Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00367/10.2BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/02/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:VIOLAÇÃO DO REGIME DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA; DOCENTE UNIVERSATÁRIO; ARTIGO 70º, Nº.1 DO ECD
Sumário:I- A especificidade do regime de dedicação exclusiva previsto no artigo 70º do Estatuto da Carreira Docente, por contraponto ao tempo integral, em termos de deveres do docente, reporta-se a uma obrigação de abstenção de atividades profissionais e proibição de remuneração pelas mesmas.

II- Por isso, em ordem a concluir-se no sentido da violação da disciplina jurídica que brota do nº.1 do artigo 70º do RCD, necessário se torna demonstrar-se que o particular (i) desempenha uma atividade profissional paralela à de docente (ii) pela qual auferiu rendimentos profissionais ou empresariais, aqui incluindo-se os respetivos lucros, com contabilidade organizada.

III- Certo é que não é irrelevante para o preenchimento da normação em análise a circunstância do particular auferir [ou não] remuneração, inclusive lucros, proveniente do exercício de uma atividade profissional paralela.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.
Recorrido 1:UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
J., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra promanada no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por si intentada contra a UNIVERSIDADE DE COIMBRA, também com os sinais dos autos, que julgou a presente ação improcedente.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
A) O Acórdão Recorrido é nulo por contradição insanável entre os factos provados e fundamentação de facto e a posterior decisão (o Recorrente não recebeu nem remuneração, nem lucros) nos termos do artigo 615.°, n.° 1, alínea c) do CPC, em que considera que o A. recebeu remuneração sem qualquer fundamento de facto de direito;
B) Ficou provado nos autos que entre 2005 e 2009 o Recorrente não recebeu qualquer valor pela sua atividade de Advogado;
C) O Acórdão Recorrido, nem tão pouco o processo disciplinar deram ou conseguiram dar como provado, quer por documentos, quer por testemunhas, que entre 2003 e 2009 o Recorrente tivesse auferido qualquer remuneração pela sua atividade de Advogado, para depois concluir que, afinal, o Recorrente desempenhou atividade remunerada;
D) Efetivamente, nem no processo disciplinar, e muito menos, como se viu nos presentes autos, existe qualquer facto concreto e rigoroso que prove através de documentos fiscais, contabilísticos, outros documentos, prova testemunhal ou pericial que o Recorrente foi remunerado pela sua atividade de Advogado;
E) Apenas existe alegação, sem qualquer prova pericial, documental ou testemunhal;
F) Existe, aliás, prova do contrário, documentalmente demonstrada nos autos e dado como provado também nos autos (facto 25));
G) O Acórdão recorrido não poderia também ter criado presunções, onde elas não existem e não são permitidas por lei;
H) O facto do Recorrente ter participado na constituição de uma sociedade de advogados e o facto de ter celebrado o respectivo contrato de sociedade nada provam quanto ao facto de ter sido ou não remunerado pela sua atividade de advogado;
I) O Recorrente, não obstante ter a carteira profissional de advogado, tem o direito - que não lhe está proibido por lei - de advogar em causas sociais ou familiares sem receber qualquer remuneração a título de honorários;
J) O facto do Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, como todas as sociedades civis e comerciais, estatuir que uma sociedade de advogados, seguindo o regime das sociedades comerciais ou civis, visa o lucro e o exercício em comum da advocacia, não pode, per se, significar que o aqui Recorrente exerceu a atividade de advogado de forma remunerada;
K) Não existindo na lei nenhuma norma que faça presumir que a atividade de advogado é sempre remunerada, não poderia o Acórdão Recorrido ter decido da forma como o fez;
L) Acresce que os lucros de uma sociedade civil ou comercial não são remuneração de atividade profissional. Um Docente Universitário, em exclusividade, tem direito a ser proprietário de quotas e ações - o que não está proibido por lei nenhuma - e a receber lucros das ações ou quotas de que seja titular.
M) Numa sociedade de advogados, como em outras sociedades civis e comerciais, há uma distinção jurídica clara entre lucros - o resultado anual da sociedade depois de pagar todas as suas despesas designadamente, no caso das sociedades de advogados, depois de pagar os honorários dos advogados (sócios ou não) que lá prestam serviços.
N) Logo os lucros não são remuneração de atividade, pelo que o seu recebimento não está interdito aos docentes como a todas as outras profissões que têm exclusividade.
O) Acresce que o Recorrente não recebeu nem remunerações - salários, honorários ou qualquer outra - nem lucros da Sociedade de advogados de que é sócio.
P) Não existem presunções quando se trata de apurar factos de natureza disciplinar;
Q) Em consequência, é também com este fundamento ilegal que o Acórdão Recorrido deve ser revogado;
R) No seguimento do tudo o já supra alegado, o Acórdão Recorrido viola também o princípio do “in dubio pro reo”, considerando que em processo disciplinar o ónus da prova dos factos constitutivos da infração disciplinar cabe a quem detém o poder disciplinar;
S) Não tendo a Recorrida consigo provar, mas apenas alegar através da sua falaciosa interpretação, que o Recorrente foi remunerado pela sua atividade de advogado por ser sócio de uma sociedade de advogados, o ato administrativo aqui impugnado é também ele ilegal;
T) Da mesma forma, o Acórdão Recorrido padece de ilegalidade porque não deu como provado que o Recorrente foi remunerado pela sua atividade de advogado, tendo apenas presumido através da sua interpretação ilegal;
U) O direito de instaurar o procedimento disciplinar encontra-se prescrito, o que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
V) Sem conceder, subsidiariamente, caso não se entenda que do Acórdão Recorrido cabe desde já Recurso, mas apenas Reclamação, deverá o presente Recurso ser convolado em Reclamação, por ser tempestivo (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando o seu efeito e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que se alude no nº.1 do artigo 146º do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se a sentença recorrida (i) enferma de nulidade por oposição entre fundamentos e decisão, bem como se (ii) incorre em erro de julgamento de direito, por (ii.1) errada aplicação e interpretação legal; (ii.2) por violação do principio in dubio pro réu; (ii.3) e por violação do artigo 6º, nº.2 do ECD [prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar].
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico [positivo e negativo e respetiva motivação] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:
“(…)
Atentas as posições assumidas pelas partes, os documentos juntos com os articulados e integrantes do Processo Administrativo, estão provados os seguintes factos suficientes para a discussão e a decisão da causa:
1) O ora Autor celebrou contrato como Assistente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra a 22 de janeiro de 2002, contrato válido por seis anos e prorrogável por um biénio.
2) A 12 de abril de 2002 o ora Autor subscreveu renúncia ao desempenho de qualquer atividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal nos termos do artigo 70.° do Estatuto da Carreira Docente Universitária.
3) Durante os anos letivos 2005/2006; 2006/2007 e 2007/2008 o ora Autor esteve na situação de dispensa de serviço docente com vista a preparação de doutoramento, ao abrigo do artigo 27.° do Estatuto da Carreira Docente Universitária.
4) Em 21/03/2003 foi registada, junto da Ordem dos Advogados, a constituição da sociedade "P. e Associados - Sociedade de Advogados", a qual iniciou a sua atividade na mesma data (cfr. Certidão do Livro de registo das sociedades de advogados a Fls. 158 a 185 da certidão do processo disciplinar).
5) Pode ler-se no referido registo das sociedades de advogados (cfr. Certidão do Livro de registo das sociedades de advogados a fls. 158 a 185 da certidão do processo disciplinar):
«Objecto - o objecto social é o exercício, pelos sócios e em comum da advocacia com o fim de repartição dos resultados.
Participação de capital - o capital social é de dez mil euros, está integralmente realizado em numerário e dividido nas seguintes participações:
a) Uma quota de valor nominal de seis mil euros pertencente ao sócio J.; (...) Sócios
a) Dr. J., que também assina J., advogado titular da cédula 2436, Coimbra;
b) (...)
Administração - a administração da sociedade cabe aos sócios e esta obriga-se com a assinatura de qualquer dos administradores exceto estipulação em contrário da assembleia geral.
Participação de Indústria - os sócios
Participação de indústria: os sócios participam com a sua indústria; são criadas mil partes e a participação é proporcional das quotas:»
6) Em 9/12/2005 foi averbada no registo de inscrição da sociedade de advogados supra referida, uma alteração ao pacto social, passando a constar (cfr. Certidão do Livro de registo das sociedades de advogados a fls. 158 a 185 da certidão do processo disciplinar:
«Firma - a sociedade adota a denominação "J. e Associados - Sociedade de Advogados RL" (responsabilidade limitada).
A sociedade de advogados tem um segundo escritório na Avenida (...), seis, Edifício (...).
Aumento de capital social - o capital social passa de dez mil euros para vinte mil euros, por reforço das quotas de seis mil euros pertencente ao sócio Dr. J., em seis mil euros, sendo que este sócio fica titular de uma quota de doze mil euros, e da quota de dois mil do sócio Dr. B. em mais dois mil euros, ficando este sócio com uma quota de quatro mil euros».
7) A 24 de outubro de 2007 o ora Autor foi questionado através do ofício 844/SA/07, remetido pelo Presidente do Conselho Diretivo da Faculdade de Economia, no sentido de informar se considerava estarem reunidas as condições para manter o regime de exclusividade de funções, dado que na página do Centro de Estudos Sociais constava no campo “Outras atividades profissionais: 2002 - Advogado”
8) A 5 de novembro de 2007 o Autor respondeu informando ser «sócio de capital de uma Sociedade de Advogados que usa o seu nome»; informando que “não exerce qualquer atividade remunerada nessa sociedade nem como trabalhador dependente nem como profissional liberal, limitando-se a ser sócio, a deixar que “explorem” o seu nome (que tem valor de mercado) e a auferir lucros anualmente se a sociedade tiver lucros”, conforme fs. 26 do processo de inquérito, cujo teor aqui se dá como reproduzido.
9) Em 08/01/2008 o Presidente do Conselho Diretivo envia ao Reitor o ofício 011/SA/08 que consta a fls. 12 da certidão do processo de Inquérito, de que destaca o seguinte excerto):
«Antes de encetar quaisquer outras diligências sobre o assunto que passarei a expor, entendi, dada a natureza e a delicadeza da situação, dirigir-me a V. Exa.
O Dr. J. é Assistente em exclusividade de funções e encontra-se em dispensa de serviço docente para doutoramento desde o ano letivo 2005/2006, terminando o 3° ano de dispensa no final deste ano letivo.
Através da consulta á página do Centro de Estudos Sociais verificámos que o referido Assistente inclui no seu curriculum a profissão de Advogado.
Tal facto levou a faculdade a interpelá-lo sobre se, apesar daquela referência, se considerava em condições de permanecer no regime de exclusividade (oficio anexo).
O Dr. J. respondeu, enviando e explicando a situação em carta, cuja fotocópia anexamos. Posteriormente, em 21/11/2007, tive conhecimento de uma notícia do Rádio Clube Português, que este docente tinha um contrato com Ministério da Educação para elaborar um estudo remunerado.
Mais recentemente saiu na revista Visão outra notícia a este propósito.
A ser verdade o conteúdo da notícia, o que só o Ministério da Educação poderá confirmar, o docente em causa deveria ter pedido autorização prévia à Faculdade, nos termos da alínea h) do n° 3 do artigo 70°do ECDU (...).»
10) Em 30 de janeiro de 2008, o Reitor despachou no sentido de ser remetida ao Senhor Presidente da Faculdade de Economia a Informação 02/2008/GJ (cfr. fls 16 a 19 da certidão do processo de inquérito), para que este se dignasse "averiguar os factos, com vista à eventual instauração de um processo disciplinar".
11) Em 29/01/2009, o Reitor da Ré proferiu o seguinte despacho (cfr. fls 3 da certidão do processo de inquérito):
« Despacho n° 21/2009
O Senhor Presidente do Conselho Diretivo da Faculdade de Economia remeteu ao Reitor da Universidade de Coimbra um ofício em que dá conta de factos e comportamentos que envolvem o assistente da Faculdade de Economia, Dr. J., e que, no seu entender, justificam se averigue se eles são compatíveis com o regime de dedicação exclusiva e de dispensa de serviço docente com vista à preparação do doutoramento em que se encontra o Dr. J. e se eles são relevantes para efeitos disciplinares.
Nos termos da legislação aplicável (nomeadamente Lei n.? 58/2008 de 9 de setembro, a Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, e os Estatutos da Universidade de Coimbra), nomeio a Professora Doutora M., Professora Catedrática da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, instrutora de um processo que visa, em um primeiro momento, o esclarecimento dos factos e da sua eventual relevância para efeitos de procedimento disciplinar, que, se for o caso, seguirá os seus termos, em consonância com a lei. Ao abrigo do n." 3 do art.° 42° da Lei n° 58/2008, de 09 de setembro, nomeio secretária deste processo a Lic. C..»
12) Por carta registada de 30/01/2009 é o Autor notificado pela Instrutora do processo de inquérito do transcrito despacho e do início da instrução.
13) Em 04/03/2009 foi feito um novo averbamento ao registo de inscrição da sociedade de advogados "J. e Associados - sociedade de advogados RL", alterando o pacto social nos seguintes termos (cfr. Certidão do Livro de registo das sociedades de advogados a Fls. 158 a 185 da certidão do processo disciplinar e pontos 8.8. a 8.10 da acusação a fls 134 a 139):
«Cessão e unificação de quotas
O sócio Dr. B. cede pelo seu valor nominal, a sua quota de quatro mil euros ao sócio Dr. J., que aceita a cessão e unifica a quota ora cedida com a que já detinha, ficando titular de uma quota de dezasseis mil euros. Os sócios não cessionários consentiram na presente cessão.
O capital social mantém-se em vinte mil euros.
Administração - a sociedade passa a ser administrada e vincula-se pelo sócio Dr. J. e pela sua assinatura.»
14) Em 26/03/2009 foi o Autor ouvido no processo de inquérito tendo declarado, nomeadamente, que (cfr. Fls. 94 e 95 do processo de inquérito):
“(...)
Quanto à sua participação numa sociedade de advogados, declarou ser sócio de capital e que, na sua interpretação da Lei, entende não haver incompatibilidade com a sua participação como sócio de capital numa sociedade de advogados e com as suas funções docentes, dado que não tem qualquer remuneração de trabalho por essa participação. Mencionou a existência de duas cartas suas, dirigidas ao Conselho Diretivo da Faculdade de Economia, nas quais solicitava orientações sobre a questão legal dessa incompatibilidade, dispondo-se a acatar o que fosse superiormente decidido por esse órgão (…)”
15) O inquérito resultou no relatório de fs. 99 a 108 do PA que aqui se dá como reproduzido.
16) Em 23/04/2009, o Reitor proferiu o seguinte despacho aposto sobre o referido relatório (cfr. Fls. 176 do processo disciplinar):
«Nos termos do que me propõe a Sra. Instrutora, determino a instauração de processo disciplinar, pedindo à Senhora Doutora M. que seja instrutora deste processo, garantindo a Licenciada Catarina Providência o apoio de secretariado.»
17) Por carta registada de 16/09/2009 foi o Autor notificado da acusação - cfr. fls 129 a 139 da certidão do processo disciplinar - que aqui se dá como reproduzida na íntegra e para todos os efeitos legais, transcrevendo-se pela sua relevância os seguintes pontos:
“(…)
8.
Já em sede de processo disciplinar, obteve-se junto do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, certidão (a fls. 19 a 16 do processo disciplinar) referente ao registo de inscrição da sociedade de advogados "J. e Associados - Sociedade de Advogados RL". Compulsada a dita certidão, verificou-se o seguinte:
8.1 Em 21 de março de 2003 foi registada no Conselho Geral da Ordem dos Advogados, sob o número 22/03, a constituição da Sociedade de Advogados "P. e Associados - Sociedade de Advogados", a qual iniciou a sua atividade na mesma data.
8.2 O objecto social da referida sociedade foi registado como: "o exercício, pelos sócios e em comum, da advocacia, com afim de repartição dos resultados".
8.3 O Dr. J. consta na referida sociedade como Sócio e advogado titular da cédula 2436, Coimbra, detentor de uma quota de valor nominal de seis mil euros, sendo o capital social da referida sociedade de dez mil euros,
8.4 Consta assim o Dr. J. como sócio maioritário.
8.5 Quanto à participação de indústria, consta expressamente do referido registo que "os sócios participam com a sua indústria; são criadas mil partes e a participação é proporcional às quotas.
8.6 Em 9 de dezembro de 2005, a Sociedade passou a adotar a denominação "J. e Associados - Sociedade de Advogados, RL", aumentou o seu capital social para vinte mil euros e o sócio Dr. J. passou a ser titular de uma quota de doze mil euros.
8. 7 Consta assim o Dr. J. como sócio maioritário.
8.8 Em 4 de março de 2009, o sócio Dr. J. passou a ser titular de uma quota de dezasseis mil euros, mantendo-se o capital social em vinte mil euros.
8.9 Assim, mantém-se o Dr. J. como sócio maioritário
8.10 A partir de 4 de março de 2009, a Sociedade passou a ser administrada e a vincular-se pelo sócio Dr. J. e pela sua assinatura.
9. Assim, é um facto que o Mestre J., enquanto sócio da referida sociedade de advogados, desde 21 de março de 2003 até à presente data, exerceu a advocacia em comum com os restantes sócios, com o fim de repartição dos resultados, obrigando-se a participar com a sua indústria proporcionalmente à sua quota, a qual é maioritária.
10.
E o facto de se encontrar no exercício da advocacia desde 21 de março de 2003, facto de que deveria estar ciente atentas as suas habilitações e especial qualificação, implicou ter-se o Mestre J. mantido indevidamente no regime de dedicação exclusiva, durante o mesmo período de tempo, quando, nos termos do nº. 1 do artigo 70º o do Estatuto da Carreira Docente Universitária, esse regime impõe, precisamente, a renúncia ao exercício de qualquer função ou atividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal.
Nos termos do nº. 2 do artigo 70° do Estatuto da Carreira Docente Universitária, cuja redação se mantém inalterada pelo Decreto-Lei n. o 20512009, de 31 de agosto, a violação da renúncia ao exercício de qualquer função ou atividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal - renúncia essa que é o elemento fundante e caracterizador do regime da dedicação exclusiva, como resulta do n.° 1 do mesmo artigo implica a reposição das importâncias efectivamente recebidas correspondentes à diferença entre o regime de tempo integral e o regime de dedicação exclusiva, para além da eventual responsabilidade disciplinar.
11.
Assim, dos precedentes artigos de acusação resulta ter o Mestre J. praticado uma infração disciplinar continuada (entre 21 de março de 2003 até à presente data), já que, com o comportamento neles descrito violou, com grave negligência, o dever geral de prossecução do interesse público, previsto no artigo 3º, n.° 2, alínea a) e tipificado no número 3 do mesmo artigo 3.° do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.° 5812008, de 9 de setembro, bem como o dever imposto pelo compromisso especificamente previsto no n.° 1 do artigo 70.° do Estatuto da Carreira Docente Universitária.
O arguido ao exercer a profissão liberal de advogado quando livre e voluntariamente se tinha obrigado a exercer as suas funções públicas em regime de dedicação exclusiva, recebendo importâncias inerentes a essa exclusividade, não norteou toda a sua atuação no sentido de prosseguir o interesse público, não adotando os comportamentos que seriam exigidos para esse fim nem se abstendo de atuações que comprometessem a sua realização. Este dever é a concretização legislativa do princípio constitucional da prossecução do interesse público e da dedicação exclusiva, o qual impõe que toda a atuação do trabalhador público se norteie pela e para a concretização daquele interesse público.
12.
Em razão da factualidade descrita, e atentos os preceitos integradores dos deveres que impedem sobre o arguido e por ele violados, a pena correspondente é a prevista no artigo 17º. e caracterizada no artigo 10º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº. 58/2008, de 9 de setembro, sem prejuízo da reposição imposta nos termos do n.° 2 do artigo 70.° o do Estatuto da Carreira Docente Universitária.»
18) O Autor apresentou a sua defesa conforme fs. 44 a 63 do PA (parte do processo disciplinar) cujo teor aqui se dá como reproduzido.
19) Em consequência do requerido na defesa do A foram efetuadas as diligências documentadas de fs. 69 a 89 do Processo disciplinar.
20) Em 1711/2009 o Autor apresentou ao Réu declaração de renúncia ao regime de dedicação exclusiva.
21) Em 23/2/2010 deu entrada na Reitoria da Ré o Processo disciplinar, já integrado pelo Relatório final elaborado pela instrutora nomeada, o qual relatório final consta a fs. 44 e sgs. do referido processo e aqui se dá como reproduzido, destacando o excerto denominado “conclusões”:
«IV - Conclusões
Depois de toda a análise e ponderação, cumpre dar conta das correspondentes conclusões. Assim:
4.1-O presente processo disciplinar não padece de qualquer ilegalidade, não nos tendo sido dada a conhecer, nem tido sido arguida validam ente, qualquer nulidade ou exceção;
4.2- O que se imputa ao ora Arguido não pode deixar de ser considerado como integralmente provado, pelo que a sua conduta terá que ser qualificada como claramente censurável e violadora do dever geral de prossecução do interesse público, previsto no artigo 3.°, n.° 2, alínea a) e tipificado no número 3 do mesmo artigo 3º. do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.° 58/2008, de 9 de setembro, o que, constitui evidente infração disciplinar, de acordo com o artigo 3o n.° 1 do mesmo estatuto disciplinar.
4.3 - Na verdade, resulta dos autos que o Arguido, ao manter o regime de dedicação exclusiva (previsto no artigo 70º do Estatuto da Carreira Docente Universitária) como Assistente da Faculdade de Economia, desde 21 de março de 2003 até 31 de outubro de 2009 (recebendo importâncias inerentes a essa exclusividade, como sejam, vencimentos e outros abonos), tendo, em simultâneo, e durante o mesmo período, exercido ininterrupta e efectivamente a advocacia, não tirou daí as consequências que se lhe exigiam, dadas as funções que exercia e as suas habilitações e especial qualificação.
Efetivamente, o Arguido, ao exercer efectivamente a advocacia, enquanto sócio de uma sociedade de advogados - cujo objecto é "o exercício, pelos sócios e em comum, da advocacia, com o fim de repartição dos resultados", e na qual se obrigou a participar com a sua indústria proporcionalmente à sua quota (sempre maioritária) - em simultâneo com o exercício das funções docentes de Assistente da Faculdade de Economia, quando livre e voluntariamente se tinha obrigado a exercer estas suas funções públicas em regime de dedicação exclusiva, criou as condições objetivas para a violação do compromisso do regime de dedicação exclusiva previsto no n.° 1 do artigo 70.° do Estatuto da Carreira Docente Universitária e para a percepção indevida das importâncias correspondentes à diferença entre o regime de tempo integral e o regime de dedicação exclusiva dai decorrente, com a necessária e consequente produção efetiva de resultados prejudiciais ao interesse público.
4.4 - Desta foram (sic: queria-se dizer forma), o Arguido não norteou toda a sua atuação no sentido de prosseguir o interesse público, não adotando os comportamentos que eram exigidos para esse fim nem se abstendo de atuações que comprometessem a sua realização;
4.5 - O que, atentas as suas habilitações e especiais qualificações, se traduz num comportamento merecedor de evidente censura no plano disciplinar, por ter violado, com grave negligência, o dever geral de prossecução do interesse público, previsto no artigo 3.°, n.° 2, alínea a) e tipificado no n.° 3 do mesmo artigo 3.° do Estatuto Disciplinar, bem como o dever imposto pelo compromisso especialmente previsto no n.° 1 do artigo 70º. do Estatuto da Carreira Docente Universitária.
4.6 - O que consubstancia, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, infração disciplinar, punível com a pena de suspensão, nos termos do artigo 17.°, ambos do Estatuto Disciplinar.
4.7- Tudo conclusões que o Arguido não logrou infirmar na sua defesa escrita, não obstante lhe terem sido concedidas as mais amplas garantias para o efeito, as quais, de resto, utilizou da forma que legalmente lhe assistia.
4.8 - Há que registar a circunstância agravante especial da infração disciplinar prevista no artigo 24.°, n.° 1, alínea b), do Estatuto Disciplinar, que milita contra o Arguido, uma vez se conclui (sic) que este podia prever como efeito necessário da sua conduta (percepção indevida das importâncias correspondentes à diferença entre o regime de tempo integral e o regime de dedicação exclusiva) a produção efetiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral.
4.9 - Conclui-se, também, e por outro lado, que milita a favor do Arguido a circunstância atenuante especial da infração prevista na alínea a) do artigo 22.° do Estatuto Disciplinar" mais de 10 anos com exemplar comportamento e zelo" -, considerando que o Arguido detém um currículo profissional com méritos acima da média e que não possui antecedentes em matéria disciplinar.
4.10 - Regista-se, finalmente, nas presentes conclusões, que o Arguido renunciou ao regime de dedicação exclusiva imediatamente após ter sido notificado da acusação.
Em face do que fica dito, há que propor a pena que se entende justa.
Prescreve o artigo 20. ° do Estatuto Disciplinar que «Na aplicação das penas atende-se aos critérios gerais enunciados nos artigos 15. ° a 19. ° à natureza, missão e atribuições do órgão ou serviço, ao cargo ou categoria do arguido, às particulares responsabilidades inerentes à modalidade da sua relação jurídica de emprego público, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infração tenha sido cometida que militem contra ou a favor dele.»
V - Proposta
Assim, proponho que seja aplicada ao docente J., pela prática da infração disciplinar apurada no âmbito do presente processo, e tendo em conta o disposto no artigo 20.° do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas aprovado pela Lei n. ° 58/2008, de 9 de setembro -, a pena de suspensão por 45 dias (quarenta e cinco dias), prevista no artigo 17.°, caracterizada no artigo 10.°, n.°s 3 e 4, e a que correspondem os efeitos declarados no artigo 11n.°s 2 e 3, todos do Estatuto Disciplinar em causa.
Mais proponho que, de acordo com o preceituado no artigo 25.° do Estatuto dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, esta referida pena seja suspensa pelo período de um ano, atendendo quer ao facto de o Arguido possuir um currículo profissional com méritos acima da média, quer ao facto de ter um comportamento anterior isento de qualquer censura ao nível disciplinar e atendendo ainda, e principalmente, ao facto de o Arguido ter renunciado espontaneamente ao regime de dedicação exclusiva imediatamente após a receção da acusação que lhe foi formulada no âmbito do presente processo, o que legitima a conclusão de que a mera censura do comportamento e o seu enquadramento punitivo realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
É minha profunda convicção que o que proponho é adequado e JUSTO.
Proponho ainda, nos termos do n.° l do artigo 54.° do referido Estatuto Disciplinar e do n.° 2 do artigo 70.° do Estatuto da Carreira Docente Universitária que o Arguido seja compelido a reintegrar o património que ficou lesado, através da reposição à Universidade de Coimbra das importâncias efectivamente recebidas no período compreendido entre 21 de março de 2003 e 31 de outubro de 2009, correspondentes à diferença entre o regime de tempo integral e o regime de dedicação exclusiva, a apurar pelos competentes serviços da Administração da Universidade de Coimbra, atenta a legislação específica quanto à reposição de dinheiros públicos.»
22) Em 17/03/2010 reuniu a Comissão Disciplinar do Senado, tendo sido deliberado, por unanimidade, subscrever o Parecer emitido pelo Professor Doutor S., em sentido concordante com a proposta, parecer cujo teor a fs. 34 a 39 do PA aqui se dá como reproduzido.
23) Nesse mesmo dia o Reitor despachou nos seguintes termos (cfr. Fls. 33 do processo disciplinar):
«Tendo em conta o Parecer do Prof. Doutor António S., subscrito pelos restantes membros da Comissão Especializada do Senado, nos termos do n° 2 do artigo 53° e da alínea b) do n° 1 do mesmo artigo e à luz do poder que me é conferido pelo artigo 14° n° 2 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n° 58/2008, de 9 de setembro, publicada no Diário da República, Ia série, N° 174, e pela alínea u) do n° 1 do artigo 49° do Estatutos da Universidade de Coimbra, e atento o Relatório Final da Instrutora, determino a aplicação da pena de suspensão por quarenta e cinco dias, prevista no artigo 17°, caracterizada no artigo 10°, n°s 3 e 4 e a que correspondem os efeitos declarados no artigo 11°, n°s 2 e 3, todos do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, ao Mestre J., pena essa suspensa pelo período de um ano, de acordo com o preceituado no artigo 25° do citado Estatuto e atenta a fundamentação constante do Relatório. Determino ainda, de acordo com o mesmo Parecer e tendo em conta a proposta da Instrutora, a reposição à Universidade de Coimbra das importâncias efectivamente recebidas no período compreendido entre o regime de tempo integral e o regime de dedicação exclusiva, a apurar pelos Serviços da Administração da Universidade de Coimbra.»
24) Por ofício subscrito pela Sra. Chefe de Divisão de Recursos Humanos da Universidade de Coimbra foi o Autor notificado, em 20 de abril de 2010, nos termos de fs. 44 dos Autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, destacando o seguinte:
“cumpre-nos solicitar a reposição das importâncias indevidamente abonadas e depositadas, cujo valor é de 40.546,96 calculada nos termos do documento que se anexa.
A regularização em causa deverá ser efetuada no prazo de 30 dias, contados da data desta comunicação. Para o efeito poderá V. Exa. dirigir-se à Tesouraria da Universidade de Coimbra ou enviar cheque naquele valor, emitido à ordem da Universidade de Coimbra “
25) Em toda a documentação de contabilidade da sociedade de Advogados “J. e Associados” relativa aos exercícios de 2005 a 2009 não há menção da entrega de quaisquer remunerações ou lucros ao Autor (doc. fs. 128 dos autos).
(...)”.
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III.2 - DO DIREITO
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Da nulidade imputada à decisão judicial recorrida, por oposição entre os fundamentos e a decisão
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O Recorrente começa por arguir a nulidade da sentença recorrida, com fundamento na alínea c) do artigo 615º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.
Sustenta, para tanto, brevitatis causae, que existe uma contradição insanável entre os factos provados - donde resulta que, entre os anos de 2005 e 2009, o Recorrente não recebeu qualquer valor pela sua atividade de advogado - e a posterior decisão emanada - em que se considera que o Autor, aqui Recorrente, desempenhou atividade remunerada, determinante da nulidade de sentença.
Quid iuris?
Dimana do referido artigo 615º que os casos de nulidade das decisões judiciais são os aí previstos e enumerados taxativamente.
Da análise desse preceito, verifica-se que existem causas de nulidade formais, v. g., a contemplada na alínea a) do seu n.º 1, e, ainda, outras causas de índole material, atinentes ao conteúdo da própria decisão, concretizadas nas alíneas b) a e) do mesmo n.º 1.
Dispõe tal n.º 1, no segmento que ora nos interessa, que “É nula a sentença quando (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (...)”.
Ora, esclarece-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.09.2011, tirado no processo n.º 0371/11, que a “(…) nulidade de sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão não ocorre quando as contradições se verificam entre fundamentos de uma mesma decisão (…)”.
Na verdade, tal nulidade “(…) verifica-se quando há um vício real na lógico-jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso (…)” [vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.10.2014, proferido no processo n.º 01608/13].
Por outro lado, passou ainda a ser considerado fundamento de nulidade da decisão judicial nos termos desta alínea a ambiguidade ou obscuridade da decisão que tornem ininteligível.
A obscuridade traduz-se numa dificuldade de perceção do sentido da expressão ou da frase: a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, isto é, não se sabe o que o julgador quis dizer [cf. entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20 de janeiro de 2015, proferido no processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, acessível em www.dgsi.pt].
De facto, como doutrinava J. Alberto dos Reis com plena atualidade a “… sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível: é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz ...” [in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V., págs. 151 e 152].
A decisão só é, assim, obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e ambíguo, quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes e/ou sentidos porventura opostos.
Ou seja, a nulidade só poderá ser atendida no caso de se tratar de vício que prejudique a compreensão da decisão judicial [despacho/sentença/acórdão] e de se apontar concretamente a obscuridade ou ambiguidade cuja nulidade se pretende ver declarada.
Sopesando os aspetos de natureza jurisprudencial e doutrinal que se vêm de salientar, afigura-se que, in casu, não ocorre a nulidade suscitada.
De facto, o Recorrente labora em manifesto equívoco quanto à contradição insanável supra assinalada.
Na verdade, escrutinado a fundamentação de direito da decisão recorrida, resulta cristalino de que o Tribunal a quo em momento algum esteou a violação do artigo 70º do ECD na assunção de que Recorrente desempenhou, efetivamente, atividade remunerada.
Diferentemente, sopesou que o que é verdadeiramente determinante da violação do artigo 70º do ECD é a assunção por parte do Recorrente da obrigação contratual de contribuir para o lucro de uma sociedade com a atividade de advogado, sendo indiferente a circunstância do Recorrente auferir [ou não] remuneração, inclusive lucros, proveniente daquela atividade profissional.
Neste enquadramento, a fundamentação aponta no sentido da inexistência de vício do ato impugnado, e a decisão judicial segue esse mesmo caminho.
Do que se vem de expor grassa à evidência que a respetiva conclusão decisória está logicamente encadeada com a respetiva motivação fáctico-jurídica desenvolvida pelo tribunal a quo, irrelevando, portanto, a aquisição processual de que, em toda a documentação de contabilidade da sociedade de Advogados “J. e Associados” relativa aos exercícios de 2005 a 2009, não existir menção da entrega de quaisquer remunerações ou lucros ao Autor [cfr. ponto 25 do probatório].
Por outra banda, não se descortina a existência de qualquer obscuridade ou ambiguidade no discurso que o Mmº Juiz a quo ali expendeu, o qual é perfeitamente inteligível.
De facto, a fundamentação de direito, tal como foi externada, não impossibilita, portanto, o destinatário da sentença de saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir.
Saber se saber se o Tribunal a quo decidiu com acerto, ou se pelo contrário fez incorreta interpretação e/ou aplicação da lei, são questões que já não contendem com a nulidade da sentença, mas sim com o erro de julgamento - este, traduzindo uma apreciação da questão em desconformidade com a lei [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., p. 686, sublinham que não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário].
Em suma, inexiste a apontada nulidade.
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Do imputado erro de julgamento de direito, por errada aplicação e interpretação legal
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A questão decidenda que ora importa dissolver traduz-se em determinar se Tribunal a quo, ao perfilhar o entendimento de que, “(…) sendo o Recorrente sócio de uma Sociedade de Advogados (…) tendo celebrado contrato de sociedade de advogados (…) nunca poderá atividade de sócio-advogado ser considerada gratuita (…) [sendo indiferente] para aquele dispositivo que a remuneração do exercício da advocacia pelo docente seja constituída por abonos entregues a ele mesmo ou à sociedade. É-lhe até indiferente que o docente renuncie a que os proventos da sua atividade e ou dos demais sócios lhe sejam distribuídos (…)”, incorreu em errada aplicação e interpretação do direito.
Vejamos, convocando, desde já, a fundamentação de direito que, neste particular conspecto, ficou vertida na decisão judicial recorrida:
“(…)
2 - O artigo 48° n° 3 do Estatuto Disciplinar aprovado pela lei n° 58/2008 de 9/9, dispõe que “a acusação contém a indicação dos factos integrantes da mesma, bem como das circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática da infração e das que integram atenuantes e agravantes, acrescentando sempre a referência aos preceitos legais respetivos e às penas aplicáveis”.
Por sua vez, o artigo 70° n° 1 do ECD, na redação em vigor à data dos factos, dispõe assim: “Consideram-se em regime de dedicação exclusiva os docentes referidos no artigo 2. ° os leitores, os docentes convidados e os professores visitantes, em regime de tempo integral, que declarem renunciar ao exercício de qualquer função ou atividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal” - acrescentando o n° 2 que “A violação do compromisso referido no número anterior implica a reposição das importâncias efectivamente recebidas correspondentes à diferença entre o regime de tempo integral e o regime de dedicação exclusiva, para além da eventual responsabilidade disciplinar”.
Em prol da procedência da sua alegação de invalidade do ato impugnado por violar a conjugação destes dois artigos, sustenta o Autor, em suma, que nunca auferiu qualquer remuneração pelo exercício da advocacia durante o período compreendido entre 21/3/2003 e 31/10/2009; e que os termos expressos do artigo 70° n° 1 do ECD apenas proíbem ao docente em regime de dedicação exclusiva o exercício remunerado da advocacia ou outra atividade, não o gratuito, que foi o seu caso, aliás, esporádico, em defesa de um seu irmão em mediático caso.
Nesta alegação parte de um pressuposto no qual não é acompanhado pela decisão impugnada, a saber, que a pertença, como sócio, aliás maioritário, a administração de uma sociedade de advogados não implica o exercício de atividade alguma remunerada, para efeitos do artigo 70° 1 do ECD.
Com efeito, o ato impugnado, louvando-se num parecer da ordem dos advogados solicitado acerca do autor e da sua situação, assenta na preposição de que a constituição e a administração de uma sociedade de advogados constituem exercício remunerado da advocacia.
O que interessa, portanto, é ver se a Ré tem razão nesta valoração.
Para tanto, há que analisar o conceito legal de contrato de sociedade de Advogados.
Nos termos do n° 1 do artigo Iº do DL n° 229/2004 de 10/12, que “estabelece o regime aplicável às sociedades de advogados” “as sociedades de advogados são sociedades civis em que dois ou mais advogados acordam no exercício em comum da profissão de advogado, a fim de repartirem entre si os respetivos lucros Por sua vez, o contrato de sociedade, conforme artigo 980° do Código civil, “é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade
Da primeira norma convém reter, antes de tudo, que se trata de sociedades de que apenas os advogados podem ser sócios, pelo que constituir, pertencer e administrar uma sociedade quejanda são logo à partida atos exclusivos da profissão de advogado.
Das duas normas resulta ainda que o seu objecto mediato do contrato de sociedade de advogados é a repartição dos lucros, pelo que o negócio jurídico mediante o qual se constitui ou se entra e permanece numa sociedade de advogados não é um ato nem uma atividade gratuita, antes é oneroso: entra-se e permanece-se na sociedade para gerar lucros. Esta é, portanto, uma atividade remunerada mediante os lucros almejados.
Acresce a estes elementos a especificidade do contrato de sociedade de advogados, já subentendida na sua sobredita definição mas explicitado no artigo 12° do seu sobredito regime legal, que consiste em que “todos os sócios integram obrigatoriamente a sociedade com participações de indústria”, sem prejuízo de que “todos, alguns ou algum deles, segundo o que for convencionado”, a integrem “também com participações de capital”.
Quer dizer, o exercício da advocacia é o modo necessário de se integrar toda e qualquer sociedade de advogados; e o fim da sociedade consiste em gerar lucros mediante aquele mesmo exercício de advocacia pelos sócios, para a sua partilha por eles.
Assim, atenta a natureza da sociedade de advogados, tal com é legalmente concebida e permitida, o sujeito imediato dos lucros é a sociedade, mas estes são gerados com o trabalho dos sócios, com a respetiva atividade profissional, a cujo exercício oneroso em benefício da sociedade eles estão obrigados pelo contrato, sob pena de entrarem em incumprimento.
Observado o contrato de sociedade de advogados assim de perto, logo caímos na conta de que a tese do Autor não resiste à ratio legis do artigo 70° do ECD. Esta reside, incontestavelmente, em poder a Universidade fruir e remunerar em exclusivo o trabalho do docente, bem como em assegurar a este condições objetivas e subjetivas para um empenho tendencialmente absoluto, em termos profissionais, na docência e na investigação ao seu serviço, tudo isso, note-se, mediante o correspondente suplemento na remuneração. Ora, se o docente assume a obrigação contratual de contribuir para o lucro de uma sociedade com a atividade de advogado (necessariamente não gratuita), com é o caso, aquela ratio é defraudada em toda a linha, mesmo que o docente não aufira, pessoalmente, qualquer remuneração, nem mesmo a título de distribuição de lucros.
Na verdade, é indiferente para aquele dispositivo, que a remuneração do exercício da advocacia pelo docente seja constituída por abonos entregues a ele mesmo ou à sociedade. É-lhe até indiferente que o docente renuncie a que os proventos da sua atividade e ou dos demais sócios lhe sejam distribuídos. Para o Legislador do artigo 70° ver gorada a sua ratio basta que o docente se comprometa, como compromete, ao integrar uma sociedade de advogados, a exercer advocacia com vista ao objecto social, que é a obtenção de um lucro. Recorde-se que a sociedade de advogados, por definição legal, tem por escopo mediato obter lucros mediante o exercício da advocacia pelos seus sócios e associados.
De outro ponto de vista, a consideração das acima expostas natureza e especificidade da sociedade de advogados e do modo de participação dos seus sócios faz perceber na tese do Autor esse fumus mali júris que consiste em ela permitir a um docente universitário fruir, a um tempo, as vantagens, remuneratórias conferidas pelo ECD em função da dedicação exclusiva e as vantagens da pertença, como sócio administrador, a uma sociedade de advogados, cujo escopo natural é a obtenção de lucro através do trabalho dos sócios.
De algum modo a posição defendida pelo Autor é a que permitiria ao docente, como diz o adágio, ter sol na eira e chuva na horta, colher, como num buffet, apenas o melhor, para os seus interesses individuais, de cada um de dois regimes alternativos - com ou sem dedicação exclusiva - o que não pode deixar de ser proscrito, por subverter o desígnio normativo do regime de dedicação exclusiva.
Pelo exposto, entende o Tribunal que a decisão impugnada, atentos os seus fundamentos, não viola o artigo 48° n° 3 do ED, conjugado com artigo 70° n° 1 do ECD.
(…)”.
Espraiada a fundamentação vertida na decisão judicial recorrida, adiante-se, desde já, que o assim considerado e decidido não é de manter.
Na verdade, o resultado interpretativo do preceituado no artigo 70º, nº.1 do ECD que deriva da sentença recorrida não se encontra suportado pelos elementos hermenêuticos, ademais e especialmente, pelo elemento literal, não sendo, por isso, de seguir, como imporia, se assim não fosse, o princípio da interpretação e aplicação uniforme do Direito [artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil].
Com efeito, como decorre cristalinamente do disposto no nº.1 do artigo 70º do Estatuto da Carreira de Docente Universitária, verdadeiramente determinante do regime de dedicação exclusiva, para além da além dos deveres de prestação laboral, é a renúncia ao exercício de qualquer função ou atividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal.
Desta forma, a especificidade do regime de dedicação exclusiva, por contraponto ao tempo integral, em termos de deveres do docente, reporta-se a uma obrigação de abstenção de atividades profissionais e proibição de remuneração pelas mesmas.
O que conduz à constatação que, para efeito de integração do regime de dedicação exclusiva, existe uma ligação umbilical entre a (i) proibição de atividades profissionais paralelas e a (ii) proibição de remuneração pelas mesmas.
Por isso, em ordem a concluir-se no sentido da violação da disciplina jurídica que brota do nº.1 do artigo 70º do RCD, necessário se torna[ria] demonstrar-se que o particular (i) desempenha uma atividade profissional paralela à de docente (ii) pela qual auferiu rendimentos profissionais ou empresariais, aqui incluindo-se os respetivos lucros, com contabilidade organizada.
Certo é que não é irrelevante para o preenchimento da normação em análise a circunstância do particular auferir [ou não] remuneração, inclusive lucros, proveniente do exercício de uma atividade profissional paralela.
Efetivamente, sopesando ser sobejamente conhecido o ensino da mais clássica doutrina segundo o qual onde o legislador não achou oportuno distinguir não deverá o interprete da norma faze-lo, sob pena de correr o risco de lhe conferir um alcance que o redator da mesma não lhe quis conferir, contrariando, assim, o disposto no nº. 2 do artigo 9º do Código Civil, haverá de se entender que o legislador, no artigo 70º, nº.1 do ECD, não exprimiu a vontade de se entender tal qual propugnado pelo Tribunal a quo, isto é, que, na determinação da afronta [ou não] do regime de dedicação exclusiva, irreleva a circunstância do Recorrente auferir remuneração proveniente de atividade profissional paralela, ademais e especialmente, por se bastar a mera assunção de que as sociedades de advogados, por definição legal, têm por escopo mediato obter lucros mediante o exercício da advocacia pelos seus sócios e associados.
De facto, estabelecendo expressamente o normativo visado que “(…) 1 - O regime de dedicação exclusiva implica a renúncia ao exercício de qualquer função ou atividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal (…)”, não compete ao Tribunal a quo distinguir onde o legislador optou por não fazer qualquer distinção, devendo, por isso, a norma ser interpretada segundo os cânones devidos, com apoio expresso na letra da lei.
Assim, e com reporte para o caso em análise, o que influi na violação do regime da dedicação exclusiva não é só a mera qualidade do A. enquanto detentor de participações sociais e sócio-gerente numa sociedade de advogados, mas também a circunstância acrescida de este ter auferido [ou não] rendimentos profissionais ou empresariais daquela atividade, aqui incluindo-se os respetivos lucros, com contabilidade organizada.
No caso sujeito, cabe notar que se mostra provado, de entre outro tecido fáctico, que, em abril de 2012, o Autor, enquanto docente universitário da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, subscreveu renúncia ao desempenho de qualquer atividade remunerada, incluindo o exercício de profissão liberal, nos termos do nº.1 do artigo 70º do ECD.
Mais resulta demonstrado que, em março de 2003, foi registada junto da Ordem dos Advogados, a constituição da sociedade “P. e Associados”, que iniciou atividade nessa altura, e da qual o Recorrente integrou uma participação social no valor de seis mil euros, mais tarde reforçada para o valor de doze mil euros com o averbamento de uma alteração ao pacto social efetivada em 09.12.2005.
Está também provado que, em toda a documentação de contabilidade da sociedade de Advogados “J. e Associados” relativa aos exercícios de 2005 a 2009, não existe menção da entrega de quaisquer remunerações ou lucros ao Autor.
Tal é o que emerge cristalinamente do probatório coligido nos autos, ademais e especialmente da factualidade vertida nos pontos 1), 2), 4), 5), 6) e 25).
Assente esta realidade, assoma como evidente que não se mostra preenchida a previsão legal constante do nº.1 do artigo 70º do Estatuto da Carreira Docente Universitária.
Com efeito, ficou inequivocamente demonstrado que, nos exercícios económicos de 2005 a 2009, não há menção da entrega de quaisquer remunerações ou lucros provenientes de tal atividade liberal ao Recorrente.
Por sua vez, e no que tange aos exercícios económicos de 2003 a 2004, não se deteta no tecido fáctico apurado nos autos a aquisição processual de que o Recorrente Autor tenha, efectivamente, percepcionado quaisquer remunerações ou lucros provenientes dessa mesma atividade liberal.
Neste particular conspecto, cabe notar que não é ao arguido que incumbe demonstrar a sua inocência, a qual se presume [artigo 32º, n.º 2 da CRP]; ao invés, é antes à entidade detentora do poder disciplinar que cabe o ónus da prova dos factos constitutivos da infração.
Com efeito, constitui jurisprudência uniforme e pacífica, que em processo disciplinar o ónus da prova dos factos constitutivos da infração cabe ao titular do poder disciplinar.
Neste sentido se pronunciou o Órgão Cúpula desta Jurisdição nos Arestos de 19.01.95, rec. n.º 031486, de 14/03/96, rec. n.º 028264, de 16.10.97, rec. n.º 031496 e de 27/11/97, rec. n.º 039040.
Deste modo, e à luz do tecido fáctico enunciado, logo se constata de que, na situação trazida a juízo, o Autor, aqui Recorrente, nos apontados períodos económicos, exerceu uma atividade económica privada pela qual não foi remunerado e coletado.
Assim, por falta de lastro probatório no que tange à situação de perceção de remuneração por parte do Recorrente proveniente do exercício de atividade profissional paralela, é nosso entendimento que falece a imputação ao Autor, aqui Recorrente, da violação do regime de dedicação exclusiva nos termos do nº.1 do artigo 70º do Estatuto da Carreira Docente Universitária, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à prática do ilícito disciplinar pelo qual vem este condenado.
Razão pela qual mal andou o Tribunal a quo, que ao decidir como decidir, interpretou mal e violou o disposto no artigo 70º, nº.1 do ECD.
O presente recurso jurisdicional, no que concerne ao concreto segmento decisório da sentença recorrida em análise, merece, pois, provimento, o que determina a prejudicialidade do conhecimento dos demais argumentos aduzidos no domínio do erro de julgamento de direito [artigo 608º nº.2 do CPC].
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogada a decisão judicial recorrida, e julgada procedente a presente ação.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a presente ação administrativa especial.
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Custas a cargo pelo Recorrido.
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Registe e Notifique-se.
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Porto, 02 de outubro de 2020


Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato [vencido] nos termos que seguem:
Confirmaria a decisão de 1ª instância.
Porto, 02 de outubro de 2020
Helena Ribeiro