Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 03160/06.3BEPRT |
![]() | ![]() |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 07/26/2007 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | TAF do Porto |
![]() | ![]() |
Relator: | Drº José Augusto Araújo Veloso |
![]() | ![]() |
Descritores: | CONVOLAÇÃO - ART. 121.º CPTA REQUISITOS PROCESSO DISCIPLINAR |
![]() | ![]() |
Sumário: | I. A convolação permitida pelo artigo 121º do CPTA, inspirada no princípio da tutela jurisdicional efectiva e em razões de economia processual, vem permitir que o juiz cautelar, ouvidas as partes, se declare, de forma fundamentada, apto a antecipar no processo cautelar o juízo sobre o mérito da causa principal. Esta convolação, no caso de ocorrer, será seguida do julgamento da causa principal, que poderá ser no sentido da procedência ou da improcedência da pretensão formulada pelo demandante; II. Esta antecipação do juízo sobre a causa principal, que tudo indica poder ser da iniciativa do tribunal ou suscitada pelas partes, atendendo aos princípios gerais e à sua razão de ser, depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: primo, deve haver manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, de modo a poder-se concluir que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar; secundo, o tribunal deve sentir-se em condições de decidir a questão de fundo, por constarem do processo todos os elementos necessários para o efeito; III. O juízo substantivo sobre a manifesta urgência na resolução definitiva do caso impõe interpretação e aplicação exigentes, e especial cuidado e grande prudência por parte do julgador, o qual só excepcionalmente se deve decidir pela convolação; IV. O segundo requisito, de ordem processual, ao exigir que o julgador só avance para a antecipação do juízo sobre a causa principal quando tiver no processo todos os elementos necessários para o efeito, significa que o tribunal não deve antecipar a decisão sobre o mérito da causa, mas decidir a providência cautelar, sempre que seja possível admitir que poderão ser trazidos ao processo principal elementos relevantes para a decisão de fundo. Isto significa, além do mais, que será muito difícil perspectivar uma situação de antecipação do juízo sobre a causa principal antes de esta ter sido intentada. Trata-se de exigência, cuidado e prudência, impostas pelo princípio dispositivo e pelo princípio do processo equitativo, que permitem às partes fazer uma legítima previsão de riscos.* * Sumário elaborado pelo Relator |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data de Entrada: | 05/30/2007 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | Município do Porto |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Negar provimento ao recurso |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório A… – residente em …, Maia – interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto – em 23 de Fevereiro de 2007 – que antecipando a decisão da causa principal, nos termos previstos no artigo 121º do CPTA, julgou improcedente a acção administrativa especial em que demandava o Município do Porto. Conclui as suas alegações da forma seguinte: 1- A sentença recorrida violou o artigo 121º do CPTA, por ter convolado o processo cautelar na causa principal, decidindo assim do seu mérito; 2- Por um lado, porque ainda não estava na posse de todos os elementos factuais necessários para o efeito; 3- Por outro lado, porque tal possibilidade só deverá ser usada quando o juízo de prognose for positivo, e a questão a decidir não se revista de grande complexidade; 4- Ao ter procedido doutro modo, o tribunal a quo precipitou-se, quando lhe era exigida ponderação e rigorosa averiguação factual; 5- Pelo exposto, dever-se-á dar provimento ao presente recurso por ter a sentença recorrida violado manifestamente a letra e o espírito do artigo 121º do CPTA. 6- Além disso, a sentença recorrida também não fez correcta avaliação dos factos trazidos aos autos; 7- Com efeito, o recorrente impugnou, pelo menos por quatro vezes, os factos apurados no processo disciplinar, e, em consequência, a pena que lhe foi aplicada e a medida da mesma; 8- Ao não ter tido em conta esta impugnação, a sentença recorrida violou os princípios da justiça, da proporcionalidade e da imparcialidade; 9- A sentença recorrida, por não ter conhecido da matéria alegada pelo recorrente, violou o disposto nos artigos 28º a 30º do Estatuto Disciplinar [ED]; 10- O recorrente pôs sempre em causa, de forma sistemática e fundamentada, os factos de que era acusado; 11- Em consequência, sempre afirmou que os factos averiguados jamais se podem enquadrar na previsão do artigo 25º do ED; 12- A sentença recorrida, em vez de ter optado pela realização da justiça material, optou antes por um caminho auto-legitimador da justiça formal; 13- A actual lei impõe ao julgador a tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares, o que não sucedeu no caso concreto; 14- Na prossecução da procura da verdade, estaria o tribunal obrigado a reapreciar o procedimento disciplinar; 15- A sentença recorrida só poderia ter sido proferida pelo julgador do processo principal; 16- A incompetência absoluta do julgador cautelar implica a nulidade da sentença, por ter influído decisivamente na decisão da respectiva causa; 17- O desrespeito do disposto no artigo 113º nº3 do CPTA acarreta a violação do princípio do juiz natural ou juiz legal; 18- Assim, a sentença recorrida é também nula por violar o disposto no artigo 32º nº9 da Constituição da República Portuguesa [CRP]. Termina pedindo a declaração de nulidade ou a revogação da sentença recorrida, com todas as consequências legais. O Município do Porto contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: 1- O recorrente labora em manifesto abuso de direito processual, pois que recorre de uma decisão que ele próprio peticionou; 2- A decisão sobre o fundo da causa prevista no artigo 121º do CPTA tanto pode ser para uma decisão positiva como para uma decisão negativa do ponto de vista de quem a requer; 3- Estando verificados todos os pressupostos legalmente fixados, e não havendo oposição por parte do requerido, nenhuma censura pode merecer a decisão judicial que defira a pretensão do requerente em ver aplicada tal norma, ainda que a decisão final seja a este desfavorável; 4- A sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação não só da lei processual mas também da lei substantiva, atentas, entre o mais, a enorme gravidade das infracções disciplinares cometidas e a falta de impugnação dos factos em que a decisão punitiva se baseou. Termina pedindo a confirmação integral da sentença recorrida. O julgador de primeira instância sustentou a sua decisão, cuja validade defendeu. O Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento do recurso jurisdicional. De Facto São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida: 1- Da nota biográfica do autor consta o seguinte [ver documento de folhas 87 a 90 do PA, dado por reproduzido]: “- Louvado em 1984 na inauguração da piscina de Campanhã; em 1985 pelo CRMN. - Louvado em Junho e Julho/86 porque durante 6 anos demonstrou espírito de bem servir, abnegação e coragem. - Punido com um dia de detenção por ter chegado cerca de 15 minutos atrasado ao quartel no dia em que se encontrava de serviço. […] É anulada a pena acima mencionada através do nº1 do artigo 119º do Regulamento Disciplinar do BSB. Punido com 6 dias de detenção por no dia 12 de Dezembro de 1990, quando das saídas do piquete, pelas 18H17 e pelas 21H50 do mesmo dia se ter permitido, sem qualquer autorização prévia, conduzir a viatura sem ter feito uso do capacete de fogo na cabeça, como se encontra determinado. […] É anulada a pena acima mencionada através do nº1 do artigo 119º do Regulamento Disciplinar do BSB”; 2- Em 14.07.2006 foi proferido o seguinte despacho pelo Vereador da Câmara Municipal do Porto [CMP] Dr. M... [ver documento de folha 1 do PA apenso]: “Em face das declarações produzidas no dia de ontem, 13 de Julho de 2006, pelo funcionário A… [nº mecanográfico …], com a categoria de chefe de 2ª classe do Batalhão de Sapadores Bombeiros do Município do Porto, no exercício das suas funções, a diversos órgãos de comunicação nacionais, constantes dos excertos das cassetes vídeo e recortes da imprensa escrita, anexos ao presente despacho, e que considero violadores dos deveres gerais a que o mesmo estava adstrito nos termo do exercício das suas funções, determino a instauração de processo disciplinar, nos termos do disposto no artigo 39º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL nº24/84 de 16 de Janeiro [ED] ao funcionário A… [nº mecanográfico …] com a categoria de chefe de 2ª classe do Batalhão de Sapadores Bombeiros do Município do Porto”; 3- Na sequência do despacho referido em 2) foi instaurado a A…o processo disciplinar número D/19/06; 4- No âmbito do processo disciplinar número D/19/06 foram realizadas diligências instrutórias, as quais constam de folhas 2 a 130 do PA apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 5- Em 28.07.2006 foi deduzida a acusação constante de folhas 132 a 150 do PA apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 6- O arguido, ora requerente, apresentou a sua defesa escrita nos termos constantes do documento de folhas 159 a 175 do PA apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 7- Em 14.10.2006 foi elaborado pela instrutora do processo disciplinar número D/19/06 o Relatório Final, do qual consta o seguinte [ver documento de folhas 259 a 271 do PA apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]: “ […] III- Da Qualificação jurídica O arguido, A…, com o seu comportamento violou e infringiu como funcionário público o dever geral dos funcionários e agentes de actuar em sentido de criar no público confiança na acção da administração pública [nº3 do artigo 3º do ED aprovado pelo DL 24/84, de 16 de Janeiro. Acresce ainda que, o arguido com as suas declarações públicas, transcritas nos artigos de acusação antecedentes, incutiu na comunidade a desconfiança na acção desenvolvida pela instituição da qual faz parte, o Batalhão de Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal do Porto, bem como, do próprio Município do Porto. De facto, no presente processo, o arguido não foi acusado de ter prestado declarações à comunicação social, sem autorização superior. A infracção resulta antes da intenção deliberada do arguido ter sido a de criar desconfiança no público em geral e um sentido de insegurança relativamente à capacidade de acção do BSN naquele momento. Sem dúvida que o arguido ao proferir as declarações aludidas incutiu na comunidade o descrédito na actividade desenvolvida pelo Batalhão de Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal do Porto e da Câmara Municipal do Porto em matéria de protecção civil. Sendo certo que o arguido aproveitou a presença dos meios de comunicação social para que as suas afirmações fossem conhecidas do maior número possível de pessoas. De facto decorre das declarações produzidas pelo arguido a folhas do presente processo, que o mesmo colocou em causa os critérios de gestão do BSB tomados pelo “responsável da Câmara que tem o nosso pelouro” – ver alíneas b) e c) do artigo 44º da RNC, tendo em consequência colocado em causa a reputação, dignidade, o bom nome e o prestígio profissional do referido responsável, ou seja, o Vereador das Actividades Económicas e Protecção Civil. Mais ainda, o arguido ao proferir as sobreditas declarações difundiu, propositadamente e deliberadamente, para a opinião pública, a noção, a ideia e a imagem de que em face de uma decisão, uma opção de gestão, do aludido Vereador a capacidade de actuação do BSP da Câmara Municipal do Porto estaria diminuída, comprometida e afectada. Acresce ainda que, com os factos descritos nos artigos 70º a 75º da acusação, o aqui arguido violou também o dever geral de lealdade, previsto na alínea d) nº4 e nº8 do artigo 3º do ED, ao solicitar a sua entrada nas instalações dos bombeiros sapadores para fins diferentes dos solicitados e violou, também, o dever geral de isenção, previsto na alínea a) nº4 e nº5 do artigo 3º do ED, uma vez que utilizou a sua entrada nas instalações municipais para servir interesses próprios, retirar vantagens directas e, para tal, ofendendo o regular funcionamento do serviço. Por fim, dos factos apurados e provados no processo de averiguações apenso aos presentes autos concluímos que o arguido com a sua conduta [discriminada no relatório final de folhas 201 e seguintes] violou o dever de conduta na vida privada, que teve por consequência a violação de deveres gerais decorrentes da função que o mesmo exerce e que se reflectiram indubitavelmente no prestígio da mesma. […] IV – Da gravidade das infracções cometidas A) Culpabilidade […] No caso concreto e como identificamos no ponto 3 dos autos, o arguido violou os seguintes deveres: - O dever geral dos funcionários e agentes actuarem no sentido de criar no público confiança na acção da administração pública enunciado no nº3 do artigo 3º do ED; - O dever geral de lealdade previsto na alínea d) nº4 e nº8 artigo 3º do ED; - O dever geral de isenção contemplado na alínea a) nº4 e nº5 do artigo 3º do ED; - E o dever de conduta na vida privada, que teve por consequência a violação de deveres gerais inerentes à função exercida nos termos do nº1 do artigo 3º do ED. B) Atenuantes Não existem no processo circunstâncias atenuantes especiais da infracção disciplinar, nos termos do artigo 29º do ED. C) Agravantes da responsabilidade Contra o arguido militam as circunstâncias agravantes especiais de ter tido vontade determinada de através da sua conduta produzir resultados prejudiciais ao serviço público e ao interesse geral, a produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público e ao interesse geral, a premeditação e a acumulação de infracções nas alíneas a), b), c) e g) do nº1 do artigo 31º do ED. IV – Proposta final Na medida da pena atender-se-á aos critérios gerais enunciados no artigo 22º a 27º do ED e ainda à natureza do serviço, à categoria do funcionário, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infracção tiver sido cometida que militem a favor ou contra o arguido [artigo 28º do ED], podendo ser aplicada pena de escalão inferior quando existam circunstâncias que diminuam substancialmente a culpa do arguido [artigo 30º do ED]. Com o comportamento descrito na acusação e aqui dado como provado constituiu-se o arguido A… na autoria material de infracções disciplinares, previstas e punidas pelas disposições conjugadas dos artigos 3º, nº1, nº3, nº4 alíneas a) e d), nºs 5 e 7, artigo 11º, nº1 alíneas d), artigo 12º nº5 e artigo 25º nº1 do citado ED, mas a censurar com uma única medida disciplinar nos termos da norma constante do artigo 14º do ED. Contra o arguido militam ainda as circunstâncias agravantes especiais de ter consciência de que com sua conduta iria produzir efectivamente resultados prejudiciais ao serviço público, a premeditação e a acumulação de infracções nos termos das alíneas b), c) e g) do nº1 do artigo 31º do ED. Acresce ainda que para efeitos do artigo 28º do ED, verifica-se que o arguido tem uma categoria elevada dentro do BSB, é um conhecido e reputado profissional, circunstâncias estas que o deveriam impelir a ter um padrão de conduta dentro do serviço que deveria servir de exemplo aos inferiores posicionados. Em face da matéria provada e das circunstâncias agravantes, entendo que seria adequada à infracção disciplinar a aplicação da pena de inactividade pelo período máximo de 2 anos, nos termos conjugados nos artigos 12º nº5, 14º, 25º nº1, 28º e 31º do ED. Nestes termos, proponho que seja aplicada a pena de inactividade pelo período de 2 anos ao arguido A… […]”; 8- Por despacho de 14.10.2006 do Vereador do Pelouro das Actividades Económicas, Protecção Civil e Recursos Humanos, ao abrigo delegação do Presidente da CMP, foi aplicada ao arguido, ora requerente, a pena disciplinar de inactividade pelo período de 2 anos [ver documento de folha 79 dos autos]; 9- Em 18.12.2006 foi elaborada pelo Presidente da CMP a seguinte proposta [ver documento de folhas 212 a 216 dos autos, dado por reproduzido]: “ […] Em face do exposto, PROPONHO 1º- Que sejam aproveitados todos os actos instrutórios, bem como as respectivas notas de culpa e relatórios finais, constantes dos processos disciplinares em que são arguidos os funcionários infra identificados, que se anexam e que constituem parte integrante da presente proposta; […] 3º- Que a Câmara Municipal aplique, por escrutínio secreto, as sanções disciplinares nos processos disciplinares impugnados judicialmente, sem sentença proferida, mas nos quais vem já alegado o vício de incompetência, em consequência e de acordo com os Despachos do Senhor Vereador com o Pelouro dos Recursos Humanos, com os fundamentos de facto e de direito constantes dos mesmos ou dos relatórios que os antecedem quando para estes seja feita remissão, aos seguintes funcionários: […] b) A…, número mecanográfico …, chefe de 2ª classe do Batalhão de Sapadores Bombeiros, a desempenhar funções naquele Batalhão, a pena de inactividade pelo período de dois anos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 3º nº1, nº3, nº4 alíneas a) e d), nºs 5 e 7, artigo 11º nº1 alínea d), artigo 12º nº5, artigo 14º, artigo 25º nº1, tendo em conta o disposto no artigo 28º e alíneas b), c) e g) do nº1 do artigo 31º do Estatuto. […]”; 10- No seguimento da proposta referida em 9), a CMP, na reunião extraordinária de 22.12.2006, deliberou no sentido de aplicar ao arguido, ora requerente, a pena disciplinar de inactividade pelo período de dois anos [ver documento de folhas 217 dos autos, dado por reproduzido]. De Direito I. Cumpre apreciar as questões colocadas pelo recorrente, o que deverá ser feito dentro das balizas estabelecidas pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 690º nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas pelo Professor Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª edição, páginas 459 e seguintes, e pelos Professor Mário Aroso de Almeida e Juiz Conselheiro Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, página 737, nota 1. II. Como preliminar de acção administrativa especial a intentar, o ora recorrente deduziu no TAF do Porto este processo cautelar, visando a suspensão de eficácia da decisão administrativa que o puniu com a pena de dois anos de inactividade, e alegando, para o efeito, que tal decisão era manifestamente ilegal [por incompetência do Vereador que a proferiu, violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade (artigo 266º nº2 da CRP), e violação dos artigos 25º e 28º a 30º do ED], e que se verificavam, no caso, o fumus boni juris e o periculum in mora exigidos pelas alíneas a) e b) do nº1 do artigo 120º do CPTA. Manifestando, desde logo, entendimento segundo o qual se verificavam todos os pressupostos para a aplicação do artigo 121º do CPTA, o requerente cautelar terminou o seu articulado inicial deduzindo o seguinte pedido: Deve assim ser anulado, ut artigo 121º do CPTA, o despacho de 14.11.2006 do Vereador das Actividades Económicas, da Protecção Civil e dos Recursos Humanos, que aplicou ao requerente a pena de inactividade graduada em dois anos; Se for entendido de modo diverso, […] deve decretar-se a suspensão de eficácia do mesmo despacho. Após a apresentação da oposição do requerido, o requerente cautelar veio deduzir pretensão de cumular ao seu pedido inicial [alegadamente ao abrigo dos artigos 4º nº1, 47º, 86º e 112º nº2 alínea b) do CPTA] o de admissão provisória em concurso. Antes de decidida esta pretensão de cumulação, e confrontado com resolução fundamentada proferida pelo Presidente da CMP [ao abrigo do artigo 128º nº1 do CPTA], o requerente cautelar veio deduzir incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida [alegadamente ao abrigo do artigo 128º nº4 do CPTA] e informar que a acção principal tinha dado entrada no TAF do Porto em 15.01.2007. Após ter sido ouvido o requerido a respeito destas questões, o tribunal recorrido, considerando a natureza e gravidade dos interesses envolvidos, quer os do autor quer os da entidade demandada, considerando que são exactamente os mesmos os vícios imputados ao acto impugnado em sede de processo cautelar e no processo principal, considerando que a entidade demandada foi chamada a pronunciar-se sobre a questão em apreço não o tendo feito, e considerando que o processo contém todos os elementos para decidir de fundo – decidiu antecipar a decisão do processo principal, por entender que estavam reunidos todos os pressupostos exigidos pelo artigo 121º do CPTA, e decidiu, ainda, que tal antecipação tornava inútil o conhecimento da pretensão de cumulação superveniente. No processo principal, o aí autor pedia a anulação da decisão administrativa que o puniu [quer do despacho referido no ponto 8 dos factos provados quer da deliberação referida no ponto 10 dos mesmos], bem como a sua readmissão ao serviço e a admissão provisória ao concurso para curso de promoção entretanto aberto, apontando à decisão punitiva violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade [artigo 266º nº2 da CRP], violação dos artigos 25º e 28º a 30º do Estatuto Disciplinar [ED-aprovado pelo DL nº24/84 de 16 de Janeiro], bem como a incompetência do Vereador do Pelouro das Actividades Económicas, Protecção Civil e Recursos Humanos, para emitir o despacho referido no ponto 8 dos factos provados. A sentença recorrida, antecipando o julgamento do mérito destas pretensões, considerou que a deliberação camarária de 22.12.2006 [ponto 10 dos factos provados] sanou a incompetência de que efectivamente padecia o despacho de 14.10.2006 [ponto 8 dos factos provados], e que não se verificavam as invocadas violações dos artigos 266º nº2 da CRP [princípios da justiça e da proporcionalidade], 25º e 28º a 30º do ED. Em consequência, julgou improcedente a acção administrativa especial e considerou prejudicado o conhecimento do incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida. Discordando do assim decidido, o ora recorrente entende que a decisão de antecipar o julgamento da causa principal viola o artigo 121º do CPTA [conclusões 1ª a 5ª, 12ª e 13ª], e o julgamento da mesma efectuado erra no tocante à matéria de facto [conclusões 6ª, 7ª e 10ª] e de direito [conclusões 8ª, 9ª, 11ª e 14ª], e, na medida em que foi realizado pelo julgador cautelar, viola o princípio do juiz natural ou legal [artigo 32º nº9 da CRP]. III. As providências cautelares estão umbilicalmente ligadas ao respectivo processo principal, proposto ou a propor, cuja utilidade final visam assegurar e de cuja interposição e probabilidade de êxito dependem a sua vigência e procedência [artigos 112º a 114º e 123º do CPTA]. Cabe ao julgador cautelar o poder e o dever de avaliar, ainda que em termos sumários, como é próprio da natureza urgente do processo, a pretensão deduzida pelo requerente, ponderando para o efeito os requisitos exigidos por lei para a sua procedência [artigo 120º do CPTA]. Apesar desta relativa autonomia do processo cautelar face ao processo principal, o artigo 121º do CPTA vem estipular, no seu nº1, que quando a manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, permita concluir que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar e tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito, o tribunal pode, ouvidas as partes pelo período de 10 dias, antecipar o juízo sobre a causa principal. E acrescenta o seu nº2 que a decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal é passível de impugnação nos termos gerais. Esta solução legal, inspirada no princípio da tutela jurisdicional efectiva e em razões de economia processual, vem permitir que o juiz cautelar, ouvidas as partes, se declare, de forma fundamentada, apto a antecipar no processo cautelar o juízo sobre o mérito da causa principal. Tratar-se-á, neste caso, de uma decisão prévia, pela qual o julgador [à semelhança do que acontece no despacho saneador quando se considera apto a conhecer imediatamente do mérito da causa - ver artigos 510º nº1 alínea b) do CPC e 87º nº1 alínea b) do CPTA], resolve convolar a decisão do processo cautelar na decisão do processo principal, como que compactando os dois processos. E esta convolação, no caso de ocorrer, será seguida do julgamento da causa principal, que poderá ser no sentido da procedência ou da improcedência da pretensão formulada pelo demandante. Temos, assim, que este demandante [requerente e autor], caso não concorde com o decidido pelo tribunal, poderá recorrer quer da decisão prévia de antecipar o juízo sobre a causa principal quer do mérito do próprio julgamento que na sequência dessa decisão foi efectuado. A primeira impugnação deverá basear-se somente no não preenchimento, no caso concreto, dos requisitos de que depende a decidida antecipação do julgamento. A segunda impugnação deverá ser efectuada nos termos gerais, com invocação das nulidades e dos concretos erros de facto e de direito imputáveis à sentença. No caso de proceder o recurso da decisão prévia de antecipar o julgamento da acção principal, o tribunal ad quem deverá revogar tal decisão e ordenar que o tribunal a quo aprecie a providência cautelar requerida, ficando sem efeito o julgamento efectuado sobre o fundo da causa – ver, a respeito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 619 a 625. IV. O artigo 121º nº1 do CPTA permite, por conseguinte, que o tribunal antecipe a decisão sobre o mérito da causa principal para o momento em que lhe cumpre decidir o processo cautelar. Esta antecipação do juízo sobre a causa principal, que tudo indica poder ser da iniciativa do tribunal ou suscitada pelas partes, atendendo aos princípios gerais e à sua razão de ser, depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: primo, deve haver manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, de modo a poder-se concluir que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar; secundo, o tribunal deve sentir-se em condições de decidir a questão de fundo, por constarem do processo todos os elementos necessários para o efeito. Aquele primeiro requisito diz respeito à situação substantiva que legitima o tribunal a equacionar a hipótese de antecipação do juízo sobre a causa principal, enquanto o segundo requisito respeita às condições processuais que permitem dar resposta a essa situação substantiva relevante. Baseados na letra e no espírito da lei, os nossos tratadistas vêm sublinhando que o juízo sobre a manifesta urgência na resolução definitiva do caso exige interpretação e aplicação exigentes, e exige especial cuidado e grande prudência por parte do julgador, a qual só excepcionalmente se deve decidir pela convolação. Este expediente só encontrará justificação, pois, em situações de urgência qualificada, nas quais se revele insuficiente o decretamento de uma providência cautelar, designadamente por os limites resultantes da sua natureza provisória obstarem à concessão de uma providência apta a evitar uma situação irreversível. Os interesses relevantes envolvidos, para efeitos desta aferição de manifesta urgência, não terão a ver, pelo menos directamente, com a protecção de direitos, liberdades e garantias, uma vez que a intimação urgente prevista nos artigos 109º a 111º do CPTA [que pode ser urgentíssima], já permitirá uma protecção adequada dos mesmos, mas antes com a protecção de outros direitos e valores importantes, designadamente os valores constitucionais referidos no artigo 9º nº2 do CPTA [ambiente, saúde pública, património cultural, ordenamento do território, entre outros]. O segundo referido requisito, de ordem processual, ao exigir que o julgador só avance para a antecipação do juízo sobre a causa principal quando tiver no processo todos os elementos necessários para o efeito, significa que o tribunal não deve antecipar a decisão sobre o mérito da causa, mas decidir a providência cautelar, sempre que seja possível admitir que poderão ser trazidos ao processo principal elementos relevantes para a decisão de fundo. Isto significa, além do mais, que será muito difícil perspectivar uma situação de antecipação do juízo sobre a causa principal antes de esta ter sido intentada. Trata-se de exigência, cuidado e prudência, impostas pelo princípio dispositivo e pelo princípio do processo equitativo, que permitem às partes fazer uma legítima previsão de riscos [ver artigo 20º nº4 da CRP] - sobre os requisitos analisados ver Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 8ª edição, páginas 366 e 367; Maria Fernanda Maças, As Formas de Tutela Urgente Previstas no Código do Processo nos Tribunais Administrativos, nº86 da STUDIA JURIDICA, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2005, páginas 209 a 238; e Ana Gouveia Martins, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo, Coimbra Editora, 2005, páginas 354 e 355. Nas palavras de Vieira de Andrade, apesar de as condições legais serem bem rigorosas – urgência manifesta na resolução definitiva e consequente insuficiência da medida cautelar provisória, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, posse de todos os elementos necessários, contraditório das partes – e de se determinar a impugnabilidade da decisão de antecipação, é preciso um especial cuidado, porque o conhecimento do juiz nestes processos é, por definição, sumário. […] Deve haver uma interpretação exigente dos pressupostos legais e uma grande prudência por parte do tribunal, que só excepcionalmente deve decidir-se pela convolação – isto é, pela substituição do juízo cautelar por um juízo de mérito – quando os interesses envolvidos sejam de grande relevo e esteja seguro de possuir todos os elementos de facto relevantes para a decisão, situação que poderá ocorrer mais facilmente quando esteja em causa apenas uma questão de direito ou quando a providência tenha sido requerida como incidente do processo principal - Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 8ª edição, páginas 366 e 367. V. Como deixamos dito no ponto II deste acórdão, o recorrente começa por manifestar a sua discordância com a decisão judicial de antecipar o julgamento da causa principal por entender que ela não respeita os requisitos exigidos pelo artigo 121º do CPTA. Argumenta que o tribunal recorrido ainda não estava na posse de todos os elementos factuais necessários para o efeito, e que a possibilidade de antecipar a decisão da causa principal só deverá ser usada quando o juízo de prognose sobre tal decisão for positivo, ou seja, for no sentido da procedência. Cremos, todavia, que estes argumentos concretos invocados pelo recorrente não poderão proceder. Começando pelo último, nada na lei nos permite concluir que a decisão prévia de antecipar o julgamento da causa principal exija um qualquer juízo positivo sobre a viabilidade do êxito da pretensão judiciária requerida no processo principal. Este tipo de avaliação positiva apenas tem relevo para efeito de adopção da providência cautelar antecipatória [artigo 120º nº1 alínea c) do CPTA]. Tudo indica, aliás, atendendo sobretudo às razões de economia processual que também subjazem à possibilidade de antecipação do julgamento da causa principal, que essa antecipação, verificados que sejam os legais e cumulativos requisitos, tanto possa ser efectuada no caso de ser perspectivada a procedência como a improcedência da causa principal. Efectivamente, uma vez verificada a manifesta urgência na resolução definitiva do caso, e constando do processo todos os elementos indispensáveis para o juiz o poder decidir, não faria sentido que este ficasse inibido da possibilidade de o fazer pelo simples facto de perspectivar uma improcedência da causa principal, alimentando, assim, e sem razões válidas, uma lide inglória para o demandante. O outro argumento utilizado pelo recorrente, de que o processo ainda não continha todos os elementos factuais necessários para o efeito, também não poderá resistir a uma análise cuidadosa. Como já acima verificamos [ponto II do acórdão], as ilegalidades imputadas à decisão administrativa pelo requerente cautelar, a fim de justificar o fumus boni juris necessário para a concessão das providências pretendidas, são exactamente as mesmas que servem de causa de pedir na acção principal. Dum busquejo minimamente aturado dos autos, cautelares e principais, facilmente concluímos que o tribunal recorrido dispunha de todos os elementos de facto necessários para poder antecipar a decisão da causa principal. Não há, na verdade, um único facto relevante para a decisão da causa que tivesse de ser sujeito ao fogo da prova, dizendo a controvérsia factual esgrimida pelo recorrente apenas respeito a eventual erro grosseiro na qualificação dos factos apurados no processo disciplinar, o que é totalmente diferente. A questão juridicamente mais perturbante, no que respeita à avaliação da legalidade da decisão judicial de antecipar o julgamento da causa principal, tem a ver com a verificação ou não, no caso concreto, do requisito substantivo exigido pelo nº1 do artigo 121º do CPTA, ou seja, precisamente com o requisito a que o recorrente não se refere expressamente [embora o faça implicitamente na medida em que invoca violação desta norma]. É interessante notar que também a decisão judicial de antecipar o juízo da causa principal esquece a referência, pelo menos explícita, a este juízo sobre a manifesta urgência na resolução definitiva do caso nos considerandos justificativos em que se louva, não obstante tratar-se, como vimos, de um requisito indispensável para a sua prolacção. Esta velada incomodidade não acontece por acaso. De facto, a circunstância de não estarmos perante qualquer um dos valores expressamente mencionados no nº2 do artigo 9º do CPTA, que, como deixamos dito, constituem o conteúdo natural dos interesses relevantes para efeito de aplicação do artigo 121º do mesmo diploma, obnubila de algum modo a manifesta urgência na prolacção da decisão da causa principal com base na insuficiência das medidas cautelares solicitadas para resolver a situação. Cremos, todavia, tratar-se somente de uma primeira impressão, capaz de ser ultrapassada por análise mais aturada. Na verdade, não poderemos esquecer que a sanção disciplinar de dois anos de inactividade imposta ao recorrente é susceptível de o afectar, eventualmente de forma ilegal, no direito ao exercício da sua actividade profissional, direito este que consubstancia uma importante dimensão do direito constitucional ao trabalho [artigo 58º da CRP], o qual integra, de certo modo, um pressuposto do próprio direito à vida, enquanto direito à sobrevivência - Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, volume I, páginas 449 e 763. Para além desta inegável relevância dos interesses envolvidos, parece-nos que a manifesta urgência na decisão definitiva do litígio encontra também bastante justificação no facto de o ora recorrente, devido à resolução fundamentada tomada pela entidade recorrida [artigo 128º do CPTA], se encontrar a cumprir a punição de dois anos de inactividade que lhe foi aplicada, o que se traduz, obviamente, num inexorável e irrecuperável decurso temporal, cuja legalidade, uma vez questionada, convém aferir definitivamente. Acresce, para além disso, que a tramitação dos incidentes entretanto deduzidos nos autos cautelares [cumulação de pedidos e declaração de ineficácia de actos de execução alegadamente indevida] pode protelar significativamente a própria decisão deste processo, arrastando consigo o cumprimento da punição. Entendemos, pois, que a decisão de antecipar o julgamento do processo principal, tomada pelo tribunal recorrido, não padece de ilegalidade por falta de verificação dos requisitos exigidos pelo artigo 121º nº1 do CPTA, motivo pelo qual deve ser confirmada por este tribunal superior, que, em consequência, deverá passar à análise dos argumentos esgrimidos pelo recorrente contra a decisão de mérito da causa principal. VI. Segundo o recorrente, e por aqui decidimos começar, a decisão do processo principal só poderia ter sido proferida pelo juiz titular da causa principal [acção administrativa especial nº95/07.6BEPRT], tendo o juiz cautelar violado, ao decidi-la, o princípio do juiz natural ou legal - artigo 32º nº9 da CRP. Como facilmente se pode constatar pela análise dos respectivos autos, principais e cautelares, a acção administrativa especial foi intentada durante a pendência do processo cautelar, tendo sido este último a ela apensado, de imediato, tal como ordena a pertinente lei processual [artigo 113º nº3 do CPTA] e como foi solicitado pelo autor. Assim, a decisão antecipada do processo principal foi proferida no processo cautelar [de acordo com o que resulta do artigo 121º nº1 do CPTA], e foi proferida pelo julgador titular de ambos esses processos [conforme estatuído no artigo 113º nº3 do CPTA]. Ou seja, tal decisão de mérito foi proferida pelo julgador que, de acordo com as regras aplicáveis, deveria intervir no julgamento do caso concreto, e não por julgador designado de forma arbitrária ou de modo ilegal – sobre o conteúdo do princípio do juiz natural ver Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Tomo I, páginas 362 e 363; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, volume I, páginas 525 e 526. Embora não tenha já directamente a ver com o conteúdo do princípio em causa, mas porque parece subjazer à argumentação do recorrente também esta dificuldade, sempre acrescentaremos que é no processo cautelar que deve ser proferida a decisão antecipada do processo principal. De facto, só assim a convolação permitida pelo artigo 121º do CPTA ganha pleno sentido lógico e jurídico, uma vez que se traduz na transformação da decisão cautelar em principal, e não prolacção antecipada da decisão principal, no processo principal, com prejuízo da decisão cautelar. Além disso, parece resultar da lógica jurídica imanente a esta convolação, que a decisão da causa principal pode ser antecipada para o momento processualmente adequado à prolacção da decisão cautelar, e não vice-versa, porque tal não faria qualquer sentido – note-se que o recorrente não problematizou o momento processual em que no processo cautelar foi antecipada a decisão da causa principal, sendo certo, a nosso ver, que poderia ter razões para tal. Deve, pois, e sem mais delongas, improceder esta alegação do recorrente. Entende o recorrente, ainda, que a sentença recorrida erra no tocante à matéria de facto, na medida em que considerou que ele, enquanto autor, não pôs em causa os factos apurados no processo disciplinar mas apenas a sua relevância em termos justificativos da punição concretamente aplicada. É certo que da petição inicial do processo principal [e bem assim do requerimento cautelar] é possível concluir que o autor discorda de parte dos factos que no relatório final do processo disciplinar foram considerados provados, e parece esperar do tribunal [embora não o diga expressamente] uma repetição da actividade instrutória, em ordem à devida comprovação dos factos integradores da conduta, ilícita e culposa, sancionada. Todavia, como é sabido, não é essa a missão do tribunal. É à entidade administrativa competente, e não ao tribunal, que pertence a instrução do procedimento disciplinar. Ao tribunal compete aferir eventuais ilegalidades dessa instrução, entre as quais se pode contar eventual erro da entidade administrativa na apreciação da prova efectuada. Neste caso de erro sobre os pressupostos de facto, é ao autor da impugnação do acto punitivo que cabe o ónus de invocar o erro ou erros de apreciação, indicando, com clareza, a discrepância entre os factos indevidamente provados, ou não provados, e os meios de prova que em sua opinião deveriam ter conduzido a entidade administrativa a uma diferente conclusão. A nível factual, nada disto faz o ora recorrente, limitando-se a impugnar [de forma assaz abstracta] os factos dados como provados no relatório final que justifica a decisão punitiva. A sentença recorrida não merece, portanto, esta crítica que lhe é dirigida pelo recorrente. Por fim, entende o recorrente que a sentença recorrida erra no julgamento de direito, pois que os factos apurados não justificam a aplicação de uma pena de inactividade [artigo 25º do ED], que, de todo o modo, se mostra injusta e desproporcionada [artigos 28º a 30º do ED e 266º nº2 da CRP]. A sentença recorrida limita, e bem, a apreciação deste invocado erro de direito na escolha concreta da pena disciplinar aos casos de erro manifesto e grosseiro, limitação essa que considera impor-se ao tribunal pelo respeito devido ao âmbito de discricionariedade própria da entidade sancionadora. É a seguinte a apreciação que deste erro de julgamento se faz no aresto impugnado: […] dos factos que resultaram provados no âmbito do procedimento disciplinar infere-se que o autor não desempenhou as suas funções com respeito pelos deveres gerais acima referidos [refere-se aos sobretudo deveres de lealdade e de isenção]. Na verdade, o autor na qualidade de bombeiro BSB [Batalhão de Sapadores Bombeiros] da Câmara Municipal do Porto, prestou a diversos órgãos de comunicação social declarações colocando em causa os critérios de gestão assumidos pelo vereador responsável pelo pelouro com o intuito de criar desconfiança no público em geral e um sentido de insegurança relativamente à capacidade de acção do BSB. Por outro lado, e quando se encontrava suspenso no âmbito do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado, o autor deslocou-se ao quartel do BSB com o pretexto de se despedir dos colegas e recolher objectos pessoais, quando de facto foi fazer uma reunião de cariz sindical. Deste modo, ao ter procedido como procedeu, não só o autor violou os deveres de isenção e de lealdade, como actuou também em desconformidade com o dever geral que sobre o mesmo impende de agir no sentido de criar no público confiança na acção da Administração. E fê-lo de forma grave e reiterada, tanto quanto é certo que está em causa uma área particularmente sensível como é a da protecção civil, e tirando partido de um acidente do qual resultou a morte de um jovem no rio Douro. Em face do exposto resulta que, ao contrário do que o autor alega, foi feito correcto enquadramento da infracção disciplinar pelo mesmo cometida ao considerar a mesma punida com a pena de inactividade, já que esta é aplicada nos casos de procedimento que atente gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou agente ou da função. Impõe-se, assim, concluir que no Relatório Final do procedimento disciplinar instaurado contra o autor foi valorado de forma justa e equilibrada o comportamento do mesmo, comportamento esse que se apresenta revelador de grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais. Não resulta, assim, demonstrada a existência de erro manifesto e grosseiro na escolha da pena aplicada ao autor, improcedendo, consequentemente, o vício de violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade. No que respeita à medida e graduação da pena, refira-se que, tal como resulta do mesmo Relatório Final do procedimento disciplinar, a Administração tomou em consideração os critérios enunciados no artigo 28º do ED, sendo certo, por outro lado, que não se verificava in casu nenhuma das circunstâncias atenuantes especiais da infracção disciplinar enunciadas no artigo 29º do ED. Por fim, importa apreciar a alegação do autor no sentido de que sempre estaria justificada a atenuação extraordinária da pena e a sua suspensão, ponderadas que fossem as seguintes circunstâncias: tempo de serviço, inexistência de antecedentes disciplinares relevantes e boas classificações de desempenho. Prescreve o artigo 30º do ED que quando existam circunstâncias atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do arguido, a pena poderá ser atenuada, aplicando-se pena de escalão inferior. Dispõe, por seu lado, o nº1 do artigo 33º do mesmo diploma que as penas disciplinares das alíneas b) a d) do nº1 do artigo 11º podem ser suspensas, ponderados o grau de culpabilidade e o comportamento do arguido, bem como as circunstâncias da infracção. Ora, como resulta do teor dos preceitos legais acima transcritos, a atenuação extraordinária e a suspensão da pena disciplinar envolvem o exercício de poder discricionário – ver AC STA de 4/12/1986, BMJ 362-581, AC STA de 29/06/93, Rº31131, AC STA de 20/10/94, Rº32172, AC STA de 16/01/97, Rº38869, AC STA de 23/01/97, Rº38950, AC STA de 5/02/98, Rº42368 e AC STA de 17/02/99, Rº41088 – sendo certo ainda que sobre a Administração não impende a obrigação de justificar a não aplicação de tais possibilidades. Assim sendo, e atendendo à conduta infraccional do autor, às circunstâncias e ao tipo de ilícito cometido, não se nos afigura que tenha havido erro grosseiro ou manifesto que permita emitir um juízo de censura à efectividade da sanção. Ponderados os argumentos invocados pelo recorrente, à luz da factualidade assente no relatório final do procedimento disciplinar, e da escolha e medida da pena também aí efectuadas, não vemos qualquer motivo para revogar ou modificar o assim decidido pelo tribunal a quo. Efectivamente, quer a escolha da pena de inactividade, quer a sua graduação em dois anos de cumprimento efectivo, encontram suficiente lastro justificativo na conduta ilícita e culposa dada como provada no procedimento disciplinar, sendo de arredar a hipótese de verificação do referido erro manifesto e grosseiro. Ressuma, portanto, em face de quanto fica dito, que deve ser confirmado o decidido pelo TAF do Porto quer quanto à antecipação do juízo sobre a causa principal quer quanto à sua improcedência, tudo com base nos actuais fundamentos. DECISÃO Nestes termos, e em conferência, decidem os juízes deste tribunal negar provimento ao recurso jurisdicional, e, em conformidade, manter o decidido pelo tribunal recorrido embora com os actuais fundamentos. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça reduzida a metade – artigos 189º do CPTA, 446º do Código de Processo Civil, 18º nº2 e 73º-E nº1 alínea a) do CCJ. D.N. Porto, 26 de Julho de 2007 Ass. José Augusto Araújo Veloso Ass. Maria Isabel São Pedro Soeiro Ass. José Luís Paulo Escudeiro |