrafe "Seleção da matéria de facto, que:
(...)
Mas, como é consabido, o legislador de 2013 eliminou este despacho de fixação dos factos assentes e a base instrutória e substituiu este regime pelo despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, estabelecendo o art. 596º do novo CPC, que:
«1. Proferido despacho saneador, quando a ação houver de prosseguir, o juiz profere despacho a destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
(...)»
Estamos, assim, perante um despacho que, não obstante se afastar da ideia de que se trata de uma "seleção" e "elenco de factos'; cumpre uma função de "condensação”, com vista a dar a conhecer às partes o tema geral da instrução, por forma a salvaguardar a necessidade de acautelar as expetativas das partes e a permitir o exercício pleno do contraditório e da defesa.
(...)
E a verdade é que também o regime do novo Código de Processo Civil, à semelhança do regime anterior, estipula que é na sentença que o juiz declara quais os factos que julga provados e os julga não provados (cfr. art. 607º, nºs 3 e 4).
Factos provados são os factos concretos assim julgados, na sentença final, após exame crítico das provas e não os factos tidos como assentes no despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova”.
Assim sendo e no que concerne ao "dever" do Tribunal levar os temas de prova como provados (ou não provados) à sentença, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de abril de 2015, no processo n.º 185/14.9TBRGR.L1-2 entendeu que:
"Ao invés, no novo Código de Processo Civil, na enunciação dos temas da prova, não está em causa a quesitação de cada um dos enunciados de facto controvertidos, mas tão-somente apontar genericamente a controvérsia entre as partes sobre as matérias principais, deixando para a decisão sobre a matéria de facto a descrição dos factos que, relativamente a cada grande tema, tenham sido provados ou não provados.
(...)
Será, pois, admissível que a enunciação dos temas da prova, atualmente prevista no n.º 1 do artigo 596º do NCPC, assuma um carácter genérico e até, por vezes, aparentemente conclusivo, apenas devendo ser balizada pelos limites que decorrem da causa de pedir e das exceções invocadas, nos exatos termos que a lide justifique.
Todavia, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma já não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie sobre os factos essenciais e ainda os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir.
Não obstante a redação dada ao artigo 410º do NCPC, nos termos do qual a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha havido lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova, é sobre os factos constantes dos articulados apresentados pelas partes que a produção de prova e respetivos meios incidirão, como se infere dos artigos 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, nº 1, 475.º, 490,º ou 495.º, nº 1, do NCPC, e não sobre os respetivos temas de prova enunciados.
São de igual modo os enunciados factos, e não os temas de prova, que o artigo 607.º do NCPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo julgador na sentença"
Assim sendo, é manifesto que os temas de prova não têm de ser declarados provados ou não provados na sentença recorrida, pois que não é essa a sua natureza, em face do que não se reconhece o invocado "dever" que o Recorrente imputa ao Tribunal.
Como já se aludiu, a Recorrente pretende ainda a ampliação da matéria de facto dada como provada, que como se viu já, só excecionalmente opera, não estando aqui reunidas as condições e pressupostos para essa efetivação.
Independentemente de tudo quanto se afirmou, a alteração da matéria de facto só se justificaria, caso se concluísse que a incorporação dos factos invocadas na matéria de facto provados, teria a virtualidade de alterar o sentido da decisão proferida e a proferir, o que se não reconhece.
Em bom rigor o que está em casa e subjaz à presente Ação é o facto da identificada frequentadora do Casino ter entrado irregularmente na sala de jogo mista do Casino de V…, sem que a recorrente o tenha impedido, como lhe competia.
Incontornavelmente, o artigo 125.º da Lei do Jogo determina que "as entradas irregulares nas salas de jogos fazem incorrer a concessionária em multa até 250.000$00, por cada entrada."
Complementarmente, enquanto "entradas irregulares", nos termos da Lei do Jogo, destaca-se a impossibilidade de acesso às salas de jogo de quaisquer indivíduos, a pedido dos próprios interessados, por períodos não superiores a cinco anos ou, a título preventivo ou cautelar, por período não superior a dois anos, o que se verificou na situação em apreciação.
Ilustrativo e insofismável é também o Artº 118.º n.º 1 da Lei do Jogo o qual estabelece que "o incumprimento pelas concessionários ainda que sem culpa, das obrigações legal e contratualmente estabelecidas constitui infração administrativa, punida com multa e rescisão do contrato".
Assim, a responsabilidade das concessionárias por factos ilícitos dispensa a verificação da culpa, bastando a demonstração da violação da norma para a concessionária incorra em responsabilidade objetiva.
Como em situação análoga, se sumariou neste TCAN no Acórdão, de 22 de setembro de 2017, no processo n.º 00140/16.4BEAVR:
"I- As concessionárias de jogo de fortuna e azar encontram-se legal e contratualmente obrigadas a cumprir as exigências de acesso às salas de jogos, a organizar e manter os meios necessários ao cabal cumprimento dessa obrigação, e em especial, a desenvolver os atos necessários a impedir o acesso às salas de jogos de quem requereu e obteve do Inspetor-geral de jogos a proibição de acesso às mesmas, nos termos do artigo 38.º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro que aprovou o regime jurídico do jogo (Lei do jogo).
II - Por cada entrada irregular nas salas de jogos - as previstas no artigo 32º da Lei do jogo - a concessionária incorre na prática da infração administrativa prevista e punida com multa no artigo 125º da Lei do jogo".
No que respeita à invocada dificuldade de identificação da frequentadora do Casino, já justa e adequadamente tinha o tribunal a quo afirmado que "Reconhecemos que, por melhores fisionomistas que sejam, não é possível aos funcionários do casino, todos os anos, memorizarem as feições de várias centenas de pessoas, a maioria das quais só conhecem por fotografia, mas isso deveria impor à autora a adoção, há mais tempo, de outros meios mais eficientes para um verdadeiro desempenho das suas funções de controlo e fiscalização”.
Pelas razões aduzidas, que aqui se ratificam, não procede a argumentação da Recorrente no sentido de dever a sua responsabilidade ser afastada, sendo certo que a factualidade que se pretendia ampliar, como se afirmou já, não teria a virtualidade de alterar o sentido da decisão.
Afirma ainda a Recorrente que a sentença recorrida padeceria de erro de julgamento, uma vez que da matéria de facto provada não resulta qualquer comportamento culposo dos empregados da concessionária, o que desde logo evidencia um desconhecimento pelo legalmente estabelecido.
Na realidade, como afirmado já, é incontornável que o facto do artigo 118.º da Lei do Jogo, afirmar expressamente que “O incumprimento pelas concessionárias, ainda que sem culpa, das obrigações legal e contratualmente estabelecidas constitui infração administrativa, punida com multa e rescisão do contrato, nos termos dos artigos seguintes, mais se afirmando no nº 2 do mesmo normativo que “O disposto no número anterior é aplicável às concessionárias quando as infrações sejam cometidas por empregados ou agentes destas.”
É assim claro que o referido normativo não impõe a existência de culpa por parte dos empregados da concessionária para que haja responsabilidade da concessionária pela admissão indevida de frequentadores do casino.
Em face de tudo quanto precedentemente se expendeu, não se reconhece qualquer insuficiência na matéria de facto dada como provada e que justificasse a requerida ampliação da matéria de facto.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, confirmando-se a Sentença Recorrida.
Custas pela Recorrente
Porto, 15 de março de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa