Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01266/22.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:RAC;
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES;
PROVA NÃO APRESENTADA PERANTE A AT;
Sumário:
I – Querendo ver alterado o julgamento quanto à matéria de facto, cabia ao Recorrente especificar os pontos de facto que considera incorretamente julgados ou os factos que, a seu ver, devem ser aditados ao probatório, sempre indicando o meio de prova, constante dos autos, que os demonstram.

II - Não cabe ao Tribunal apreciar qualquer matéria (seja alegação, seja meio de prova) que não haja sido submetida à análise do OEF e sobre a qual este tenha emitido pronúncia, pois o contencioso tributário é de mera legalidade, incumbindo ao tribunal apreciar os atos praticados pela AT, designadamente e no que agora interessa, no âmbito do processo de execução fiscal, com base na fundamentação neles acolhida, não sendo permitido ao Tribunal substituir-se ao OEF na apreciação de qualquer questão ou meio de prova sobre a qual este não tenha, sequer, tido a possibilidade de se pronunciar.

III – Cabe ao requerente do pagamento em prestações o ónus de provar os factos que alegou no seu requerimento, como decorre da regra geral constante do artigo 342º, nº 1, do Código Civil e do artigo 74º, nº 1, da LGT; e, conforme resulta do artigo 414º, do Código de Processo Civil, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.

IV - Não tendo o Recorrente realizado a prova que lhe competia, no momento oportuno e perante o órgão competente, deve ser contra si valorada essa falta de prova, o que implica a improcedência do seu pedido de pagamento em prestações e, por consequência, obsta à anulação do ato objeto desta reclamação.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA», devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 15.01.2024 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada improcedente a reclamação que deduziu contra o despacho proferido pelo Diretor de Finanças de ..., em 27.04.2022, no âmbito do processo de execução fiscal nº ....................537, que indeferiu o seu pedido de pagamento em prestações.

1.2. O Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1 - O Recorrente demonstrou a insuficiência económica que, ainda para mais, é do perfeito conhecimento da AT, pelo que, e com o devido respeito, não se conforma com a Douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.
2 - Aos 20/10/2021 o Recorrente deu entrada de um Requerimento para pagamento em prestações da quantia exequenda de €68.066.13, cujo objecto de tributação é o imposto de mais valias.
3 - Para tanto o Recorrente fundamentou que, por dificuldades financeiras e económicas, não tem capacidade para liquidar a divida integralmente e de uma só vez, tendo proposto dar em garantia a hipoteca sobre os imóveis com os Artigos Matriciais ...94 e ...96, ambos da freguesia ..., concelho ... (únicos imóveis de que é proprietário),
4 - Não obstante o Pedido do Recorrente reunir os requisitos do Artigo 196.º, n.º5 do CPPT, a sua pretensão foi indeferida, com fundamento de alegadamente, o Recorrente não ter demonstrado as suas dificuldades financeiras e previsíveis consequências económicas.
5 - Inconformado com tal despacho, porquanto a Autoridade Tributária dispunha de informação suficiente para dar esse requisito como verificado, acrescido do facto de a própria fundamentação ser contraditória, o aqui Recorrente, nos termos e ao abrigo do disposto no Artigo 276.º e 277.º do CPPT, reclamou para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, cujo processo correu termos sob o nº 2231/21.0BEBRG.
6 - No âmbito do aludido processo nº 2231/21.0BEBRG foi proferida Sentença, que no essencial, decidiu que: “Impõe-se, em consequência, anular o ato reclamado, com as legais consequências. Uma vez anulado pelo Tribunal do ato reclamado e a AT que, atendendo à conformação jurídica evidenciada pelo teor da decisão judicial proferida, no exercício das competências que lhe estão atribuídas, que cabe sanar a deficiência emitir novo ato sem o vício pelo qual aquele que foi objecto desta reclamação vai anulado.
7 - Pelo que, foi a Autoridade Tributária “obrigada” a notificar o aqui Recorrente para juntar documentos que considerasse necessários a demonstrar tal insuficiência.
8 - Sucede que, a postura da Autoridade Tributária é a de, contornando a Douta Sentença, manter o seu propósito de indeferimento do Acordo Prestacional, como o fez, razão pela qual, e não se conformando o ora Recorrente com o douto Despacho, reclamou do mesmo, cuja Douta Sentença não lhe deu razão e com a qual o Recorrente não se conforma, isto porque:
9 - Nos termos e ao abrigo do disposto no Artigo 85.°, n.° 3, do Código de Processo e Procedimento Tributário, bem como, do disposto no Artigo 42.° da LGT, prevê-se a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas tributárias quando o devedor não possa solver a dívida tributária integralmente e de uma só vez.
10 - O disposto no n.º 5 do artigo 196.º do CPPT, permite, em casos excepcionais, o alargamento até 5 anos do número de prestações autorizadas para pagamento de dívidas exequendas de valor superior a 500 UCs.
11 - Preenchendo o aqui Recorrente todos os requisitos necessários.
12 - Conforme resulta do ofício da Direcção de Finanças de ..., a divida exequenda é superior a 51.000,00 e o valor resultante do pagamento a prestações é superior a €1.020.00, sendo que o Recorrente não tem qualquer rendimento que lhe seja conhecido.
13 - O Recorrente não tem qualquer actividade profissional desde 31/12/2001 e tem apenas em seu nome os bens apurados pela própria Autoridade Tributária, e que, nomeadamente, foram dados de garantia ao presente Acordo Prestacional.
14 - De há muitos anos a esta parte, o Recorrente dá assistência à sua família próxima, de terceira idade, Mãe e Madrinha, Exma. Senhora D. «BB» e «CC», de quem recebe ajuda.
15 - Sendo certo que o valor patrimonial daqueles bens (alguns em compropriedade), ainda que somados não atingem sequer o valor da quantia exequenda, ficando patente que o Recorrente não reúne condições para fazer o pagamento integral e de uma só vez da divida.
16 - Aliás, a junção dos Extractos Bancários no Serviço de Repartição de Finanças de ..., apenas não se concretizou mais cedo porque o aqui Recorrente não logrou obter tais documentos atempadamente, por se tratarem de vários anos, ainda que os tenha requerido assim que tal lhe foi solicitado pela Direcção de Finanças de ... que, a bem da verdade, não os requereu de inicio.
17 - O conceito de prova de dificuldade económica é muito subjectivo e o Recorrente não pode ficar prejudicado.
18 - É que, conforme facilmente constatou aquela AT, o valor que “embolsou”, foi investido na aquisição de outros prédios, razão pela qual, o aqui Recorrente apresentou dois imóveis como garantia do acordo prestacional por não deter liquidez para efectuar o pagamento de uma só vez.
19 - Mais investiu o aqui Recorrente na melhoria da sua casa de morada de família,
20 - Acresce que, o aqui Recorrente adquiriu mais duas viaturas que, ainda de gama média, foi um investimento inadiável uma vez que se impunha a sua aquisição para o seu agregado familiar atento o apoio que presta à sua mãe e madrinha de terceira idade.
21 - Tudo isto foi alegado junto da AT, pelo que, e com o devido respeito, não corresponde à verdade o que resulta da Douta Sentença de que ora se recorre de que “o Reclamante também não demonstrou quaisquer despesas, nem o destino da avultada quantia que obteve com as mencionadas alienações”, porque o aqui Recorrente alegou todos estes factos junto da AT.
22 - De facto, e da junção dos extractos bancários da única conta bancária que possui e que é contitulada pelo aqui Recorrente respeitante aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, todas estas despesas estão demonstradas, e o Recorrente não detém liquidez para pagar, de uma só vez, a quantia de €70.775,28, conforme se comprova pelos extractos bancários juntos.
23 - E mesmo que o Recorrente não tenha logrado juntar tais extractos bancários ao processo executivo, fê-lo em sede de Reclamação para o Digníssimo Tribunal de 1ª Instância, e assim que obteve os mesmos, e onde mais do que demonstrada está a impossibilidade de o Recorrente liquidar num acto único, o montante de €70.775,28.
24 - Aliás, a junção de documentos em sede de Reclamação era mais do que legitima, sempre podendo o Douto Tribunal de 1ª Instância mandando baixar os presentes Autos para a Direcção de Finanças de ..., ordenar a apreciação dos mesmos documentos.
25 - Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 123 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e art.º 596 do Código de Processo Civil (CPCivil), ao probatório das sentenças (e dos despachos que não sejam de mero expediente, art.os 152 e 154 do CPCivil), devem ser levados os factos provados e que sejam relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, tendo em vista permitir aplicar o direito devido pelo Tribunal que funcione como 1.ª instância, quer para permitir aos tribunais superiores que não conhecem de matéria de facto, sindicar da aplicação do direito que sobre eles as instâncias efetuaram, em ordem a dizer o direito do caso (factual) concreto.
26 - E ficando demonstrada a dificuldade económica, ter-se-á de consequentemente dar por certo que a exigência imediata do montante em divida acarretará graves consequências.
27 - Porquanto o Recorrente não dispõe de liquidez para o efeito...
28 - Por outro lado, ao não ter rendimentos e outros bens, a Autoridade Tributária em sede de Execução irá penhorar os Imóveis, que se dão exactamente em garantia para pagamento, resultando que esta via de cobrança em nada a beneficiaria, já que aceitando o pagamento a prestações não deixa de ser detentora da garantia patrimonial sobre aqueles imóveis, caso haja incumprimento no pagamento de uma qualquer prestação.
29 - Acresce que, a Autoridade Tributária, ao aceitar o pagamento em prestações, não só vê o seu crédito a ser pago como ainda detém Garantia sobre o único património do Recorrente, em nada ficando prejudicada.
30 - Ao invés do Recorrente, que a ver recusado o seu pedido de pagamento em prestações, ficará sem património dado em garantia, e que a AT refere não ser suficiente para pagamento da quantia exequenda, acrescendo o facto de não ter qualquer possibilidade e capacidade de poder pagar a divida à AT, ficando ela sim, deveras prejudicado com esta Decisão.
31 - O Recorrente cumpre os requisitos para aplicação do disposto no artigo 196.º do CPPT, acrescido do facto de o Recorrente ter apresentado, igualmente, garantia idónea para garantia do acordo prestacional, pelo que, deverá ser proferido Acórdão que determine o deferimento do pagamento da quantia de €70.775,28 em prestações, fazendo assim V.Ex.as a Habitual Justiça!».

1.3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. O DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos.


*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por entender não estarem reunidos os pressupostos para a admissibilidade do seu pedido de pagamento em prestações.


3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«A) Em 23.09.2021, a Reclamada extraiu a certidão de dívida n.º ...90, em nome do Reclamante, referente à falta de pagamento de IRS, do ano de 2020, no montante de € 68.066,13, tendo instaurado contra o mesmo o processo de execução fiscal n.º ...............537, para cobrança coerciva da mencionada dívida (cf. págs. 176 a 178 do Sitaf);
B) A dívida de IRS referida na alínea A) reporta-se a mais-valias relativas à venda, em Julho de 2020, pelo valor de € 410.060,00, das facções autónomas designadas pelas letras ... e ..., do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...5º, da União das Freguesias ... e ... (cf. págs. 179 a 192 do Sitaf);
C) O Reclamante, em 20.10.2021, dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças de ... pedido de pagamento em prestações da dívida referida na alínea A), datado de 12.10.2021, com o teor seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. pág. 12 do Sitaf do processo n.° 2231/21.0BEBRG);
D) Em 27.10.2021, o Director de Finanças de ... proferiu despacho de indeferimento do pedido de pagamento em prestações referido na alínea C), por o Reclamante não ter demostrado a notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas (cf. págs. 27 a 30 do Sitaf do processo n.° 2231/21.0BEBRG);
E) O Reclamante apresentou reclamação do despacho de indeferimento referido na alínea D), a qual correu termos neste Tribunal, com o n.° 2231/21.0BEBRG (cf. págs. 4 a 12 do Sitaf do processo n.° 2231/21.0BEBRG);
F) Em 24.02.2022, foi proferida sentença no processo n.° 2231/21.0BEBRG que julgou a reclamação procedente e anulou o acto reclamado, tendo decidido incumbir à Administração Tributária, antes de proferir decisão sobre um pedido de pagamento em prestações, notificar o requerente de tal pedido para que junte os documentos de que não disponha e considere em falta (cf. págs. 95 a 102 do Sitaf do processo n.° 2231/21.0BEBRG e págs. 193 a 200 do Sitaf);
G) Com referência à reapreciação do pedido de pagamento em prestações referido na alínea C), a Reclamada remeteu ao Reclamante, através de correio registado, o ofício n.º ...12, datado de 18.03.2022, tendo solicitado a apresentação dos seguintes documentos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. págs. 174 e 175 do Sitaf);
H) Na sequência do ofício referido na alínea G), o Reclamante, em 04.04.2022, apresentou à Reclamada as certidões prediais dos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ..., sob os artigos ...5... e ...49º, tendo, ainda, informado que “não exerce qualquer actividade remuneratória, e atenta a sua idade, quase a completar os 60 anos, não consegue integrar o mercado de trabalho, vivendo da ajuda de familiares, nomeadamente da S/Mãe, com quem reside” e que “face à inexistência de rendimentos, não tem qualquer Doc. que o comprove, sendo certo que a própria AT em recurso ao sistema informático constatará a ausência dos mesmos” (cf. págs. 179 a 192 do Sitaf);
I) A Reclamada, em 06.04.2022, solicitou ao Reclamante a apresentação de “elementos demonstrativos das dificuldades financeiras, nomeadamente pela junção dos extractos das contas bancárias tituladas pelo executado com a indicação dos respectivos saldos” (cf. págs. 179 a 192 do Sitaf);
J) Com respeito aos elementos solicitados, referidos na alínea I), o Reclamante informou a Reclamada que, em 04.04.2022, “foram prestados os esclarecimentos requeridos e juntas as certidões prediais permanentes solicitadas, de forma a que V. Exas. aferissem da suficiência da garantia prestada ao deferimento do Requerimento de Pedido de Pagamento em Prestações” (cf. págs. 179 a 192 do Sitaf);
K) A propósito do pedido de pagamento em prestações referido na alínea C), em 26.04.2022, por Técnica da Direcção de Finanças de ... foi prestada informação com o seguinte teor:
«
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

»
(cf. pág. 161 a 167 e 350 a 356 do Sitaf);
L) Em 27.04.2022, o Director de Finanças de ..., com apoio na informação referida na alínea K), indeferiu o pedido de pagamento em prestações referido na alínea C) (cf. págs. 161 e 350 do Sitaf);
M) O Reclamante não está inscrito para o exercício de qualquer actividade empresarial e/ou profissional desde 31.12.2001 (facto não controvertido);
N) Com a petição inicial da presente acção, o Reclamante juntou extractos bancários, referentes à conta n.º ...20, do Banco 1... (cf. pás. 15 a 160 e 227 a 316 do Sitaf).
*
Factos não provados:
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
*
Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão a proferir.
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O Tribunal alicerçou a sua convicção quanto aos factos provados na prova documental e no confronto da posição assumida pelas partes nos respectivos articulados.
A prova documental teve por base os documentos juntos aos autos e o processo de reclamação n.° 2231/21.0BEBRG, conforme referido a propósito nas alíneas do probatório.
No que concerne ao facto vertido na alínea M), considerou-se o mesmo assente por acordo, face à posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, designadamente, no artigo 18° da petição inicial e no artigo 51° da resposta.».


3.2. DE DIREITO
A presente reclamação vem interposta da decisão do Diretor de Finanças de ... que indeferiu o pedido formulado pelo ora Recorrente de pagamento da dívida exequenda em prestações. O Tribunal a quo confirmou a decisão reclamada, sustentando-se no seguinte discurso fundamentador:
«O n.º 1, do artigo 42º da Lei Geral Tributária e o n.º 2, do artigo 86º do Código de Procedimento e de Processo Tributário prevêem o pagamento da dívida tributária em prestações.
Para os casos em que a dívida tributária esteja já em cobrança coerciva, o regime de pagamento em prestações está regulado nos artigos 196º a 200º do CPPT.
O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da Administração Tributária nos actos que não têm natureza jurisdicional. Nem todos os actos praticados pela Administração Tributária no processo de execução integram actos administrativos em sentido estrito, pois, na sua qualidade de exequente, a Administração Tributária pratica actos administrativos de natureza tributária, relativos à dívida tributária e que incluem procedimentos tributários, como a reversão, a dação em pagamento, o pagamento em prestações e a aceitação de garantias. Além destes actos executa outros actos processuais, alguns meras operações materiais, outros actos judiciais de tramitação processual sem natureza jurisdicional, como a citação, a penhora e a venda.
Dispõe o artigo 196º do CPPT, sob a epígrafe “[P]agamento em prestações e outras medidas”, o seguinte:
1 - As dívidas exigíveis em processo executivo podem ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal, sem prejuízo do disposto no artigo 198.º-A.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável às dívidas resultantes da falta de entrega, dentro dos respetivos prazos legais, de imposto retido na fonte ou legalmente repercutido a terceiros, salvo em caso de falecimento do executado.
3 - É excepcionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas referidas no número anterior, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou criminal que ao caso couber, quando:
a) O pagamento em prestações se inclua em plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação, e decorra do plano ou do acordo, consoante o caso, a imprescindibilidade da medida, podendo neste caso haver lugar a dispensa da obrigação de substituição dos administradores ou gerentes, se tal for tido como adequado pela entidade competente para autorizar o plano; ou
b) Se demonstre a dificuldade financeira excecional e previsíveis consequências económicas gravosas, não podendo o número das prestações mensais exceder 24 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização.
4 - O pagamento em prestações é autorizado desde que se verifique que o executado pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, não devendo o número das prestações em caso algum exceder 36 e o valor de qualquer delas ser inferior a um quarto da unidade de conta no momento da autorização, exceto se demonstrada a falsidade da situação económica que fundamenta o pedido.
5 - Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta.
6 - Quando, para efeitos de plano de recuperação a aprovar no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou de acordo a sujeitar ao regime extrajudicial de recuperação de empresas do qual a administração tributária seja parte, se demonstre a indispensabilidade da medida, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior.
7 - Quando o executado esteja a cumprir plano de recuperação aprovado no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas, e demonstre a indispensabilidade de acordar um plano prestacional relativo a dívida exigível em processo executivo não incluída no plano ou acordo em execução, mas respeitante a facto tributário anterior à data de aprovação do plano ou de celebração do acordo, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado, até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do n.º 5.
8 - A importância a dividir em prestações não compreende os juros de mora, que continuam a vencer-se em relação à dívida exequenda incluída em cada prestação e até integral pagamento, os quais serão incluídos na guia passada pelo funcionário para pagamento conjuntamente com a prestação.
9 - Podem beneficiar do regime previsto neste artigo os terceiros que assumam a dívida, ainda que o seu pagamento em prestações se encontre autorizado, desde que obtenham autorização do devedor ou provem interesse legítimo e prestem, em qualquer circunstância, garantias através dos meios previstos no n.º 1 do artigo 199.º.
10 - A assunção da dívida nos termos do número anterior não exonera o antigo devedor, respondendo este solidariamente com o novo devedor, e, em caso de incumprimento, o processo de execução fiscal prosseguirá os seus termos contra o novo devedor.
11 - O despacho de aceitação de assunção de dívida e das garantias apresentadas pelo novo devedor para suspensão da execução fiscal pode determinar a extinção das garantias constituídas e ou apresentadas pelo antigo devedor.
12 - O novo devedor ficará sub-rogado nos direitos referidos no n.º 1 do artigo 92.º após a regularização da dívida, nos termos e condições previstos no presente artigo.
13 - O disposto neste artigo não poderá aplicar-se a nenhum caso de pagamento por sub-rogação.”.
Compete à Administração Tributária, na sua qualidade de exequente, a decisão do pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda (cf. n.º 1, do artigo 196º do CPPT).
A Reclamada instaurou contra o Reclamante o processo de execução fiscal n.º ...............537, para cobrança coerciva de dívida de IRS, do ano de 2020, no montante de € 68.066,13, relativa a mais-valias resultantes da venda, em 2020, pelo valor de € 410.060,00, das facções autónomas designadas pelas letras ... e ..., do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...5º, da União das Freguesias ... e ... [cf. alíneas A) e B) do probatório].
Em 20.10.2021, o Reclamante apresentou um pedido de pagamento em prestações da aludida dívida, ao abrigo do disposto no n.º 5, do artigo 196º do CPPT, tendo referido que, face a dificuldades financeiras e económicas, não poderia pagar a dívida de uma só vez, sendo notória a dificuldade financeira e as previsíveis consequências económicas para si, indicando como garantia dois prédios urbanos [cf. alínea C) do probatório].
Tal pedido de pagamento prestacional foi indeferido, com o fundamento de o Reclamante não ter demostrado a notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas [cf. alínea D) do probatório], tendo o mesmo apresentado reclamação do acto de indeferimento, na qual foi proferida sentença que anulou o acto reclamado e determinou competir à Administração Tributária, antes de proferir decisão sobre o pedido em causa, notificar o Reclamante para juntar os elementos que considere em falta [cf. alíneas E) e F) do probatório].
Em cumprimento da referida sentença, e com vista à reapreciação do pedido de pagamento em prestações, a Reclamada notificou o Reclamante para, entre o mais, juntar “documentos provatórios da notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas gravosas resultantes do pagamento da dívida de uma só vez” [cf. alínea G) do probatório].
Em resposta àquele pedido de junção de documentos, o Reclamante apenas informou a Reclamada que “não exerce qualquer actividade remuneratória, e atenta a sua idade, quase a completar os 60 anos, não consegue integrar o mercado de trabalho, vivendo da ajuda de familiares, nomeadamente da S/Mãe, com quem reside” e que “face à inexistência de rendimentos, não tem qualquer Doc. que o comprove, sendo certo que a própria AT em recurso ao sistema informático constatará a ausência dos mesmos” [cf. alínea H) do probatório].
A Reclamada insistiu com o Reclamante para apresentar “elementos demonstrativos das dificuldades financeiras, nomeadamente pela junção dos extractos das contas bancárias tituladas pelo executado com a indicação dos respectivos saldos” [cf. alínea I) do probatório], ao que o mesmo respondeu já ter prestado todos os esclarecimentos requisitados [cf. alínea J) do probatório].
Do n.º 5, do artigo 196 do CPPT, decorre que o alargamento do prazo de pagamento em prestações está sujeito aos seguintes requisitos cumulativos:
.se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores;
. alargamento do número de prestações mensais não pode exceder 5 anos;
. dívida exequenda exceder 500 UC no momento da autorização;
. não resultarem do alargamento do prazo prestações mensais de valor inferior a 10 UC.
No caso presente, o pedido de pagamento em prestações formulado pelo Reclamante foi indeferido com o fundamento de não se encontrar preenchido o pressuposto relativo à demonstração da notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para o Reclamante [cf. alíneas K) e L) do probatório].
Na verdade, quanto ao pressuposto em causa, o Reclamante limitou-se a justificar o pedido de pagamento prestacional com referências vagas, não tendo apresentado factos concretos e assertivos, e comprovativos dos mesmos [cf. alínea C) do probatório].
E, mesmo depois de ter sido convidado a suprir tal ausência, apenas alegou a sua falta de rendimentos.
Ora, noticia a informação que serviu de fundamento à decisão reclamada, além do mais, que:
“(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» ” [cf. alínea K) do probatório].
Desta forma, como bem refere a Reclamada, na respectiva resposta, “a ausência de rendimentos conhecidos pela AT, não é necessariamente sinónimo de dificuldades financeiras do Reclamante”.
E, o Reclamante também não demonstrou quaisquer despesas, nem o destino da avultada quantia que obteve com as mencionadas alienações.
Aliás, quando a Reclamada lhe solicitou os extractos bancários, o Reclamante não os facultou, nem juntou qualquer outro documento susceptível de caracterizar a sua situação financeira.
É certo que com a petição inicial da presente reclamação o Reclamante juntou extractos bancários [cf. alínea N) do probatório], todavia não é o Tribunal que conhece do pedido de pagamento em prestações, sendo a competência para o conhecer, como se disse, exclusiva do órgão de execução fiscal, podendo o Tribunal apenas sindicar a legalidade da decisão que recaiu sobre tal pedido.
Neste sentido, incumbe ao Tribunal apreciar se o despacho reclamado se mostra ou não correcto face ao pedido de pagamento prestacional, aos elementos que o instruíram e ao disposto na lei.
Trata-se, na verdade, de um contencioso de estrita legalidade, dirigido à mera anulação do acto impugnado/reclamado.
O pagamento em prestações somente pode ser autorizado nos casos previstos na lei, pois consubstancia uma moratória, para efeitos do n.º 3, do artigo 85º do CPPT, assim devendo considerar-se um regime com características excepcionais.
Perante a distribuição do ónus probatório (cf. n.º 1, do artigo 74º da LGT), o Reclamante não poderia deixar de demostrar que, “pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez” (cf. n.º 4, do artigo 196º).
Porém, essa demonstração, para além das referências teóricas, não foi feita.
Alegou o Reclamante, no artigo 24º da petição inicial, que:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
“.
Conforme se referiu, não é o Tribunal que decide o pedido aqui em questão, competindo-lhe apenas apreciar essa decisão, a qual pertence ao órgão de execução fiscal, ou seja, o Tribunal afere se, em face de todos os elementos que compõem o pedido, a decisão que recaiu sobre o mesmo está de acordo com o previsto na lei.
Desta forma, todos os elementos, nomeadamente os extractos bancários, teriam de ser apresentados ao órgão de execução fiscal, contudo o Reclamante não o fez, não tendo sequer requerido prorrogação do prazo para juntar os mesmos, pelo contrário, quando solicitado para o efeito respondeu já terem sido “prestados os esclarecimentos requeridos” [cf. alínea J) do probatório].
Ora, a norma do n.º 5, do artigo 196º do CPPT, prevê o alargamento do número de prestações mensais até 5 anos e, assim sendo, se o devedor pede o máximo, tem, necessariamente, de evocar e demonstrar factos dos quais se possa extrair que o valor das prestações mensais que ficará a pagar, se autorizado o alargamento pedido, é o único que não lhe acarretará notórias dificuldades financeiras, nem acarretará para si consequências incomportáveis em termos de privação de necessidades.
Contudo, o Recorrente não patenteou quaisquer factos dos quais, objectivamente, se possa extrair um juízo seguro de notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas.
E, não tendo demonstrando o Reclamante factos dos quais se possa retirar um juízo seguro de que o alargamento do número de prestações pedido é o único que não lhe trará notórias dificuldades financeiras, nem acarretará para si previsíveis consequências intoleráveis em termos de privação de necessidades, não se acha cumprida essa exigência legal, que obsta ao deferimento da pretensão, não merecendo, por isso, censura a decisão reclamada, que se valida por este fundamento. (…)».
O ora Recorrente não se conforma com o assim decidido, insiste na alegação de que preenche os requisitos exigidos pelo nº 5 do artigo 196º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; reitera que não exerce qualquer atividade profissional desde 2001, dá assistência a familiares de quem recebe ajuda, que os imóveis de que é detentor não têm valor suficiente para pagamento da dívida exequenda; sustenta também que a quantia embolsada com a venda do imóvel que gerou as mais valias foi investida na melhoria da sua casa de morada de família, bem como na aquisição de outros imóveis e de duas viaturas de gama média – factos que refere ter alegado perante a AT. Aduz, ainda, que dos extratos bancários apresentados com a p.i. resulta a demonstração de todas aquelas despesas e que não possui liquidez para pagar, de uma só vez, a dívida exequenda. Mais entende que «a junção de documentos em sede de Reclamação era mais do que legitima, sempre podendo o Douto Tribunal de 1ª Instância mandando baixar os presentes Autos para a Direcção de Finanças de ..., ordenar a apreciação dos mesmos documentos». Por último, ensaia demonstrar que a recusa do seu pedido de pagamento em prestações em nada favorece a AT.
Desde logo, cabe notar que o Recorrente não impugna a matéria de facto assente, pese embora refira na conclusão 26ª que «Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 123 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e art.º 596 do Código de Processo Civil (CPCivil), ao probatório das sentenças (e dos despachos que não sejam de mero expediente, art.os 152 e 154 do CPCivil), devem ser levados os factos provados e que sejam relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, tendo em vista permitir aplicar o direito devido pelo Tribunal que funcione como 1.ª instância, quer para permitir aos tribunais superiores que não conhecem de matéria de facto, sindicar da aplicação do direito que sobre eles as instâncias efetuaram, em ordem a dizer o direito do caso (factual) concreto.».
Importa recordar o que, em matéria de alteração da matéria facto, dispõe o artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Ora, querendo ver alterado o julgamento quanto à matéria de facto, cabia ao Recorrente especificar os pontos de facto que considera incorretamente julgados ou os factos que, a seu ver, devem ser aditados ao probatório, sempre indicando o meio de prova, constante dos autos, que os demonstram.
Resulta, porém, patente das suas alegações de recurso e atinentes conclusões, que o Recorrente não procede a tal especificação, tão pouco identifica os concretos meios probatórios que evidenciam alguma da factualidade que alegou (mas não vertida no probatório).
No que respeita à comprovação das despesas que “consumiram” o produto da venda geradora das mais valias, importa dizer, em total sintonia com a sentença recorrida, que não cabe ao Tribunal apreciar qualquer matéria (seja alegação, seja meio de prova) que não haja sido submetida à análise do OEF e sobre a qual este não tenha emitido pronúncia.
Isto porque o contencioso tributário é de mera legalidade, incumbindo ao tribunal apreciar os atos praticados pela AT, designadamente e no que agora interessa, no âmbito do processo de execução fiscal, com base na fundamentação neles acolhida, não sendo permitido ao Tribunal substituir-se ao OEF na apreciação de qualquer questão ou meio de prova sobre a qual este não tenha, sequer, tido a possibilidade de se pronunciar.
Concluímos, por isso, não ser possível ao Tribunal (em qualquer das instâncias) apreciar a prova documental que o Recorrente apenas apresentou com a p.i.
Resta agora apreciar se, como o Recorrente alega, era legítima a apresentação dos documentos solicitados pelo OEF apenas com a p.i. e se o Tribunal de 1ª Instância podia mandar baixar os presentes Autos para a Direção de Finanças de ... e ordenar-lhe a apreciação daqueles documentos.
Ora, como ressalta dos pontos D) e F) probatório, ocorreu uma primeira reclamação visando o despacho de 27.10.2021, do Diretor de Finanças de ..., que indeferiu o pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda, por o Reclamante não ter demostrado a notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas. Tal reclamação foi julgada procedente, no entendimento de que incumbia à Administração Tributária, antes de proferir decisão sobre um pedido de pagamento em prestações, notificar o requerente de tal pedido para juntar os documentos de que não disponha e considere em falta.
Em cumprimento do julgado, o OEF notificou o Recorrente, pelo ofício nº ...12, de 18.03.2021, para, entre o mais, juntar “documentos provatórios da notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas gravosas resultantes do pagamento da dívida de uma só vez” (cfr. ponto G) do probatório), tendo aquele respondido, em 04.04.2022, que não exerce qualquer actividade remuneratória, e atenta a sua idade, quase a completar os 60 anos, não consegue integrar o mercado de trabalho, vivendo da ajuda de familiares, nomeadamente da S/Mãe, com quem reside” e que “face à inexistência de rendimentos, não tem qualquer Doc. que o comprove, sendo certo que a própria AT em recurso ao sistema informático constatará a ausência dos mesmos (cfr. ponto H) do probatório). Em 06.04.2022, o OEF solicitou ao Reclamante a apresentação de “elementos demonstrativos das dificuldades financeiras, nomeadamente pela junção dos extractos das contas bancárias tituladas pelo executado com a indicação dos respectivos saldos”, ao que o Recorrente respondeu dizendo que “foram prestados os esclarecimentos requeridos e juntas as certidões prediais permanentes solicitadas, de forma a que V. Exas. aferissem da suficiência da garantia prestada ao deferimento do Requerimento de Pedido de Pagamento em Prestações” (cfr. ponto J) do probatório).
Daqui se depreende que, desde logo, o Recorrente não evidenciou qualquer vontade de colaborar com o OEF e apresentar os documentos solicitados. Para tanto, bastaria informar o OEF de que já havia solicitado os elementos documentais em causa e que aguardava a sua disponibilização – o que não fez, nem resulta de qualquer elemento constante dos autos que já houvesse pedido os extratos das suas contas bancárias, mormente os que juntou com a p.i..
Isto posto, importa concluir que a AT observou o dever de colaboração que lhe era imposto, solicitando os elementos probatórios que reputava idóneos e necessários à comprovação dos factos alegados no requerimento de pagamento em prestações.
O mesmo já não pode afirmar-se relativamente ao Recorrente que, não só declarou já ter prestado todos os esclarecimentos e juntado as certidões solicitadas, como nada informou relativamente aos extratos bancários, designadamente que se encontrava a aguardar que lhe fossem disponibilizados.
Cabia-lhe, com efeito, o ónus de provar os factos que alegou no requerimento de pagamento em prestações, como decorre da regra geral constante do artigo 342º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado», e do artigo 74º, nº 1, da LGT, ao dispor que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.».
Ora, conforme resulta do artigo 414º, do Código de Processo Civil, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
Assim, nenhuma censura pode ser assacada ao OEF e ao ato objeto da presente reclamação, pois os extratos bancários não lhe foram oportunamente apresentados, daí que inexista fundamento legal para anular o ato reclamado e ordenar a este que os aprecie.
Por outro lado, não tendo o Recorrente realizado a prova que lhe competia, no momento oportuno e perante o órgão competente, deve ser contra si valorada essa falta de prova, o que implica a improcedência do seu pedido de pagamento em prestações e, por consequência, obsta à anulação do ato objeto desta reclamação.
Finalmente, cabe dizer que também não colhem os argumentos esgrimidos pelo Recorrente, no sentido de que a negação do pagamento em prestações também é prejudicial para a AT. E isto porque a administração tem a sua atividade limitada pelo princípio da legalidade, apenas lhe sendo lícito admitir o pagamento em prestações de dívidas tributárias verificadas que sejam as condições legalmente previstas. Ou seja, como bem salientou a Meritíssima do tribunal a quo, a concessão de moratória apenas é possível nos casos previstos na lei (cfr. artigo 85º, nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário) e, se atentarmos ao teor dos números 4 e 5 do artigo 196º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, logo se percebe que os argumentos alinhados na parte final das alegações do presente recurso não encontram ali qualquer correspondência, pelo que, à luz da lei, não têm que ser ponderados, quer pelo OEF quer pelo Tribunal.

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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – Querendo ver alterado o julgamento quanto à matéria de facto, cabia ao Recorrente especificar os pontos de facto que considera incorretamente julgados ou os factos que, a seu ver, devem ser aditados ao probatório, sempre indicando o meio de prova, constante dos autos, que os demonstram.
II - Não cabe ao Tribunal apreciar qualquer matéria (seja alegação, seja meio de prova) que não haja sido submetida à análise do OEF e sobre a qual este tenha emitido pronúncia, pois o contencioso tributário é de mera legalidade, incumbindo ao tribunal apreciar os atos praticados pela AT, designadamente e no que agora interessa, no âmbito do processo de execução fiscal, com base na fundamentação neles acolhida, não sendo permitido ao Tribunal substituir-se ao OEF na apreciação de qualquer questão ou meio de prova sobre a qual este não tenha, sequer, tido a possibilidade de se pronunciar.
III – Cabe ao requerente do pagamento em prestações o ónus de provar os factos que alegou no seu requerimento, como decorre da regra geral constante do artigo 342º, nº 1, do Código Civil e do artigo 74º, nº 1, da LGT; e, conforme resulta do artigo 414º, do Código de Processo Civil, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
IV - Não tendo o Recorrente realizado a prova que lhe competia, no momento oportuno e perante o órgão competente, deve ser contra si valorada essa falta de prova, o que implica a improcedência do seu pedido de pagamento em prestações e, por consequência, obsta à anulação do ato objeto desta reclamação.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, que aqui sai vencido, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 11 de abril de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 1ª Adjunta
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 2ª Adjunta