Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00249/14.9BEMDL |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 12/06/2024 |
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Tribunal: | TAF de Mirandela |
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Relator: | TIAGO MIRANDA |
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Descritores: | OBRA PÚBLICA; NULIDADE DE CONTRATO; ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO MUNICÍPIO VERSUS DA FREGUESIA; |
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Sumário: | I – Não incorre em omissão de pronúncia, com o feito do artigo 615º nº 1 alª d) do CPC, a sentença que, sobre a questão da excepção peremptória de caducidade da acção, se pronuncia no sentido de a não apreciar por versar sobre direitos disponíveis e não ter sido arguida na contestação. II - A Recorrente, para sustentar que o objecto da caducidade seria, in casu, matéria excluída da disponibilidade das partes e, logo, de conhecimento oficioso e invocável em qualquer momento conforme artigo 333º nº 1 do CC, põe a caducidade a versar sobre a própria caducidade e alega a indisponibilidade do regime da nulidade do contrato, o que é falacioso, pois não são o prazo nem a lei imperativa que caducam, caducam o direito de crédito e a acção – e estes têm objecto disponível. III – Atentos a clareza da exposição e da fundamentação do pedido de juros de mora feitas no corpo do articulado, por um lado, e o facto de esta formulação resultar numa quantia superior, por outro, conclui-se que os termos do pedido de juros feito no segmento final da petição – diferentes daquela outra formulação – se devem a lapso de atenção do signatário da Petição no momento em que redigiu o segmento final do articulado, pelo que se considera que a primeira formulação é a que correspondia à vontade real do mandatário judicial. IV – No recurso em matéria de facto os ónus decorrentes do artigo 640º nºs 1 e 2 do CPC têm de ser adequadamente aplicados, pois podem ocorrer situações em que é impossível especificar um meio de prova, demonstrativo do erro no julgamento, diverso dos invocados pelo juiz a quo, apenas sendo possível criticar a valoração, feita por este, dos meios de prova por ele mesmo invocados. V - A fundamentação da decisão de dar como provados os factos 4, 8 e 10, mostra-se de acordo com a lógica e as regras da experiência comum; e a impugnação de factos alegados e documentos não prejudica o julgamento de facto segundo a livre convicção do juiz, pelo que não se vê razão para alterar a decisão de julgar como provados aqueles factos. VI – In casu, na impugnação das decisões de “não provado”, a remissão para as razões da crítica às decisões de “provado” não supre a inexistência de uma definição clara e especificada, quanto a cada facto, dos dizeres dos inquiridos, ou das passagens do seu registo áudio, dos quais resultaria, logicamente ou por força dos dados da experiência comum, dever ser julgado, cada um deles, como “provado”, pelo que quedam por satisfazer os ónus decorrentes do artigo 640º do CPC. VII – Atentos o artigo 5º nºs 1 e 2 e 3º nº 3 do CPC, para que o Tribunal se deva pronunciar sobre a prova ou a não prova de quaisquer factos é necessário que os mesmos tenham sido alegados ou que ao menos sejam instrumentais, complementares ou concretização dos alegados, tendo a sua prova resultado da instrução da causa e, sendo complementares ou concretização, tenham, as partes, tido a possibilidade de, quanto a eles e sua prova, exercerem o contraditório. VIII – Uma vez que não se provou facto algum de que se possa concluir que o Município foi parte no encontro de declarações de vontade constitutivas do suposto contrato nulo, isto é, se ele é um terceiro relativamente aos putativos outorgantes, não se lhe aplica o regime da nulidade desse contrato, não é ele o sujeito da obrigação de restituir a que se refere o artigo 289º nº 1 do CC. Esse sujeito só poderia ser a parte de um putativo contrato que tivesse havido. Sem embargo, é o Município que se encontra enriquecido com a prestação de um putativo contrato, pelo que é dele a obrigação de restituir, desta feita com fonte no seu enriquecimento sem causa. X - Sendo fonte do direito invocado pela Autora contra o Município, não qualquer contrato, mas um mero facto jurídico, qualificado juridicamente como enriquecimento sem causa nos termos e para os efeitos do artigo 473º do CC, em matéria de prescrição não se lhe aplica o artigo 317º b) do CC, mas sim a regra geral do artigo 309º (vinte anos). XI - Sem pagar um qualquer preço, que supõe alguma margem de lucro, o Município não conseguiria contratar as obras com que se acha beneficiado. A Autora, por sua vez, ao prestar os trabalhos facturados, ficou empobrecida, não só no valor dos custos suportados como também no do putativo preço, que cobraria por prestação idêntica. Não foi posta em causa a adequação dos preços facturados em face do mercado e do poderia resultar de um procedimento pré-contratual. Assim, a medida do enriquecimento do Município reside nos preços facturados. XII – Posto que as facturas foram emitidas, destinadas e enviadas à Junta de Freguesia – não ao Município enriquecido – a medida do enriquecimento do Município, para efeitos do artigo 479º nº 2 do CC, é a medida do mesmo à data da citação. Nessa data a Freguesia já entregara à Autora, por conta do “preço” dos trabalhos facturados, 20 000 000$00. Portanto, na determinação do valor do enriquecimento do Município à custa da Autora há que deduzir este valor. XIII – A fonte da obrigação é a proscrição do enriquecimento sem causa invocado em juízo, não um contrato válido subjacente às facturas. Assim sendo, sem prejuízo da sua natureza comercial – pois o crédito, apesar da origem atípica, formou-se na actividade comercial (cf. artigo 102º do CComercial) – e atento o disposto no artigo 805º do CC, a mora apenas se iniciou com a citação do Interveniente Município.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório Freguesia ..., Ré nos autos de Acção Administrativa Comum à margem referenciados, em que é Autora “[SCom01...], S.A.”, e é interveniente principal passivo, nos termos dos artigos 39º e 316ºnº 2 do CPC, o MUNICÍPIO ..., não se conformando com a douta sentença proferida nestes autos, dela interpôs o presente Recurso de Apelação. O Pedido e o dispositivo da sentença recorrida têm, respectivamente, o seguinte teor: Pedido: “Termos em que, e nos mais de direito, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e em consequência: A - Condenada a Ré Freguesia ... a pagar à Autora “[SCom01...], S.A.” a quantia global de 135 205,60 €, resultante da soma das quantias parcelares concretizadas nos artigos 14.°, 17.°, 27.°, 29.°, 39.°, 41.°, 51.°, 53.°, 63.°, 65.°, 75.°, 77.°, 87.° e 89.° da petição. B - Condenada a Ré Freguesia ... a pagar à mesma Autora juros sobre aquele capital em débito, contados a partir da data da citação do Réu para a acção até efectivo pagamento do mesmo capital, à taxa legal. Dispositivo da sentença: “Nos termos e com os fundamentos fático-jurídicos acima expostos, e com esteio nos poderes confiados pelo artigo 202.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa: Julgo a presente acção administrativa comum parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré no pagamento, à Autora, da quantia de € 96.776,14, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde o dia 05-03-2010, até efectivo e integral pagamento; Quanto ao mais, absolvo a Ré dos pedidos; Absolvo o Interveniente Principal da totalidade dos pedidos; Condeno a Autora e a Ré no pagamento das custas processuais na proporção do respectivo decaimento, que se fixa, respectivamente, em 5% e 95%. As alegações do recurso terminam com as seguintes conclusões: «III-Conclusões . 1º) Nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CC, a caducidade do direito de acção é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes. 2º) A caducidade do direito de acção configura uma causa a que a lei substantiva atribui a cessação do direito que o autor invoca, integrando, pois, o domínio das excepções peremptórias que “são as que se traduzem na invocação de factos ou causa impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do Autor, por isso mesmo levando à improcedência total ou parcial da acção. 3º) A caducidade invocada pela Recorrente é um facto extintivo do direito do Autor, integrando, assim, uma excepção peremptória, nos termos do artigo 576º, n. 3, do Código de Processo Civil, excepção peremptória que importa a absolvição da Recorrente do pedido. 4º) In casu, a caducidade do direito de acção ínsita no artigo 255º do RJEOP aprovado pelo DL n.º 59/99, de 02/03, então em vigor, – e aplicável no caso dos autos – é uma caducidade estabelecida em matéria de prazos, no caso prazos para o exercício do direito de acção sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada, a qual se encontra excluída da disponibilidade das partes, pelo que a referida excepção peremptória é de conhecimento oficioso. – nesse sentido, TCA, Ac. de 06/11/2014, (Proc. 03578/08 disponível em www.dgsi.pt) e Ac. Uniformizador de Jurisprudência do STA, de 18/11/2020 (Proc. 0817/19.2BEAVR, disponível em www.dgsi.pt). 5º) Conforme o Autor configura a presente acção, a causa de pedir são vários contratos administrativos - de empreitadas de obras públicas - para os quais o Autor, alegando ter procedido à execução e finalização dos correspondentes trabalhos, procedeu à emissão das facturas constantes dos autos e juntas com a petição inicial, nas quais peticiona as quantias de 135.205,60€ a título de capital, acrescido de juros de mora; 6º) Aos contratos dos presentes autos aplicam-se as regras do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP), aprovado pelo DL n.º 59/99, de 02/03, então em vigor, e designadamente, o prazo especial de caducidade previsto no artigo 255º do referido diploma, porquanto contende com a execução dos aludidos contratos; 7º) A Autora, através do seu Ilustre Mandatário, em 01/10/2009, interpelou a Ré Freguesia para o pagamento de uma dívida, no montante de € 96.776,18, acrescido de juros legais, emergente de contratos de empreitada, nos termos das facturas cujo pagamento peticiona nos presentes autos – Factos Provados n.º 15 e 16; 8º) Posteriormente, em resposta a uma interpelação do Autor, a Ré Junta de Freguesia ..., através de ofício datado de 05/03/2010, subscrito pelo seu então Presidente, informou a Autora que não reconhecia a dívida por este reclamada, nem era detentora de qualquer documento que pudesse evidenciar ou indiciar a existência de tal dívida, pugnando pela não satisfação da pretensão do Autor. – Facto Provado n.º 18; 9º) A Autora intentou a presente acção administrativa comum em 20/05/2014 – Facto Provado n.º 22. 10º) Ora, a comunicação enviada à Autora pela Ré Freguesia em 05/03/2010 - cujo aviso de recepção da sua notificação mostra-se assinado com data de 09/03/2010 (Facto provado n.º 19) -, é no sentido de negar o direito ou pretensão formulado pela Autora - cfr. Facto Provado n.º 18. 11º) Pelo que, a partir dessa data (09/03/2010), iniciou-se a contagem do prazo de caducidade do direito de acção do Autor previsto no artigo 255º do DL 59/99, de 02/03. 12º) O Presidente da Junta de Freguesia, enquanto órgão competente para autorizar o pagamento, é a entidade competente para a prática do acto, nos termos do artigo 38º/1/g)/i)/j) da Lei n.º 169/99, de 18/9, à data em vigor (como na actual Lei n.º 75/2013, de 12/9, artº 18º/1/f)/h)/i). 13º) Nessa medida, e atenta ao decurso do prazo entre a propositura da presente acção e a data do pretenso direito, terem decorrido mais de 132 dias, deverá ter-se por verificado que o pretenso direito invocado pela Autora, caducou; 14º) Caducidade do direito de acção da Autora esta, de conhecimento oficioso do Tribunal que pode ser alegada a qualquer momento do processo, porquanto versa sobre matéria (prazo para o exercício do direito de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão) excluída da disponibilidade das partes e que, como excepção peremptória que é, deverá ser declarada com a consequente improcedência da acção e absolvição da Ré do pedido (artigos 333º, n.º 1 do Código Civil e 576, n.º 3 do CPC). 15º) Pelo que, ao não apreciar a excepção de caducidade do direito da acção da Autora, violou a douta sentença recorrida, para além do mais, o disposto nos artigos 255º do DL 59/99, de 02/03, o disposto no artigo 303º e 333º, n.º 1 do Código Civil e, ainda, o disposto no artigo 576, n.º 3, o que acarreta a nulidade da sentença, conforme dispõe o artigo 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, nulidade essa que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos. 16º) A douta sentença recorrida procedeu à condenação da Recorrente a pagar à Autora – aqui Recorrida – a quantia de € 96.776,14, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde o dia 05-03-2010, até efectivo e integral pagamento, isto é, numa condenação em juros de montante superior ao pedido. 17º) A douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 609º, nº 1 do CPC, pelo que padece a mesma de nulidade prevista no 615.º n.º 1, alínea e) do C.P.C., o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos. 18º) Impõe-se a alteração da matéria de facto dada como provada, pois que, cometeu a Sra. Juiz erro notório na apreciação da prova, fazendo uma valoração completamente errada do depoimento das testemunhas prestado em audiência de discussão e julgamento. 19º) Da decisão da matéria de facto, a Meritíssima Juiz a quo apreciou erroneamente a matéria de facto constante dos pontos 4. 8 e 10 dos factos provados e sob os pontos B), C) e D) dos factos não provados e, por conseguinte, que devem ser alterados da forma seguinte: Deve a matéria de facto dada como provada ser alterada nos seguintes termos: Ponto 4 - Nenhuma prova inequívoca foi produzida quanto à matéria de facto constante deste ponto, na parte que “por solicitação verbal do então Presidente da Junta de Freguesia ..., com quem a Autora encetou negociações”, pelo que a mesma deve ser dada como não provada; Acresce, ainda, que os artigos 3º, 18º, 30º, 42º, 54º, 66º, 78º da petição inicial está expressamente impugnado (artigo 24º da contestação). Ponto 8 - Nenhuma prova foi produzida quanto à matéria do facto constante deste ponto, pelo que a mesma deve ser dada como não provada, sendo certo ainda que os documentos nº 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 juntos com a petição inicial foram expressamente impugnados pela Ré (artigos 25º da contestação); Ponto 10 - Nenhuma prova foi produzida quanto à matéria de facto constante deste ponto, pelo que a mesma deve ser dada como não provada; Por outro lado, devem ser dados como provados os seguintes factos constantes do elenco dos factos dados como não provados, sob os Pontos B), C) e D): 1) O Interveniente Principal interveio na empreitada mencionada no ponto “4)”, da qual teve conhecimento, pelo menos no que tange aos caminhos da Fonte Benta, da Plaina dos Castanheiros, do António Rei, de Campos, do Vale da Estrada da Escola ao Escorido, do Cruzamento da Cainha, e do Acesso ao Campelo; 2) O Interveniente Principal assistiu, fiscalizou, dirigiu, orientou e interveio na empreitada a que se alude em “4)”; 3) A Ré não ordenou, nem contratualizou com a Autora, a realização dos trabalhos mencionados em “4)”; Deverá aditar-se à factualidade provada os seguintes factos: a) A quantia de 20.000.000$00 a que se alude em “12)” foi paga ao abrigo do protocolo mencionado em “11)”; b) A medição dos trabalhos não foi reduzida a escrito mediante o correspondente auto de medição; c) A Autora executou a empreitada segundo as instruções que lhe foram indicadas verbalmente pelos funcionários da Câmara Municipal. 20º) Deve ser proferida decisão que altere a matéria de facto nos termos referidos em 19º supra, em consonância com a prova documental, o depoimento de parte do legal representante da Autora, «AA» (aos minutos 01.29.45 a 01.53.34 da gravação do seu depoimento da audiência de discussão e julgamento do dia 02.11.2023), do depoimento das testemunhas indicadas pelo Autor, «BB» (aos minutos 00.17.00 a 01.25.25 da gravação do seu depoimento da audiência de discussão e julgamento do dia 02.11.2023), «CC» (aos minutos 00.07.05 a 00.38.50 da gravação do seu depoimento da audiência de discussão e julgamento do dia 09.11.2023), «DD» (aos minutos 00-39-30 a 01.04.57 da gravação do seu depoimento da audiência de discussão e julgamento do dia 09.11.2023), e pelas testemunhas indicadas pelos Réus, «EE» (aos minutos 00.40.54 a 01.05.35 da gravação do seu depoimento da audiência de discussão e julgamento do dia 02.11.2023) e «FF» (aos minutos 00.01.45 a 01.11.17 da gravação do seu depoimento da audiência de discussão e julgamento do dia 02.11.2023), que se encontram gravadas e referidas nas alegações; 21º) As obras em causa nos autos não foram contratadas à Autora pela Ré Freguesia; 22º) A Recorrente não negociou preços, prazos ou tipo de fornecimento; 23º) Os caminhos onde as obras foram executadas são caminhos municipais, pelo que da exclusiva competência e da responsabilidade do MUNICÍPIO ...; 24º) À Ré Freguesia nunca foi enviada as facturas juntas aos presentes autos pela Autora; 25º) A Ré Freguesia limitou-se a proceder ao pagamento à Autora, conforme instruções do Município, de obras contratualizadas pelo Interveniente Principal – Município - e executadas a mando deste; 26º) Com a verba que lhe fora transferida pelo MUNICÍPIO ..., para esse fim; 27º) Foram os serviços municipais que procederam à negociação de preços e contratualização dos trabalhos em causa nos autos; 28º) Como foram os serviços municipais que procederam ao acompanhamento e fiscalização dos trabalhos, bem como intervieram na elaboração dos respectivos autos de medição; 29º) A Ré Freguesia não participou no acompanhamento e fiscalização dos trabalhos, bem como intervieram na elaboração dos respectivos autos de medição; 30º) A Ré Freguesia não contratou qualquer obra com a Autora; 31º) Os contratos em causa são nulos por terem sido celebrados verbalmente; 32º) Aplica-se pois, ao caso dos autos o princípio do enriquecimento sem causa; 33º) O dever de restituição resultante do instituto do enriquecimento sem causa recai sobre a parte que se locupletou com os trabalhos, neste caso, o Município; 34º) O mesmo sucedendo com o dever de restituição resultante da nulidade dos contratos invocados que recai sobre a parte que se havia vinculado pelo contrato, neste caso o Município; 35º) O Protocolo de delegação de poderes, celebrado entre o Município e a Ré Freguesia, foi apenas assinado por um membro do executivo da Câmara Municipal ... – na pessoa do seu Presidente – sendo que tratando-se de um órgão colegial, e sendo a assunção de dívida, sempre teria de ser aprovado em reunião de Câmara e autorizado pelos órgãos deliberativos do Município e da Freguesia; 36º) Tal não sucedeu ou não se provou ter sucedido; 37º) O referido Protocolo, a ser considerado válido, o que apenas por mera cautela se admite, nem por isso o Município se poderia eximir da responsabilidade do pagamento das referidas obras. 38º) A sentença recorrida violou, para além do mais, o disposto nos artigos, disposto nos artigos 255º do DL 59/99, de 02/03, o disposto no artigo 303º e 333º, n.º 1 do Código Civil e, ainda, o disposto no artigo 576, n.º 3, 609º, nº 1, 615º, nº 1, al. d) e e) do Código de Processo Civil, artigos 8º e 11º do mencionado DL n.º 77/84, de 08.03 39º) Deve ser proferido acórdão que altere a decisão da matéria de facto dada como provada nos termos referidos na conclusão 19ª) supra e revogue a sentença recorrida, absolvendo-se a Ré do pedido, OU, no caso de assim não ser entendido, deve ser proferido acórdão que declare que a sentença recorrida padece de vício de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alíneas d) e e) do Código de Processo Civil. Assim decidindo, fará este Venerando Tribunal JUSTIÇA!» A Autora apresentou resposta à alegação da Recorrente Freguesia, concluindo como segue: «(…) Assim, por tudo quanto fica exposto, terão que ser julgadas as questões em análise por improcedentes. Resumindo e Concluindo: a) Que por força do n.° 2 do artigo 573.° do CPC, (oportunidade de dedução de defesa) não foi respeitado pela recorrente Freguesia ... a dedução da excepção de caducidade do direito de acção, por estar fora do articulado da contestação. Assim a invocada excepção é completamente extemporânea e está estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, logo não pode o Tribunal conhecer oficiosamente de tal excepção. Pois quando se trate de direitos disponíveis como é o caso a caducidade esta não pode ser conhecida oficiosamente, tem de ser invocada e em tempo próprio, ou seja, na contestação. b) Também não é de conhecimento oficioso pelo tribunal a excepção de caducidade do direito de accionar, sempre que a caducidade tenha natureza contratual ou legal, sendo atribuída no interesse particular e na disponibilidade do beneficiário. Assim sendo, à data em que a Ré invocou a caducidade do direito de acção, no contexto da audiência final, já havia há muito precludido o seu direito de deduzir tal excepção, ao abrigo do estatuído nos artigos 573.° do CPC e 333.° do CC, razão por que tem de se considerar inadmissível o que fora por si alegado, nesta matéria. c) Mas por hipótese meramente académica se a invocada questão prévia procedesse em desfavor do agora contra alegado, a mesma, obrigatoriamente tinha que improceder pela aplicação do instituto da nulidade dos contratos no caso concreto, porquanto a douta sentença assim configurou e bem a aplicação daquela nulidade aplicando as disposições do artigo 289.° do CC, d) Os juros atribuídos na douta sentença não são superiores aos peticionados, porquanto, foram concedidos à autora juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde o dia 05-03-2010, até efectivo e integral pagamento, logo montante bem inferior ao peticionado, que pretendia juros desde 20/05/2009, cinco anos antes da citação. e) Em relação à impugnação da matéria de facto o que parece ressaltar do recurso da Ré é que esta pretende ver substituído o convencimento do tribunal recorrido, baseado na análise de toda a prova recolhida, pela sua própria convicção. Assim, Não há qualquer reparo a fazer à douta decisão recorrida, a qual não violou quaisquer regras, mormente as invocadas nesta apelação.» O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal foi notificado apara os efeitos do artigo do artigo 146º CPTA. Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir. II- Âmbito do recursos e questões a decidir Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações. Assim: As questões colocadas a este Tribunal são as seguintes: 1ª Questão A sentença recorrida é nula, nos termos da alª d) do nº 1 do artigo 615º CPC, por omissão de pronúncia quanto à questão da caducidade do direito à acção, enquanto excepção peremptória, pois esta era de conhecimento oficioso “porquanto versa sobre matéria (prazo para o exercício do direito de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão) excluída da disponibilidade das partes”? 2ª Questão De todo o modo a sentença recorrida, ao não julgar procedente a excepção da caducidade, violou o artigo 255º do DL nº 59/99 de 2/3, aplicável, em razão do tempo, ao contrato sub juditio, bem como o artigo 333º, n.º 1 do Código Civil e, ainda, o artigo 576, n.º 3 e o artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil? 3ª questão Ao condenar a Recorrente no pagamento de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde o dia 05-03-2010, até efectivo e integral pagamento, quando a Autora apenas pedira juros desde a citação, isto é, ao condenar no pagamento de uma obrigação de juros superior ao que fora pedido, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 609º, nº 1 do CPC, pelo que padece da nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1, alínea e) do C.P.C.? 4ª questão A Mª Juiz a qua errou no julgamento da matéria de facto contida nos artigos 4, 8 e 10 da matéria de facto julgada provada, que devia ter sido julgada como não provada, e nas alíneas B), C) e D) da matéria de fato julgada não provada, que devia ter sido julgada provada, tudo com a motivação constante das conclusões 19 e 20? 5ª Questão Com a mesma motivação mencionada nas conclusões 19 e 20, deverá aditar-se à factualidade provada os seguintes factos? a) A quantia de 20.000.000$00 a que se alude em “12)” foi paga ao abrigo do protocolo mencionado em “11)”; b) A medição dos trabalhos não foi reduzida a escrito mediante o correspondente auto de medição; c) A Autora executou a empreitada segundo as instruções que lhe foram indicadas verbalmente pelos funcionários da Câmara Municipal. 6ª Questão A sentença recorrida errou no julgamento de direito, ao condenar o Réu e absolver o Município, Interveniente Principal, pois o protocolo celebrado entre o Município e a Ré Freguesia conforme facto provado 11 foi apenas assinado pelo Presidente da Câmara Municipal ..., sendo certo que, tratando-se de um órgão colegial e da assunção de uma dívida, aquele sempre teria de ser aprovado em reunião de Câmara e autorizado pelos órgãos deliberativos do Município e da Freguesia, sem o que não vincula a Freguesia nem o Município? 7ª Questão De todo o modo, dos factos provado resulta não estar, o Município, eximido da sua responsabilidade perante a Autora, por aplicação do princípio do enriquecimento sem causa, pois, atentas a dominialidade Municipal dos caminhos beneficiados e as atribuições do Município contidas nos artigos 8º e 11º do DL n.º 77/84, de 08.03, quem se acha locupletado com o produto dos trabalhos prestados pela Autora é o Município? III – Apreciação do Recurso Vejamos, antes de mais, a discriminação dos factos provados e não provados, feita na sentença recorrida, bem como a respectiva fundamentação. «III.1. Matéria de facto provada Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos: 1) A Autora dedica-se à indústria da construção civil e de obras públicas - Facto não controvertido; 2) Em Novembro de 1998 foi elaborado o Plano de Actividades do Município ... para o ano de 1999, tendo aí sido inscrito um encargo de 20.000.000$00, com a descrição «Pavimentações várias na Freguesia ...» - Cf. plano de actividades de 1999, inserto com a ref.ª 004573226-SITAF; 3) Pelo menos em 1999, a Ré não dispunha de um corpo técnico de funcionários, designadamente na área das obras públicas, carecendo, por isso, sempre que necessitasse de realizar obras na sua circunscrição territorial, do apoio técnico do Interveniente Município. - Prova testemunhal e por declarações de parte; 4) Por solicitação verbal do então Presidente da Junta de Freguesia ..., com quem a Autora encetou negociações, foram por esta realizadas, entre os meses de Setembro e de Novembro de 1999, obras de pavimentação, com betuminosa, dos seguintes 14 caminhos da Freguesia ...:
- Cf. facturas insertas com os documentos 01 a 10 da p.i., com os documentos 02 a 09 da contestação da Ré, e com a ref.ª 004568373-SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; Prova testemunhal e por declarações de parte; 5) A empreitada a que se alude no ponto antecedente foi acompanhada por técnicos do Interveniente Principal, afectos à Divisão de Obras desse Município. - Prova testemunhal e por declarações de parte; 6) À empreitada a que se alude em "4)" não subjazeu qualquer procedimento pré- contratual, nem a celebração de um acordo escrito - Facto confessado; Prova testemunhal e por declarações de parte; 7) Os caminhos mencionados no ponto "4)" dispunham, já no ano de 1999, de iluminação pública, destinando-se, entre o mais, ao trânsito automóvel - Prova testemunhal e por declarações de parte; 8) No seguimento dos trabalhos referidos no ponto "4)", a Autora emitiu, em nome da Junta de Freguesia ..., as seguintes facturas:
- Cf. facturas insertas com os documentos 01 a 10 da p.i., com os documentos 02 a 09 da contestação da Ré, e com a refª 004568373-SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 9) No final da empreitada referida no ponto "4)", os trabalhos executados foram medidos por funcionários da Autora e pelos serviços técnicos da Divisão de Obras do Interveniente Principal, não tendo, todavia, sido elaborados quaisquer autos de medição - Prova por declarações de parte; 10) A Autora entregou à Ré, pelo menos, as facturas com os n.°s 529, 530,531,532, 543,544 e 545, a que se faz alusão no ponto "8)" - Facto confessado (ponto 31.° da contestação da Ré); 11) Em 20-12-1999, os então Presidente da CM ... e Presidente da Freguesia ..., em representação das respectivas autarquias locais, celebraram um protocolo, tendo por objecto a execução de "pavimentações várias" naquela Freguesia, contendo o seguinte teor: “[...] A Câmara Municipal ..., representada pelo seu Presidente Sr. «GG» e a Junta de Freguesia ..., representada pelo seu Presidente «BB» celebram entre si o Protocolo que se rege pelas seguintes cláusulas: 1- OBJECTO 1.1- Execução da obra de: Pavimentações Várias na Freguesia ... 2- OBRIGAÇÕES DA Câmara Municipal ... 2.1- Acompanhar e fiscalizar a obra, prestando apoio técnico quando solicitado 2.2- Transferir para a Junta de Freguesia a importância de 20 000 contos, no todo ou em prestações, mediante parecer da Divisão de Obras, quanto à quantidade e qualidade do trabalho realizado, devendo o valor dos trabalhos efectuados ser sempre igual ou superior ao montante a transferir. Esta obra consta do Plano de Actividades do corrente ano inscrita com o Objectivo/Programa 09.01 e Acção 23. 3- OBRIGAÇÕES DA JUNTA DE FREGUESIA 3.1- Proceder às consultas de preços, ou a concurso nos termos do Dec-Lei n° 197/99. 3.2- Fornecer à Câmara Municipal ... o resultado, em termos de vantagem de preço, da consulta realizada bem como fotocópia da minuta do contrato celebrado com o adjudicatário; 3.3- Proceder aos pagamentos; 3.4- Acompanhar a obra, alertando a Câmara Municipal ... para qualquer anomalia; 3.5- Assumir quaisquer encargos resultantes de indemnização ou prejuízos causados a terceiros pela execução da obra [...]». - Cf. documento 01 da contestação da Ré, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; Prova por declarações de parte; 12) Em Dezembro de 1999, a Junta de Freguesia ..., representada pelo seu então Presidente de Junta, emitiu um cheque em nome da Autora, no montante de 20.000.000$00, quantia que, previamente, lhe havia sido transferida pelo Interveniente Principal. - Cf. documento 02 da p.i.; também o cheque inserto com a ref.ª 004519972-SITAF; Prova por declarações de parte; 13) Em 27-12-1999, a Autora, através do seu representante legal, emitiu o recibo n.° 127, em nome da Junta de Freguesia ..., referente à importância de vinte milhões de escudos, com o descritivo seguinte: "[...] referente ao pagamento das facturas n°s 521, 522, 523,524, 525,526, 528 e 529/99 (parte)’’ - Cf. documento 02 da p.i.; também o recibo inserto com a ref.ª 004519972-SITAF; Prova testemunhal e por declarações de parte; 14) Além da quantia a que se alude no ponto antecedente, à Autora não foi paga, nem pela Ré, nem pelo Interveniente Principal, qualquer outro montante referente à empreitada a que se alude em ”4)" - Cf. documento 02 da p.i.; também o recibo inserto com a ref.ª 004519972-SITAF; Prova testemunhal e por declarações de parte; Facto não controvertido; 15) Em 01-10-2009, o Ilustre Mandatário da Autora elaborou uma comunicação escrita, endereçada ao Presidente da Junta de Freguesia ... com o assunto «Cobrança de Preços de Empreitadas. Credor: “[SCom01...], Lda."», contendo o teor seguinte: «[...] A minha cliente "[SCom01...], Lda.", com sede no lugar da Estrada, da freguesia ..., do concelho ..., encarregou-me de cobrar dessa Junta de Freguesia a importância global de 96.776,18 €, acrescida de juros legais, emergente de empreitadas que executou por contratos celebrados entre essa Junta de Freguesia e aquela sociedade "[SCom01...]", conforme documentos na posse dela sociedade e conforme as sete facturas emitidas pela credora, cujos números, datas, valores e vencimentos constam do resumo que agora se junta para melhor elucidação. Se no prazo de 30 dias não for recebida resposta satisfatória sobre a pretensão, dirigida quer para o meu escritório quer para o escritório da sociedade credora, iremos recorrer a juízo, propondo a acção correspondente para obter o pagamento quer do capital quer dos juros acima anunciados [...]». - Cf. documento 11, junto com a p.i.; 16) Em 01-10-2009, o Ilustre Mandatário da Autora enviou, por correio postal registado, a comunicação escrita referida no ponto antecedente para a morada da Junta de Freguesia ... - Cf. comprovativo de remessa postal com registo, inserto no documento 12, junto com a p.i.; 17) Em data não concretamente apurada, mas nunca anterior a 05-03-2010, o Presidente da Junta de Freguesia ... tomou conhecimento da comunicação escrita referida em "15)" - Cf. ofício junto com a ref.ª 004568265-SITAF 18) Por ofício datado de 05-03-2010, o então Presidente da Junta de Freguesia ... comunicou à Autora, entre o mais, o seguinte: «[...] Acusamos a recepção da Vossa carta de 15.02.2010 que mereceu a nossa melhor atenção. No entanto, e depois de analisados os registos desta Junta de Freguesia não encontramos qualquer documento que reconheça ou indicie a existência da divida reclamada. Assim, não podemos dar satisfação à Vossa pretensão, mantendo-nos, no entanto, disponíveis analisar eventuais documentos que estejam na posse de Vossas Excelências e que atestem ou reconheçam a divida que reclamam [...]». - Cf. ofício junto com a ref.ª 004568265-SITAF; 19) Em 09-03-2010, a Autora recepcionou o ofício a que se alude no ponto antecedente. - Cf. comprovativo de recepção postal (AR) junto com a ref.ª 004568265-SITAF; 20) Em 22-02-2013, o Ilustre Mandatário da Autora elaborou uma comunicação escrita, endereçada ao Presidente da Junta de Freguesia ... com o assunto «Cobrança de Preços de Empreitadas. Credor: "[SCom01...], Lda."», contendo, entre o mais, o seguinte teor: «[...] A minha cliente "[SCom01...], Lda.", com sede no lugar da Estrada, da freguesia ..., do concelho ..., encarregou-me de cobrar dessa Junta de Freguesia a importância global de 96 776,18 €, emergente das empreitadas que executou por contrato celebrado entre essa Junta de Freguesia e aquela sociedade “[SCom01...]", conforme documentos na posse dela sociedade e conforme as sete facturas emitidas pela credora, cujos números, datas, valores e vencimentos constam do resumo que agora se junta para melhor elucidação. Se no prazo de 20 dias não for recebida resposta satisfatória sobre a pretensão, iremos recorrer a juízo, propondo a acção correspondente para obter o pagamento quer do capital quer acrescida de juros legais, que atendendo ao tempo de emissão das facturas, importará um elevado acréscimo do incumprimento. […] - Cf. documento 13, junto com a p.i; 21) Em 22-03-2013, o Ilustre Mandatário da Autora enviou, por correio postal registado, a comunicação escrita referida no ponto antecedente para a morada da Junta de Freguesia ... - Cf. comprovativo de remessa postal com registo, inserto no documento 14, junto com a p.i.; 22) Em 20-05-2014, deu entrada neste TAF a petição inicial referente à presente acção administrativa comum - Cf. carimbo da secretaria, aposto a fls. 01 do processo físico; 23) Em 22-05-2014, a Ré tomou conhecimento de que, contra si, havia sido deduzida a acção referida no ponto anterior - Cf. comprovativo de recepção postal (AR), de ref.ª 004081136-SITAF; 24) Na sequência de requerimento da Autora nesse sentido, por despacho datado de 10-05-2017, foi admitida a intervenção principal do Interveniente Município. - Cf. despacho inserto com a ref.ª 004184590-SITAF; 25) Em 30-10-2017, o Interveniente Principal tomou conhecimento do seu chamamento para os termos da presente acção administrativa comum - Cf. comprovativo de recção postal (AR), de refª 004208415-S1TAF. III.2. Matéria de facto não provada Com relevo para a decisão a proferir nos presentes autos, não se provou que: A) O protocolo referido no ponto "11)" tinha em vista a pavimentação de apenas dos caminhos da Freguesia ..., a saber: Caminho da Pedreira de Cima, Caminho da Pedreira de Baixo, Caminho do Largo da Igreja, Caminho da Cruz de Rila a Alijó-Vilarinho, Caminho da Ponte-Vilarinho, e Caminho da Escola de Vilarinho-Bairro Novo B) O Interveniente Principal não interveio, por qualquer forma, na empreitada mencionada no ponto "4)", da qual nunca teve conhecimento, pelo menos no que tange aos caminhos da Fonte-Benta, da Plaina dos Castanheiros, do António Rei, de Campos, do Vale da Estrada da Escola ao Escorido, do Cruzamento da Cainha, e do Acesso ao Campelo. C) O Interveniente Principal nunca assistiu, fiscalizou, dirigiu, orientou ou interveio na empreitada a que se alude em "4)" D) A Ré não ordenou, nem contratualizou com a Autora, a realização dos trabalhos mencionados em "4)" E) Os trabalhos realizados na empreitada a que se alude no ponto "4)" não foram vertidos em auto por exigência da Ré. F) Entre 2000 e 2014, a Ré pediu à Autora a prorrogação do prazo para pagamento de parte das quantias relativas à empreitada referida em "4)" III.3. Motivação da matéria de facto A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada por assente estribou-se, em geral, na apreciação crítica do teor da documentação junta aos autos, concatenada com a posição manifestada pela Autora, pela Ré e pelo Interveniente Principal, nos respectivos articulados e requerimentos processuais subsequentes, particularmente no que tange aos factos relativamente aos quais as partes não se encontram em contrariedade, tudo conforme se acha discriminado nos concretos itens numéricos do probatório. Importa, no entanto, explicitar com maior detalhe a valoração feita pelo Tribunal relativamente à factualidade levada ao probatório. Convenceu-se o Tribunal de que, entre os meses de Setembro e de Novembros de 1999, por solicitação do então Presidente da Junta de Freguesia ..., e após negociações com este encetadas, a Autora realizou obras de pavimentação, com betuminosa, de 14 caminhos da Freguesia ... [a saber: Caminho da Pedreira de Cima; Caminho da Pedreira de Baixo; Caminho do Largo da Igreja; Caminho da Cruz de Rila até Alijó-Vilarinho; Caminho da Ponte - Vilarinho; Caminho da Escola de Vilarinho - Bairro Novo; Caminho da Lomba da Palha - Vilarinho; Caminho da Fonte - Benta - Cainha; Caminho da Plaina dos Castanheiros - Cainha; Caminho do António Rei - Cainha; Caminho de Campos; Vala da Estrada da Escola ao Escorido; Cruzamento da Cainha; e Caminho de Acesso ao Campeio - Cainha]. Ouvido o Presidente da Junta de Freguesia ... à data dos factos, qualidade de Testemunha [«BB»] - cujo depoimento foi, no essencial, assaz defensivo, com a constante adução de respostas interrogativas, evasivas e irónicas, que criaram, no Tribunal, a convicção de que a Testemunha procurava, em certa medida, controlar a forma como expunha os acontecimentos, levando, até, a que o deponente fosse por mais do que uma vez advertido da censurabilidade do seu comportamento - esta Instância ficou convicta de que, sem embargo da constante afirmação de que nada negociou com a Autora quanto à pavimentação dos sobreditos caminhos, e de que não foi mantido qualquer envolvimento por parte dos membros da Junta de Freguesia ... na realização da empreitada, a qual, segundo foi referindo, supostamente tinha sido levada a efeito com o acompanhamento da CM, o certo é que, no decurso das suas declarações, a Testemunha demonstrou conhecer com grande detalhe [contrariamente a todas as demais Testemunhas inquiridas] todos os caminhos intervencionados pela Autora, em 1999, que, autonomamente, soube enumerar e identificar descritivamente. A Testemunha, sem prejuízo de ter tentado transparecer um certo alheamento desta empreitada, e dos concretos contornos que a caracterizaram, à medida que o seu depoimento foi avançando, demonstrou conhecer todos os pormenores inerentes à mesma, designadamente que o custo total da pavimentação de todos os caminhos foi de 38 ou 39 mil contos, apesar de ter recebido da CM uma verba de 20 mil contos; não obstante ter, a dado momento, referido não saber quais os caminhos que seriam abrangidos pela quantia de 20 mil contos transferida pela CM à Freguesia ..., num outro momento do seu depoimento mencionou que o protocolo foi celebrado tendo em vista abranger a pavimentação de ..] cerca de 05 [caminhos] em Campos, 02 na Pedreira, 01 em Vilar, e 05 em Vilarinho"; apesar de afirmar que não esteve presente na medição dos trabalhos realizados, descreveu, com exactidão [em total harmonia e concordância com a descrição feita pelas restantes Testemunhas presentes nesse acto, desde logo «HH», «CC» e «DD»], a metodologia empreendida na medição destes trabalhos em concreto, referindo que a medição era feita pelo Eng.° «HH», pelo Sr. «II» e por um encarregado da Autora, que identificou como sendo "o responsável pelas obras" nessa empresa, que ia apontando as respectivas medidas. Deve destacar-se, novamente, a natureza defensiva, algo evasiva e contraditória do depoimento da Testemunha «BB», que, se em certos momentos do seu depoimento esclareceu saber que a obra de pavimentação dos caminhos da Freguesia ..., realizada pela Autora em 1999, tinha um custo global superior a 20 mil contos, que disse ser de entre 38 a 39 mil contos, já noutros viria a afirmar que a Freguesia pagou, por cheque, 20 mil contos à Autora por conta das obras realizadas, e que se ..] o dinheiro não chegou para pagar os caminhos, não sei", afirmação que se revela altamente contraditória diante os pormenores, em termos de valores, que veio a revelar saber. É que, de facto, ou bem que a Testemunha desconhecia que a quantia de 20 mil contos podia não ser suficiente para cobrir o custo de toda a obra, ou bem que conhecia / sabia o real valor da empreitada [como veio revelar saber], sabendo que se apenas foi paga ao empreiteiro uma quantia de 20 mil contos, a mesma não cobriria o valor total das obras realizadas. Contraditória foi, ainda, a repetida afirmação da Testemunha, que era Presidente da Freguesia ... à data dos factos, no sentido de que nunca lhe haviam sido apresentadas quaisquer facturas [confrontado com os referidos documentos, no contexto da audiência final, disse repetidamente que nunca ninguém lhe havia apresentado facturas algumas], emitidas pela Autora, referentes à obra de pavimentação dos caminhos quando, na contestação da Ré, vem confessado que a Autora emitiu e endereçou à Freguesia ... as facturas com os n.ºs 529, 530, 531, 532, 543, 544 e 545, tendo, de resto, tais facturas sido juntas aos presentes autos pela própria Ré. Prosseguindo. Bem sabendo que é cum grano salis que deve atender-se às declarações das partes, não pôde o Tribunal deixar de valorar as declarações prestadas pelo representante legal da Autora [«AA»], posto que, com grande detalhe e pormenorização, descreveu em termos de tempo, modo e lugar [referindo que a Testemunha «BB», então PJF de ..., tinha, em 1999, um café nessa freguesia, onde conversaram num final de tarde, algures em Agosto desse ano] o encontro que teve com o à data PJF de ..., na sequência do qual, segundo referiu, o supracitado autarca lhe indicou as pavimentações que pretendia fazer, tendo o representante legal da Autora apresentado a sua proposta de preço [segundo afirmou, indicou o valor de 1.900 escudos por metro quadrado, que era o que a A. praticava em todas as freguesias daquele concelho], tendo aquele "mandado" os trabalhos avançar. Mais referiu que, findos os trabalhos, e havendo quantias por pagar, foi com a Testemunha «BB» que falou, dirigindo-se novamente ao café desta para exigir o pagamento das quantias em falta. A referida Testemunha e o representante legal da Autora foram acareados, tendo, no geral, mantido o teor dos depoimentos que prestaram autonomamente, sendo, no entanto, de destacar que os pontos salientados pela Testemunha «BB» no decurso da acareação andaram, essencialmente, em torno da afirmação de que a Autora saberia perfeitamente que a Junta de Freguesia não teria verbas para pagar uma obra de tal dimensão, atendendo à dotação que era atribuída anualmente pelo Estado central. Deve, no entanto, referir-se que, à luz das regras da experiência comum, afigura-se que uma qualquer empresa do sector das obras públicas, vendo-se confrontada com quantias em dívida, decorrentes [de] empreitadas por si realizadas e não pagas, caso soubesse que era um município, e não uma pequena freguesia, o seu devedor, certamente canalizaria os seus esforços na cobrança dessa dívida junto do município, posto que, em princípio, segundo o normal devir dos acontecimentos, constitui uma autarquia de maior dimensão, dotada de um orçamento bem superior ao de uma pequena freguesia, e que traz, por isso, garantias de uma mais fácil e célere cobrabilidade de dívidas. Ou seja, ditam as normas da probabilidade lógica prevalecente que se uma empresa estivesse ciente de que o seu devedor era, de facto, uma autarquia local de maior dimensão, como um município, e não uma pequena freguesia, procuraria junto daquele, e não diante desta, desde logo em face da maior capacidade financeira de um perante o outro, obter o pagamento das quantias em dívida. É certo que as Testemunhas foram unívocas a afirmar que a empreitada foi integralmente acompanhada por técnicos do MUNICÍPIO ... [a saber, pelo Sr. «II» e o Eng.° «HH», ambos afectos à Divisão de Obras desse Município], desde a indicação, aos funcionários da Autora, dos espaços a intervencionar, até à medição dos trabalhos realizados no final da obra; porém, todas as Testemunhas inquiridas a esta matéria, e até a Testemunha «BB», secundaram, espontânea e concordantemente, que a Freguesia ..., tal como a generalidade das freguesias do concelho ..., à data, não dispunha de um corpo técnico de funcionários, designadamente na área das obras públicas, carecendo, por isso, sempre que necessitasse de realizar obras na sua circunscrição territorial, do apoio técnico do MUNICÍPIO .... Conforme foi, de resto, salientado pelo então PJF de ..., a Freguesia em apreço só tinha dois funcionários: um canalizador e uma "secretária" que tratava da contabilidade. As Testemunhas «HH» [engenheiro civil que que entre 1983 e 2022 trabalhou para o MUNICÍPIO ...], «CC»[entre 1998 e 2018 exerceu funções na Autora, na direcção técnica de obras] e «DD» [é funcionário da Autora há 37 anos e que desde 1999 mantém a função de encarregado geral de obras públicas] denotaram que foram, de facto, funcionários da Divisão de Obras do Município a dar todas as indicações na realização das obras de pavimentação em apreço, e quem acompanhou a medição dos trabalhos realizados, mas que este era o procedimento habitual e normal em todas as freguesias do concelho, pelo facto de não disporem, estas, de técnicos que pudessem acompanhar as empreitadas em representação da freguesia, carecendo sempre do apoio dos técnicos municipais para esse efeito. Tendo o Tribunal ficado convencido, diante a harmonia, concordância e espontaneidade destes depoimentos, que se viram, também, confirmados pelo testemunho do então PJF de ..., não pôde esta Instância inferir da circunstância de a obra em apreço ter sido tecnicamente acompanhada por técnicos do MUNICÍPIO ... que a referida empreitada tenha sido feita por ordem desse Município. Ademais, todos os demais elementos trazidos ao processo, desde logo os depoimentos acima escalpelizados, inculcam a ideia de que foi por ordem do então PJF de ... que a obra de pavimentação dos 14 caminhos dessa freguesia iniciou. Deste modo, assentou-se como não provado que a Ré não ordenou, nem contratualizou com a Autora, a realização das obras de pavimentação dos 14 caminhos da Freguesia ..., supra identificados. Em todo o caso, o certo é que os técnicos do MUNICÍPIO ... participaram no acompanhamento técnico da obra, e que, subjacente a esse acompanhamento, havia também um protocolo celebrado em Dezembro de 1999 [ou seja, já depois de concluída a obra, mas antes do pagamento da quantia de 20 mil contos à Autora, pela Freguesia ...] entre a CM ... e a Freguesia ... onde, entre o mais, se previa este "acompanhamento técnico" da obra por parte de funcionários da Divisão de Obras do Município ... e a transferência da quantia de 20 mil contos para "subsidiar" essa empreitada. Por ser assim, mais não restou, naturalmente, ao Tribunal, senão dar como não provado que o Interveniente Principal não havia intervindo, por qualquer forma, naquela empreitada, e que da mesma não tinha conhecimento, pelo menos em parte, dando como não provado, também, que o Interveniente Principal nunca assistiu, fiscalizou, dirigiu, orientou e interveio em tal empreitada, posto que, como se sublinhou, esse acompanhamento técnico foi constante e permanente. Resultou provado que à empreitada de pavimentação dos 14 caminhos da Freguesia ... não subjazeu qualquer procedimento pré-contratual, nem a celebração de um acordo escrito. Esta foi, desde logo, uma circunstância reiterada por todas as partes nos seus articulados, mas que encontrou também suporte no depoimento das Testemunhas e do representante legal da Autora. No geral, as pessoas ouvidas referiram que a estas obras não subjazeu qualquer procedimento, tendo o acordo sido feito "por boca", narrando, ainda, que àquela data, o habitual era as obras das freguesias do concelho ... serem praticamente todas feitas oralmente, e não por escrito, apresentando como justificação para tanto essas obras serem, por norma, muito pequenas. Concordante foi, também, a posição das pessoas ouvidas na audiência final, incluindo a Testemunha «BB», no sentido de que todas as pavimentações solicitadas foram integralmente concluídas. Nenhuma das pessoas inquiridas deu nota de que houvesse algum trabalho por realizar, ou concluído com defeitos. A Testemunha «BB» foi confrontada com as facturas emitidas pela Autora em nome da Freguesia ..., referentes à pavimentação dos 14 caminhos dessa freguesia e, tendo tido a oportunidade de os ler e apreciar, não indicou, em momento algum, que determinado trabalho não houvesse sido, de facto, executado. O valor facturado por metro quadrado de pavimentação é o mesmo em todas as facturas, não tendo sido apontado um qualquer erro na elaboração destes documentos financeiros no que concerne, desde logo, aos caminhos intervencionados, valores atendidos e quantidades registadas. As Testemunhas «BB», «HH», «CC» e «DD» afirmaram, de forma harmónica e assertiva, que houve lugar à medição dos trabalhos realizados, tendo, no entanto, descrito um procedimento bastante informal, em que um funcionário da Autora e o técnico do MUNICÍPIO ... (Sr. «II») efectuavam as respectivas medições à fita, confrontando, no final, as medidas por cada um retiradas que, coincidindo, eram apontadas em blocos de notas e / ou folhas de rascunho, percebendo-se que tais apontamentos tinham o único propósito de servir de base à emissão das facturas, e não já a elaboração de um auto de medição propriamente dito, posto que esse documento, ao que foi dado a conhecer aos autos, inexiste. No entanto, nenhuma das pessoas ouvidas afirmou, em momento algum, que a não elaboração do auto de medição se devesse a uma exigência da Ré. Na verdade, o que foi sendo esclarecido pela generalidade das Testemunhas, de forma absolutamente concordante, foi que este "procedimento informal", com a realização de contratos verbais e a condução de uma empreitada "ad hoc" era um acontecimento tido como "normal" ou usual quando se realizavam obras nas freguesias do concelho .... Certo é que nenhuma das pessoas inquiridas apontou como razão para a não elaboração do auto de medição uma qualquer exigência ou pedido da Ré Freguesia nesse sentido, circunstância que levou o Tribunal a dar como não provado o facto listado no ponto E). Esta Instância ficou, ainda, convicta de que os 14 caminhos pavimentados pela Autora em 1999, a que se fez referência supra, dispõem de iluminação pública, e estavam destinados ao trânsito automóvel. Atendeu-se, em particular, ao depoimento da Testemunha «FF» [é assistente operacional na Junta de Freguesia ..., desde o ano de 2001, residindo nessa freguesia pelo menos desde 1999, altura em que desempenhava funções de sapador florestal], que demonstrou conhecer bem todos os caminhos intervencionados, que reconheceu e descreveu, e que referiu de forma assertiva que se tratava de caminhos com iluminação pública e abastecimento de água, onde existiam várias habitações. Por outro lado, conforme se retira das facturas emitidas pela Autora relativamente à pavimentação dos sobreditos caminhos, em todos eles foi aplicada uma camada de betuminosa a quente e em desgaste, cuja utilização mais comum é a da construção de estadas para trânsito automóvel, circunstância que suportou, portanto, o convencimento deste Tribunal. Esta Instância convenceu-se de que, em 20-12-1999, depois de estarem já concluídas as obras de pavimentação dos caminhos, os então Presidente da CM ... e Presidente da Freguesia ..., em representação das respectivas autarquias locais, celebraram um protocolo, tendo por objecto a execução de "pavimentações várias" naquela freguesia. Nos termos desse protocolo, que foi junto aos presentes autos, a CM ... ficaria obrigada a acompanhar e a fiscalizar a obra, prestando o necessário apoio técnico à empreitada, bem como a transferir a quantia de 20 mil contos para cobrir o valor dos trabalhos realizados, que deveria "[...] ser sempre igual ou superior ao montante a transferir". De acordo com o mencionado protocolo, a Junta de Freguesia ficaria obrigada a "[...] 3.1- Proceder às consultas de preços, ou a concurso nos termos do Dec-Lei n° 197/99; 3.2- Fornecer à Câmara Municipal ... o resultado, em termos de vantagem de preço, da consulta realizada bem como fotocópia da minuta do contrato celebrado com o adjudicatário; 3.3- Proceder aos pagamentos; 3.4- Acompanhar a obra, alertando a Câmara Municipal ... para qualquer anomalia; 3.5- Assumir quaisquer encargos resultantes de indemnização ou prejuízos causados a terceiros pela execução da obra". Deve notar-se que no Plano de Actividades do Município ... para o ano de 1999, elaborado em Novembros de 1998, já se encontrava inscrito um encargo de 20.000.000$00, com a descrição «Pavimentações várias na Freguesia ...». A inscrição desta despesa previsível, com os demais elementos documentais trazidos aos autos, leva o Tribunal a concluir que o Interveniente Principal tinha, pelo menos num momento inicial, a intenção de realizar, por si, as obras de pavimentação destes caminhos. Da concatenação do teor desse Plano de Actividades com o teor do protocolo a que se aludiu supra, convenceu-se o Tribunal de que, a dado momento, terá o Município optado por transferir essa competência para a Freguesia ..., acompanhada da verba de 20 mil contos, que era justamente o montante de despesa a afectar a tais obras de pavimentação. O facto de o referido protocolo ter sido celebrado somente em Dezembro de 1999, numa altura em que a empreitada já estava terminada, e as facturas emitidas pela Autora em nome da Freguesia ..., gerou no Tribunal a convicção de que o acordo subjacente a este protocolo já deveria existir informal e verbalmente entre o PCM de ... e o então PJF de ..., tendo a formalização do mesmo, por escrito, visado conferir suporte documental à transferência da verba destinada a pagar as obras. Disso ficou convicta esta Instância, desde logo com base no depoimento da Testemunha «BB», que era, à data, o PJF de .... De acordo com o relato da Testemunha, a Freguesia carecia de obras para arranjos de diversos caminhos, e que, em conversa acerca desses factos com o então PCM, terá por este sido dito à Testemunha para fazer uma relação das obras necessárias nos caminhos da freguesia, comprometendo-se "a financiar" as obras com a quantia de 20 mil contos. Assim, com base nesta descrição, resulta evidente que foi a aqui testemunha, àquela data PJF de ..., quem indicou quais as intervenções a fazer, isto é, quais os caminhos da Freguesia que careciam de ser pavimentados. Procurando compreender por que razão o protocolo havia sido assinado depois de as obras já estarem concluídas, o Tribunal solicitou diversos esclarecimentos à Testemunha, que foi esclarecendo que o PCM de ... à data era "seu amigo do coração", e que aquele modus operandi transparecia, "se calhar, a forma de a Câmara poder pagar [os caminhos]". Acrescentou, ainda, que na sua opinião a motivação para a celebração deste protocolo "era simples", esclarecendo que terá sido para fazer chegar à Freguesia ... a verba necessária para fazer a pavimentação dos caminhos, desde logo por a Testemunha ser, segundo afirmou, "[...] o menino bonito lá da Junta, a CM gostar de mim... o Sr. Presidente [da CM] gostar de mim". Com base neste relato, concatenado com o teor do Plano de Actividades do Município ... para o ano de 1999 e do protocolo assinado entre as duas autarquias, afigura- se que a Freguesia ..., na pessoa do seu então Presidente, terá feito chegar à CM ... a necessidade de serem pavimentados diversos caminhos dessa freguesia. Do que decorre, em particular, do Plano de Actividades do Município ... para o ano de 1999, terá sido intenção do Município efectuar, a título próprio, essas obras de pavimentação. Todavia, por razões que, em bem da verdade, se desconhecem, mas que, pelo menos em parte, terão assentado na relação de grande amizade e confiança entre o PCM de ... e o PJF de ..., o Município ... acabou por transferir a competência para a realização dessas obras de pavimentação para a Freguesia ..., acompanhada da verba de 20 mil contos, que se encontrava inscrita no Plano de Actividades, justamente, para a realização dessa empreitada. No entanto, nem a documentação trazida ao processo, nem os depoimentos das Testemunhas ouvidas [desde logo o depoimento da Testemunha que, à data dos factos, exercia as funções de PJF], permite que se conclua que o protocolo celebrado entre a CM e a JF tivesse em vista a pavimentação de apenas 08 caminhos [a saber: Caminho da Pedreira de Cima, Caminho da Pedreira de Baixo, Caminho do Largo da Igreja, Caminho da Cruz de Rifa a Alijó-Vilarinho, Caminho da Ponte-Vilarinho, e Caminho da Escola de Vilarinho-Bairro Novo]. Essa suposta delimitação dos caminhos abrangidos pelo protocolo não encontra qualquer respaldo no teor desse documento. Por outro lado, a própria Testemunha «BB», então PJF de ..., asseverou, no seu depoimento, que o protocolo tinha sido celebrado com vista a abranger a pavimentação de ..] cerca de 05 [caminhos] em Campos, 02 na Pedreira, 01 em Vilar, e 05 em Vilarinho", o que totaliza 13 caminhos. Com base nestes elementos, mais não restou a esta Instância que não dar como não provado o facto listado no ponto A). Resultou demonstrado que em Dezembro de 1999, a Junta de Freguesia ..., representada pelo seu então Presidente de Junta, emitiu um cheque em nome da Autora, no montante de 20.000.000$00, quantia que, previamente, lhe havia sido transferida pelo Interveniente Principal. Para formar a convicção quanto a esta asserção de facto, o Tribunal atendeu ao teor do cheque inserto com a ref.ª 004519972-SITAF, que concatenou com o recibo emitido pela Autora em 27-12-1999, em nome da Junta de Freguesia ..., referente à importância de vinte milhões de escudos, com o seguinte descritivo: ..] referente ao pagamento das facturas n°s 521,522, 523, 524, 525, 526, 528 e 529/99 (parte)". Ancorou-se, ainda, no teor do protocolo celebrado nesse mesmo mês de Dezembro de 1999, entre a CM e a JF, que dava nota, justamente, da obrigação do MUNICÍPIO ... de transferir à Freguesia ... a quantia de 20 mil contos para pagamento das obras de pavimentação de diversos caminhos dessa freguesia. Por outro lado, quer a Testemunha «BB», quer a Testemunha «EE» [foi o tesoureiro da Freguesia ... no período compreendido entre 1998 e 2001], respectivamente Presidente e Tesoureiro da Freguesia ... à data dos factos, sublinharam que a quantia de 20 mil contos transferida pelo MUNICÍPIO ... para pagamento das obras de pavimentação dos caminhos esteve apenas 01 ou 02 dias na conta da Freguesia, e que logo foi paga, por cheque, à Autora, conforme o previsto no protocolo celebrado entre as duas autarquias. Pese embora a Testemunha «BB» tenha afirmado desconhecer o teor do descritivo do recibo n.° 127 [onde se dava nota que a quantia de 20 mil contos visava o pagamento de apenas parte das obras realizadas, concretamente das patenteadas nas facturas n.°s 521, 522, 523, 524, 525, 526, 528 e 529/99 (parte)], pois não havia sido a autora do mesmo, resultou inequívoco do seu depoimento que estava ciente de que a quantia de vinte mil contos não cobria a totalidade do valor da empreitada de pavimentação dos caminhos da Freguesia ..., intervencionados em 1999 pela Autora, posto que soube esclarecer que o valor total da obra rondava os 38 ou 39 mil contos, quantia de que - referiu - a freguesia não dispunha, e que o PCM de ... lhe teria dito que o restante valor, além dos 20 mil contos transferidos pelo Município para a Freguesia, seria depois acertado com o empreiteiro. Daqui resulta, pois, que o então PJF de ... estava ciente de que o custo global da empreitada de pavimentação dos caminhos representava um custo global bem superior aos 20 mil contos pagos, por cheque, à Autora. Ficou, de resto, provado que além da quantia de 20 mil contos a que se fez alusão supra, à Autora não foi paga, nem pela Ré, nem pelo Interveniente Principal, qualquer outra quantia referente às obras de pavimentação dos sobreditos caminhos. Neste sentido depuseram, não só o representante legal da Autora, como também as Testemunhas «BB» e «EE», respectivamente Presidente e Tesoureiro da Freguesia ... à data dos factos, que, como mencionámos, afirmaram que a Freguesia apenas pagou à Autora, por cheque, o valor transferido pelo MUNICÍPIO ..., ao abrigo do protocolo assinado por ambas as autarquias locais em 1999, isto é, 20 mil contos, ainda que pelo menos a primeira das indicadas Testemunhas soubesse que o valor global da obra era de sensivelmente o dobro. Para sedimentar essa convicção, o Tribunal atendeu, também, ao teor de duas interpelações escritas para pagamento, elaboradas em 2009 e em 2013 pelo Ilustre Mandatário da Autora, e enviadas para o Presidente da Freguesia ..., que as recebeu. De todo o modo, não foi trazida ao processo qualquer prova no sentido de que, entre 2000 e 2014, a Ré tenha pedido à Autora a prorrogação do prazo para pagamento de parte das quantias relativas à empreitada de pavimentação dos caminhos da Freguesia .... Na verdade, foi junta aos autos a resposta, com a data de 05-03-2010, do PJF de ... em exercício de funções no ano de 2010, a uma das interpelações para pagamento elaboradas pela A., na qual o autarca informava que a JF não se reconhecia devedora da dívida invocada pela Autora, na medida em que, do acervo documental existente na Freguesia, não constava qualquer documento que indiciasse a existência da mesma. De realçar que a posição expressa nesse ofício foi a mantida pelos membros da Freguesia ... à data dos factos, quando ouvidos, na qualidade de Testemunhas, nestes autos. No fundo, quer a Testemunha «BB», quer a Testemunha «EE», expressaram a sua convicção no sentido de não ser a Freguesia ... devedora de qualquer quantia à Autora, por estarem convictos - independentemente da bondade legal dessa sua convicção - de que o dono da obra seria o MUNICÍPIO ..., e que, a partir do momento em que a Freguesia pagou, por meio de cheque, os 20 mil contos que lhe haviam sido transferidos por aquele Município, se libertou de qualquer obrigação perante a Autora. Deste modo, porque não foi, de facto, feita prova no sentido de que a Ré tenha pedido à Autora a prorrogação do prazo para pagamento de parte das quantias relativas à empreitada de pavimentação dos caminhos da Freguesia ..., deu-se como não provado o facto listado no ponto F). Quanto às demais Testemunhas ouvidas, o seu depoimento não foi considerado para efeitos de prova ou não prova dos factos alegados pelas partes por não se mostrar relevante do ponto de vista da factualidade pertinente para a composição do presente litígio. Foi, com efeito, a apreciação crítica e articulada de toda a prova carreada para os autos, conjugada com as regras da experiência comum, que sedimentou a nossa convicção quanto à matéria assente, tudo conforme ficou descrito e patenteado supra (artigos 362.° e seguintes do Código Civil, 574.° do CPC, ex vi artigo 1.° do CPTA, e 94.°, n.°s 3 e 4 do CPTA)» Apreciemos, então, as questões acima enunciadas e vejamos o que concluir dessa apreciação quanto ao mérito do recurso e do objecto da acção. 1ª Questão A sentença recorrida é nula, nos termos da alª d) do nº 1 do artigo 615º CPC, por omissão de pronúncia quanto à questão da caducidade do direito à acção, enquanto excepção peremptória de conhecimento oficioso porque a caducidade, in casu, “versa sobre matéria (prazo para o exercício do direito de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão) excluída da disponibilidade das partes”? A sentença pronunciou-se sobre alegação de caducidade da acção. Fê-lo, expressa e demoradamente, nos parágrafos 1 a 20 da fundamentação de direito, em termos que se reconduzem à conclusão de que à data em que a Ré invocou a caducidade do direito de acção, no contexto da audiência final, já havia há muito precludido o seu direito de deduzir tal excepção, ao abrigo do estatuído nos artigos 573.° do CPC e 333.° do CC, razão por que tem de se considerar inadmissível o que fora por si alegado, nesta matéria”. A Mª Juiz a qua julgou que a caducidade ali arguida não era de conhecimento oficioso, concluindo daí que, não tendo sido excepcionada na contestação, não podia ser conhecida pelo Tribunal, apesar de invocada em alegações finais. A Recorrente sustenta que, versando, a caducidade, sobre matéria excluída da disponibilidade das partes, se impunha ao tribunal conhecê-la, apear de invocada apenas nas alegações finais. Seja como for, o que não se pode dizer é que a Mª Juiz a qua não tenha apreciado esta questão. A Recorrente confunde a questão com a sua resolução no sentido em que pretende que a mesma seja julgada. Como assim, a resposta a esta questão é negativa. 2ª Questão De todo o modo a sentença recorrida, ao não julgar procedente a excepção da caducidade, violou o artigo 255º do DL nº 59/99 de 2/3, aplicável, em razão do tempo, ao contrato sub juditio, bem como o artigo 333º, n.º 1 do Código Civil e, ainda, o artigo 576º, n.º 2 e o artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil? O artigo 255º do DL nº 59/99 de 2/3 é a norma onde reside, materialmente, a alegação de caducidade da acção. O artigo 576º nº 3 do CPC dispõe sobre a natureza e o efeito das excepções peremptórias na acção declarativa. O artigo 608º nº 2 do CPC dispõe sobre o objecto da sentença. Assim, a norma decisiva, das aqui invocadas, é a do artigo 333º nº 1 do CC, segundo a qual “a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes”. Recusando conhecer da caducidade da acção por não ter sido alegada no momento tida por próprio – a contestação – a Mª Juiz teria violado, então, não só esta norma como aquela que dispunha in casu a caducidade da acção (artigo 255º do RJEOP), a norma geral do CPC que consagra a absolvição do pedido no caso de ocorrer uma excepção peremptória - artigo 576º nº 3 do CPC); e o artigo 608º nº 2 do mesmo diploma, que obriga o juiz a conhecer, na sentença, de todas as questões de conhecimento oficioso. Porém, tudo isso depende de ter ou não ter sido violado o artigo 333º nº 1 do CC por, alegadamente, a caducidade ser, aqui, de conhecimento oficioso e alegável em qualquer fase do processo. Julgamos que aquela norma do Código Civil não foi violada. A Recorrente, para sustentar que o objecto da caducidade seria, in casu, matéria excluída da disponibilidade das partes, põe a caducidade a versar sobre a própria caducidade, o que é uma flagrante falácia. Evidentemente, a caducidade versa sobre o direito de acção, não sobre o seu prazo. Não é o prazo que caduca, caduca a acção. O objecto da caducidade é, aqui, uma acção para fazer valer um direito de crédito de uma sociedade comercial, direito esse cujo objecto tem natureza meramente patrimonial e cuja fonte reside num acordo de vontades assimilável ao conceito de contrato, embora se trate de um contrato nulo por motivo de forma, cujo objecto, embora reiteradamente designado como de empreitada na própria descrição da matéria de facto provada, antes se deveria designar como de prestação de serviços, pois os factos provados não incluem um preço previamente “apalavrado”, um preço determinado para os trabalhos a realizar. Cf. artigo 1207º do CC, que define o contrato de empreitada). Ora, nada há de mais disponível do que um direito de crédito patrimonial de uma pessoa jurídica privada. Não se diga, como a recorrente parece sustentar, que o objecto da presente acção é indisponível, por provir, não de um negócio jurídico, mas da sua nulidade, que é de ordem pública. Mais uma falácia: se é certo que a nulidade do negócio jurídico é de ordem púbica e deve ser conhecida pelo tribunal a todo o tempo, oficiosamente ou a pedido de qualquer interessado (artigo 286º do CC), devendo ser restituído tudo quanto houver sido prestado ou, se impossível, o valor equivalente (artigo 289º nº 1), isso apenas significa que o negócio nulo é destituído de qualquer eficácia na ordem jurídica e que quem tiver prestado algo em execução do putativo negócio tem o direito subjectivo a reaver o objecto da prestação: não que o autor do negócio não possa prescindir de exigir essa restituição (se o objecto da prestação for ele mesmo disponível, como é o caso das prestações fungíveis ou pecuniárias com fonte putativa num contrato de prestação de serviços). Pelo exposto, é negativa a resposta a esta segunda questão. 3ª questão Ao condenar a Recorrente no pagamento de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde o dia 05-03-2010, até efectivo e integral pagamento, quando a Autora apenas pedira juros desde a citação, isto é, ao condenar no pagamento de uma obrigação de juros superior ao que fora pedido, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 609º, nº 1 do CPC, pelo que padece da nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1, alínea e) do C.P.C.? Estão aqui em confronto duas interpretações da petição inicial. Com efeito, se é certo que no corpo do articulado, designadamente nos artigos 15º e conexos, a Autora declara expressamente exigir juros desde quinze de Maio de 2009 – e não anteriores apenas por os considerar prescritos (e bem, cf. artigo 310ºalª d) do CC) – também o é que, no segmento que formalmente constitui o pedido, apenas diz pedir “juros sobre aquele capital em débito, contados a partir da data da citação do Réu para a acção até efectivo pagamento do mesmo capital, à taxa legal”. É partindo desta formulação final do pedido, ignorando completamente a formulação contida no corpo do articulado e sem envidar qualquer esforço para sustentar a validade da sua opção hermenêutica, que a Recorrente imputa à sentença recorrida o excesso de condenação. Este Tribunal julga, porém, atenta a clareza da exposição do pedido e da fundamentação feitos no corpo do articulado, por um lado, e o facto de esta formulação resultar numa quantia superior, por outro, que a formulação do pedido de feita na conclusão da petição – contraditória com aquela outra formulação – se deve a manifesto lapso de atenção do signatário da Petição no momento em que redigiu o pedido no segmento final do articulado, sendo, portanto, de concluir, que a primeira formulação, feita no corpo do articulado, é a que correspondia à vontade real do mandatário, ao tempo em que apresentou a petição. Assim sendo, a sentença recorrida, ao referir os juros de mora ao dies a quo de 5/3/2010, não condenou, em matéria de juros de mora, além do que era pedido, pelo que a resposta a esta 3ª questão é negativa. 4ª questão A Mª Juiz a qua errou no julgamento da matéria de facto contida nos artigos 4, 8 e 10 da matéria de facto julgada provada, que devia ter sido julgada como não provada, e nas alíneas B), C) e D) da matéria de fato julgada não provada, que devia ter sido julgada provada, tudo com a motivação constante das conclusões 19 e 20? Os princípios da oralidade e imediação e da livre apreciação da prova (artigos 590º a 606º e 607º nº 5 do CPC) implicam que o julgamento do recurso em matéria de facto, quanto à apreciação de provas que não sejam prova legal, não é um julgamento ex novo, em que se possa fazer tábua rasa do julgamento do juiz da 1ª instância que, esse sim, viu, ouviu e apreciou com imediação todos os meios de prova, mormente os depoimentos de testemunhas e declarantes, antes deve ficar-se pela detecção do erros de julgamento revelados pelas “regras da experiência comum” ou logicamente demonstráveis. Na verdade, tem de se ter presente que o recurso, mesmo quanto à matéria de facto, serve, em princípio (sem prejuízo do disposto nos artigos 665º nº 2 do CPC e 149º do CPTA), para criticar a sentença recorrida: não para um novo julgamento em primeira instância. Em coerência com este entendimento e para obviar à perplexidade de não haver um objecto concreto e definido para a crítica da decisão de facto, o artigo 640º nºs 1 e 2 do CPC, aqui aplicável ex vi artigo 2º do CPTA, faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente os factos indevidamente provados ou indevidamente não provados, decisão que devia ter sido tomada e meios de prova determinantes, chegando ao ponto de lhe impor, no caso da prova verbal gravada, sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso” na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a). Cumpre, porém, notar que os ónus decorrentes do artigo 640º nºs 1 e 2 do CPC tem de ser adequadamente aplicados, pois podem ocorrer situações em que é impossível especificar um meio de prova diverso dos invocados na sentença e demonstrativo do erro no julgamento, apenas sendo possível criticar a suficiência dos meios de prova invocados pelo juiz a quo. É o que sucede, in casu na alegação de que não se produziu qualquer prova relativamente aos factos provados 4, 8 e 10. Assim, o facto de se não individualizar o meio de prova do contrário ou o meio de prova de que resultasse a dúvida sobre estes factos, não pode ser qualificado como falta de satisfação dos ónus sobreditos. Contudo, precisamente porque, como vimos, não se trata aqui de fazer uma avaliação ex novo, de toda a prova produzida; porque a fundamentação de facto, quanto a estas factos, se mostra, na sentença, existente e de acordo com as regras da experiência comum; e porque que as impugnações de factos alegados e dos documentos não prejudicam um julgamento de facto segundo a livre convicção do juiz, este Tribunal, em harmonia com o acima exposto em sede geral, não vê razão para alterar a decisão de julgar como provados os factos 4, 8 e 10. Quanto às alíneas da matéria de fato julgada não provada, B) C) e D), que julgar? Dir-se-ia que a alegação da Recorrente não satisfaz, quanto a estes factos, o sobredito ónus do recorrente em matéria de facto. Quer no corpo das alegações, quer nas conclusões, a Recorrente limita-se a propor conclusivamente a decisão oposta à tomada na decisão recorrida. Trata-se, é certo, de matéria, digamos, simetricamente oposta à dos factos cujo julgamento como provados é impugnado, pelo que se pode interpretar a alegação como remetendo para tudo o alegado em prol do julgamento, como não provados, dos factos provados 4, 8 e 10. Porém, esta tácita remissão não supre a inexistência de uma definição clara e especificada, quanto a cada facto não provado, dos dizeres dos inquiridos, ou das passagens do seu registo áudio, dos quais resulte, logicamente ou por força dados da experiência comum, dever ser julgado, cada um deles, como provado. O mais que esta remissão permite é perceber que e por que, na livre convicção da recorrente, a matéria destas três alíneas deve ser julgada provada, não que a Mª Juiz a qua incorreu em erro lógico ou erro de juízo em face dos ditames da experiência comum, ao dar estes factos como não provados. Assim sendo a resposta a esta questão só pode ser negativa. 5ª Questão Com a mesma motivação mencionada e considerada nas conclusões 19 e 20, deverá aditar-se à factualidade provada os seguintes factos? a) A quantia de 20.000.000$00 a que se alude em “12)” foi paga ao abrigo do protocolo mencionado em “11)”; b) A medição dos trabalhos não foi reduzida a escrito mediante o correspondente auto de medição; c) A Autora executou a empreitada segundo as instruções que lhe foram indicadas verbalmente pelos funcionários da Câmara Municipal. Temos vindo a entender que a falta de especificação como provados ou não provados, com a respectiva fundamentação, de factos atendíveis para a discussão da causa em alguma solução plausível desta constitui nulidade da sentença, nos termos do artigo 615º nº 1 alª b) do CPC, por falta parcial da especificação dos fundamentos de facto da decisão, embora possa ser uma nulidade apenas parcial e ou suprível nos termos dos artigos 662º nº 1 e ou 665º nº 1 do CPC. Assim, entendemos que não está em causa, na questão ora sub judices, um erro no julgamento em matéria de facto, nem de direito, mas sim uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre questões que devessem ter sido apreciadas, mas sim uma nulidade da sentença por falta parcial da especificação dos fundamentos de facto da decisão, isto é, de alguns dos factos atendíveis pelo tribunal na discussão e na decisão da causa, nulidade, aliás, nem sempre determinante da baixa do processo à 1ª Instância, atentos os poderes/deveres conferidos ao Tribunal de recurso pelo disposto nos artigos 662º nº 1 e 665º nº 1 do CPC. Mas que factos são esses, em abstracto, que o Tribunal deve atender e, portanto, especificar, na sentença, como provados ou não provados? Nos termos do artigo 607º nº 4 do CPC – aqui ainda subsidiariamente aplicável ex vi CPTA anterior à reforma do DL 214-G/2015 de 2/10 – “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…)” A matéria a declarar provada e não provada haverá de ser, logicamente, aquela que, alegada pelas partes, releva para a discussão da causa em qualquer das soluções plausíveis do litígio, designadamente as soluções sustentadas pelas partes. Tal é o que decorre do artigo 5º nºs 1 e 2 do CPC. Da norma constituída por estes dois números resulta, também, que o juiz deve ter ainda em consideração e, portanto, discriminar como provados nos termos do artigo 607º nº 3 do CPC, factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos alegados, desde que, quanto a estes últimos e sua prova, as partes tenham tido a possibilidade de exercer o contraditório, conditio que decorre do nº 3 do artigo 3º do mesmo código. Não se diga que basta a menção dos factos provados suficientes para a decisão preconizada pelo tribunal. Na verdade, se o direito ao contraditório é um direito processual que acaba por se filiar num direito liberdade e garantia constitucional (artigo 20º nº 1 da Constituição) é dever do juiz pronunciar-se fundamentadamente sobre a prova de todos os factos alegados e relevantes, ainda que só do ponto de vista de uma parte, de modo a que esta possa exercer o contraditório e o recurso também quanto à solução jurídica por si preconizada para o litígio. Esta afirmação carece, contudo, de uma advertência sobre o que não é silêncio da sentença em matéria de facto: assim, quando da prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova ou, até, a prova de outro, também ele alegado, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova de um e pela prova de outro, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com o artigo 607º nº 4 citado, uma expressa referência àqueles. Já os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por integrarem a própria tramitação do processo, esses, não carecem de ser discriminados, dado que a sua prova é do conhecimento de qualquer das partes e não carece de contraditório. Assim, para que o tribunal se deva pronunciar sobre a prova ou a não prova de quaisquer factos é necessário que os mesmos tenham sido alegados ou que ao menos sejam instrumentais, complementares ou concretização dos alegados, tendo a sua prova resultado da instrução da causa e, sendo complementares ou concretização, tenham, as partes, tido a possibilidade de, quanto a eles e sua prova, se pronunciarem. In casu, segundo o Recorrente, a omissão de especificação de factos provados teria como objecto as seguintes proposições: “a) A quantia de 20.000.000$00 a que se alude em “12)” foi paga ao abrigo do protocolo mencionado em “11)”; b) A medição dos trabalhos não foi reduzida a escrito mediante o correspondente auto de medição; c) A Autora executou a empreitada segundo as instruções que lhe foram indicadas verbalmente pelos funcionários da Câmara Municipal.” A proposição “a)” não é uma proposição de facto, mas sim uma proposição sobre proposição, isto é, uma afirmação conclusiva. Saber se a quantia de 20 000 contos foi paga, à Autora, ao abrigo, isto é, com fundamento ou com justificação, no protocolo mencionado em 11 não é uma questão de ser ou não ser, é uma questão de validade ou invalidade, enfim, de direito, ao menos lato sensu, pois expressa um juízo de valor sobre dois factos, esses sim, verdadeiros factos, aliás, especificados como provados nos artigos 11º e 12º da decisão em matéria de facto, que foram o pagamento da quantia de 20 000 contos à autora e a assinatura do protocolo. Sendo assim, não é necessário confrontar esta alegação com a PI ou com o mais que expusemos em geral a partir do artigo 5º do CPC, para se concluir que o Tribunal a quo não tinha que se pronunciar sobre a prova de putativo facto que a recorrente descreve sob a alª a). Sempre se dirá, sem embargo, que tal alegação não consta da Petição, nem a recorrente alega, nem da acta da audiência consta o que quer que seja que permita seleccionar esta facto como susceptível de ser considerado nos termos das alªs a e b) do acima citado artigo 5º. A proposição b) é uma proposição de facto. Revisitada a PI, verificamos que aquela tem correspondência alegada nos artigos 7, 21, 33, 45, 56, 69. Devia, portanto, ser objecto de especificação como provada (a não, decorrer, a sua prova ou não prova, da especificação de outros factos especificados como provados e ou não provados). Porém, constata-se que o facto foi especificado como provado no artigo 9º da decisão em matéria de facto, em termos susceptíveis de serem interpretados como se referindo a todos os trabalhos em juízo. Assim, não está em falta especificação, como provada, da proposição b). A proposição c), essa, dir-se-ia ter correspondência nos artigos 12, 26, 38, 49, 61, 74 e 86 da petição (“A Autora executou a empreitada segundo as instruções que lhe foram indicadas verbalmente”). Porém, não é assim, já que à redacção da Petição falta a menção do agente da passiva que, desta feita, a Recorrente lhe acrescenta: “pelos funcionários da Câmara Municipal”. Quer dizer, na formulação que a recorrente pretende ver aditada, tal facto não está alegado. Tão pouco a Recorrente aduz, nem da acta da audiência consta o que quer que seja que permita seleccionar esta facto como susceptível de ser considerado nos termos das alªs a( e b) do acima citado artigo 5º nº 2. Por outro lado, julgamos que o facto provado 5º (“a empreitada a que se alude no ponto anterior foi acompanhada por técnicos do Interveniente”) é, pelo menos em alguma interpretação, praticamente sobreponível a esse outro, alegadamente em falta, pelo que também por esta via se chega à conclusão de que tão pouco relativamente a esta alínea c) ocorre a alegada omissão de especificação como facto provado. Como assim, nem mesmo este facto c) tinha de ser aditado à especificação dos factos tidos por provados. Tudo visto, é negativa a resposta a esta 5º questão. 6ª Questão A sentença recorrida errou no julgamento de direito, ao condenar o Réu e absolver o Município, Interveniente Principal, pois o protocolo celebrado entre o Município e a Ré Freguesia conforme facto provado 11 foi apenas assinado pelo Presidente da Câmara Municipal ..., sendo certo que, tratando-se de um órgão colegial e da assunção de uma dívida, aquele sempre teria de ser aprovado em reunião de Câmara e autorizado pelos órgãos deliberativos do Município e da Freguesia, sem o que não vincula a Freguesia nem o Município? Importa recordar que, para a Mª Juiz a qua, o fundamento da decisão de absolvição do Município Interveniente residiu, em último termo, na condenação da aqui Recorrente com base no regime jurídico da nulidade do negócio jurídico, contido no artigo 289º nº 1 do CC, quer dizer, julgou-se que houvera um contrato “de empreitada” nulo entre a Ré Freguesia e a Autora e que, em sanção da nulidade desse contrato, se reconhecia o direito da Autora a haver da Ré Freguesia o valor equivalente à obra efectuada – supostamente, o preço facturado – acrescido de juros de mora não prescritos desde a interpelação extrajudicial para pagar, de onde resultou – assim se disse expressamente – a absolvição do Município e, atenta a sua natureza residual, a improcedência da alegação de enriquecimento sem causa, bem como resultou ficar prejudicada a apreciação da excepção peremptória da prescrição do alegado direito de crédito nele originado. Se assim é, isto é, se a absolvição do Município, mal ou bem, decorreu de se ter concluído que quem foi parte do contrato nulo foi a Freguesia, não o Município, e, portanto, era da Freguesia, não do Município, a obrigação de restituir o valor equivalente aos trabalhos prestados, então era irrelevante a validade ou a invalidade do protocolo entre Município e Freguesia, subscrito pelos presidentes dos respectivos órgãos executivos. Note-se: a Freguesia, na sentença recorrida, não foi julgada parte no putativo contrato de empreitada com fundamento em o presidente da junta ter outorgado o protocolo com o Município, mas sim com fundamento em que se provou que as obras foram efectuadas a pedido do Presidente da Junta, facto cuja prova apenas se considerou “reforçada pelo facto de existir um protocolo de delegação de competências celebrado entre a CM ... e a Freguesia ..., justamente nesta matéria”, o qual protocolo explicava, até, o acompanhamento da obra por técnicos do Município sem daí se ter concluir que a contraparte pública fosse, afinal, esta outra autarquia (cf. factos provados 4 e 8 e páginas 36 e sgs da sentença). Acresce considerar que não se estava a tratar de uma obrigação decorrente de um negócio jurídico válido, mas sim das obrigações que, para as partes de um contrato nulo – e nulo por razões de forma – decorreriam dessa mesma nulidade, dado aquele ter sido, por uma das partes, executado. É que, dessa feita, o que relevava era o substrato fáctico, constitutivo do contrato nulo ou relevante para a interpretação das declarações de vontade das partes, no sentido de se saber se o contrato fora, embora nulo, ao menos existente e qual era o seu objecto. Ora, deste ponto de vista, não tinham relevância quer a legalidade financeira das inerentes despesas, quer a habilitação legal dos representação das autarquias para o protocolo em causa. Sempre se dirá, por fim, mas não por último, que não foi alegado pela Ré nem resulta dos autos, sequer, a notícia de que os presidentes das Autarquias tenham assinado o protocolo fora dos pressupostos da legalidade administrativa e financeira do mesmo. Como assim, é negativa, também, a resposta a esta 6ª questão. 7ª Questão De todo o modo, dos factos provado resulta não estar, o Município, eximido da sua responsabilidade perante a Autora, por aplicação do princípio do enriquecimento sem causa, pois, atentas a dominialidade Municipal dos caminhos beneficiados e as atribuições do Município contidas nos artigos 8º e 11º do DL n.º 77/84, de 08.03, quem se acha locupletado com o produto dos trabalhos prestados pela Autora é o Município? Sobre a alegação do enriquecimento sem causa, feita pela Autora ma Petição, a Sentença recorrida pronunciou-se em termos redutíveis ao seguinte excerto: “A situação vertente está enquadrada no domínio da nulidade do contrato e do seu regime especial, consagrado no artigo 289.° do CC, pelo que está vedado o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, que se caracteriza pela sua natureza subsidiária, de acordo com o qual a sua aplicação só deve ser equacionada quando a lei não faculte ao empobrecido qualquer meio legal de ser indemnizado ou restituído. Nesta conformidade, porque o Tribunal já apreciou os pedidos formulados pela Autora ao abrigo do regime especial de restituição decorrente do artigo 289.° do CC, tendo inclusivamente concluído pela sua procedência parcial, resulta inequívoca a falta de cabimento legal do recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, de aplicação meramente subsidiária, nos termos do artigo 474.° do CC. Fica, por isso, prejudicado o conhecimento da excepção peremptória da prescrição do direito da Autora à restituição fundada no instituto do enriquecimento sem causa, invocada pelo Interveniente Principal na sua contestação.” Em suma, a Mª Juiz a qua entendeu que, uma vez que já ia condenada, a Freguesia, a pagar à Autora o valor equivalente aos trabalhos facturados, claudicava, in casu esse requisito de recurso ao “Enriquecimento Sem Causa”, decorrente do artigo 474º do CC, constituído por ser ele o único “meio processual adequado ao exercício do direito à restituição das quantias indevidamente retiradas do património do empobrecido”. Mas será assim? Não pomos em dúvida estarem reunidos factos provados reconduzíveis, grosso modo, a um contrato de prestação de serviços entre a Freguesia e a Autora, ainda que em termos legalmente irregulares, quer quanto ao procedimento quer quanto à forma. Portanto, andou bem, o Tribunal a quo em julgar que ocorreu um contrato (designando-o embora, com o nome de empreitada) e que o mesmo era nulo. Porém, já não pensamos que tenha ido bem ao recorrer ao artigo 289º nº 1 do CC para fundamento de uma obrigação de restituir, a cargo da Freguesia. Vejamos por quê: Conforme a citada norma, em caso de nulidade ou anulação do negócio, “deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição não for possível, o valor equivalente”. Sucede que, atentas as atribuições legais do Município e o facto de as obras terem sido levadas a cabo no seu domínio público municipal, quem de facto recebeu e detém o resultado dos trabalhos foi e é o Município. A freguesia, essa, embora tenha outorgado o contrato nulo, não é a detentora do que foi prestado, nem sequer de um qualquer enriquecimento consequente da execução do contrato. Deste modo, encontra-se, o aplicador do direito, perante a seguinte perplexidade: O regime da nulidade do negócio não é teoricamente ou, ao menos, praticamente aplicável, pois a suposta contraparte pública no contrato nada arrecadou, pela execução deste, antes o arrecadou um terceiro, pelo que não tem sentido, relativamente a si, formular o conceito de restituição do prestado. Por outro lado, quem detém “o prestado” não outorgou o suposto contrato, pelo que tão pouco quanto a si tem sentido conceber a obrigação de “restituir” prevista no nº 1 do artigo 289º do CC como regime da invalidade do contrato. Mas sendo assim, diversamente do que julgou a Mª Juiz a qua, não estava proscrita por força do disposto no artigo 474º d CC a alegação, pela Autora, do enriquecimento sem causa, enquanto fonte do seu alegado direito de crédito, desta feita sobre o Município. Com efeito, mostra-se ser esta, precisamente, uma situação em que nenhum outro instituto do direito das obrigações ou da ordem jurídica em geral se mostra susceptível de ser aplicado como via para se repor a justiça reintegrando a Autora do que, sem causa e com seu empobrecimento, prestou ao Município. Na verdade, uma vez que não se provou facto algum de que se possa concluir que o Município foi parte no encontro de declarações de vontade do contrato nulo, isto é, se ele é um terceiro relativamente aos putativos outorgantes, não se lhe aplica o regime da nulidade desse contrato, não é ele o sujeito da obrigação de restituir a que se refere o artigo 289º nº 1 do CC. Esse sujeito só poderia ser a parte de um putativo contrato. Sem embargo, é o Município que se encontra enriquecido com a prestação de um putativo contrato. Como assim, é dele a obrigação de restituir, desta feita com fonte no seu enriquecimento sem causa. Julgamos, assim, que há erro de direito na decisão de condenar a Freguesia Ré com fundamento no artigo 289º n 1 do CPC e no consequente juízo de dar como prejudicada a pretensão de condenação do Município com fundamento no seu enriquecimento sem causa. Como tal, é positiva a reposta a esta 7ª questão, o que faz com que o recurso proceda, impondo-se revogar a sentença, designadamente quando ao dispositivo de condenação da Freguesia e absolvição do Município. IV - Apreciação do pedido subsidiário com base na alegação do enriquecimento sem causa, contra o interveniente Município. Conforme o nº 3 do artigo 149º do CPTA na redacção anterior à reforma de 2015, “Se o tribunal recorrido tiver julgado do mérito da causa, mas deixado de conhecer de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o tribunal superior, se entender que o recurso procede e que nada obsta à apreciação daquelas questões, conhece delas no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida.” Da resposta positiva à 7ª questão não resultam, sem mais, os pressupostos de uma condenação do Município com fundamento no enriquecimento sem causa. Com efeito, há que apreciar, antes de mais, a alegação da excepção de prescrição da obrigação do Município, desta feita enquanto tendo por fonte o enriquecimento sem causa e, depois, improcedendo a alegação de prescrição, o quantum desta obrigação e da, também alegada, obrigação de juros de mora. O contraditório mostra-se facultado e plenamente exercido, também sobre esta questão, naos articulados das partes, pelo que não há que facultá-lo desta feita (artigo 130º do CPC). 1 - Da excepção de prescrição Quanto à excepção de prescrição, a sua improcedência decorre directamente da natureza que, afinal, desta feita se reconhece ser a da obrigação do Município. Vejamos: Como fundamento de direito da alegação de prescrição foi invocado, pelo Município, o disposto no artigo 317º alª b) do CC: “Prescrevem no prazo de dois anos: a) (…) b) Os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor; Créditos por objectos “vendidos”, “fornecimento de mercadorias ou produtos” e por “execução de trabalhos” só podem ser, na mens legislatoris, os créditos provenientes dos contratos correspondentes (de compra e venda e ou de prestação de serviços ou de empreitada). Por sua vez, créditos pela “gestão de negócio alheios” só poderão ser os créditos por despesas ou outros prejuízos sofridos por alguém por causa do exercício da “direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada” (artigo 464º do CCivil). Ora, a fonte do direito desta feita invocado pela Autora contra o Município não é qualquer contrato, nem qualquer despesa feita na gestão de negócios de outrem, se não o mero facto jurídico, ou um conjunto de factos jurídicos, qualificado juridicamente como enriquecimento sem causa nos termos e para os efeitos do artigo 473º do CC. Como assim, em matéria de prescrição não se lhe aplica o artigo 317º b) do CC, mas sim a regra geral do artigo 309º (vinte anos). Tanto basta para a excepção peremptória de prescrição do direito de crédito, por enriquecimento sem causa, invocado pela Autora contra o Município, improceder. Sendo assim, há que apreciar em concreto, o objecto e os limites de tal direito de crédito. 2 - Do enriquecimento sem causa do Município O enriquecimento sem causa, ou melhor, a proscrição, pela ordem jurídica, do enriquecimento sem causa, vem concebido, enquanto uma das fontes das obrigações, no artigo 473º do CC: Artigo 473.º (Princípio geral) 1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou. Trata-se de um instituto de vocação residual, de objecto transversal a todo o Direito das Obrigações, com que o Legislador do Código Civil de 1967, desta feita inovando face ao “De Seabra”, de 1867, que apenas previa obrigação análoga em caso de erro no pagamento (artigo 758º), quis, no encalço da jurisprudência que então, nesse sentido, se viera a formar, garantir que nunca alguém se enriquecesse à custa da perda patrimonial injustificada de outrem, simplesmente por nenhuma das demais das fontes das obrigações se mostrar apta a subsumir o caso concreto ou praticamente apta a repor a justiça, reintegrando o património lesado (cf. artigo 474º do CC). São variegadas as situações em que esta ultima ratio do direito das obrigações se revela necessária e, portanto, accionável como fonte de um direito de crédito. As mais das vezes, a situação resultará de factos e actos jurídico protagonizados por apenas duas pessoas – quando, por qualquer razão de facto ou de direito, o regime da nulidade ou da anulabilidade do negócio jurídico não chega para sanar o enriquecimento infundado. Mas a situação pode também ser o resultado – inimputável ao enriquecido – da execução de um contrato nulo ou anulável, entre pessoas terceiras (res inter alia). O que importa é que o enriquecimento seja um facto e não deva ter a tutela, nem a complacência, da Ordem Jurídica e que esta não contenha instituto que especifica e nominalmente proscreva a sua etiologia e seja apto, em concreto, a repor o Direito. Atenta a teleologia do instituto, o critério de identificação da obrigação é sempre este: quem de facto enriqueceu deve restituir aquilo com que se depara enriquecido sem motivo juridicamente válido, a quem, sem motivo juridicamente válido, se viu de facto e em contrapartida empobrecido. Tal é o que apoditicamente resulta do nº 1 do artigo 473º do CC, acima transcrito e bem assim do nº 1 do artigo 479º do mesmo diploma, segundo o qual “a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.” Segundo o Interveniente Município não estão reunidos, relativamente à sua pessoa, os pressupostos da fonte de obrigações que é o Enriquecimento sem Causa, quer porque o quadro legislativo a aplicar é o da nulidade do contrato (com a Freguesia), o que afasta a aplicação do enriquecimento sem causa enquanto ultimo recurso para repor o Direito, quer porque não foi tido nem achado na negociação do putativo contrato, nem sequer interpelado extrajudicialmente para pagar. Alega, ainda, que, de todo o modo, não se tratando de um contrato, não há, na obrigação de restituir, lugar ao lucro nem a mora nem, consequentemente, a juros. Da primeira alegação depreende-se que, segundo o Município, o regime a aplicar e apto para reintegrar a Autora do prejuízo sofrido com a prestação dos trabalhos seria o da nulidade do negócio jurídico, previsto no artigo 289º nº 1 d CPC. Esta tese está prejudicada, atento o que acima se discorreu e julgou quanto à sétima questão integrante do recurso. Com efeito concluímos, então, que a Freguesia, embora outorgante do contrato nulo, não era a beneficiada com a putativa prestação contratual da Autora, pelo que não se podia conceber uma sua obrigação de restituição do prestado. Já os factos de o Município ser um terceiro relativamente ao contrato (nulo) entre Autora e freguesia e de o mesmo município não ter sido interpelado para pagar antes da sua citação como interveniente, esses, são inócuos, não prejudicam o preenchimento do conceito de enriquecimento sem causa revelado pelo artigo 473º do CC, atento o que em geral expusemos supra quanto à natureza desta fonte das obrigações. Ora: Os trabalhos em causa vêm descritos e discriminados nos pontos 4 e 8 da discriminação dos factos aprovados. Convém considerar, também, o facto provado 7: 7) Os caminhos mencionados no ponto "4)" dispunham, já no ano de 1999, de iluminação pública, destinando-se, entre o mais, ao trânsito automóvel. Perante as descrições dos trabalhos e a caracterização dos caminhos seu objecto, ninguém duvidará de que os trabalhos beneficiaram o domínio público municipal do Interveniente Município e se inserem nas atribuições desta autarquia (cf. os invocados artigos 8º e 11º do DL n.º 77/84, de 08.03). Daqui resulta apodicticamente que é o Município quem se acha enriquecido sem causa à custa do empobrecimento da Autora. Poderá cogitar-se que, uma vez que, pelo protocolo descrito em 11 dos factos provados, a Junta de Freguesia passou a ter competência para levar a cabo obras com as presentes, então é esta autarquia a enriquecida, pois, com as obras realizadas, viu feitos melhoramentos que eram sua atribuição, posto que derivada da atribuição do Município, sem nada despender em contrapartida. Mas sem razão: Desde logo, o protocolo é celebrado em data posterior à execução e até à “facturação” dos trabalhos, pelo que, atentos os seus próprios termos, não os pode ter abrangido, quer dizer, as obras efectuadas em execução do contrato nulo entre a Autora e a Freguesia não são assimiláveis a uma execução do protocolo. Depois, se e na medida em que não tiverem sido transferidas verbas do Município para a Freguesia, destinadas ao pagamento destas obras, não se pode esta última autarquia considerar enriquecida, por esta via. Com efeito, só no caso afirmativo, isto é, de terem sido transferidas verbas correspondentes, poderia haver enriquecimento da Freguesia, quando é certo que o dominus do domínio público imóvel beneficiado nunca deixou de ser o Município. Resta referir o óbvio: a restituição em espécie é impossível, pelo que objecto da obrigação de restituir haverá de ser um valor equivalente aos trabalhos prestados, conforme expressamente prevê o artigo 479º nº 1 do CC. Mas que valor será esse? Julgamos que esse valor haverá de ser o dos preços facturados, deduzido dos 20 000 contos já pagos pela freguesia conforme pontos 12 e 13 dos factos provados. Vejamos porquê: Nos termos da conjugação dos nº 2 do artigo 479º e alªs a) e b) do artigo 480º do CC, a obrigação de restituir com fundamento em enriquecimento sem causa não pode exceder a medida do locupletamento à data da citação judicial para a restituição ou à data do conhecimento, pelo enriquecido, da falta de causa do enriquecimento. Nada nos factos provados permite ter por adquirido que o Município teve, mediante o titular do órgão competente e o procedimento devido, conhecimento do enriquecimento à custa da Autora, e, logo, da falta de causa, antes da citação judicial. Recorde-se que as facturas foram emitidas, destinadas e enviadas à Junta de Freguesia – não ao município enriquecido. Portanto, a medida do enriquecimento do Município, para efeitos do artigo 479º nº 2 do CC, é a medida do mesmo à data da citação. À data da citação já estavam realizados todos os trabalhos facturados, mas a Freguesia já entregara à Autora, por conta do “preço” dos trabalhos objecto das facturas elencadas em 8 dos factos provados, 20 000 000$00. Portanto, na determinação do valor do enriquecimento do Município à custa da Autora havia que ter em conta a dedução deste valor ao “valor equivalente” a todos trabalhos prestados. Mas como se há-de determinar esse valor equivalente à totalidade dos trabalhos prestados? Deverá ser o da facturação, incluindo, portanto, a margem de lucro presumivelmente contida no preço facturado, ou só o do custo dos mesmos para a Autora? O Município interveniente sustenta que essa margem de lucro não pode ser considerada, precisamente porque acresce ao custo dos trabalhos. Porém, sem pagar um qualquer preço, que supõe alguma margem de lucro, o Município não conseguiria contratar as obras. Ora, o Município não pôs em causa a adequação dos preços facturados. Por outro lado, nada nos autos permite aventar com verosimilhança a possibilidade de os preços facturados serem superiores aos que resultariam do normal funcionamento do mercado, inclusive de uma procedimento pré-contratual. A Autora, por sua vez, ao prestar os trabalhos facturados, pelos preços por que o fez, sem que contrato houvesse, ficou empobrecida, não só no valor dos custos incorridos como também no do preço que cobraria por prestação idêntica a outros clientes. Assim, julgamos que o Município, enquanto dono do domínio público valorizado pelas obras, ficou enriquecido no valor dos preços facturados. Pelo exposto, a medida do enriquecimento do Município à custa do empobrecimento da Autora é o valor, sem IVA, da totalidade das facturas referidas no ponto 8, deduzido dos 20 000 contos recebidos pela Autora em Dezembro de 1999 da discriminação dos factos provados: € 96 776,14. Quanto a juros de mora, quid juris? A fonte da obrigação é a proscrição do enriquecimento sem causa, invocado em juízo e apenas desta feita reconhecido: não um contrato válido subjacente às facturas. Assim sendo, sem prejuízo da sua natureza comercial – pois o crédito, apesar da sua origem atípica, formou-se no exercício da actividade comercial (cf. artigo 102º do CComercial) – e atento o disposto no artigo 805º do CC, a mora apenas se iniciou com a citação do Interveniente, pelo que apenas há lugar a juros de mora, comerciais, sobre aquela quantia, desde a citação do interveniente em 30/10/2017 (facto provado 25). V - Conclusão, quanto ao recurso e a acção Em face da reposta positiva dada à sétima questão do recurso e do que se expôs e apreciou nesta instância em obediência ao disposto no artigo 149º nº 3 do CPTA (na versão aplicável) há que julgar o recurso procedente, revogar a sentença recorrida e julgar a acção procedente, com a absolvição da Ré Freguesia do pedido e condenação, outrossim, do Interveniente Município a pagar à Autora, com fundamento no enriquecimento sem causa, o capital de € 96 776,14 €, acrescido de juros de mora comerciais contados desde, apenas, a citação do Interveniente, isto é, desde 30/10/2017. V – Custas As custas do recurso haverão de ser suportadas, na totalidade, pela Autora, que foi a parte Recorrida e decaída no recurso. As custas da acção serão repartidas pelas partes, na proporção do decaimento a final, que, atento o decaimento da Autora em matéria de juros – pedia juros comerciais desde 15/7/2009 (cf. supra, discussão da 3ª questão) e apenas se lhe reconhece o direito a juros comerciais desde 30/10/2017 – se fixa, desta feita, em 29% para a Autora e 71% para o Interveniente Município. Tudo conforme decorre do artigo 527º do CPC. VI- Dispositivo Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso da Ré Freguesia, absolvê-la do pedido e julgar acção procedente, condenando o Interveniente Município, com fundamento no seu enriquecimento sem causa, a pagar à Autora a quantia de € 96 776,14 €, acrescida de juros de mora comerciais contados desde a sua citação, isto é, desde 30/10/2017, até integral pagamento. Custas: Do recurso, pela Recorrida Freguesia. Da acção, pela Autora e pelo Interveniente Município, na proporção de 25% e 75%, respectivamente. Porto, 6/12/2024 Tiago Afonso Lopes de Miranda Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa Maria Clara Alves Ambrósio |