Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02544/21.1BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 04/08/2022 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Ricardo de Oliveira e Sousa |
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Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR – FUMUS BONI IURIS- INIMPUGNABILIDADE DO ATO - EFICÁCIA EXTERNA: – NOTIFICAÇÃO PARA JUNTAR DOCUMENTO |
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Sumário: | I- Para aferir se uma providência deve ser decretada, há que determinar, cumulativamente, (i) se há um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal [periculum in mora], (ii) se é provável que a pretensão formulada no processo principal pela Requerente seja julgada procedente [fumus boni iuris] [n.º 1], e, caso a resposta seja positiva, (iii) devem ser ponderados os interesses em presença quanto aos danos que resultariam do decretamento da providência e do seu não decretamento [n.º 2]. II- Não se verifica o requisito de fumus boni iuris, impondo-se indeferir, sem mais, a providência cautelar de suspensão da eficácia de ato quando se concluir que se revela demonstrada a matéria excetiva determinante da absolvição da instância. III- Os atos que notificam a Recorrente a Recorrente para proceder à junção ao procedimento inspetivo de que alvo de determinada documentação relativa à sua vida societária não são suscetíveis de impugnação contenciosa, por os mesmos não consubstanciarem quaisquer decisões materialmente administrativas, mas apenas atos de trâmite preparatórios da decisão final, desprovidos, portanto, da capacidade de produzir quaisquer efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.* * Sumário elaborado pelo relator |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * * I – RELATÓRIO TE---, LDA., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, em 11 de janeiro de 2022, julgou improcedente o presente Processo Cautelar de Suspensão de Eficácia de Ato Administrativo e, em consequência, indeferiu a adoção da providência cautelar requerida. Em alegações, a Recorrente formulou as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) i. O presente recurso vem interposto da Sentença de Fls. que declarou que os Atos Administrativos Impugnados eram inimpugnáveis, por se tratarem de atos preparatórios e instrumentais de outro ato, não contendo, em si, qualquer decisão, concluindo pelo indeferimento da adoção da providência cautelar requerida. ii. A Recorrente intentou contra o Recorrido Processo Cautelar para suspensão de dois atos administrativos decisórios, proferidos pela Segurança Social: i) Decisão para instaurar Processo Inspetivo datada de 14.10.2021 e ii) Decisão sobre os elementos a entregar à Recorrida datado de 03.11.21 (ambos os atos juntos aos presentes autos com o Requerimento Inicial). iii. Assim, em franco desacerto, na perspetiva da Recorrente, entendeu o tribunal a quo que ”em sede do processo principal, é altamente provável que o Tribunal nem sequer alcance um julgamento sobre a pretensão material da ora Requerente, por ser mais que certa, não a procedência do pedido anulatório ou condenatório, mas sim a procedência da exceção dilatória de inimpugnabilidade dos atos ora suspendendos, o que certamente implicará um obstáculo ao conhecimento do fundo da causa e a consequente absolvição da instância da ora Entidade Requerida, nos termos do previsto no artigo 89.°, n.ºs 2 e 4, alínea i), do CPTA. Tendo presente a relação de instrumentalidade entre o processo cautelar e a causa principal, inscrita no artigo 113.°, n.º 1, do CPTA, é manifesto que a inimpugnabilidade dos atos suspendendos contamina o presente processo, pois traduz a ausência de um pressuposto processual da ação principal e, com isso, mostra-se a ausência do “fumus boni juris” exigido pelo artigo 120.°, n.º 1, do CPTA. Na falta de tal requisito, que é de verificação cumulativa a par com o “periculum in mora”, não pode este Tribunal adotar a medida cautelar requerida, cujo requerimento é, assim, indeferido.” iv. Dando integral procedência à exceção invocada pela Recorrida. v. Para tanto, o Tribunal a quo firmou a sua convicção exclusivamente no exame da prova documental constante dos autos. vi. O inconformismo da Apelante prende-se com o seguinte: a) A Decisão, sob a perspetiva da Apelante, padece de várias omissões de pronúncia. b) A Decisão qualifica desacertadamente os atos impugnados como preparatórios e/ou instrumentais de uma decisão. vii. No que tange as OMISSÕES DE PRONÚNCIA impõe-se começar por destacar que o Despacho em crise não resolve, de todo, várias questões que lhe são colocadas e sobre as mesmas nem sequer se pronuncia. viii. Desde logo a Recorrente alega a nulidade dos atos e a este respeito a Decisão recorrida nada diz, o que configura omissão de pronúncia, por configurar absoluta ausência de apreciação sobre uma questão que a Lei sempre imporia que fosse conhecia, posto que foi colocada ao conhecimento do Tribunal a quo, pela ora Recorrente e a cujo conhecimento não é lícito que este se subtraia. ix. Igualmente a Decisão Recorrida se não pronunciou sobre outras questões deduzidas no articulado resposta, contra a procedência da exceção de inimpugnabilidade dos atos sindicados, designadamente no que respeita a alegação da Recorrente do facto de toda a solicitação de documentação extravasar o escopo do PROAVE, violando o Princípio da Legalidade, o que tem de ser suscetível de reação contenciosa por parte da Requerida. x. Até por se tratar a Recorrente de uma pessoa coletiva de direito societário que, nos termos do disposto no artigo 6.°, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciai é uma entidade dotada de capacidade, a qual compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, excetuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular. xi. O Tribunal a quo faz tábua rasa do facto nuclear da impugnação: a documentação solicitada pelo Requerido que não tem qualquer interesse para a ação inspetiva, mas que vai de encontro aos interesses concretos e específicos do sócio desavindo em aceder a documentação cujo acesso lhe tem sido vedado pelos Tribunais. xii. Factualidade admitida por confissão em articulado apresentado a juízo (que se aceita de forma irretratável, porque até ao presente momento não foi retirada). xiii. Veja-se o doc. 16 junto a estes autos, v.g., o constante dos artigos 94°, 95° e 96°, 125° a 127°.:“O Contrainteressado solicitou à Requerente que explicasse em que consistiam as referidas gratificações de balanço, a quem foram alegadamente pagas, quando e de que modo, e, bem ainda, como foi decidida tal medida e por quem, conforme ficou a constar da ata de deliberação sobre o relatório de gestão e as contas de 18 de setembro de 2020 – cfr. Doc. 1 ora junto e aqui dado por reproduzido como todos os que ser vierem a juntar - "; "... contudo, até ao momento a TE--- - na pessoa dos seus gerentes - não forneceu qualquer informação cabal ao Contrainteressado.”; “Tem ainda o Contrainteressado o direito de aceder e conhecer as atas de nomeação e remuneração da gerência, e bem ainda de ter acesso aos balancetes analíticos da Empresa da qual é sócio, no âmbito do direito à informação que assiste a qualquer sócio.”; "Posto isto, tem o Contrainteressado, ora Opoente, a faculdade legal de pedir as informações que necessitar sobre a gestão da sociedade, ao abrigo do DIREITO À INFORMAÇÃO que a lei lhe confere”. xiv. Por seu turno, a Recorrida confessa também (que se aceita de forma irretratável, porque até ao presente momento não foi retirada) o tipo de documentos de que tipicamente necessita, no âmbito das suas ações inspetivas, a saber: 1) inscrição de trabalhadores, 2) cumprimento no pagamento das contribuições devidas a todos trabalhadores. Tendo em conta a sua missão de supervisionar o cumprimento da situação contributiva dos trabalhadores (beneficiários e contribuintes). xv. Mais confessando ter em curso um PROAVE N.° 202000018161 no departamento de Fiscalização Norte - vide artigo 29.° da Oposição - e que nesse âmbito emitiu a notificação de 14.10.2021 a fls. 7. (que se aceita de forma irretratável, porque até ao presente momento não foi retirada). xvi. Como se realçou, estes documentos não correspondem aos solicitados no primeiro ato impugnado, o de 14.10.2021. xvii. Finalmente, deve dizer-se ainda que há total ausência de pronúncia quanto ao Requerido em 11.01.2022, tendo sido prolatada decisão sem que a Recorrente fosse sequer notificada da integralidade do PA (sigla que utilizaremos para designar Processo Administrativo). xviii. Sendo que o PA foi junto de forma incompleta, truncada e em franco desrespeito do ordenado pelo Tribunal, pois o PA junto pelo Requerido é apenas composto pelos requerimentos, comunicações e documentação que a Requerente remeteu ao Requerido na sequência da notificação de 14.10.2021. xix. Foi requerido ao Tribunal a quo fixasse prazo ao Requerido para juntar aos autos o PA integral e numerado na sua paginação, contendo a fase inicial do processo e todos os atos praticados pelo Requerido, incluindo o registo do ato que lhe deu origem, bem como o registo de receção e data, em papel e conjugadamente com cópia do registo em sistema, da mais que provável denúncia do Contrainteressado, salvo melhor entendimento, nos termos e sob a cominação prevista no n.º 2 do art.º 3° do CPTA, considerando que os elementos juntos aos autos sob o nomen iuris “processo instrutor” coincidem totalmente - nem mais nem menos - com os elementos que a Requerente forneceu ao Requerido na sequência da notificação de 14.10.2021 (sendo que este último até foi apenas junto com a PI). xx. Isto porque: nos termos da Lei, o procedimento administrativo terá que conter pelo menos seis fases, a saber: i) fase inicial; ii) fase da instrução; iii) fase da audiência dos interessados; iv) fase de preparação da decisão; v) fase de decisão; e, vi) fase complementar. xxi. O PA junto aos autos não começa pela sua fase inicial, nem contém fase da instrução, estando despojado de quaisquer atos que o Requerido possa ter praticado, a não ser precisamente os que a Recorrente impugnou. xxii. Como é meridianamente claro e até palmar, um PROAVE tem de começar com um ato administrativo decisório, o qual consiste na decisão de o instaurar. xxiii. A Recorrente sempre terá direito a saber qual a origem o PROAVE n.º 202000018161 (se foi interna ou externa)? Se Requerente foi sorteada para ser inspecionada? Se foi inspecionada mais alguma empresa do ramo (ou de outros) nos mesmos termos? Se existe algum indício de falta de cumprimento de qualquer das obrigações da Requerente perante a Segurança Social? Se houve denúncia de alguém e qual o seu fundamento? xxiv. Ora o Recorrido, ao juntar um PA truncado e incompleto, que só dá a conhecer, cirurgicamente, o que a Requerente já conhece e já havia trazido aos autos, envereda por um caminho tortuoso de falta de cumprimento de um Despacho Judicial e da Lei, conduta com a qual a Requerente não se pode conformar, tanto mais que a matéria omissa pode ter a aptidão, em tese, para consubstanciar a prática de ilícitos criminais como os de falsificação, prevaricação, peculato e abuso de poder e o Tribunal a quo a este respeito nem se pronuncia. xxv. Assim, nestes segmentos, nos termos do disposto no artigo 615.°, n.º 1, alínea d) do CPC - aplicável ex vi do disposto no artigo 1.° do CPTA - a Sentença em apreço está ferida de Nulidade, a qual, para os devidos e legais efeitos, aqui expressamente se invoca. xxvi. E que deverá ser apreciada nos termos do disposto no artigo 617.° do CPC, por força da remissão legal ínsita no artigo 1.° do CPTA, pelo que, a este respeito se dirá que resulta, pois, violado o disposto no artigo 608.°, n.º 2, do CPC. xxvii. A Sentença em mérito padece ainda de ERRO NO JULGAMENTO DA DEFINIÇÃO DE ACTO ADMINISTRATIVO, laborando a Sentença em mérito em erro e fazendo uma errada interpretação do disposto no artigo 113.°, n.º 1 do CPTA e do 120.°, n.º 1 do CPTA, posto que como se demonstrou a Recorrente reunia os pressupostos processuais havendo efetivamente a aparência do seu bom direito, posto que qualifica desacertadamente os atos impugnados como preparatórios e/ou instrumentais de uma decisão. xxviii. Ao entender, com a entidade Recorrida que nem a notificação datada de 14.10.2021, nem a de 03.11.2021, emitidas pelo Recorrido são passíveis de impugnação judicial consubstanciam atos administrativos impugnáveis judicialmente, considerando-os atos preparatórios de um ato administrativo final, não sendo alvo de impugnação por não constar nos atos impugnáveis nos termos do artigo 51.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativo, e por não se tratar de um ato administrativo, salvo o devido respeito não andou bem o Tribunal a quo. xxix. Com efeito, veio a Recorrente requerer a suspensão da eficácia de dois Atos Administrativos os quais se consubstanciam nas decisões proferidas pelos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P em 14.10.2021 e 03.11.2021, juntos aos autos nos termos e para os efeitos. xxx. Desde logo, a decisão recorrida não aquilata com o acerto e rigor necessários a definição de ato administrativo, nos termos do disposto no artigo 150.° do CPA e labora em equívoco no que respeita ao CONCEITO DE ACTO MATERIALMENTE ADMINISTRATIVO. xxxi. O ato administrativo consubstancia-se na manifestação de um poder público, que provem de um órgão da Administração Pública a quem a lei acomete tal poder para emanar tal decisão, pelo que para estarmos ante um ato administrativo, necessário se torna que tal decisão do órgão da administração pública seja praticado no uso dos seus poderes jurídico- administrativos (o que manifestamente e sem que ninguém põe em causa, sucede in caso), com a virtualidade de produzir efeitos jurídicos externos e individuais (o que igualmente se verifica no caso do autos: sendo de evidência palmar, por um lado, constatar que a ação inspetiva da Requerida tem inelutáveis efeitos externos na esfera jurídica da Recorrente, por si só - vide artigos 13.° e seguintes do RI, bem como as mesmas avultam da questão que opõe a requerente ao sócio desavindo RA... - cf. Artigos 25.° e seguintes do RI e ainda da confissão efetuada pelo Contrainteressado entre os artigos 7.° a 18.° da sua oposição, na qual o mesmo confessa que pretende ter acesso exatamente aqueles elementos que a ação inspetiva visou recolher. xxxii. Sendo que tem ainda ambos os atos impugnados possuem a aptidão de se impor aos administrados de forma imperativa e unilateral: "O ato administrativo é um verdadeiro ato jurídico, e não meramente material, os quais apesar de, via de regra, pressuporem, uma manifestação de vontade da Administração Pública, podem traduzir-se em atos de simples reconhecimento ou certificativos”. xxxiii. Para a Decisão em mérito, as ali denominadas “diligências iniciais encetadas pelos Inspetores adstritos ao procedimento de fiscalização, formalizadas nas duas comunicações inclusas nos pontos 1.° e 2.° do probatório” são "meros atos preparatórios ou instrumentais”. xxxiv. Cumpre questionar: se o PA se resume exatamente a isso e aos elementos entregues pela Recorrente, são preparatórios ou instrumentais de quê? São atuação preliminar de quê? xxxv. Quem, como, em que circunstâncias e com base em quê decidiu o Recorrido iniciar o Processo inspetivo? Dito de outro modo: então qual é o ato administrativo que contém a decisão de instauração de processo inspetivo, o qual é recorrível? xxxvi. Há muito tempo que quer a doutrina, quer a jurisprudência entendem serenamente que não só os atos finais são impugnáveis em sede de PA: no caso vertente, só há a comunicação de 14.10.2021 e a de 03.11.2021, como ato que exterioriza essa intenção, pelo que, os mesmos, não podem deixar de ser impugnáveis. 5) Um processo inspetivo, poderá consistir nos seguintes tipos: Auditoria; Inspeção; Sindicância; Averiguação. xxxvii. De nenhuma das comunicações tal resulta esclarecido, pese embora a questão tenha sido, desde sempre, suscitada pela Recorrente, primeiramente, junto do Recorrido e, depois, ao requerer a competente tutela junto do Tribunal a quo. xxxviii. Mais permanece até hoje por esclarecer se se trata de um processo inspetivo ordinário ou extraordinário. xxxix. Na verdade, o Tribunal a quo adotou um duplo critério: por um lado, para respaldar o seu entendimento, vem invocar a necessidade de cumprimento do artigo 4.° do DL n.º 276/2007 de 31/07; porém, não teve a mesma preocupação no que tange ao cumprimento da legalidade a que o Requerido está adstrito. xl. Nos termos do artigo 8.°, n. ° 3, do DL n.º 276/2007 de 31/07 consideram-se ordinárias as ações de inspeção que constam de planos anuais elaborados pelo dirigente máximo do serviço inspetivo até 30 de novembro do ano anterior àquele a que respeitam e aprovados pelo membro do Governo responsável pelo serviço e nos termos do n.º 4 do mesmo preceito temos que: consideram-se extraordinárias as ações de inspeção determinadas por despacho do membro do Governo responsável pelo serviço de inspeção ou pelo respetivo dirigente máximo. xli. Tal não resulta demonstrado nos autos e não há nenhum elemento nos autos a este respeito e o PA não tem, como impõe o Princípio da Legalidade, qualquer elemento a esse respeito. xlii. Ora, trata-se e uma impossibilidade lógico-jurídica que o PA não contenha qualquer ato administrativo impugnável, com exceção do ato final xliii. E a verdade é que o PA junto pelo Recorrido aos autos nem cumpriu o Despacho, nem cumpre os requisitos legais no que respeita os elementos juntos aos autos sob o nomen iuris "processo instrutor”, como se deixou demonstrado, ou que é aquela notificação de 14.10.21 a própria decisão de instauração do processo inspetivo. Pela simples e singela razão de que não há outro, pelo que, temos, é imperativo concluir, que o PA se iniciou com aquela notificação, o que vale por dizer que aquela notificação (a de 14.10.21), no limite, é a Decisão de instauração do Processo Inspetivo e, nessa medida, a sufragar a linha de entendimento do Tribunal a quo é um ato que contém uma decisão e como tal é impugnável. xliv. Ora, se o PA só tem essas duas comunicações e as respostas da Recorrente - e a Recorrente é uma entidade de direito Privado e não pratica atos administrativos (até porque não se encontra investida de ius imperii) - e o PA tem de ter atos administrativos impugnáveis (sob pena de administração poder atuar sem qualquer peia ou sindicância, em termos de legalidade), é apodítico concluir que o atos administrativos impugnados - porque são os únicos e o PA tem de conter atos decisórios que sejam atos impugnáveis. xiv. A posição da Recorrente tem o apoio da Doutrina pátria mais insigne a propósito da distinção entre ato administrativo e meras declarações da Administração Pública, ensinando que “nem todas as pronúncias que a Administração emita a propósito das situações jurídicas dos particulares correspondem a atos administrativos (...), importando “distinguir dois planos de atuação jurídico-administrativa concreta das entidades públicas: (i) um plano de atuação no qual elas exercem poderes de definição jurídica, em que as manifestações que produzam têm o valor formal inerente, com todas as consequências que daí decorrem (.) e (ii) outro plano, completamente distinto, em que as manifestações de vontade da Administração correspondem (...) a meras atuações administrativas, por se situarem no mesmo plano das manifestações dos particulares, sem envolverem o exercício de poderes de definição jurídica e, portanto, sem exprimirem o exercício do poder administrativo” . xlvi. Estamos perante a emissão de um ato jurídico definidor da situação jurídica da Requerida, que, no caso, se encontra diretamente definida na lei e portanto, a declaração da Administração exprime o exercício de um poder de definir a situação do interessado, em termos de porventura lançar sobre ele o ónus da sua impugnação tempestiva, na hipótese de eventual incorreção dos termos em que a declaração seja emitida. xlvii. No mesmo sentido a Jurisprudência dos Tribunais Administrativos Superiores, aliás, acolhe exatamente o mesmo entendimento tem sido perfilhado pela Requerente, ao decidir no sentido de que não estando em causa um processamento mecanizado da Administração Pública; mas outrossim existindo, como no caso vertente existe, uma qualquer definição sobre um problema concreto, estamos perante um ato administrativo . xlviii. Estamos perante um ato materialmente administrativo (até por falta de outros) - e não perante um mero ato administrativo de execução, auxiliar de um ato prévio, pois a Administração Pública não pode lançar uma inspeção sem ser como base, precisamente, a decisão de lançar essa mesma inspeção (dentro dos limites da Lei). xlix. Os elementos integrantes do próprio ato administrativo contidos no artigo 148.° do CPA e, por isso, os mesmos têm a ver com a sua densificação, a qual decorre dos tipos de atos em causa ou da gravidade dos vícios que os afetam . l. O entendimento do Tribunal a quo afronta, pois, o disposto no Artigo 20.° da CRP que garante que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e bem assim, por outro lado, o Artigo 268.° da CRP que garante aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma. li. A situação sub judice cai, pois, na facti species do Artigo 51.°, n.º 1 do CPTA, pois os dois atos impugnados pela Recorrente, constituem do ponto de vista processual, duas decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, nos termos e para os efeitos do disposto no 51.°, n.º 1 do CPTA decisões que, no exercício de poderes jurídico- administrativos, visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta e, da perspetiva procedimental - cf. Artigo 148.° do CPA - são ambas decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta - sendo o elenco do artigo 51.°, n.º 2 do CPTA exemplificativo, como claramente se extrai da palavra “designadamente”. lii. De acordo com o disposto no artigo 51.°, n.º 3 do CPTA os atos impugnáveis que não ponham termo a um procedimento só podem ser impugnados durante a pendência do mesmo, sem prejuízo da faculdade de impugnação do ato final, norma que a Sentença em mérito viola. liii. E, também neste âmbito se imporia ao Tribunal a quo não se quedar pelo artigo 4.° do DL n.º 276/2007 de 31/07 e verificar se o PROAVE cumpre o artigo 11.° daquele Diploma legal, que rege a propósito do Princípio da proporcionalidade, norma que surge violada. Preceito que o ato praticado pelos inspetores do recorrido não respeita. liv. Ora o Tribunal a quo parece pretender que a Recorrida ficar coartada do direito de sindicar atos que contêm nada mais nada menos do que decisões da Recorrida de instaurar processos inspetivos, solicitando à Recorrente documentos do domínio societário e nem tudo o que é do domínio societário é público, como bem sabemos. Iv. Dúvidas não podem restar que se tratam de dois atos administrativos destacáveis e com efeitos externos, ainda que não finais, e como tal, revestindo as características que, por assentimento unânime da doutrina e da jurisprudência, (vide artigo 34.° da OPOSIÇÃO diz o Requerido que: “Os PROAVE, são processos para averiguar se as entidades estão a cumprir as suas responsabilidades contributivas perante a Segurança Social”.) Ivi. Tanto mais que a documentação solicitada pelo Recorrida vai, de encontro com os interesses concretos e específicos do sócio desavindo em aceder a documentação a cujo acesso lhe tem sido vedado pelos Tribunais (o que resulta expressamente confessado nos artigos nos seguintes artigos da Oposição do Sócio Contrainteressado RA...: “De facto, também o ora Oponente teve e tem interesse em saber, nomeadamente, em que consistiram as denominadas gratificações de balanço constantes da contabilidade da Requerente TE--- (veja-se o doc. 16 junto a estes autos, nomeadamente, o constante dos artigos 94°, 95° e 96°, 125° a 127°).”; "O Contrainteressado solicitou à Requerente que explicasse em que consistiam as referidas gratificações de balanço, a quem foram alegadamente pagas, quando e de que modo, e, bem ainda, como foi decidida tal medida e por quem, conforme ficou a constar da ata de deliberação sobre o relatório de gestão e as contas de 18 de setembro de 2020 - cfr Doc 1ora junto e aqui dado por reproduzido como todos os que ser vierem a juntar - contudo, até ao momento a TE--- - na pessoa dos seus gerentes - não forneceu qualquer informação cabal ao Contrainteressado.”; “Tem ainda o Contrainteressado o direito de aceder e conhecer as atas de nomeação e remuneração da gerência, e bem ainda de ter acesso aos balancetes analíticos da Empresa da qual é sócio, no âmbito do direito à informação que assiste a qualquer sócio.”; “Posto isto, tem o Contrainteressado, ora Opoente, a faculdade legal de pedir as informações que necessitar sobre a gestão da sociedade, ao abrigo do DIREITO À INFORMAÇÃO que a lei lhe confere”, assim se lendo, adicionalmente, na sua Oposição ”Posto isto, tem o Contrainteressado, ora Opoente, a faculdade legal de pedir as informações que necessitar sobre a gestão da sociedade, ao abrigo do DIREITO À INFORMAÇÃO que a lei lhe confere,” e ainda que, “Quanto aos balancetes solicitados, serão seguramente necessários para fazer a correlação entre os gastos com pessoal/trabalhadores e respetivos recibos, nomeadamente, ajudas de custos, gratificações, etc, a fim de se verificar a sua consonância com o pagamento dos encargos com a segurança social.” - vide artigos 39.° a 41.° da Pronúncia do Contrainteressado, bem como na sua oposição tendo confessado que intentou uma Providência cautelar precisamente para ter acesso a esses elementos e para ter acesso a tais elementos “até se coloca à disposição do Requerido para lhe prestar os esclarecimentos que julgar pertinentes, no âmbito do apuramento dos factos em análise” - vide artigos 35.° e seguintes da Oposição do Contrainteressado. Ivii. O que se deve conjugar com a confissão que a Recorrida faz ao descrever o tipo de documentos de que tipicamente necessita, no âmbito das suas ações inspetivas, a saber: 1) inscrição de trabalhadores, 2) cumprimento no pagamento das contribuições devidas a todos trabalhadores e 3) tutelando assim a carreira contributiva de cada trabalhador, com vista a supervisionar o cumprimento ou não regular da situação contributiva dos trabalhadores (beneficiários e contribuintes). lviii. Os quais não coincidem com os elementos solicitados à Recorrente, os quais são exatamente documentos do domínio societário. lix. Tendo em conta que, como a Requerida reconhece que esta tem, na sua atuação como corolários, os princípios da legalidade, imparcialidade, proporcionalidade e boa-fé, deve, pois, ser suspensa a eficácia do Ato Administrativo impugnado, pelos vícios apontados ao mesmo em sede de RI. lx. Designadamente por ausência de fundamentação quanto à necessidade, proporcionalidade e legalidade de apresentação dos elementos, já que e, desde logo, a notificação de 14.10.2021 não foi instruída com cópia do despacho que ordenou a realização da sobredita inspeção, nem tampouco foi apresentada a respetiva fundamentação de facto ou de direito para tal fiscalização, como é exigível em qualquer atuação inspetiva promovida no âmbito de um Estado de Direito democrático, como o que a Lei Fundamental preconiza, conforme decorre dos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé, ínsitos nos artigos 3.°, 7.°, 8.°, 9.° e 10.° do Código do Procedimento Administrativo (doravante, CPA), preceitos que resultam, pois, violados pela Sentença em mérito, como resulta violado o disposto nos artigos 8.° e 11.° do DL n.º 276/2007 de 31/07. lxi. O mesmo raciocínio valendo e se impondo para o ato administrativo emanado em 03.11.2021. lxii. Ao que acresce dizer que os atos impugnados violam a garantia de fundamentação dos atos administrativos encontra respaldo constitucional, desde logo no artigo 268.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP), cabendo aos órgãos competentes «a obrigação de enunciar expressamente os motivos de facto e de direito que determinaram o seu agente», preceito que resulta violado pela decisão em crise. lxiii. Não sendo, como não foi, o ato administrativo fundamentado, o mesmo está ferido do vício da anulabilidade - vide artigo 161.° do CPA, a contrario - posto que existe um dever legal, incontornável, que impende sobre a Administração, o qual se consubstancia no dever de fundamentar devidamente todas as decisões que a mesma profere, o que não sucedeu no caso concreto. lxiv. Ademais sendo os atos nulos por desvio de poder, de acordo com o que preceitua a alínea e) do n.º 2 do art.º 161.° do CPA que são nulos “os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado”. lxv. Mais se violando na Sentença de Fls. o artigo 3.°, n.º 1 do CPA, por violação do Princípio da Legalidade, bem como o artigo 205.° da CRP, se consagra a obrigatoriedade das decisões judiciais, como pilar inamovível do Estado de Direito Democrático, bem como o Princípio da proporcionalidade (cf. Artigo 7.° do CPA) e da Imparcialidade (vide artigo 9.° do CPA) Ixvi. Assim, a Decisão de que se recorre faz, pois, uma errada interpretação do disposto no artigo 113.°, n.º 1 do CPTA e do 120.°, n.º 1 do CPTA, posto que como se demonstrou a Recorrente reunia os pressupostos processuais havendo efetivamente a aparência do seu bom direito. lxvii. Quanto ao CRITÉRIO DO PERICULUM IN MORA, diversamente do entendimento vertido na Sentença recorrida, o critério manteve-se inalterado com a reforma do CPTA, sendo que o legislador manteve intocado o critério incorporado pela reforma de 2002. lxviii. No caso vertente, em concreto, crê-se que o Tribunal a quo apenas não julgou verificado semelhante requisito por ter entendido que soçobrava o requisito do bom direito, como emerge do parágrafo último da página 11 da Decisão, o qual como se demonstrou existe. lxix. Igualmente ficou demonstrado o grave prejuízo que o não decretamento da providência presente acarreta à Recorrente, esvaziando de efeito útil a providência (referida e identificada em sede de Petição Inicial), prolatada pela Veneranda Relação do Porto, a qual veda ao Sócio desavindo o acesso aos documentos que o Recorrido solicita à Recorrente, sem que os mesmos tenham qualquer proveito - ou sem que o Recorrido o demonstre - para a ação inspetiva. Ixx. Acórdão aquele da Veneranda Relação do Porto de 14.01.2021, já transitado, também proferido no âmbito de um procedimento cautelar que, assim, resulta violado, também, por força da Decisão que ora se impugna, o artigo 375° do CPC (garantia penal da providência) que comina com desobediência qualificada o desrespeito da ordem judicial emanada de providência cautelar decretada. Normas jurídicas violadas • artigo 608.°, n.º 2, do CPC. • artigos 51.°, 113.°, n.º 1 e 120.°, n.º 1 do CPTA. • artigos 3.°, 7.°, 8.°, 9.° e 10.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA). • artigos 8.° e 11.° do DL n.º 276/2007 de 31/07. • artigos 20.°, 205.° e 268.° ambos da Lei Fundamental (…)”. * Notificado que foi para o efeito, o Recorrido Instituto de Segurança Social, I.P., produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente providência cautelar. * O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.* * O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional, ao que o Recorrente respondeu nos termos e com os fundamentos que fazem fls. 1950 e seguintes dos autos suporte digital.* Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.* * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIRO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em (i) nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, e (ii) erro de julgamento de direito quanto à decidida improcedência da presente providência cautelar. Assim sendo, estas serão, por ordem cronológica, as questões a apreciar e decidir. * * III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico apurado sem reparos na decisão judicial recorrida foi o seguinte:”(...) 1º - No âmbito do procedimento de fiscalização que corre termos nos serviços da Entidade Requerida, com a designação de PROAVE nº. 202000018161, a Requerente foi notificada do seguinte: [imagem que aqui se dá por reproduzida] - (cf. doc. nº 1 junto com o requerimento inicial); 2º. - Na sequência de pronúncia da ora Requerente, foi a mesma notificada da seguinte comunicação dos serviços da Entidade Requerida (cf. doc. nº. 9 junto com o requerimento inicial): “...JA.. De: RM...<X@seg-social.pt> Enviado: 3 de novembro de 2021 16:34 Para: JA.. Cc: RJ… Assunto: RE: Processo nº. 202000018161 - TE--- - Projetos e Tecnologia Industrial, Lda, NISS 20004587003 Importância: Alta Exmo. Sr. Dr. JA..: Agradeço e retribuo os seu cumprimentos. Relativamente ao pedido de consulta do processo, por entidade com interesse legítimo fundamentado, informo que é procedimento instituído neste Departamento de Fiscalização, ao abrigo da previsão legal estipulada no nº. 3 do artigo 6º. da Lei nº. 26/2016, de 22 de agosto, diferir o acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração, não tendo ainda ocorrido, no caso em concreto, nenhuma das situações elencadas. Desta forma, a decisão sobre o pedido apresentado (que deverá ser sempre feito por escrito e é objeto de análise e deferimento) será adiada, até que o processo se encontre na fase de tomada de decisão, designadamente em sede em audiência de interessados. Em caso de deferimento do pedido o requerente é informado que o processo pode ser consultado, em dia e hora a acordar com os serviços. Sem prescindir, informo que os factos alvo da ação inspetiva inserem-se cabalmente no âmbito das competências cometidas a este Departamento (fiscalizar o cumprimento das obrigações dos (...) contribuintes, nomeadamente as relacionadas com o enquadramento, a inscrição, o registo e a declaração de remunerações, nos termos da legislação aplicável) e à titular do processo, enquanto inspetor, com os fundamentos legais que já lhe foram enunciados, sendo que a análise de todos os elementos solicitados, efetuada com a necessária cautela e reserva, é imprescindível à averiguação em curso, apenas sendo reproduzidos para o procedimento, após exame, os relevantes para a tomada de decisão. Ressalvo ainda que, ao abrigo da alínea d) do art.º 17º. da Lei Orgânica do Instituto da Segurança Social, IP, os inspetores podem, para garantir a aquisição e conservação de prova, “promover, nos termos legais, a apreensão, requisição ou reprodução de documentos em poder das entidades alvo de controlo e auditoria ou do seu pessoal, quando isso se mostre indispensável à realização da ação para o que deve ser levantado o competente auto, dispensável no caso de simples reprodução de documento”, e que a falta de cumprimento da notificação, a acontecer, é livremente apreciada para efeitos de prova, consoante as circunstâncias do caso, não dispensando o órgão administrativo de procurar averiguar os factos, nem de proferir a decisão (art.° 119º, nº. 2 do Código do Procedimento Administrativo), sem prejuízo das demais consequências legais. Neste sentido e por tudo o exposto, reitero a notificação de apresentação de documentos em falta que lhe foi endereçada, aguardando o seu envio até ao dia 17/11/2021...”. * III.2 - DO DIREITO * A Requerente, aqui Recorrente, instaurou a presente providência cautelar visando a suspensão de eficácia do (i) “(…) identificado ato administrativo de 14 de outubro de 2021, nessa mesma data notificado à Requerente, na parte consignada na alínea b) para apresentação do “Livro de atas (“Atas de nomeação e de remuneração da gerência/distribuição de balanço”) e na alínea g) para apresentação dos “Balancetes Analíticos Final de 2019 a 2021 (este ano até à data)) ato administrativos contidos nos ofícios (…)”, bem como do (ii)“(…) ato praticado no dia 03.11.2021, nessa mesma data notificado à Requerente (através do respetivo mandatário), pelo Inspetor RM..., da Unidade de Fiscalização do Norte, Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes, Setor do Porto 1, do Departamento de Fiscalização, do Instituto da Segurança Social, IP (Serviços Centrais), com conhecimento ao Inspetor RJ..., na qual ordenou à Requerente a apresentação dos documentos a que aludem as alíneas b) e g) do ato administrativo de 14.10.2021, ou seja, o “Livro de atas (Atas de nomeação e de remuneração da gerência/distribuição de balanço)” – alínea b) e os “Balancetes Analíticos Final de 2019 a 2021 (este ano até à data)” – alínea g) (…)”.Todavia, o T.A.F. do Porto entendeu que não se mostrava verificado o requisito do fumus boni iuris, em virtude da procedência da suscitada matéria excetiva traduzida na inimpugnabilidade dos atos suspendendos, em função do que julgou a presente providência cautelar improcedente. Vem agora a Recorrente, por intermédio do recurso sub juditio, colocar em crise a decisão judicial assim promanada. Examinadas as conclusões apostas no recurso interposto pela Recorrente, nos termos em que as mesmas se encontram transcritas no ponto I) do presente Acórdão, vemos nelas a necessidade de responder às seguintes questões: Em primeiro lugar, determinar se a decisão judicial incorreu em nulidade de sentença, por omissão de pronúncia. Em segundo e último lugar, apurar se a sentença recorrida, ao julgar procedente a suscitada matéria excetiva traduzida na inimpugnabilidade dos atos suspendendos, e, nessa medida, julgar inverificado o requisito de fumus boni iuris, e, consequentemente, improcedente a presente providência cautelar, incorreu em erro de julgamento de direito. Vejamos estas questões especificadamente. Assim, e com reporte para o primeiro esteio argumentativo, cabe notar que a Recorrente clama que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre (i) a alegada nulidade dos atos suspendendos; (ii) sobre a argumentação aduzida em sede de resposta à matéria excetiva “(…) designadamente no que respeita a alegação da Recorrente do facto de toda a solicitação de documentação extravasar o escopo do PROAVE, violando o Princípio da Legalidade, o que tem de ser suscetível de reação contenciosa por parte da Requerida (…)”; e ainda sobre o (iii) requerimento formulado em 11.01.2022, no qual invocou a incompletude do PA apenso e requereu “(…) o Tribunal a quo fixasse prazo ao Requerido para juntar aos autos o PA integral e numerado na sua paginação, contendo a fase inicial do processo e todos os atos praticados pelo Requerido, incluindo o registo do ato que lhe deu origem, bem como o registo de receção e data, em papel e conjugadamente com cópia do registo em sistema, da mais que provável denúncia do Contrainteressado, salvo melhor entendimento, nos termos e sob a cominação prevista no n.º 2 do art.º 3.º do CPTA (…)”, o que importa a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC – aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do CPTA. Julgamos, porém, que os termos em que a Recorrente desenvolve toda esta argumentação são destituídos de plena certeza jurídica. Realmente, a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia [art. 615º nº 1 d) do CPC], é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Ora, tendo o Tribunal a quo julgado procedente a matéria excetiva supra apontada, ficou naturalmente prejudicado o conhecimento do mérito dos autos. E se assim é, então, no particular conspecto da falta de pronúncia quanto à alegada nulidade dos atos suspendendos, resulta evidente que não se verifica qualquer omissão de pronúncia, uma vez que esta não se abrange as questões submetidas pelas partes cujo conhecimento resulte prejudicado pela solução dada a outras. A mesma asserção é atingível no que tange à omissão de pronúncia da argumentação aduzida em sede de resposta à matéria excetiva. De facto, tendo a Entidade Requerida, na oposição inserta a fls. 822 e seguintes dos autos [suporte digital], suscitado a questão prévia da inimpugnabilidade dos atos suspendendos, tinha o Tribunal a quo que conhecer da mesma. Se tinha que dela conhecer, então não há qualquer omissão de pronúncia, pois a matéria excetiva em questão foi, efetivamente, tratada na decisão judicial recorrida. É certo que o Tribunal a quo não abordou especificamente os argumentos invocados pela Recorrente em sua defesa, (…) designadamente no que respeita a alegação da Recorrente do facto de toda a solicitação de documentação extravasar o escopo do PROAVE, violando o Princípio da Legalidade, o que tem de ser suscetível de reação contenciosa por parte da Requerida (…)”. Porém, como se viu supra, a omissão de pronúncia geradora de nulidade é apenas aquela que não trata da questão colocada e não também a que não responde a cada um dos motivos, argumentos, usados pelos intervenientes. Efetivamente, para os efeitos de omissão de pronúncia, o conceito de “questão” não integra os casos em que o juiz deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que pode ocorrer, quando muito, é o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado já como erro de julgamento e, portanto, equacionável em sede de mérito. O que importa é que o tribunal a quo decida a questão colocada e não que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte ou rebate dessa pretensão. E isso [determinar se assistia [ou não] razão à Entidade Requerida na suscitada exceção de inimpugnabilidade dos atos suspendendos], efectivamente, sucedeu. Nesta esteira, também na perspectiva em análise, é de manifesta evidência que não pode apontar-se à decisão judicial recorrida a qualquer omissão de pronúncia determinante desta nulidade de sentença. Derradeiramente, saliente-se a falta de pronúncia judicial sobre um requerimento formulado no decurso do pleito, a verificar-se, não integra qualquer nulidade de sentença, mas antes uma nulidade processual, o que por si só determina a inverificação da alegação em análise. Em todo o caso, refira-se que tal desvio processual - que é plenamente detetável nos autos - não é suscetível de afetar ou poder afetar o Recorrente nos seus direitos adjetivos e/ou substantivos, por três ordens de razão, a saber: A primeira ordem de razão prende-se com a circunstância da lei não prescrever a obrigatoriedade de junção do P.A. por parte da Entidade Requerida no âmbito dos processos urgentes. Ora, se a lei não prescreve tal obrigatoriedade, não se compreende como sustentar que a omissão da mesma constitui um desvio ao formalismo processual que deveria ter sido seguido e, consequentemente, como sustentar que se verifica uma nulidade. Recorde-se que a nulidade processual consiste num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos. A segunda ordem de razão relaciona-se com a circunstância da decisão judicial recorrida ter-se limitado a aferir o preenchimento do requisito do fumus boni iuris, na vertente da suscitada inimpugnabilidade dos atos suspendendos, temática para qual foi previamente exercido o respetivo contraditório por parte da Recorrente, o que serve para concluir que não tomou posição sobre qualquer eventual questão que esta não tivesse oportunidade de emitir pronúncia atempada. A terceira [e última] ordem de razão deriva da constatação que os documentos que eventualmente integram a plenitude do P.A. em nada influíram ou interferiram com a decisão que se mostra prolatada nos autos, que se baseou apenas nos documentos nº.1 e 9 juntos com o libelo inicial. Nestes termos, a referida irregularidade – eventualmente a existir - na medida em que não é suscetível de influir no exame e na decisão da causa, isto é, nos contornos factuais e jurídicos em que assentou a sentença recorrida -, face ao disposto no art. 195º n.º 1, do CPC de 2013, não importaria qualquer nulidade. Por conseguinte, e em conformidade com o supra exposto, falece a arguição da Recorrente em torno da omissão de pronúncia em todas as suas vertentes. Resta-nos, pois, a questão de saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar procedente a suscitada matéria excetiva traduzida na inimpugnabilidade dos atos suspendendos, e, nessa medida, julgar inverificado o requisito de fumus boni iuris, e, consequentemente, improcedente a presente providência cautelar, incorreu em erro de julgamento de direito. A resposta é, manifestamente, desfavorável às pretensões da Recorrente. Para explicitação do juízo que se vem de expor, mostra-se útil começar por deixar um breve enquadramento teórico necessário para a apreciação da questão. A nossa Lei Fundamental garante aos administrados o direito a impugnarem junto dos tribunais administrativos quaisquer atos ou condutas desenvolvidos pela Administração Pública que os lesem na sua esfera jurídica e independentemente da sua forma [artigo 268.º, n.º 4 da CRP]. Para a definição do que constitui ou deve ser conceptualizado como “ato administrativo impugnável” importa considerar, desde logo, o comando constitucional enunciado no n.º 4 do artigo 268.º da CRP. Ora, o C.P.T.A., no seu artigo 51.º, veio definir, como princípio geral, o que é tido como ato contenciosamente impugnável, colocando o acento tónico na “eficácia externa”, prevendo-se no preceito legal que “(…) ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os atos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (…)” [n.º 1]. Naquela definição parece mostrar-se pressuposto um conceito material de ato administrativo que se mostra enunciado no artigo 148.º do C.P.A., mas, no entanto, como refere J.C. VIEIRA DE ANDRADE “… o conceito processual de ato administrativo impugnável não coincide com o conceito de ato administrativo, sendo, por um lado, mais vasto e, por outro, mais restrito. É mais vasto apenas na dimensão orgânica, na medida em que não depende da tradicional qualidade administrativa do seu Autor … - artigo 51.º, n.º 2. É mais restrito, na medida em que só abrange expressamente as decisões administrativas com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os atos cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 51.º, n.º 1) - devendo entender-se que atos com eficácia externa são os atos administrativos que produzam ou constituam (que visem constituir, que sejam capazes de constituírem) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respetiva eficácia concreta …” [in A Justiça Administrativa - Lições, 2011, 11.ª edição, págs. 182/183]. Daí que se compreendam ou insiram no conceito legal de “ato impugnável” todos os atos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos, assim se respeitando a garantia constitucional impositiva, garantia essa que acaba, todavia, por ser estendida pelo legislador ordinário a todos aqueles atos que, mesmo não sendo lesivos de direitos subjetivos e de interesses legalmente protegidos, são dotados de eficácia externa. Atos com eficácia externa são todos os atos administrativos que determinem a produção de efeitos externos, independentemente da sua eficácia. Tudo isto para concluir que a impugnabilidade do ato depende deste consubstanciar uma (i) decisão materialmente administrativa de autoridade com (ii) projeção de efeitos externos, independentemente da sua (iii) lesividade. Ora, a Recorrente, por intermédio da presente providência cautelar, visa a suspensão de eficácia do (i) “(…) identificado ato administrativo de 14 de outubro de 2021, nessa mesma data notificado à Requerente, na parte consignada na alínea b) para apresentação do “Livro de atas (“Atas de nomeação e de remuneração da gerência/distribuição de balanço”) e na alínea g) para apresentação dos “Balancetes Analíticos Final de 2019 a 2021 (este ano até à data)) ato administrativos contidos nos ofícios (…)”, bem como do (ii)“(…) ato praticado no dia 03.11.2021, nessa mesma data notificado à Requerente (através do respetivo mandatário), pelo Inspetor RM..., da Unidade de Fiscalização do Norte, Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes, Setor do Porto 1, do Departamento de Fiscalização, do Instituto da Segurança Social, IP (Serviços Centrais), com conhecimento ao Inspetor RJ..., na qual ordenou à Requerente a apresentação dos documentos a que aludem as alíneas b) e g) do ato administrativo de 14.10.2021, ou seja, o “Livro de atas (Atas de nomeação e de remuneração da gerência/distribuição de balanço)” – alínea b) e os “Balancetes Analíticos Final de 2019 a 2021 (este ano até à data)” – alínea g) (…)”. Ou seja, visa a suspensão de eficácia dos atos que notificam a Recorrente para proceder à junção [ao procedimento inspetivo de que alvo] de determinada documentação relativa à sua vida societária. Assente a realidade que se vem de expor, assoma evidente que os atos suspendendos não atravessam nenhuma decisão materialmente administrativa de autoridade cujos efeitos se projetem para fora do procedimento onde o ato se insere. De facto, limitam-se os mesmos a requerer o envio de certa documentação, o que não assume relevância decisória num qualquer procedimento administrativo, no sentido de que detém o caráter de uma pronúncia instrumental ou instrutória de uma decisão final. Realmente, os atos que notificam a Recorrente para remeter documentação relativa à sua vida societária inserem-se no âmbito de um procedimento inspetivo, sendo meramente preparatórios da decisão final de tal ação inspetiva. Não têm relevância autónoma no indicado procedimento inspetivo, nem se mostram aptos a produzir qualquer alteração do status quo existente. Por isso, tem de entender-se que os atos suspendendos não são suscetíveis de impugnação contenciosa, por os mesmos não consubstanciarem quaisquer decisões materialmente administrativas, mas apenas atos de trâmite preparatórios da decisão final, desprovidos, portanto, da capacidade de produzir quaisquer efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. E não se argumente que a notificação de 14.10.2021 [primeiro ato suspendendo] equivale à decisão de instauração do processo inspetivo visado nos autos. Realmente, o ato administrativo carece de ser tomado ou manifestado por escrito, destinando-se tal exigência a servir como mecanismo ou instrumento de segurança e de certeza jurídica no âmbito das relações jurídico-administrativas. Assim, o sentido dos atos suspendendos é apenas o que deles estritamente resulta, ou seja, a notificação da Recorrente para juntar ao procedimento inspetivo determinados documentos da sua vida societária. Por conseguinte, a sentença recorrida não merece qualquer censura no que concerne ao seu julgamento de direito. Refira-se que o decidido pelo Tribunal recorrido em nada contende com os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva. É que estes princípios não se traduzem numa abertura da via judicial a todo o custo. Tais princípios, com assento constitucional [artigos 20º e 268º nºs 3, 4 e 5, CRP], exigem que a todos esteja aberta a via judicial, para defender as pretensões legítimas e ver reconhecidos os seus direitos, e que o Estado, que tem o monopólio da administração da Justiça, forneça aos cidadãos, dela carentes, todos os meios necessários para a poderem efetivar, ou seja, para poderem obter a tutela pretendida. O que não impõe, nem o legislador ordinário nem o constitucional, é que a tutela jurisdicional efetiva tenha de ser feita a todo o custo, passando por cima das normas processuais. Aliás, se as criou, se existem, é para serem respeitadas, sem que isso signifique coartar aqueles princípios, uma vez que o acesso ao direito e a tutela efetiva está assegurada dentro dos limites da legalidade, e não apesar deles. Verificando-se que o julgamento de direito em torno da suscitada questão prévia de inimpugnabilidade dos atos suspendendos se encontra bem realizada na sentença recorrida, e tendo em conta quanto acaba de ser dito, há que considerar que o ali decidido em nada contende com o princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 2.º do CPTA e na Constituição da República Portuguesa. Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida. Ao que provirá em sede de dispositivo. * * IV – DISPOSITIVONestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. * * Porto, 08 de abril de 2022,Ricardo de Oliveira e Sousa Rogério Martins Luís Migueis Garcia |