Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
«AA» instaurou Acção Administrativa contra o MUNICÍPIO ..., ambos melhor identificados nos autos, mediante a qual peticiona que a acção seja declarada procedente, e, em consequência, conforme se transcreve:
“a) Anulação do acto de 22 de Outubro de 2020 (Ofício nº. ...55), que indeferiu o pedido de indemnização da A. por cessação antecipada de comissão de serviço no cargo de Directora do Departamento de Desenvolvimento de Actividades Económicas.
b) Condenação a proferir novo acto que reconheça à A. o direito a receber a indemnização devida, correspondente à diferença entre a remuneração auferida no cargo dirigente e a remuneração auferida como técnica superior, até ao limite máximo do valor correspondente à diferença anual das remunerações, o que perfaz o montante de 16.239,88 euros (45.556,02€ - 29.316,14€).”
Por sentença proferida pelo TAF de Penafiel foi julgada improcedente a acção e absolvida a Entidade Demandada dos pedidos.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
A- Na douta sentença proferida o Tribunal a quo considerou, indevidamente, que o tempo de serviço prestado, em regime de substituição, no exercício de cargo dirigente, por funcionário que venha seguidamente a ser nomeado, em comissão de serviço, como titular do referido cargo, não releva para integrar o período de 12 meses de que depende o direito à indemnização previsto no n.° 1 do artigo 26.° da Lei n.° 2/2004, de 15 de Janeiro.
B- Baseado nesse pressuposto, o Tribunal considerou que o período entre 04.10.2016 e 27.01.2017 - intervalo de tempo mediante o qual o exercício de funções como dirigente desenrolou-se ao abrigo do regime de substituição - não pode ser contado para efeitos do requisito de “12 meses seguidos de exercício de funções”.
C- Tendo concluído, erradamente, que nos termos do n.° 1 do art° 26.° da Lei n.° 2/2004, o período de carência exigido para que seja conferido o direito a esta indemnização em virtude da cessação da comissão de serviço (com os fundamentos ali identificados) refere-se exclusivamente ao exercício de funções ao abrigo dessa comissão de serviço, a qual só se iniciou com o provimento da pessoa em questão no cargo dirigente, aquando da sua designação pelo dirigente máximo do serviço na sequência de procedimento concursal levado a cabo para o efeito (27.01.2017), nos termos do artigo 21.° deste regime jurídico.
D- Nenhuma jurisprudência invocada na douta sentença examina situações em que ao período de substituição seguiu-se imediatamente, sem interrupção, o provimento da pessoa em causa no lugar por via da sua seleção em procedimento concursal com essa finalidade, no qual foi a única candidata admitida, como acontece nos autos.
E- A nível de expectativas de manutenção do exercício de funções em comissão de serviço, a situação do dirigente que as exerce antes da cessação é substancialmente diferente da daquele que as exerce depois da dessa cessação, pois, enquanto se compreende que o primeiro tenha expectativas de que continuará a receber a remuneração durante o período de duração da comissão, o segundo está em situação que lhe permite aperceber-se de que poderá deixar de recebê-la em qualquer momento e, por isso, não são dignas de tutela, por serem infundadas, eventuais expectativas que forme sobre a manutenção do recebimento dessa remuneração.
F- Acresce que e salvo o devido respeito, na interpretação da norma jurídica, o Mtm° Juiz, a exemplo do que sucedeu com a restante jurisprudência citada, restringe os pressupostos que o legislador fixou para a aquisição do direito indemnizatório, conduzindo à exclusão do direito reclamado, sem tomar em conta a alteração na redação dada pela Lei 51/05, de 30 Agosto.
G- Na sua redação inicial (n.° 1, art° 26° da Lei 2/04, de 15 Janeiro), a aquisição do direito indemnizatório dependeria do preenchimento do requisito de “12 meses seguidos de exercício do respectivo cargo”, o que autorizava a interpretação de que somente relevaria o tempo integral da comissão de serviço a contar desde o início do provimento da pessoa em causa como titular desse cargo de direção intermédia, nomeadamente desde a data do despacho de designação (cfr. n.° 10 do art.° 21.° da Lei n.° 2/2004, de 15 de Janeiro).
H- Porém, devemos interrogar-nos quanto à solução que o legislador procurou consagrar ao promover a alteração da redacção dada pela Lei 51/05, de 30 Ago, em que aos “12 meses seguidos de exercício do cargo”, seguiu-se o preceito dos “12 meses seguidos de exercício de funções”.
I- Neste sentido, operou-se, pois, uma alteração no pressuposto do direito indemnizatório em causa, em que o tempo de serviço das funções de dirigente efectivamente desempenhadas se deve impor face ao tempo de exercício “definitivo” do cargo.
J- Caso assim não se entenda, o julgador conduz à inutilidade a alteração da redacção promovida pela Lei 51/05, de 30 Ago.
K- O requisito, claramente formulado, é o de 12 meses seguidos de exercício de funções, sem especificar a forma desse exercício, e não de 12 meses seguidos após tomada de posse do cargo.
L- Ao referir-se ao mínimo de 12 meses seguidos de exercício efectivo de funções como dirigente, a norma do n° 1 do art° 26° da Lei 2/2004 compreende também o exercício das funções no momento imediatamente anterior à nomeação definitiva do cargo, designadamente em regime de substituição, sendo esse o único entendimento que respeita o princípio da continuidade do exercício de funções públicas, bem como a alteração da redacção promovida pela Lei 51/05, de 30 Agosto.
M- Ora, se o legislador não introduziu qualquer referência ao exercício do cargo, mas antes, explicitamente, ao tempo de exercício de funções, não pode nem deve o intérprete fazê-lo.
N- Acresce que, no exercício de cargos dirigentes em regime de substituição o substituto tem o direito à totalidade dos vencimentos e demais abonos e regalias atribuídos pelo exercício do cargo do substituído (n. o 8 do artigo 27° do citado diploma).
O- O pessoal dirigente, sem qualquer distinção baseada nas formas de nomeação, exerce as funções em regime de exclusividade (artigo 16°), está isento de horário de trabalho (artigo 13° ), usufrui dos mesmos direitos (artigo 28° e segs.) e está sujeito aos mesmos deveres (artigo 34°).
P- Pelo que não existem diferenças entre o exercício de funções em regime de substituição e em regime “definitivo”, devendo relevar o tempo de serviço para efeitos do direito indemnizatório previsto no art°. 26° do citado diploma.
Q- E dúvidas não subsistem de que a Recorrente exerceu ininterruptamente o cargo de Directora do Departamento de Desenvolvimento de Actividades Económicas, pelo menos de 5 de Outubro de 2016 a 4 de Janeiro de 2018, o que perfaz mais de um ano de desempenho efetivo e contínuo de funções dirigentes.
R- Daí resulta que a Recorrente exerceu ininterruptamente as funções de dirigente por mais de 12 meses, tendo em conta a qualidade, natureza e qualidade do trabalho.
S- Assim, estão reunidos todos os requisitos para a atribuição da indemnização por cessação antecipada da comissão de serviço por extinção da unidade orgânica, nos termos do disposto no art°. 26°. da Lei n° 2/2004, de 15 de Janeiro.
Sem prescindir,
T- Na douta sentença proferida o Tribunal a quo considerou, indevidamente, que o facto de a Recorrente ter sido a única candidata admitida ao concurso aberto para provimento de dirigente, enquanto exercia tais funções em regime de substituição, é insuscetível de criar expectativas juridicamente relevantes, designadamente de que iria ser nomeada definitivamente para o cargo em regime de comissão de serviço, o que se veio a verificar, e que a mesma se prolongaria até ao seu termo, para efeitos da aquisição do direito à indemnização.
U- A Recorrente foi a única candidata admitida no procedimento concursal aberto para provimento definitivo do cargo de Directora do Departamento de Desenvolvimento de Actividades Económicas, do que tomou conhecimento em Dezembro de 2016.
V- Face às características específicas deste procedimento, um concurso interno condicionado, ao perfil exigido para ocupação da vaga, bem como ao desempenho das funções em regime de substituição, as expectativas criadas na Recorrente revestiram de uma intensidade muito maior, tendo à data da tomada de conhecimento de que tinha sido a única admitida ao concurso (Dezembro de 2016), a certeza de que seria, inevitavelmente, a escolhida.
W- Pelo que as expectativas remuneratórias inerentes ao cargo em que foi nomeada definitivamente em comissão de serviço foram criadas no momento em que a Recorrente foi a única candidata admitida no procedimento concursal aberto em 8 de Novembro de 2016, para provimento do cargo em causa, daí tendo resultado a expectativa legítima de nomeação definitiva para o cargo e que o mesmo se prolongaria até ao seu termo.
X- Assim, a Recorrente tem direito ao pagamento de indemnização por cessação antecipada da comissão de serviço por extinção da unidade orgânica, no valor global de 16.239,88 euros.
Y- Ao determinar a manutenção do ato impugnado, recusando à Recorrente a indemnização prevista no art. 26°, n° 1 da Lei 2/2004, de 15.01, o Tribunal a quo violou a prescrição do mesmo normativo.
Termos em que revogando a decisão recorrida e julgando a acção totalmente procedente, farão
JUSTIÇA
O Réu/Município juntou contra-alegações, concluindo:
1º - De acordo com o disposto no nº 1 do artº 26º da Lei nº 2/2004, de 15-1, os dirigentes titulares de uma comissão de serviço têm direito a uma indemnização desde que contem, pelo menos, 12 meses seguidos do exercício de funções, a contar da data do despacho de nomeação ou da celebração do respetivo contrato;
2º - Constituindo-se a comissão de serviço através de um ato administrativo, só produz efeitos desde a data em que este foi praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroativa, diferida ou condicionada, o que não sucede na situação sub judice (cfr. nº 1 do artº 155º CPA);
3º - A alteração legislativa na redação do nº 1 do artº 26º da Lei nº 2/2004, de 15-1, não conduz a qualquer alteração à contagem de tempo de serviço para efeitos da atribuição da indemnização prevista nesta norma legal.
4º - Dado que a A. não conta, pelo menos, 12 meses seguidos do exercício de funções em regime de comissão de serviço, não tem direito ao pagamento da indemnização prevista no nº 1 do artº 26º da Lei nº 2/2004, de 15-1.
5º - A sentença “a quo” não merece qualquer censura, devendo ser integralmente confirmada a sua douta decisão.
Nestes termos e nos melhores de Direito que suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, com as devidas consequências legais.
Assim se cumprirá a Lei e fará Justiça!
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A. A Autora foi funcionária do Réu, com a categoria e carreira de técnica superior, na área funcional de economia - facto aceite.
B. Em 26 de Janeiro de 2009, entre o Réu, a [SCom01...] E.M., S.A, (adiante [SCom01...]) e a Autora foi celebrado acordo de cedência de trabalhador por interesse público, com o teor constante de doc. n.º ... da p.i., que se dá por integralmente reproduzido - facto aceite.
C. A [SCom01...] era uma sociedade anónima, detida integralmente pelo Réu - facto aceite.
D. Em regime de cedência, a Autora passou a exercer funções de administradora executiva na [SCom01...], sendo responsável pela coordenação e direcção de toda a actividade relacionada com a captação de investimento para o Concelho ... - facto aceite.
E. A [SCom01...] tinha por objecto, a título principal (artº. 6 dos Estatutos):
a) Apoiar, desenvolver, coordenar e promover a captação de projectos de investimento para o Concelho ..., com vista à promoção do desenvolvimento e crescimento económico local, à eliminação de assimetrias, ao reforço da coesão económico-social e à criação de condições propícias à modernização económica do Concelho;
b) Prestar serviços de apoio aos investidores no Concelho, actuando como agente dinamizador e incentivador do desenvolvimento das actividades económicas;
c) Coordenar acções destinadas a corrigir e valorizar o tecido social e económico do Concelho.
- facto aceite.
F. Constituíam atribuições da [SCom01...], nomeadamente (artº. 7 dos Estatutos):
a) Fomentar a captação de investimento para o desenvolvimento empresarial no Concelho ..., promovendo a criação de condições propícias à fixação de novas empresas e dinamização económica das actividades existentes, nomeadamente pela identificação e redução dos custos de contexto.
b) Apoiar activamente, desenvolver e coordenar a execução de grandes projectos de investimento para o Concelho, em colaboração próxima com todos os agentes económicos, públicos e particulares.
c) Estimular e apoiar a criação de novas empresas em sectores relativamente aos quais existam tradição e vantagens comparativas e onde estejam subjacentes processos de inovação tecnológica.
d) Apoiar o comércio e empresas locais existentes através da acções de valorização e promoção dos produtos regionais.
e) Incentivar a modernização do tecido industrial e empresarial do Concelho.
f) Favorecer a fixação das empresas existentes no concelho através de acções de valorização e formação dos seus recursos humanos e da modernização e inovação das suas actividades.
g) Actuar como entidade geradora de consensos e aproximação de interesses com vista ao desenvolvimento e implementação de projectos de qualquer tipo que contribuam para a modernização do Concelho.
h) Actuar junto das instituições contribuindo para a realização das infraestruturas que eliminem algumas das suas restrições de carácter qualitativo ao investimento, nomeadamente, quanto ao parque habitacional, rede de transportes, e vias de acesso, telecomunicações e ambiente.
i) Apoiar projectos de investigação e inovação tecnológica, fomentando as ligações entre o ensino e as empresas, facilitando e promovendo a introdução e divulgação de novas tecnologias.
j) Promover e divulgar acontecimentos económicos, sociais e culturais.
k) Elaborar e submeter aos órgãos competentes os instrumentos de ordenamento do território adequados ao desenvolvimento dos projectos de investimento.
l) Adquirir, administrar, lotear, onerar e alienar imóveis destinados à implementação dos projectos de investimento relevantes para o desenvolvimento económico social do Concelho.
m) Planear, construir e gerir áreas de acolhimento empresarial e industrial.
n) Propor aos organismos competentes regimes fiscais parafiscais especiais.
o) O exercício de todas as actividades complementares e subsidiárias relacionadas com as anteriores ou outras que lhe venham a ser cometidas pela Câmara Municipal ..., mediante contrato-programa.
– facto aceite.
G. A [SCom01...] enquadrava-se e regia-se pelo Regime Jurídico da Actividade Empresarial Local e das Participações Locais (doravante RJAEPL), aprovado pela Lei nº. 50/2012, de 31 de Agosto – facto aceite.
H. A [SCom01...] apresentava resultados líquidos negativos no triénio 20112013, preenchendo assim o requisito previsto na alínea d), do nº. 1 do artº. 62.º do RJAELP, pelo que foi objecto de deliberação de dissolução em 17 de Dezembro de 2014 – facto aceite.
I. Em 04 de Fevereiro de 2015, o Réu aprovou o plano de dissolução, liquidação e internalização de toda a actividade da [SCom01...], nos termos do nº. 12 do artº. 62 do RJAELP, com o ter constante de doc. n.º ... da pá. – facto aceite.
J. Em 18 de Fevereiro de 2015, o Réu aprovou uma alteração estrutural dos serviços municipais, com a criação, para o efeito, de uma nova unidade nuclear, denominada Departamento de Desenvolvimento das Actividades Económicas, para o qual foram transferidas todas as competências atribuídas à [SCom01...], designadamente aquelas referidas em E) e F) (artºs. 6 e 7 dos Estatutos), nos termos do Despacho n.º 3070/2015, publicado no Diário da República n.º 59/2015, Série II de 25 de Março de 2015 – facto aceite; docs. n.ºs ... e ... da p.i..
K. Assim, passou a ser da competência do Departamento de Desenvolvimento das Actividades Económicas planear, projectar, dirigir, superintender e coordenar de forma integrada, monitorizar e controlar acções, efectuar reporte, bem como a instrução, tramitação e controlo processual, quando aplicável, no âmbito da captação de investimento, abrangendo:
a) Promoção e criação de condições propícias à fixação de novas empresas;
b) Dinamização económica das actividades existentes;
c) Incentivo à modernização do tecido industrial e empresarial do Concelho;
d) Planeamento e gestão de áreas de acolhimento empresarial e industrial;
e) Apoio, desenvolvimento e coordenação de execução de grandes projectos de investimento, em colaboração com todos os agentes económicos, públicos e particulares;
f) Planeamento de acções de valorização e promoção de produtos regionais;
g) Promoção e divulgação de acontecimentos económicos, sociais e culturais;
h) Apoio de projetos de investigação e inovação tecnológica;
i) Fomento das ligações entre o ensino e as empresas.
- facto aceite.
L. Sendo que o Departamento acima referido ficou responsável pela coordenação e direcção da unidade de gestão de captação do investimento – facto aceite.
M. Ao mesmo tempo, foi criado o cargo de Director daquele Departamento, a quem cabia dirigir, coordenar e orientar as tarefas acima descritas, absorvendo as tarefas que antes cabiam à administradora executiva da [SCom01...] – facto aceite.
N. Por deliberação datada de 4 de Fevereiro de 2015, a Autora foi nomeada liquidatária da [SCom01...], auferindo a remuneração base de Directora de Departamento Municipal, paga 14 vezes ao ano, acrescida de despesas de representação, pagas 12 vezes ao ano – facto aceite; doc. n.º ... da p.i.
O. No período de 13 de Maio de 2015 a 04 de Outubro de 2016, a Autora exerceu funções de liquidação do activo e do passivo da [SCom01...], ao mesmo tempo que continuava a ser responsável pela coordenação e direcção da actividade de captação de investimento no concelho, até à internalização definitiva da respectiva actividade no Réu – facto aceite.
P. Por Despacho nº. 27/2016, datado de 19 de Maio de 2016, do Presidente da Câmara Municipal ..., a Autora foi nomeada Directora do Departamento de Desenvolvimento das Actividades Económicas, em regime de substituição, com efeitos a partir do dia seguinte à deliberação da Assembleia Municipal que determinasse o encerramento definitivo da [SCom01...], o que ocorreu em 04 de Outubro de 2016 – facto aceite; doc. n.º ... da p.i..
Q. Consta no despacho referido na alínea anterior o seguinte que ora se transcreve na parte que releva:
“No uso das competências que me são conferidas pela alínea a) do n.º 2 do artigo 35.º da Lei nº 75/2013, de 12 de setembro e, considerando que:
- Na estrutura orgânica da Câmara Municipal ... esta previsto o lugar de Diretor de Departamento Municipal de Desenvolvimento das Atividades Económicas e que o mesmo se encontra vago;
- Que naquele departamento se passarão a integrar todas as competências que se encontravam atribuídas a [SCom01...] e que, por conseguinte, o grau de importância do desenvolvimento dessa atividade, do rigor e coordenação das mesmas, aconselham a que aquele cargo dirigente esteja convenientemente provido;
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 279 da Lei n.º 2/2004, de 15 de setembro, alterada e republicada pela Lei n9 64/2011, de 22 de dezembro, conciliado com o disposto no artigo 19.º da Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto que a adapta a Administração Local,
NOMEIO,
Por urgente conveniência de serviço, com efeitos a partir do primeiro dia seguinte ao da deliberação da Assembleia Municipal que determina a liquidação e encerramento definitivo da [SCom01...], e em regime de substituição, a Técnica Superior «AA», para exercer funções de Diretora do Departamento de Desenvolvimento das Atividades Económicas, enquanto decorrem os procedimentos tendentes a nomeação do respetivo titular” – cfr. doc. n.º ... da p.i.
R. Entre 25 de Março de 2015 (criação do cargo de Director daquele Departamento) e 04 de Outubro de 2016 (encerramento definitivo da [SCom01...]), o referido posto de trabalho não foi ocupado, sendo que a Autora continuava a desempenhar as tarefas de coordenação e direcção dos projectos de captação de investimento em curso, enquanto exercia as funções de liquidatária – facto não controvertido.
S. Em 8 de Novembro de 2016, sob o aviso nº. 14951/2016, foi aberto o procedimento para recrutamento e selecção de Director do Departamento de desenvolvimento das actividades económicas (Cargo de Direcção Intermédia de 1º. Grau), em regime de comissão de serviço, publicado em Diário da República, 2ª. Série, em 28 de Novembro de 2016, sob o nº. 228, conforme doc. n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido.
T. O referido procedimento concursal foi publicado na Bolsa de Emprego Público, com oferta nº. ...11/0526 – facto aceite.
U. Nos dez dias úteis a contar da data da publicação do aviso na Bolsa de Emprego Público – até 13 de Dezembro de 2020 - a Autora apresentou candidatura ao procedimento concursal – facto aceite.
V. Tendo sido a única candidata admitida ao concurso – facto aceite.
W. Em 27.01.2017, por despacho do Presidente da Câmara Municipal ..., a Autora foi nomeada em comissão de serviço, com efeitos ao dia 27.012017, para exercer funções de Diretora do Departamento de Desenvolvimento das Atividades Económicas da Câmara Municipal ..., conforme doc. n.º ... da p.i., que se dá integralmente reproduzido; facto aceite.
X. Na mesma data, em 27.01.2017, a Autora tomou posse das funções do referido cargo, assinando o correspondente termo de posse, conforme doc. n.º ... da p.i. – verso junto com a p.i.; facto aceite.
Y. A comissão de serviço teria a duração expectável de três anos, ocorrendo o termo em 27 de Janeiro de 2020 – facto aceite.
Z. A Autora desempenhou funções dirigentes até à extinção do referido Departamento de Desenvolvimento de Actividades Económicas, que ocorreu por motivos de reorganização dos serviços municipais, em 4 de Janeiro de 2018, data em que foi publicada, em Diário da República, a nova estrutura orgânica do Réu – Cfr. doc. n.º ... da p.i.; facto aceite.
AA. Após cessação antecipada da comissão de serviço, a Autora regressou à carreira e categoria de origem, de Técnica Superior, afecta à Divisão de Aprovisionamento e Património – facto aceite.
BB. Desde 13 de Maio de 2015, enquanto liquidatária da [SCom01...] e responsável pela direcção e coordenação da actividade de captação de investimento, a Autora passou a auferir a remuneração de Directora de Departamento, correspondente à remuneração base de 2.987,24, paga em 14 vezes ao ano, a que acresceu o valor mensal de 311,22€, a título de despesas de representação, paga 12 vezes ao ano – facto não controvertido
CC. A Autora manteve tal remuneração após nomeação para o cargo de Directora do Departamento de Desenvolvimento das Actividades Económicas, em regime de substituição, com efeitos em 05 de Outubro de 2016 – facto não controvertido; doc. n.º ... da p.i.
DD. Finda a comissão e correspondente regresso à carreira/categoria de origem, a Autora ficou posicionada entre o 6º. e 7º. escalão, referente ao nível remuneratório entre 31 e 35, auferindo a remuneração base de 2.094,01 euros, o que ascende à remuneração anual de 29.316,14 euros (2.094,01 x 14 meses). – cfr. doc. n.º ...0 da p.i.; facto aceite.
EE. Em 5 de Agosto de 2020, a Autora requereu, junto dos serviços municipais da Entidade Demandada, o pagamento de indemnização pela cessação antecipada da comissão de serviço, no montante de 16.862,30€, conforme doc. n.º ...1 da pá. que se dá por integralmente reproduzido.
FF. Por ofício nº. ...35, datado de 02 de Setembro de 2020, a Autora foi notificada, no âmbito da audiência de interessados, da intenção de indeferimento do pedido acima feito, com o teor constante de doc. n.º ...2 da p.i., que se transcreve na parte que releva:
“A expectativa remuneratória do titular do cargo dirigente surge aquando da tomada de posse da comissão de serviço, prolongando-se pelo prazo de 3 anos, que é a duração máxima (se não houver cessação), renascendo tal expectativa, quando o dirigente toma conhecimento da renovação da comissão de serviço, pelo que se conclui que os meses seguidos de exercício de funções, previstos na parte final do n.° 1 do art.° 26° da lei n.° 2/2004, de 15 de janeiro, se contam a partir do momento da posse que designa como titular do cargo.
Tendo a requerente sido nomeada em comissão de serviço em 27 de janeiro de 2017, e tendo a sua comissão de serviço cessado, por extinção da unidade orgânica que dirigia, em 04 de janeiro de 2018, não se verifica o exercício de, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções, motivo pelo qual entendemos não lhe assistir o direito ao pagamento da indemnização prevista no art.° 26°da Lei n.° 26.° da Li n.° 2/2004, de 15 de janeiro.
Assim, de acordo com o art.° 122.° do Código do Procedimento Administrativo, poderá V. Exa. no prazo de 10 dias, pronunciar-se sobre o conteúdo da presente notificação, devendo a exposição ser reduzida a escrito.
O processo encontra-se disponível para consulta na Unidade de Gestão de Recursos Humanos, nas horas normais de expediente.
O não exercício do direito de audição no prazo mencionado determina, imperativamente, a conversão do projeto referenciado em decisão definitiva”.
GG. Em 21 de Setembro de 2020, a Autora apresentou pronúncia no âmbito da audiência de interessados, com o teor constante de doc. n.º ...3 da p.i., que se dá por integralmente reproduzido.
HH. Por ofício datado de 22 de Outubro de 2020, com o nº. ...55, e notificada à Autora em 26 de Outubro de 2020, foi comunicado o seguinte que ora se transcreve na parte que releva:
“No seguimento da exposição apresentada por V. Exa. em 21 de setembro de 2020, na esteira da nossa intenção de indeferir o pedido apresentado e relacionado com o assunto em título, somos a informar que o pedido apresentado foi indeferido, porquanto o documento agora apresentado nada trouxe de novo ao requerimento inicial, mantendo-se o entendimento de que a contagem de 12 meses de exercício de funções em comissão de serviço, para efeitos de direito a indemnização, se inicia na data da tomada de posse da comissão de serviço, não sendo contabilizado o tempo em exercício de funções em regime de substituição.” – cfr. doc. n.º ...4 da p.i. (acto impugnado); facto não controvertido.
DE DIREITO
Está posta em causa a decisão que julgou improcedente a acção.
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim, vejamos,
Conforme está dado como provado no ponto P. da factualidade assente, por despacho de 27/2016, datado de 19 de maio de 2016, do Presidente da Câmara Municipal ..., a Autora foi nomeada Diretora do Departamento das Atividades Económicas, em regime de substituição, com efeitos a partir de 4 de outubro de 2016.
Conforme decorre do teor do referido despacho, a nomeação foi feita por urgente conveniência do serviço, em regime de substituição, enquanto decorriam os procedimentos atinentes à nomeação do respetivo titular (cfr. Ponto Q dos factos assentes.
Em 8 de novembro de 2016, sob o aviso nº 14951/2016, foi aberto o procedimento para recrutamento e seleção de Diretor de Departamento de Desenvolvimento das Atividades Económicas, em regime de concessão de serviço (cfr. Ponto S dos factos assentes).
E em 27-01-2017, por despacho do Presidente da Câmara Municipal ..., a Autora foi nomeada em comissão de serviço, com efeitos ao dia 21-01-2027, para exercer funções de Diretora do Departamento de Desenvolvimento das Atividades Económicas da Câmara Municipal ..., data em que tomou posse (cfr. Pontos W e X dos factos assentes).
A Autora desempenhou funções dirigentes até à extinção do referido Departamento de Desenvolvimento de Atividades Económicas, que ocorreu por motivos de reorganização dos serviços municipais, em 4 de janeiro de 2018, data em que foi publicada, em Diário da República, a nova estrutura orgânica do R. (cfr. Ponto Z da matéria assente).
A Autora reclamou junto do Réu o pagamento de indemnização por cessação antecipada daquela comissão de serviço, ao abrigo do disposto no n° 1 do art° 26° da Lei n° 2/2024, de 15-1, pretensão que foi indeferida pelo facto da Autora não contar pelo menos 12 meses no exercício do cargo (cfr. Pontos EE a HH da matéria assente).
Em face da factualidade provada nos autos, (e que não foi impugnada pela Autora), entende esta que o ato de indeferimento da sua pretensão deve ser revogado, porquanto para a contagem do prazo de 12 meses previsto na citada norma legal, deve contar o período de tempo em que exerceu funções de dirigente em regime de substituição.
Dos Fundamento do Recurso -
O argumento invocado pela Autora para a sua pretensão resume-se ao facto de entender que se operou uma alteração do pressuposto do direito indemnizatório em causa, decorrente da redação dada pela Lei nº 51/05, de 30-8, ao teor do nº 1 do artº 26º da Lei nº 2/2004, de 15-1.
Concretamente, a anterior redação previa “... e desde que contem pelo menos 12 meses seguidos de exercício do cargo ...”, e agora refere “... e desde que contem, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções”.
Cremos que não assiste razão à Recorrente.
Com efeito, nos termos previstos no nº 1 do artº 27º da Lei nº 2/2004, de 15-1, os cargos dirigentes podem ser exercidos em regime de substituição nos casos de ausência ou impedimento do respetivo titular quando se preveja que estes condicionalismos persistam por mais de 60 dias ou de um caso de vacatura do lugar.
Os direitos do substituto são os previstos nos nºs 7 e 8 da referida norma legal:
“
...
7. O período de substituição conta, para todos os efeitos legais, como tempo de serviço prestado no cargo anteriormente ocupado, bem como do lugar do dirigente.
8. O substituto tem direito à totalidade das remunerações e demais abonos e regalias atribuídas pelo exercício do cargo do substituído, independente da libertação das respetivas verbas por este, sendo os encargos suportados pelas correspondentes dotações orçamentais.”. Isto é, em lado nenhum o legislador atribui ao substituto o direito ora reclamado pela Autora/Recorrente, ou seja, o direito à contabilização do tempo de substituição para os efeitos previstos no nº 1 do artº 26º da Lei nº 2/2004, de 15-1.
Por outro lado, a alteração legislativa invocada pela Autora em defesa da sua interpretação do disposto no nº 1 do artº 26º da Lei nº 2/2004, de 15-1, não tem manifestamente o sentido que lhe é apontado pela mesma.
Na realidade, o referido período mínimo de 12 meses seguidos, previsto na citada norma legal, conta-se a partir do início da comissão de serviço, entendendo-se esta como o exercício de um cargo (artº 9º nº 1 alínea a) da LTFP) ou como o exercício de funções (artº 9º nº 1 alínea b) da LTFP) (cfr. neste sentido, Margarida Baptista, Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Pública, anotado, 2023, Almedina, pág. 339).
Em qualquer um dos casos de comissão de serviço previstos nº 1 do artº 9º da LTFP, esta constitui-se sempre formalmente através de um ato administrativo que, nos termos gerais aplicáveis, só produz efeitos desde a data em que foi praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroativa, diferida ou condicionada, o que não sucedeu na situação sub judice (cfr. nº 1 do artº 155º do CPA).
Efectivamente, os titulares dos cargos de direção intermédia são providos por despacho do dirigente máximo do serviço ou órgão, em comissão de serviço, pelo período de três anos (cfr. nº 9 do artº 21º da Lei nº 2/2004, de 15-1 - Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Pública).
O provimento nos cargos de direção intermédia produz efeitos à data do despacho de designação, salvo se outra data for expressamente fixada (cfr. nº 10 do artº 21º da Lei nº 2/2004, de 15-1).
Esse ato administrativo de nomeação resulta do procedimento concursal previsto nos artigos 20º e seguintes da Lei nº 2/2004, de 15-1.
A comissão de serviço é assim constituída por um ato administrativo unilateral de duração determinada ou determinável no tempo (cfr. Francisco Pimentel, Estatuto Jurídico do Trabalhador em Funções Públicas, Almedina, 2018, pág. 55).
Sendo certo que, conforme previsto no despacho de nomeação e no termo de posse da Autora, os efeitos da sua comissão de serviço só se produzem a partir da data do despacho de designação (27-01-2017).
Ora, resulta do probatório que a comissão de serviço da A. cessou em 4-1-2018, pelo que facilmente se conclui que a A. não conta, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício daquelas funções.
Assim sendo, ao contrário do peticionado, a Autora/Recorrente não tem direito ao pagamento da indemnização prevista no artº 26º da Lei nº 2/2004, de 15-1.
Ao indeferir a pretensão da A., a sentença recorrida não merece censura, tendo por isso de ser confirmada.
Em suma,
Como sentenciado: De salientar que o referido período mínimo de doze meses conta-se a partir do início da comissão de serviço na sequência de recrutamento por procedimento concursal, ou seja não é contabilizado para efeitos do n.º 1 do artigo em anotação, um eventual período de tempo em que foram exercidas, pelo mesmo indivíduo, funções dirigentes em regime de substituição, a coberta do permitido no n.º 1 do artigo 27.º do EPDAP”.
Desta feita, e por que os efeitos da sua comissão de serviço só se produzem a partir da data do despacho de designação (27.01.2017), e verificando-se que a comissão de serviço da Autora cessou em 04.01.2018, conclui-se que a Autora não conta, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício daquelas funções, não preenchendo o prazo previsto no art. 26.º, n, 1, da Lei n.º 2/2004, o que só por si tem efeito de implosão da pretensão impugnatória e condenatória.
O Tribunal não olvida que a Autora afirma que as expectativas remuneratórias seriam criadas no momento em que a Autora foi a única candidata admitida no procedimento concursal aberto em 8 de Novembro de 2016, para provimento do cargo de Directora daquele Departamento, pois daí sempre resultaria a expectativa legítima de nomeação definitiva para o cargo em comissão de serviço e que a mesma se prolongaria até ao seu termo.
Tal entendimento, salvo o devido respeito, carece de sentido. Se o exercício em regime de substituição pelo seu carácter transitório e precário é insusceptível de criar as expectativas em causa, muito menos o é a mera participação num procedimento concursal com vista à selecção e provimento de cargo dirigente. Com efeito, a mera circunstância de a Autora ser a única opositora ao concurso, não significa nem dita a escolha obrigatória para o cargo em questão. Além da aléa inerente a um qualquer procedimento concursal, nos termos do art. 21.º, 6 da Lei n.º 2/2004: “O júri, findo o procedimento concursal, elabora a proposta de designação, com a indicação das razões por que a escolha recaiu no candidato proposto, abstendo-se de ordenar os restantes candidatos”; podendo o júri, nos termos do n.º 7, “considerar que nenhum dos candidatos reúne condições para ser designado”. Assim, a mera participação no concurso não dita qualquer expectativa sólida e consolidada que será sequer proposta pelo júri; ademais, vale a regra, que a consolidação da posição de vantagem apenas ocorre com o provimento nos cargos de direcção intermédia, que, nos termos legais produz efeitos à data do despacho de designação, salvo se outra data for expressamente fixada.
Pugna ainda a Autora que, quer por ter sido nomeada para o cargo de Diretora do Departamento que integrou as competências da empresa [SCom01...], na qual desempenhou funções em tudo semelhantes, quer como administradora executiva quer como liquidatária da empresa, quer por ter sido a única candidata admitida ao concurso aberto para provimento do cargo de Directora daquele Departamento, o Réu criou dessa forma a expectativa da Autora de que iria ser nomeada definitivamente para o cargo em regime de comissão de serviço, o que se veio a verificar, e que a mesma se prolongaria até ao seu termo.
E continuou: não se pode acompanhar a Autora. Ora, o exercício das funções em causa na empresa [SCom01...] não ocorreu ao abrigo de qualquer comissão de serviço nem sequer a título de regime de substituição, não havendo por isso qualquer legítima expectativa digna de tutela. Como o STA já teve oportunidade de referir, “Tanto que, esse prazo de doze meses reporta-se sempre à existência de uma comissão de serviço, como também resulta do art. 26º nº 1 da L. 2/2004, o que não é a situação dos autos.”.
Resta, assim, reiterar o entendimento de que os dirigentes que se encontrassem providos, na comissão de serviço que foi feita cessar, há menos de um ano não têm direito a essa indemnização, quando a cessação seja fundada em extinção ou reorganização da unidade orgânica ou necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços, na medida em que tal direito só é constituído na sua esfera jurídica ao fim de 12 meses de exercício do cargo ao abrigo dessa comissão de serviço, contados do seu início, não relevando o período de tempo em que as funções foram exercidas a título de substituição.
Por outro lado, não se afigura que tenha ocorrido o desrespeito do princípio da confiança, a que deve estar subordinada toda a actividade administrativa.
Quanto ao princípio da boa fé, tem sido doutrinalmente entendido que:
O princípio da boa fé na esfera administrativa equivale a uma espécie de válvula de escape do sistema, já que constitui uma ferramenta eficiente para a sustentação normativa de qualquer atividade administrativa que se venha a manifestar contrária ao que está determinado em outras normas. Detém, nesse sentido, qualificação e força para estipular eventuais limites normativos à atuação administrativa de cunho discricionário.
Os princípios da boa fé e da confiança respeitam à necessidade de se ponderarem os valores fundamentais de direito, pertinentes no caso concreto, em função designadamente da confiança suscitada na contraparte por determinada actuação e do objectivo a alcançar - Diogo Freitas do Amaral - Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2009, págs. 133 a 138; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos - Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª ed., Dom Quixote, 2008, págs. 220 a 225.
Conforme é jurisprudência dos tribunais superiores, para que exista violação dos princípios da boa fé e da confiança é necessário que tenham sido criadas expectativas no particular minimamente sólidas, censurando-se os comportamentos que sejam desleais e incorrectos, bem como as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas - Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 160/00, de 22/03/2000, n.º 109/02, de 05/03/2002, n.º 128/02, de 14/03/2002 e do STA de 11/09/2008, Proc. 0112/07 e de 13/11/2008, Proc. 073/08.
Ainda na definição que nos é dada por Freitas do Amaral, a justiça é “o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana” (ob. cit. págs. 130 e 131).
Acresce que “o princípio fundamental consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP é o princípio da justiça, sendo que os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa fé são subprincípios que se integram no princípio da justiça” (autor e obra cit., pág. 134).
Assim, o artigo 6.º-A, do CPA (actual artº 10º), veio acolher expressamente o princípio da boa fé, no direito administrativo, dispondo que «No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regas da boa fé» (v. n.º 1).
Por outro lado, o respeito pela boa fé realiza-se através da ponderação dos “(...) valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) do objectivo a alcançar com a actuação empreendida” (v. o seu n.º 2).
Ora, uma das mais importantes concretizações da boa fé, a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º-A, é o princípio da proteção da confiança, que se traduz numa regra ético-jurídica fundamental, já que impõe que sejam asseguradas as “legítimas expectativas” criadas aos cidadãos, baseadas na conduta de outrem.
Destarte se protegem os particulares, relativamente aos comportamentos administrativos que objectivamente inculquem uma crença na sua efectivação.
Todavia, a tutela da boa fé não é absoluta, porquanto só poderá ocorrer mediante a verificação de certos pressupostos, a saber: a) existência de uma situação de confiança, traduzida na boa fé subjectiva da pessoa lesada; b) existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; c) desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes nessa crença, d) existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado (vide autor e obra cit., págs. 149/150).
Com efeito, “(...) a confiança criada, a boa fé, não é factor isolado de valorização duma conduta jurídico-administrativamente relevante” (cfr. Mário Esteves Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, em Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2.ª edição, pág. 116).
Mais referem “(...) é ousada essa cláusula geral, porque refere o dever de boa fé a todas as “formas e fases” da actividade administrativa, quando, por exemplo, nalgumas dessas formas (...) não sobra praticamente campo de valorização jurídica do princípio da boa fé para além da garantida pela intervenção dos princípios da (legalidade e da igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e justiça. (...).“ (autores e ob. cit., pág. 112).
De resto, ainda nas palavras dos citados Autores, “(...) Subjectivamente, a boa fé é essencialmente um estado de espírito, uma convicção pessoal sobre a licitude da respectiva conduta, sobre estar a actuar-se em conformidade com o direito” (ob. cit., pág. 108).
O que pressupõe e implica, no seguimento do entendimento perfilhado pelos mesmos Professores, que o princípio da boa fé perde forçosamente a sua força normativa, se e quando a Administração Pública se vê confrontada com a obrigação vinculada e estrita de obedecer à Lei e ao Direito, o que sucede no caso concreto, pelo que não colhe o apelo à criação de expectativas juridicamente relevantes.
Improcedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 06/6/2024
Fernanda Brandão
Rogério Martins
Isabel Jovita |