Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00430/14.0BEMDL-A |
![]() | ![]() |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 03/16/2018 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | TAF de Mirandela |
![]() | ![]() |
Relator: | Joaquim Cruzeiro |
![]() | ![]() |
Descritores: | EXECUÇÃO DE SENTENÇA; CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO |
![]() | ![]() |
Sumário: | I- A execução de decisão judicial terá de consistir na prática pela Administração dos actos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada, considerando e respeitando, não só todos os fundamentos de ilegalidade julgados verificados, de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do ato ilegal e a reconstituir a situação que o mesmo teria se o acto não tivesse sido praticado em pleno respeito do julgado, mas também os termos da pronúncia condenatória nela firmados. II- Não tendo possível proceder à execução de julgado por falta de financiamento, ocorreu causa legítima de inexecução, que determinará a convolação objectiva do processo para a fixação de uma indemnização, nos termos do artigo 178º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. III- A execução de decisão judicial terá de consistir na prática pela Administração dos actos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada, considerando e respeitando, não só todos os fundamentos de ilegalidade julgados verificados, de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do ato ilegal e a reconstituir a situação que o mesmo teria se o acto não tivesse sido praticado em pleno respeito do julgado, mas também os termos da pronúncia condenatória nela firmados. Não tendo possível proceder à execução de julgado por falta de financiamento, ocorreu causa legítima de inexecução, que determinará a convolação objectiva do processo para a fixação de uma indemnização, nos termos do artigo 178º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. * *Sumário elaborado pelo relator |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Recorrente: | C&C Lda. |
Recorrido 1: | Município de Ribeira de Pena |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Meio Processual: | Execução de sentenças de anulação de actos administrativos - arts. 173.º e seguintes CPTA - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso Revogar a decisão recorrida Declarar verificada a causa legítima da inexecução |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO C&C Lda. vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 16 de Maio de 2016, e que julgou improcedente a acção de execução intentada contra o Município de Ribeira de Pena, e onde se requeria que devia ser: “… a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, deve o Executado ser condenado a dar integral cumprimento e execução ao acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, transitada em julgado em 21.12.2015 e para tanto: a) Deve ser fixado um prazo para o Executado proceder à repetição do despacho de adjudicação da empreitada “Modernização e Recuperação da Piscina Municipal coberta de Ribeira de Pena”, nos termos definidos no supra citado acórdão (cfr. artigos 173.°, n.º 1 o 176.°, n.ºs 3 e 4 do CPTA), bem como deve ser determinada a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso (cfr. artigos 169.° e 176.°, n.º 4, 2ª parte do CPTA) …” * Em alegações a recorrente concluiu assim:1 – A recorrente não pode concordar e aceitar o iter cognoscitivo trilhado pelo Tribunal a quo, na conclusão de que “(…) da leitura do acórdão parece resultar que se exige que o financiamento seja atual e não meramente que tenha existido a aprovação do financiamento no quadro da ON.2, que no caso ocorreu. É que, no caso em apreço, foi aprovado o financiamento da empreitada através de fundos comunitários, mas no momento em que foi proferido o acórdão do STA já não existia garantia do financiamento.”. 2 – O Tribunal a quo entendeu que o acórdão do STA condicionou, à data da sua prolação, a adjudicação da presente empreitada à aqui recorrente, condicionada à aprovação da candidatura apresentada à O... pelo Município e não à data da prática do ato ilegal e anulado. 3 - “O efeito direto da sentença de provimento do pedido de anulação é o efeito «constitutivo», que se traduz na invalidação do ato impugnado, eliminando-o desde o momento em que se verificou a ilegalidade, isto é, em regra, ressalvados os casos de ilegalidade superveniente, desde a sua prática – eficácia «ex tunc» da sentença.” “Salientou-se, por isso, na doutrina, por um lado, o dever, para a Administração, de executar a sentença, pondo a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão judicial de anulação – isto é, reconheceu-se e definiu-se a existência de um efeito “repristinatório” ou, mais amplamente, de um efeito reconstitutivo ou reconstrutivo da sentença, que impõe, na medida em que tal for necessário e possível (sem grave prejuízo para o interesse público), a reconstituição da situação que teria existido (deveria ter existido ou poderia ter existido) se não tivesse sido praticado o ato ilegal ou se o ato tivesse sido praticado sem a ilegalidade – princípio da reconstituição da situação hipotética atual.” 3 - Nesta esteira, vem o CPTA determinar em que consiste este dever de executar as sentenças de anulação de atos administrativos, vide art.º 173º nº 1 do CPTA, onde se afirma que “1 - Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.” Como consagração do princípio da execução efetiva pode impor-se à Administração, “(…) além da prática de atos com eficácia retroativa, para remediar os efeitos imediatos do ato anulado, o dever de remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto entretanto surgidas, cuja manutenção seja incompatível com a execução integral da sentença.” – art.º 173º nº 2 do CPTA. 4 - Por sua vez, tendo o STA, por acórdão que se deu à execução, anulado o ato administrativo de adjudicação da empreitada à concorrente TNG e condenado a Administração (Município de Ribeira de Pena) à adjudicação do concurso, à aqui recorrente, não pode vir esta recusar ou incumprir para com tal determinação. 5 - Foi esta a determinação do tribunal, proferida no quadro de competência próprio e em perfeito respeito pelo princípio da separação de poderes e não ingerência no quadro de competências próprias da Administração. Aliás, é este o entendimento do próprio STA quando verteu no seu Acórdão que “(…) nada obsta a que o tribunal pratique o ato devido que é o de determinar a adjudicação logo que seja aprovada a candidatura apresentada à O... independentemente da bondade da decisão anterior da adjudicação relativamente a este aspeto. A condenação na adjudicação do contrato ao único concorrente sobrante constante da decisão recorrida nos termos supra expostos não viola, pois, quer o princípio da separação de poderes quer o artigo 79º do CCP por tal não se traduzir em retirar à administração qualquer poder que só a ela competisse na adjudicação ou não do contrato.” 6 - Significa isto, que a Administração, em vez de invocar a existência e verificação de uma qualquer causa de não adjudicação ao abrigo do art.º 79º do CCP, como o fez em sede de contestação à execução, deveria ter executado o acórdão e praticado todos os atos que se mostrassem necessários a tal fim. Questão diversa é saber se uma eventual impossibilidade de executar o acórdão configura uma causa de não adjudicação ou, como se defende, uma causa legítima de inexecução. 7 - Porém, a Administração veio escudar-se no facto de o programa de procedimento condicionar a adjudicação à aprovação da candidatura aos fundos comunitários O..., para efeitos de comparticipação financeira na execução desta empreitada, e no alegado entendimento do Acórdão do STA que permitiria invocar uma causa de não adjudicação (art,º 79º nº 1 al. d) do CPTA). Foi, outrossim, esta tese defendida pelo Tribunal a quo, no que se não concede. 8 - Salvo devido respeito, andou mal o tribunal a quo, nesta matéria, pois, se é inegável que o STA, no seu acórdão de 7/12/2016, condicionou a adjudicação da empreitada à aqui Recorrente, à aprovação da candidatura apresentada à O... pelo Município, não deixa de ser verdade, que à data da prática do ato ilegal e do qual se obteve a respetiva anulação, o financiamento existia e foi objeto da competente contratação, a qual esteve válida até junho de 2015. Isto é, o efeito imediato da sentença/acórdão, mormente do pedido de anulação é a eliminação do ato e de todos atos e seus efeitos, desde o momento em que se verificou a ilegalidade. 9 - Assim, retroagindo os efeitos desta decisão à data dos factos, isto é a 22/08/2014, data da adjudicação, a aprovação da candidatura era um facto assente e o financiamento da obra em questão estava assegurado. Logo, a Administração está em condições de adjudicar a empreitada à aqui recorrente. Tanto mais que, à data dos factos a empreitada foi adjudicada, a candidatura apresentada pelo Município aos fundos da O... foram aceites e o financiamento foi objeto de contratação. Aliás, este financiamento este disponível e aplicável mesmo até prolação do acórdão do TCAN que decidiu pela anulação do ato administrativo e adjudicação da empreitada à recorrente. Tivesse o Município acatado a ordem do tribunal e teria condições para esta empreitada ser executada. 10 - No entanto, e num exercício de um direito legítimo recorreu para o STA. E, de outro modo, não poderia este tribunal condicionar a adjudicação da empreitada à aprovação da candidatura aos fundos da O... pois isso era uma das condições do caderno de encargos. Por esse motivo, e não configurando esta condição uma inovação ou condição superveniente, não se percebe como é que o Tribunal a quo perspetiva e interpreta o teor do acórdão dado à execução como exigindo a verificação dessa condição, não à data dos factos, mas sim à data da sua prolação. 11 - Veja-se que, de acordo com este entendimento, não haveria nenhuma “destruição” ou reconstituição da situação de facto, porque se salvaguardavam-se os efeitos de um ato ilegal. 12 - Entendeu o tribunal recorrido que o acórdão dado à execução tinha perspetivado a questão da sujeição da adjudicação da empreitada à aqui recorrente no sentido de que essa condição teria de ser verificada aquando da prolação do acórdão. Isto é, não interessa se o financiamento existia e estava garantido à data da adjudicação, mas sim à data da prolação do acórdão. Não importa acautelar e repristinar a situação de facto de acordo com a situação de direito, reconstruindo a situação sem a ilegalidade, mas sim, permite a manutenção dos efeitos de um ato ilegal e anulado. 13 - Tanto mais que é o próprio acórdão (do STA) e ignorado pelo Tribunal a quo, a considerar que a adjudicação foi efetuada e que por esse motivo a invocação de uma causa de não adjudicação se mostra ultrapassada. Não pode o Tribunal a quo aproveitar de uma faculdade que respeita ao procedimento anterior à adjudicação, para impedir a execução de um ato que resulta de uma adjudicação. Diga-se que se fosse esse o caso, o próprio STA ter-se-ia pronunciado nesse sentido. Mas não o fez. 14 - Aliás, refere-se a dado passo no acórdão aqui sob análise que “(…) decorre da fundamentação do acórdão do STA é admitida a possibilidade de existirem decisões de não adjudicação, entre as quais se conta a resultante da necessidade de reformular o projeto. Os fundamentos invocados para anular o concurso reconduzem-se ao artigo 79º, nº 1 als. c) e d) do CCP, encontrando-se justificação legal bastante para a não adjudicação em causa (…). (…) Face ao exposto, afigura-se que o acórdão do STA se encontra executado, já que o mesmo estava condicionado à existência de financiamento comunitário que no caso não existe por via da caducidade do mesmo, e consequente rescisão do contrato e revogação da aprovação.” 15 - Ao invés do que entende o Tribunal a quo não entendemos que haja justificação legal para não adjudicar. Desde logo, porque a faculdade de não adjudicar se mostra procedimentalmente ultrapassada, pois o Município adjudicou a empreitada à concorrente TNG, isto é, estas causas configuram uma possibilidade que é posta à Administração para, em face de circunstâncias supervenientes, mas sempre anteriores à decisão de adjudicação, seja possível não adjudicar e impedir a emissão de um ato administrativo inútil. 16 - Configura o Tribunal a quo como fundamentos para a não adjudicação a existência de fundamentos que se subsumem às alíneas c) e d) do artigo 79 supra citado. Ora, no que respeita à alínea c) não deixa de ser curioso o facto de tais circunstâncias não virem minimamente fundamentadas e explanadas de modo a poder perceber que circunstâncias imprevistas podem levar à alteração de aspetos fundamentais das peças do procedimento. Diga-se que este pretexto só serviu para tentar reforçar um pouco a decisão de anular o concurso público por parte do Município, mas não tem qualquer correspondência com a verdade. Quanto à alínea d), é claro e indiscutível o texto da norma quando refere que não há lugar a adjudicação quando circunstâncias supervenientes ao termo fixado para apresentação de propostas relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem, e acrescentamos nós, que se verifiquem até ao momento anterior à adjudicação. 17 - Destarte, estando assente que a decisão de adjudicação foi tomada pelo Município e que este terá acautelado a condicionante do financiamento, não pode agora invocar-se essa condição como uma causa de não adjudicação, pois, salvo devido respeito, esta fase procedimental e faculdade que é conferida à entidade adjudicante mostra-se ultrapassada e invocável. 18 - Atente-se que a decisão do Tribunal a quo, faz tábua rasa do disposto no artigo 173º do CPTA, no sentido de não reconstituir a situação à data do facto lesivo, para assim aferir da possibilidade de executar plenamente ou não o decidido pelo Acórdão do STA, mas aproveita uma condição prevista no caderno de encargos (própria da fase procedimental e prévia à decisão de adjudicar e contratar) para a aplicar à data da prolação do acórdão. Ou seja: - ignora a produção de efeitos ilegais de um ato administrativo ilegal, não os eliminando do ordenamento jurídico; - assume como momento adequado para execução do acórdão a data da sua prolação e não a data da ocorrência do ato ilegal; - invoca uma condição prevista no caderno de encargos, inserida na sistemática procedimental anterior à fase de adjudicação, para poder aproveitar e justificar a sua decisão de não execução do acórdão do STA e assim, invocar, a não adjudicação da empreitada, em clara violação do previsto no próprio acórdão, no art.º 173º e ss do CPTA e artº 79º do CCP. 19 - Salvo devido respeito, não podia o Tribunal a quo deixar de executar o acórdão do STA e obrigar o Município a adjudicar a empreitada à aqui recorrente. O acórdão do STA é claro e inequívoco quanto a este ponto. 20 - Já no que tange à condição que é imposta pelo STA no acórdão dado à execução e tida pelo Tribunal a quo como fundamento para não decretar a execução do mesmo, porque constitui, no seu entendimento, uma causa de não adjudicação, diga-se que incorre novamente em erro de julgamento, pois no nosso modesto entendimento, essa “condição” enquanto facto superveniente capaz de impedir a normal execução da decisão, configura uma verdadeira causa legítima de inexecução. 21 - Veja-se que, na esteira do que supra se expôs, o Tribunal a quo estava obrigado a reconstituir a situação à data dos factos, repondo a situação como se tal ato ilegal não tivesse existido. Chegados aqui, constata-se que à data dos factos existia financiamento e não se verificava essa “condição”. Todavia, o Município confrontado com a obrigatoriedade de adjudicar a empreitada à aqui recorrente constata, atualmente, que existe uma circunstância superveniente que não permite a execução da empreitada. E diga-se execução, pois, salvo melhor opinião, a questão da adjudicação mostra-se ultrapassada, bem como a invocação de causas de não adjudicação. 22 - Não restava outro caminho à Administração, aqui Município, que não invocar uma causa legítima de inexecução. Veja-se que esta questão foi abordada na petição e resposta no processo executivo. 23 - “As autoridades administrativas apenas podem deixar de cumprir integralmente a sentença se ocorrer uma causa legítima de inexecução, que, nos termos da lei, serão só a impossibilidade absoluta e o grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença. (…) (…) A causa legítima de inexecução terá, nos termos legais, de reportar-se a circunstâncias supervenientes ou que a Administração não estivesse em condições de invocar no momento oportuno no processo declarativo (artigo 163º, parte final), salvo quando esteja em causa a execução de sentenças anulatórias, onde tal limitação, em princípio, não existe (artigo 175º nº 2), aparentemente porque aí, não tendo havido ainda condenação, não estaria definitivamente encerrada a etapa declarativa do processo.” (…) De resto, não vemos como possa ignorar-se, neste contexto, uma situação de impossibilidade absoluta (ou mesmo de excecional prejuízo para o interesse público), mesmo que não seja superveniente e pudesse ter sido invocada, só pelo facto de o não ter sido – uma tal situação, sendo um obstáculo decisivo, há-se constituir sempre uma causa legítima de inexecução.” 24 - Em conclusão, não pode deixar de se considerar que a condição de aprovação da candidatura aos fundos O... invocada pelo Acórdão do STA como requisito para a adjudicação da empreitada à aqui recorrente constitui não uma causa de não adjudicação, mas sim uma causa legítima de inexecução da sentença, a qual não foi considerada pelo Tribunal a quo indevidamente. 25 - Incorreu, portanto, em erro de julgamento quanto à interpretação que fez do teor do Acórdão do STA dado à execução, do artigo 79º do CCP e dos artigos 173º e ss do CPTA e da legislação extravagante aplicável ao caso sub judice. * O recorrido, notificado para o efeito, não contra-alegou.* O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.* As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar se a decisão recorrida viola o decidido pelo Acórdão do STA proferido em 3 de Dezembro de 2015.2– FUNDAMENTAÇÃO 2.1 – DE FACTO Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual: 1) Em 26.09.2014 a exequente intentou no TAF de Mirandela, ação de contencioso pré-contratual, contra o executado, a qual correu termos sob o n.º 430/14.0BEMDL; Processo 430/14.0BEMDL Artigos 1º p.i. e 1º contestação 2) A pretensão da exequente prendeu-se com o reconhecimento e declaração de um conjunto de ilegalidades que ocorreram no âmbito do concurso público urgente publicado no Diário da República, série II, n.º 145, datado de 30 de Julho de 2014, anúncio de concurso urgente n.º 155/2014; Processo 430/14.0BEMDL Artigos 2º p.i. e 1º contestação 3) O referido concurso tinha por objeto a execução da empreitada "Modernização e Recuperação da Piscina Municipal coberta de Ribeira de Pena"; Processo 430/14.0BEMDL Artigos 3º p.i. e 1º contestação 4) A empreitada foi adjudicada, em 22.08.2014, à TNG - Empreiteiros, S.A.; Processo 430/14.0BEMDL Artigos 4º p.i. e 1º contestação 5) Neste contexto e por via da referida ação, a então autora peticionou (i) a anulabilidade da decisão de adjudicação de 22.08.2014 por não exclusão da concorrente adjudicatária por omissão de formalidades (ii) a nulidade da decisão de adjudicação de 22.08.2014 por omissão de pronúncia e falta de fundamentação expressa e (iii) e a condenação do Município a proferir nova decisão de adjudicação, excluindo a proposta da contrainteressada e, concomitantemente, classificando a proposta da autora em primeiro lugar, ordenando-se-lhe a adjudicação da empreitada; Processo 430/14.0BEMDL Artigos 5º p.i. e 1º contestação 6) Na sentença proferida em 13.01.2015, o TAF de Mirandela julgou a ação improcedente; Processo 430/14.0BEMDL Artigos 7º p.i. e 1º contestação 7) A autora interpôs recurso para o TCA Norte; Processo 430/14.0BEMDL Artigos 8º p.i. e 1º contestação 8) A 17.04.2015, foi proferido acórdão que decidiu, em suma, a procedência do recurso apresentado, revogando a decisão referida em 6), e condenou o Município a adjudicar o concurso à exequente; Processo 430/14.0BEMDL Artigos 9º p.i. e 1º contestação 9) O Município interpôs recurso de revista para o STA; Processo 430/14.0BEMDL Artigos 10º p.i. e 1º contestação 10) Em 07.12.2015, o STA concedeu parcial provimento ao recurso e determinou a adjudicação da empreitada à exequente, embora condicionada à aprovação da candidatura apresentada à O... pelo Município; Processo 430/14.0BEMDL Artigos 11º p.i. e 1º contestação 11) O acórdão referido supra transitou em julgado em 21.12.2015; Processo 430/14.0BEMDL Artigos 12º p.i. e 1º contestação 12) Da fundamentação do referido acórdão consta, entre o mais, o seguinte: Processo 430/14.0BEMDL Na decisão proferida no recurso jurisdicional apresentado pelo autor, o Tribunal entendeu revogar a decisão proferida em 1ª instância, por dever ser excluída a proposta melhor classificada condenando-se o recorrido “a adjudicar o concurso à aqui recorrente”. É desta parte da decisão que vem o presente recurso, já que a aqui recorrente aceita como justificada a argumentação do Tribunal de Recurso quanto à irregularidade da proposta apresentada pelo concorrente primeiro classificado. Já não aceita, porém, o Município, que seja condenado a proceder à adjudicação da empreitada ao autor, uma vez que, eventualmente, a obra poderá não ser executada, não se procedendo, por isso, a qualquer adjudicação. Na justificação para esta decisão, diz o acórdão que: “Sendo o critério de adjudicação o do mais baixo preço e perante os dados factuais supra relativos aos valores das propostas em jogo, impõe-se como acto devido a adjudicação a favor da aqui concorrente.” A questão que aqui se coloca é, pois, da possibilidade no caso concreto da substituição do tribunal à administração na prolação do ato devido depois de anulado o concurso por tal ser suscetível de violar o princípio da separação de poderes e já que a adjudicação não é a única opção que se impõe ao Município podendo o mesmo não adjudicar por a mesma estar dependente de apoios comunitários à execução da obra. Então vejamos. Nos termos do n.º 1 do art. 03.º do CPTA, que tem por epígrafe «poderes dos tribunais administrativos», no “… respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação …”. É uma concretização do princípio da separação e interdependência de poderes previsto nos arts. 02.º e 111.º da CRP, que constituiu referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cfr. arts. 202.º, n.º 2 e 203.º da CRP). Do exposto resulta que este princípio não implica hoje uma proibição absoluta ou sequer uma proibição-regra do juiz condenar, dirigir injunções ou orientações, intimar, sancionar, proibir ou impor comportamentos à Administração mas tão só uma proibição funcional do juiz não ofender a autonomia do poder administrativo. Como afirma M. Aroso de Almeida “… sobre os tribunais administrativos, enquanto órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas …, recai o sagrado dever de fazer cumprir a lei e o Direito, em toda a extensão em que a conduta da Administração se deva pautar por regras e princípios jurídicos. Os tribunais administrativos não julgam, portanto, da conveniência ou oportunidade da actuação administrativa (artigo 3.º, n.º 1 do CPTA). Mas não podem deixar de exercer, em plenitude, a função (judicial) de que estão incumbidos, em toda a extensão em que o exija a aplicação das normas jurídicas que obrigam a Administração Pública …” (em “Considerações sobre o novo regime do contencioso administrativo”, in: “A Reforma da Justiça Administrativa”, BFDC, 2005, pág. 18). Na mesma linha J.M. Sérvulo Correia refere que “... pode extrair-se do CPTA uma orientação genérica no sentido de que a margem de livre decisão administrativa se encontra submetida a um pleno controlo de juridicidade mas, também, a um mero controlo de juridicidade: tudo aquilo que, no iter conducente à decisão, seja juridicamente determinado ou juridicamente valorável constitui campo de controlo jurisdicional; mas os critérios de valoração ou decisão de natureza extra-jurídica, auto determinados pelo órgão administrativo no âmbito de uma margem de liberdade que lhe é deixada pela lei, constituem uma área em que ao juiz não são permitidas injunções sobre o se ou o como do agir ou decisões substitutivas. Assim é porquanto se trata de uma área de actuação que exige legitimidade democrática-eleitoral directa ou indirecta (e não mera legitimidade institucional) e origina responsabilidade política. A conveniência ou oportunidade da actuação administrativa, sobre a qual os tribunais não julgam …, corresponde, pois, à formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa envolvidas na adopção da conduta (CPTA, artigo 95.º, n.º 3 …) …” (in: “Direito Contencioso Administrativo”, volume I, pág. 777). Assim, os poderes dos tribunais administrativos estão limitados pelas vinculações da Administração por normas e princípios jurídicos, não podendo afetar de qualquer forma a conveniência e oportunidade de atuação da Administração quanto às regras técnicas ou escolhas na prossecução do interesse público, salvo ofensa dos supra referidos princípios jurídicos a que se alude no art. 266.º, n.º 2 da CRP. Atenhamo-nos ao caso sub judice. Estaremos perante uma situação em que inexiste qualquer margem de discricionariedade por parte da Administração, impondo-se vinculadamente a prática de um determinado ato, nomeadamente o aqui proferido pela decisão recorrida? Decidiu o Tribunal adjudicar o concurso aqui em causa ao autor como primeiro classificado por se tratar de um concurso que, após a exclusão de um candidato, fica com um único concorrente admitido e o único critério de adjudicação era o do preço mais baixo. Pelo que se coloca a questão de saber se esta decisão de adjudicação, mesmo neste tipo de concursos com um único concorrente admitido, se mantém dentro dos poderes exclusivos da administração, sob pena de violação do principio de separação de poderes, ou se o tribunal podia determinar o comportamento a seguir pelo Município. O legislador optou por consagrar no artigo 76.º, n.º 1, do CCP, um dever de adjudicação, que contempla apenas a ressalva das situações previstas no artigo 79.º, n.º 1, do CCP. Assim, optou-se por estabelecer um dever de decidir, com prazo definido, que corresponderá ao prazo a que os concorrentes estão obrigados a manter as suas propostas. Quanto à possibilidade de não adjudicação dispõe o art. 79º do CCP: “1 - Não há lugar a adjudicação quando: a) Nenhum candidato se haja apresentado ou nenhum concorrente haja apresentado proposta; b) Todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas; c) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento após o termo do prazo fixado para a apresentação das propostas; d) Circunstâncias supervenientes ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem; e) No procedimento de ajuste directo em que só tenha sido convidada uma entidade e não tenha sido fixado preço base no caderno de encargos, o preço contratual seria manifestamente desproporcionado; f) No procedimento de diálogo concorrencial, nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da entidade adjudicante. 2 - A decisão de não adjudicação, bem como os respectivos fundamentos, deve ser notificada a todos os concorrentes. 3 - No caso da alínea c) do n.º 1, é obrigatório dar início a um novo procedimento no prazo máximo de seis meses a contar da data da notificação da decisão de não adjudicação. 4 - Quando o órgão competente para a decisão de contratar decida não adjudicar com fundamento no disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1, a entidade adjudicante deve indemnizar os concorrentes, cujas propostas não tenham sido excluídas, pelos encargos em que comprovadamente incorreram com a elaboração das respectivas propostas.” Desta conclusão, resulta que os concorrentes poderão exigir judicialmente a prática do ato devido, ou seja, a decisão final do procedimento de concurso público salvas as possibilidades de não adjudicação previstas no supra referido artigo 79.º, n.º 1, do CCP. Além das alíneas a) e b), da referida disposição legal, em que se admite a não adjudicação se inexistir concorrentes ou propostas, bem como existindo, todas sejam excluídas do concurso, existem mais dois casos genéricos e dois casos específicos de não adjudicação fundamentada. Os dois casos genéricos decorrem das alíneas c) e d), do n.º 1, do referido artigo 79.º, e reportam-se, no caso da al. c) às situações imprevistas que motivem a necessidade de alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento, após o termo fixado para a apresentação de propostas e, no caso da alínea d) aos factos supervenientes ao termo fixado para a apresentação de propostas, quanto aos pressupostos da decisão de contratar, que justifiquem a não adjudicação. Em ambas as situações, com fundamento no art.º 79.º, n.º 4, do CCP, haverá lugar a indemnização pelos encargos que comprovadamente incorreram com a elaboração da proposta. No caso específico do artigo 79.º, n.º 1, alínea d), do CCP, onde seria susceptível de integrar a situação dos autos, estão em causa circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar que justifiquem que não ocorra o ato de adjudicação. O artigo 79.º do CCP prevê, assim expressamente casos de não adjudicação por razões de interesse público como sejam os referidos casos das alíneas c) e d). É certo que o que está na base deste artigo 79º do CCP e que constitui a sua epígrafe “Causas de não adjudicação”, é que não tenha ocorrido a adjudicação. No caso sub judice o contraente público vinculou-se a uma adjudicação ao praticar o ato de adjudicação anulado nestes autos. É o que resulta do despacho do Presidente da Câmara de 22.08.2014 (com competência delegada para decidir contratar a obra da entidade adjudicante que é o Município) com o seguinte teor «Concordo, proceder em conformidade» relativamente ao relatório do júri que propõe a adjudicação à Empresa F……. - S.A, pela importância de 508.527,68€. Pelo que, a situação de o mesmo não adjudicar foi, de certa forma, ultrapassada pela entidade com competência para decidir o concurso. Contudo, não podemos esquecer o tipo concreto de concurso aqui em causa, um concurso público urgente previsto no artigo 155º e segs do CCP em que, apresentadas as propostas se segue a adjudicação. E, não podemos esquecer que resulta do caderno de encargos: ” 19.1 A execução do contrato objeto do presente procedimento vai ser candidatado aos Fundos....19.2- A adjudicação da presente empreitada fica condicionada à aprovação da candidatura apresentada à O......” Ou seja, é certo que quando praticou o ato de adjudicação da obra a entidade assumiu implicitamente que não estava perante os condicionamentos que previra, isto é, que não se colocava a questão dos referidos apoios comunitários por os mesmos já terem sido aprovados, que é, aliás, o que a recorrida alega. Caso contrário, em vez de dizer “ Proceda em conformidade “ diria “ Aguarde a aprovação das candidaturas”. É certo, ainda, que se pode colocar a questão de a anulação da adjudicação aqui em causa não fazer retroceder o procedimento administrativo até um momento anterior à referida adjudicação conferindo à administração uma possibilidade que já lhe tinha sido coartada ao fazer a adjudicação. E isto com o fundamento de através do ato de adjudicação se firmam direitos e deveres para ambas as partes: o direito e o dever recíprocos a contratar, nos termos da proposta apresentada. Contudo, nem por isso, pode o tribunal, chamado a praticar o ato devido, ignorar os condicionamentos que legalmente resultam do caderno de encargos assim como o poder-dever de não adjudicar, nas circunstâncias previstas na lei. Pelo que, nada obsta a que o tribunal pratique o ato devido que é o de determinar a adjudicação logo que seja aprovada a candidatura apresentada à O... independentemente da bondade da decisão anterior de adjudicação relativamente a este aspeto. A condenação na adjudicação do contrato ao único concorrente sobrante constante da decisão recorrida nos termos supra expostos não viola, pois, quer o princípio da separação de poderes quer o art. 79º do CCP por tal não se traduzir em retirar à administração qualquer poder que só a ela competisse na adjudicação ou não do contrato. Se está em causa na prolação do ato devido uma adjudicação relativamente à qual a entidade adjudicante não podia fazer qualquer alteração à graduação por estar em causa um único concorrente e o critério de adjudicação ser o do preço mais baixo, então não há impedimento a que o Tribunal determine o ato devido de adjudicação ao concorrente que se impõe ainda que a condicione a um pressuposto do caderno de encargos que a entidade adjudicante ignorara (quer o tenha feito por a questão estar ultrapassada quer o tenha feito ilegalmente). Em suma, independentemente de, no rigor dos termos, a possibilidade de não adjudicação prevista no art. 79º do CCP constituir ou não uma fase que tinha sido ultrapassada pela entidade adjudicante ao fazer a adjudicação a um concorrente que devia ter sido excluído, não pode o tribunal na determinação do ato devido ignorar condicionamentos legais que a entidade adjudicante omitira na determinação da adjudicação. 13) O Município apresentou candidatura a financiamento comunitário no quadro do Programa Operacional do Norte (ON.2), tendo obtido a respetiva aprovação da candidatura a 22.10.2014; Docs. 1 junto com a p.i. e 1 junto com a contestação 14) Em 24.10.2014, foi assinado entre o Município e a Autoridade de Gestão do Programa Operacional do Norte (ON.2) contrato de financiamento relativo à “Modernização e Recuperação da Piscina Municipal Coberta de Ribeira de Pena”; Doc. 1 junto com a contestação 15) De acordo com a cláusula quinta do referido contrato a execução física e financeira da operação decorreria até 30.06.2015, devendo a execução financeira ter início no prazo máximo de 6 meses a contar da data da assinatura do contrato; Doc. 1 junto com a contestação 16) A Autoridade de Gestão ON.2 notificou o Município do atraso na apresentação do 1º pedido de pagamento válido no prazo estipulado, bem como da intenção de rescisão do contrato de financiamento e revogação da aprovação do financiamento; Doc. 2 junto com a contestação 17) Em 22.07.2015, a exequente foi notificada de que a Câmara Municipal de Ribeira de Pena havia deliberado, em 03.06.2015, proceder à não execução da obra “Modernização e Recuperação da Piscina Municipal Coberta de Ribeira de Pena” e anular o respetivo concurso por inviabilidade de financiamento comunitário, bem como pela necessidade de reformular o projeto. Doc. 2 junto com a p.i. O Direito Cumpre agora apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA. De acordo com o n.º 1 do artigo 173º do CPTA, “…a anulação do acto administrativo constitui a administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto no momento em que deveria ter actuado”. Ou seja, como refere Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pág. 859-860, “ a Administração fica constituída no dever de executar a sentença de anulação, querendo com isso dizer-se que ela fica constituída no dever de dar corpo à modificação operada pela sentença, praticando os actos jurídicos e realizando as operações materiais necessárias para colocar a situação tanto no plano do Direito, como no plano dos factos, em conformidade com a modificação introduzida… Como resulta do n.º 1, os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um acto administrativo podem situa-se em três planos: a) reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação; b) cumprimento tardio dos deveres que a administração não cumpriu durante a vigência do acto ilegal…c) eventual substituição do acto ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas….porém, na medida em que essa substituição não tenha lugar, prevalece o efeito repristinatório da anulação, com o consequente dever da reconstituição da situação jurídica anterior”. A execução integral da sentença anulatória «implica, em regra, a reconstituição da situação que existiria caso a Administração não tivesse incorrido na ilegalidade que determinou, no juízo do tribunal, a anulação do acto (isto é, se o acto não tivesse sido praticado ou tivesse sido praticado sem esse vício) – cfr. VIEIRA ANDRADE in A Justiça Administrativa (Lições), 3ª Edição, Almedina, 2000, página 200. Ver neste sentido acórdão deste Tribunal Pro. 00057-A/2001Coimbra de 26-09-2013, quando refere: I. A execução das sentenças anulatórias dos tribunais administrativos impõe à Administração a obrigação de desenvolver uma actividade de execução com a finalidade de pôr a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão anulatória; II. Esta obrigação da Administração subdivide-se, segundo a lei, em dois deveres concretos: - O de respeitar o «julgado», conformando-se com as limitações que dele resultam para o eventual exercício dos seus poderes; - E o de «reconstituir a situação» que existiria se não tivesse sido praticado o acto anulado; III. O respeito pelo caso julgado significa que a Administração, a repetir o acto anulado, e sob pena de incorrer em nulidade, terá de o fazer desprovido das ilegalidades que motivaram a anulação. Conclui-se assim que estando em causa a execução de sentença de anulação, esta execução passa pela reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido anulado. Isso implica que a execução da decisão judicial anulatória terá que proceder à reconstituição da situação hipotética em que se encontraria o exequente não fora a prática do acto anulado, ou seja, na prática de novo acto, de sentido idêntico ou de sentido contrário, mas isento do vício que o inquinava. Como se refere no Acórdão STA proc. n.º 01368/14 de 14-12-2016 I - A execução de decisão judicial terá de consistir na prática pela Administração dos atos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada, considerando e respeitando, não só todos os fundamentos de ilegalidade julgados verificados, de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do ato ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o ato não tivesse sido praticado em pleno respeito do julgado, mas também os termos da pronúncia condenatória nela firmados. A decisão recorrida, quanto à questão ora em apreciação, vem referir que: No caso em apreço estamos perante uma decisão judicial que determinou a anulação do ato de adjudicação da empreitada “Modernização e Recuperação da Piscina Municipal coberta de Ribeira de Pena” e que condenou o Município a adjudicar a empreitada à exequente. O acórdão do STA, em execução, condicionou, porém, tal obrigação de adjudicar à aprovação da candidatura apresentada pelo Município à O.... Portanto, o dever de praticar o despacho de adjudicação no procedimento concursal está dependente da existência de financiamento. A leitura da fundamentação do acórdão do STA em execução permite perceber a preocupação com a existência de financiamento para a execução da obra, preocupação essa plasmada nas próprias normas procedimentais, e na ausência do qual não existe dever de adjudicação. Assim, a obrigação do Município em adjudicar a empreitada à exequente após o trânsito em julgado do acórdão do STA só se verifica se existir financiamento da mesma no quadro da ON.2. Resulta da matéria de facto que o Município apresentou a candidatura da empreitada a financiamento comunitário. E que a mesma foi aprovada a 22.10.2014, tendo o respetivo contrato de financiamento sido assinado a 24.10.2014. Facilmente se pode concluir que a aprovação da candidatura é anterior ao acórdão do STA em execução, ou seja, no momento em que a decisão judicial foi proferida já tinha sido aprovada a candidatura. A fundamentação do acórdão do STA assenta na premissa de que o caderno de encargos do concurso em causa faz depender a adjudicação do concurso da existência de financiamento comunitário: não existindo financiamento não existe dever de adjudicação. Embora o segmento decisório do acórdão do STA possa apontar no sentido sustentado pela exequente, afigura-se a interpretação global dos fundamentos tomados em consideração apontam em sentido diverso. A decisão do STA parece ser interpretada no sentido que o Município não fica obrigado a adjudicar se não existir financiamento da empreitada no quadro da ON.2. O STA parece considerar a inexistência de financiamento comunitário como uma causa de não adjudicação da obra. É certo que o financiamento já havia sido concedido em momento anterior ao próprio acórdão – mais de um ano antes. Porém, da leitura do acórdão parece resultar que se exige que o financiamento seja atual e não meramente que tenha existido a aprovação do financiamento no quadro da ON.2, que no caso ocorreu. É que no caso em apreço, foi aprovado o financiamento da empreitada através de fundos comunitários, mas no momento em que foi proferido o acórdão do STA já não existia garantia de financiamento. A isto acresce que, como sublinha o Município, a exequente foi notificada da decisão de anular o concurso em causa por inviabilidade de financiamento comunitário, bem como pela necessidade de reformular o projeto. Na data em que tal decisão foi tomada, inexistia decisão judicial transitada em julgado. Repare-se que como também decorre da fundamentação do acórdão do STA é admitida a possibilidade de existirem decisões de não adjudicação, entre as quais se conta a resultante da necessidade de reformular o projeto. Os fundamentos invocados para anular o concurso reconduzem-se ao artigo 79.º, n.º 1, als. c) e d) do CCP, encontrando-se justificação legal bastante para a não adjudicação em causa, o que não significa que a entidade administrativa não tenha que indemnizar os concorrentes cujas propostas não foram excluídas nos termos do número 4 do mesmo artigo. A atuação processual do Município de não comunicação de decisões que foram tomadas na pendência do processo 430/14.0BEMDL, destacada quer na p.i. quer na réplica poderá eventualmente originar responsabilidade civil do Município nos termos legais, mas não pode justificar ou impor a condenação em emitir um ato quando legalmente está prevista a possibilidade de o mesmo não ser emitido, possibilidade essa ponderada no acórdão do STA em execução, e foi emitida decisão que se enquadra nos fundamentos legais em causa. Da mesma forma, a atuação do Município, sublinhada na réplica, de alegadamente ter deixado caducar propositadamente o financiamento, já que teve a oportunidade de justificar o atraso verificado e aproveitar a possibilidade de dilatar o prazo para que a empreitada fosse executada poderá originar responsabilidade civil, mas não a imposição ao Município do dever de adjudicar a empreitada para a qual não tem financiamento assegurado. Face ao exposto, afigura-se que o acórdão do STA se encontra executado, já que o mesmo estava condicionado à existência de financiamento comunitário que no caso não existe por via da caducidade do mesmo, e consequente rescisão do contrato e revogação da aprovação. De sublinhar que a questão da imputabilidade ao Município de tais consequências por não ter apresentado o 1º pedido de pagamento válido no prazo contratualmente estipulado e não ter justificado o atraso, apenas consubstanciará, nos termos gerais, responsabilidade civil pelos eventuais danos provocados, mas não consubstancia uma situação jurídica de obrigação de emitir uma decisão de adjudicação quando no acórdão em execução se admite expressamente a possibilidade de a adjudicação não ocorrer por inexistência de financiamento comunitário para a empreitada, possibilidade que, objetivamente, se verifica. É, portanto, de concluir pela improcedência da ação. Como verificamos a decisão recorrida concluiu que o Acórdão do STA, ora em execução, determinou a anulação do ato de adjudicação da empreitada “Modernização e Recuperação da Piscina Municipal coberta de Ribeira de Pena” e condenou o Município a adjudicar a empreitada à exequente, tendo condicionado, no entanto, tal obrigação à aprovação da candidatura apresentada pelo Município à O.... Como a recorrida não obteve financiamento comunitário não ocorre obrigatoriedade de executar o assim decidido. Vejamos o que está em causa com a sumariação da matéria de facto. A entidade executada procedeu à abertura de concurso público para adjudicação de contrato de empreitada relativo à “Modernização e Recuperação da Piscina Municipal Coberta de Ribeira de Pena”, cujo anúncio foi publicado em Diário da República, II.ª Série, n.º 145 de 30.07.2014. Com data de 26 de Setembro de 2014 foi instaurado no TAF de Mirandela acção de contencioso pré-contratual, que tinha como objectivo a anulabilidade do acto de adjudicação entretanto realizado com data de 22-08-2014, à empresa TNG. Com data de 22 de Outubro de 2014 foi aprovado o financiamento comunitário ao respectivo projecto, tendo sido assinado o contrato de financiamento em 24 de Outubro de 2010. De acordo com a cláusula 5º do referido contrato a execução física do processo decorria até 30 de Junho de 2015 devendo a execução financeira ter início no prazo máximo de seis meses. Com data de 13 de Janeiro de 2015 o TAF de Mirandela decidiu julgar a acção improcedente, decisão que foi revogada por este Tribunal, por Acórdão datado de 17 de Abril de 2015. Entretanto a entidade demandada, ora executada, foi notificada de que ocorria atraso na apresentação do 1º pedido de pagamento e que por isso iria “ a autoridade de gestão proceder à rescisão do contrato de financiamento e, consequentemente, à revogação da decisão de aprovação do financiamento” (documento referido no n.º 16 do probatório). A exequente, com data de 22 de Julho de 2015, foi notificada de que a Câmara Municipal de Ribeira de Pena havia deliberado, em 03.06.2015, proceder à não execução da obra “Modernização e Recuperação da Piscina Municipal Coberta de Ribeira de Pena” e anular o respetivo concurso por inviabilidade de financiamento comunitário, bem como pela necessidade de reformular o projecto. Com data de 3 de Junho de 2015 (e não 7 de Junho como vem referido nos factos dados como provados - n.º 10- verificando-se lapso de escrita), foi proferido Acórdão de revista pelo STA que concluiu: “...conceder parcial provimento ao recurso e determinar a adjudicação da presente empreitada à autora embora condicionada à aprovação da candidatura apresentada à O... pelo Município”. Como verificamos foi decidido, a final, e é este Acórdão que agora se pretende executar, adjudicar a empreitada em causa à Autora, ora exequente, mas condicionada à aprovação do financiamento pelo O.... Como a entidade gestora deste programa veio a rescindir o contrato de financiamento, a decisão recorrida concluiu que nada havia a executar, neste âmbito, e portanto julgou improcedente a acção. A exequente não concorda com tal decisão. Refere que o financiamento já tinha sido aprovado, pelo que terá de ocorrer o cumprimento da sentença que passará pela adjudicação da obra à exequente. Não concordamos com esta solução. Em primeiro lugar é claro que na decisão do STA, foi decidido que a adjudicação deveria realizar-se com a Autora, mas condicionada ao financiamento pela O.... Como resulta da matéria de facto, esta Agência de financiamento rescindiu o apoio que anteriormente concedera, porque no prazo indicado pelo contrato celebrado, não cumpriu com o dever de ter de submeter o primeiro pedido de financiamento até 20 de Junho de 2015. Se ocorreu rescisão do apoio concedido é porque o apoio anteriormente aprovado não se verificou, para os efeitos da decisão transitada no STA. É que quando se refere que a adjudicação fica condicionada à aprovação da candidatura apresentada à O... pelo Município, tem-se como pressuposto a aprovação e disponibilização das verbas necessárias apar o efeito. Não se trata apenas de em termos teóricos ter sido aprovada a candidatura, mas que ocorra financiamento através da mesma. Se não ocorrer financiamento não se pode concluir que tenha sido aprovada a candidatura. E isto na data em que ocorreu trânsito em julgado da decisão. Na verdade, não é como refere o recorrente na sua conclusão 8, quando afirma que à data da prática do ato ilegal e do qual se obteve a respetiva anulação, o financiamento existia e foi objeto da competente contratação, a qual esteve válida até junho de 2015. Isto é, o efeito imediato da sentença/acórdão, mormente do pedido de anulação é a eliminação do ato e de todos atos e seus efeitos, desde o momento em que se verificou a ilegalidade À data do acto ilegal poderia ter ocorrido, e ocorreu, a aprovação da candidatura, mas à data em que se podia executar a decisão, ou seja, quando esta transitou em julgado, já a agência financiadora tinha rescindido a decisão, ou seja, já não havia financiamento para a execução da empreitada. De notar que quando da decisão do STA já se sabia que quando da prática do acto ilegal o financiamento tinha sido aprovado. Mas não se sabia se este continuaria. Já se sabia porque nas suas conclusões quando do recurso de revista para o STA a ora exequente já afirmava: XIII. A recorrente já foi notificada da existência e deferimento da comparticipação comunitária à empreitada em questão. XIV. O ato administrativo adquiriu com a decisão favorável de apoio comunitário toda a sua eficácia externa, nada havendo a assacar à sua perfeição. Por seu lado no Acórdão ora executado refere-se: E, não podemos esquecer que resulta do caderno de encargos: ” 19.1 A execução do contrato objeto do presente procedimento vai ser candidatado aos Fundos....19.2- A adjudicação da presente empreitada fica condicionada à aprovação da candidatura apresentada à O......” Ou seja, é certo que quando praticou o ato de adjudicação da obra a entidade assumiu implicitamente que não estava perante os condicionamentos que previra, isto é, que não se colocava a questão dos referidos apoios comunitários por os mesmos já terem sido aprovados, que é, aliás, o que a recorrida alega. Ou seja, o STA quando profere o Acórdão executado já sabia que o financiamento já tinha sido aprovado, mas não sabia se a situação em causa se manteria. Por essa razão decidiu-se que seria de determinar a adjudicação da empreitada à autora embora condicionada à aprovação da candidatura apresentada à O... pelo Município. Como verificamos essa aprovação foi inicialmente aprovada, mas foi posteriormente rescindida por não cumprimento dos prazos estabelecidos pelo contrato, pelo que não se pode concluir que ocorre a aprovação da candidatura para os efeitos de adjudicação, como se conclui na decisão recorrida. Nem se pode concluir, como refere o recorrente, que a execução da sentença, como passa pelo dever de reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido anulado, como como à data da prática do acto ilegal havia financiamento para a execução da empreitada, então teria a executada que proceder à sua adjudicação à Autora. No entanto, como se refere no Acórdão executado, existe para essa execução uma condição, a de que ocorra financiamento por parte da O.... Não ocorrendo essa condição, na data em que se executa o Acórdão, não poderá ocorrer a adjudicação referida. No entanto apesar de se concluir que a entidade demandada não se encontra obrigada a proceder à adjudicação da empreitada em causa, esta inexecução decorre da situação de ter ocorrido falta de financiamento, ou seja, ocorreu uma causa legítima de inexecução. De notar que o STA, com data de 3 de Dezembro de 2015, decidiu determinar a adjudicação da empreitada à exequente. Esta questão é pacífica. Condicionou, no entanto, essa adjudicação à aprovação da candidatura à O.... Ora, não tendo ocorrido financiamento, como já concluímos, ocorreu causa legítima de inexecução da sentença, verificando-se esta quando ocorram situações excepcionais (artigo 163º do CPTA) que tornam lícita, para todos os efeitos, inexecução das sentenças dos Tribunais administrativos, obrigando, no entanto, ao pagamento de uma indemnização compensatória ao titular do direito à execução (ver Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, pág. 163). Na verdade, como a recorrente teria direito à adjudicação, apesar de ter ocorrido causa legítima de inexecução da sentença sempre, terá direito a uma indemnização por não ter sido possível essa execução, de acordo o disposto no artigo 178º do CPTA. Ver, neste sentido, Acórdão deste Tribunal proc. n.º 00057-A/2002 Coimbra, de 26-09-2013, quando refere; IV. As «causas legítimas de inexecução» constituem situações excepcionais, as quais tornam lícita, para todos os efeitos, a «inexecução das sentenças dos tribunais administrativos», obrigando, porém, ao pagamento de uma «indemnização compensatória» ao titular do direito à execução. Importa assim revogar a decisão recorrida, declarar a existência de causa legítima de inexecução e mandar baixar os autos para procedimento em conformidade. *** 4– DECISÃONestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte em: a) Revogar da decisão recorrida; b) Declarar verificada causa legítima de inexecução; c) Determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que as partes sejam convidadas a acordar na indemnização devida seguindo-se os ulteriores termos previstos no artigo 178º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Sem custas por não terem ocorrido contra-alegações Notifique. Porto, 16 de Março de 2018 Ass. Joaquim Cruzeiro Ass. Fernanda Brandão Ass. Frederico de Frias Macedo Branco |