Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 03357/12.7BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 04/10/2025 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
| Descritores: | CASO JULGADO MATERIAL; EXCEPÇÃO DILATÓRIA; |
| Sumário: | I. O caso julgado material constitui uma exceção dilatória nominada, que obsta a que a mesma relação jurídica, já discutida e decidida, por decisão de mérito, transitada em julgado, possa ser submetida a novo julgamento (efeito negativo de proibição de repetição da causa) e que impõe o nela decidido a todos os tribunais, às partes e, dentro de determinados limites, inclusivamente, a terceiros (efeito positivo). Nesta dimensão, a exceção pressupõe que entre a primeira ação, em que foi proferida a decisão de mérito, transitada em julgado, e a segunda ação, exista identidade de sujeitos (do ponto de vista jurídico), de pedidos e de causas de pedir. II. Considerando que são as conclusões de recurso que delimitam o objecto do mesmo temos que a questão que se coloca é a de saber se foi legal a determinação da matéria colectável dos impugnantes no ano de 2008 com recurso a métodos indirectos, questão, essa que já foi objecto de pronúncia judicial transitada em julgado, o que aliás tem expressão no probatório da decisão recorrida. III. Formou-se, assim, caso julgado, relativamente a saber se estavam verificados ou não os pressupostos para avaliação indirecta do IRS de 2008, o que constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento de mérito e determina a absolvição da instância.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. «AA» e «BB», (Recorrentes), notificados da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 28.05.2018, que julgou improcedente a impugnação, por eles intentada, contra a decisão da Administração Fiscal de avaliação indirecta da matéria colectável referente de IRS respeitante ao exercício de 2008, inconformados vieram dela recorrer. Alegaram, formulando as seguintes conclusões: «(…) 1. A douta decisão do Tribunal de 1ª Instância de que ora se recorre, considerou improcedente a impugnação judicial em tempo apresentada julgando procedente a excepção de caso julgado. 2. A impugnação judicial de cuja sentença ora se recorre foi deduzida na sequência da decisão de improcedência do recurso interposto nos termos dos n.ºs 7 e 8 do Artºs. 89º-A da L.G.T.. 3. O "recurso"/ requerimento, apresentado nos termos dos n.ºs 1, 2 e 3 do Artº. 146º-B do C.P.P.T., interposto pelo contribuinte, sem formalidade especial, sem necessidade de ser subscrito por advogado não pode ser considerada uma acção judicial na sua plenitude. 4. Pois que, se assim fosse, não ficaria assegurado o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva. 5. Ora, não tendo intervenção de advogado, sem formalidades especiais e com prova exclusivamente documental não pode ficar o contribuinte impedido de questionar a decisão desse seu requerimento, em sede de impugnação judicial. 6. Acresce que, de acordo com o disposto no Artº. 101º da L.G.T. o requerimento apresentado pelo contribuinte não é um meio processual tributário. 7. Em consequência, não deve o contribuinte ficar preso à decisão que o seu requerimento merecer, e muito menos considerá-lo caso julgado. 8. Também a jurisprudência vai no sentido que esse recurso urgente, não é uma acção judicial e que não deve dificultar irrazoavelmente a acção judicial. (vide Gomes Canotilho/ Vital Moreira na Constituição República Portuguesa anotada I - 4 a Edição Coimbra 2007, pág. 409) 9. Ou seja, a impugnação, de que ora se recorre, foi a reacção legalmente prevista, à decisão do recurso apresentado nos termos do Artº. 89º, nº 7 e 8 da L.G.T.. 10. Como tal, não há caso julgado e não se verificando, como não se verifica, a ocorrência de caso julgado falece a fundamentação e com ela a decisão. 11. Acresce que, ainda não foi proferido acórdão da reclamação apresentada em 2016 no processo nº 2017/12.3BEPRT, o que por si só também impede a verificação da excepção de caso julgado. 12. Assim, a MMa.. Juiz "a quo" não respeitou o disposto nos Artºs. 95º e 101º da L.G.T. e o Artº. 615º, nº 1, al. d) do C.P.C.. Termos em que revogando a douta sentença recorrida, julgando a impugnação procedente, com as legais consequências, farão V. Exas. Justiça.» 1.2. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 172 e ss. do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, cumpre aferir erro de julgamento de facto e de direito por errada valoração da prova produzida de não ocorrência de identidade de pedido e de causa de pedir. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 De facto 2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância para conhecimento da excepção de caso julgado suscitada: «Para decidir a presente exceção, considero documentalmente provados os seguintes factos: A. Em 02.08.2012 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto recurso da decisão de avaliação indireta da matéria coletável referente ao ano de 2008, nos termos do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, n.ºs 7 e 8, interposto por «AA» e «BB», que foi autuado sob o n.º 2017.12.3BEPRT, tendo como: Fundamentos: o facto de não estarem verificados in casu os pressupostos da avaliação indireta previstos no artigo 87.º da LGT, pelo que o seu uso é ilegal, impondo-se a sua anulação; Pedido: “Termos em que deve ser anulada a decisão de avaliação indirecta da matéria colectável que sobre os recorrentes recaiu por referência ao ano de 2008.” (cf. petição inicial constante do processo n.º 2017/12.3BEPRT consultado no Sitaf). B. A sentença referente à acção referida na alínea anterior foi notificada às partes por correio registado datado de 24.09.2012, não tendo sido interposto recurso ordinário da mesma (cf. fls. 170 a 179 do SITAF do processo n.º 2017/12.3BEPRT consultado no Sitaf). C. A sentença referida na alínea anterior foi notificada aos Impugnantes em 26.09.2012 (cf. confissão patente na petição inicial do processo n.º 3357/12.7 BEPRT – cf. fls. 4 do suporte físico do processo). D. Em 21.12.2012 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto impugnação judicial “na sequência da decisão, do processo n.º 2017.12.3BEPRT, (…) da improcedência do recurso, em tempo interposto, nos termos dos n.ºs 7 e 8 do artigo 89º da L.G.T. da decisão da Administração Fiscal de avaliação indirecta da matéria coletável referente ao ano de 2008”, nos termos do artigo 95º, n.º 2, al. d) do Código de Procedimento e Processo Tributário, interposta por «AA» e «BB», que foi autuada sob o n.º 3357.12.7BEPRT, tendo como: Fundamentos: o facto de não estarem verificados in casu os pressupostos da avaliação indirecta previstos no artigo 87º da Lei Geral Tributária; a falta absoluta de fundamentação; a violação dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, da boa-fé e da celeridade no respeito pelas garantias dos contribuintes; o recurso da decisão de avaliação indirecta da matéria colectável referente ao ano de 2008, foi considerado improcedente, fundamentando-se também na presunção de que os recorrentes não cumpriram o ónus da prova que sobre si impendia, no entanto os Impugnantes sempre disponibilizaram e ofereceram todos os elementos que provavam e provam a origem do seu património que foi posto em crise pela Administração Fiscal, não havendo evidência nem sequer indício de que os Impugnantes tenham declarado no seu Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 2008 menos do que efectivamente tinham a declarar e ainda a nulidade da sentença; Pedido: “(…) deve a decisão de avaliação indirecta da matéria colectável referente ao ano de 2008, ora impugnada, ser anulada na sua totalidade por falta de fundamentação legal para a sua aplicação” – cf. fls. 4 a 23 do suporte físico do processo.» 2.1.2. Aditamento oficioso Ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 1 do CPC, atento o alegado na conclusão 11. das alegações de recurso, cumpre aditar ao probatório provado, com recurso a consulta via SITAF do processo 2017/12.3BEPRT, os seguintes factos: E. No processo n.º 2017/12.3BEPRT foi proferida sentença em 21.09.2012 que julgou a mesma improcedente e donde se extraí a seguinte fundamentação “(...) Mostram-se, deste modo, reunidos os pressupostos para avaliação indirecta da matéria tributável.” e, de que “(...) os recorrentes não cumpriram o ónus da prova que sobre si impendia e consequentemente, nenhuma censura pode ser feita à actuação da Administração Tributária.” (vide fls. 152 a 169 do processo SITAF n.º 2017/12.3BEPRT); F. Em 10 novembro de 2015 daquela sentença apresentaram os aqui recorrentes, “pedido de revisão de sentença” nos termos do artigo 293º, n. º2 do CPPT, o qual corre por apenso aos autos n.º 2017/12.3BEPRT, tendo aí sido proferida decisão em 14.01.2016, da qual se extraí “(...) Um tal indeferimento, ainda que apenas posterior ao trânsito em julgado da sentença, não constitui fundamento de revisão da mesma. Na verdade, a revisão de sentença após o trânsito ocorre apenas em situações excecionais, em que surge prova nova ou se invalida a prova feita. Já não se justifica este expediente excecional - nem tal tem acolhimento na letra do preceito legal -, perante uma mera confirmação da impossibilidade de obtenção de prova por alguma parte. // À luz do que vem exposto, considera-se não estarem verificados os pressupostos processuais legalmente previstos para a revisão da sentença e rejeita-se liminarmente o recurso apresentado, nos termos do art. 643.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT.” (vide apenso 2017/12.3BEPRT-A, fls. 1-12 e 23-27 do processo SITAF); G. Tendo sido apresentada reclamação da decisão evidenciada em F., a mesma viria a ser convolada em recurso dirigido ao TCA Norte, sobre o qual viria a recair acórdão de 23.01.2020 do qual se extraí “(...) Pelo que vem de se expor, importa concluir que o recurso extraordinário de revisão interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida, em 21 de Setembro de 2012, nos autos principais, não pode prosseguir, por não se verificarem os pressupostos legalmente previstos para a revisão, estabelecidos no artigo 293º, nº 2 do CPPT. E, nesta medida, a decisão recorrida que também assim entendeu não nos merece censura, pelo que o presente recurso tem de improceder”. (vide apenso 2017/12.3BEPRT-A, fls. 93-108 do processo SITAF); H. O acórdão em referência no ponto infra não transitou em julgado, atento o recurso de apelação interposto para o STA sobre o qual recaiu despacho de não admissão (vide fls. 141-142 do processo SITAF) estando por decidir requerimento apresentado a requerer que aquele seja considerado recurso de revista excepcional e a subida dos autos em conformidade ao STA (vide fls. 148 e ss do processo SITAF). 2.2. De direito In casu, os recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário do Porto que na impugnação judicial por eles deduzida na sequência da decisão proferida no processo nº 2017/12.3 BEPRT que julgou improcedente o recurso interposto, ao abrigo do disposto no artigo 89º-A, nos 7 e 8, da LGT do despacho da AF de avaliação indirecta da matéria colectável de IRS referente ao ano de 2008, no montante de €362.638,72, julgando procedente a excepção de caso julgado suscitada pela AT, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância. Ora, com é consabido, o âmbito do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação do apelante, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria nelas não inserida, com ressalva dos casos em que se impõe o seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282º, no s 5 a 7, do CPPT e 634º, nº5 do CPC, aqui aplicável ex. vi do artigo 281º do CPPT. Ora, perscrutadas as conclusões de recurso, temos que os ora recorrentes vêm imputar à decisão recorrida erro de julgamento de facto e de direito por errada valoração dos factos assentes, cuja subsunção não permite inferir pela ocorrência de identidade de pedido e de causa de pedir. Argumentando que com a propositura da presente impugnação judicial não se verifica a excepção de caso julgado, sob pena de não ficar assegurado o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, que o meio processual utilizado no âmbito do processo 2017/12.3BEPRT não configura um meio processual tributário. Quid iuris? Conforme é entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico e resulta do disposto no n.º 1 do artigo 580º, n.º 1 do CPC, ex vi artigo 2º do CPPT, o caso julgado tem como pressuposto a repetição de uma causa decidida por decisão que já não admite recurso ordinário. Trata-se de uma exceção que no ordenamento jurídico processual vem qualificada de exceção dilatória (artigo 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. i) do CPC.) e que, na sua vertente de caso julgado material, “exerce duas funções: i) uma função positiva e ii) uma função negativa. Exerce a função positiva, quando faz valer a sua força e autoridade, e exerce a sua função negativa quando impede que a mesma causa seja de novo apreciada pelo tribunal” (in acórdão do STJ de 28.11.2013, no âmbito do Processo 106/11.0TBCPV.P1.S1.) A exceção do caso julgado tem como fundamento teleológico o prestígio dos tribunais, o qual seria altamente comprometido caso, uma vez proferida decisão judicial, conhecendo de uma determinada questão processual ou do mérito, e uma vez transitada em julgado, essa questão pudesse ser submetida a novo julgamento e decisão, com a inerente possibilidade do tribunal vir a repetir o antes decidido, com a consequente prática de actos e despesas inúteis, mas, sobretudo, com o risco de decidir essa mesma questão em moldes distintos do que antes fizera, o que além de ser gravemente atentatório para o prestígio dos tribunais, tornaria impossível a vida em sociedade, porquanto a incerteza e a insegurança jurídicas seriam uma constante, pelo que ninguém poderia confiar em nada, incluindo nas próprias decisões dos tribunais, apesar do respetivo trânsito em julgado. Assim sendo, uma vez transitadas em julgado, as decisões dos tribunais se tornam estáveis, isto é, o nelas decidido, não pode vir a ser submetido a posterior novo julgamento (neste sentido vide Manuel Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 306 e 307; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 704 e 705). Essa estabilidade das decisões judiciais pode projetar-se apenas intra, ou ainda, intra e extraprocessualmente, e daí que se imponha distinguir entre caso julgado formal e caso julgado material. O caso julgado formal, também designado de externo ou de simples preclusão, significa que a decisão, uma vez proferida e transitada em julgado, por não admitir recurso ordinário, adquire força obrigatória, mas apenas dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma ação, alterar o que anteriormente decidira, por decisão transitada em julgado, mas não impede que, essa mesma questão, possa vir a ser decidida em moldes distintos num outro processo, pelo mesmo ou por outro tribunal. O caso julgado formal apenas incide sobre as decisões que versem sobre a relação processual (artigo 620º do CPC) e que, por isso, não definem a concreta relação jurídica material controvertida entre as partes, ou seja, não decidem de mérito. Por sua vez, o caso julgado material, ou interno, tem como pressuposto a prolação de uma sentença ou despacho saneador que decida sobre o mérito da causa, isto é, que verse “sobre os bens discutidos no processo; defina a relação ou situação jurídica deduzida em juízo; estatua sobre a pretensão do Autor”. Essas decisões, porque dirimiram o concreto conflito que foi submetido pelas partes à decisão do tribunal, logo que transitem em julgado, por não admitirem recurso ordinário, ficam a ter força obrigatória dentro e fora do processo, mas nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º do CPC (artigo 619º, n.º 1 do mesmo Código), impondo-se, de modo absoluto, a todos os tribunais, às partes e, inclusivamente, dentro de determinados limites e pressupostos, a terceiros, intra e extra processualmente, de modo que quando seja submetida aos tribunais a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (ação destinada a fazer valer outro efeito dessa relação), todos têm que acatá-la, reconhecendo-se para o efeito ao réu a exceção dilatória do caso julgado para obstar a que o caso julgado material seja desrespeitado na segunda ação, e impondo-se ao tribunal o dever de oficiosamente, nessa segunda ação, de conhecer dessa exceção, recusando-se a conhecer do mérito da causa. O caso julgado material exerce, portanto, um duplo efeito: um efeito negativo de inadmissibilidade de uma segunda ação (proibição de repetição), funcionando como bloqueio ao direito de acesso aos tribunais, em que funciona como exceção dilatória do caso julgado material, e um efeito positivo, ao impor a decisão proferida a outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado), em que faz valer essa autoridade. Note-se, porém, que dados os efeitos severos do caso julgado material, este encontra-se sujeito a contornos rígidos e rigorosos, os quais se reconduzem à “tripla identidade” de sujeitos, pedido e causa de pedir, pelo que apenas ocorre a excepção dilatória do caso julgado material quando exista entre a ação em que se formou o caso julgado material que cobre a decisão de mérito nela proferida, e a ulteriora acção, identidades de partes, causas de pedir e de pedidos (artigos 580º e 581º do CPC). Deste modo é que, como referido, o artigo 619º, n.º 1 do CPC., estatua que “transitada em julgado a sentença ou despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º”, e que o artigo 621º estabeleça que “a sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que julga”, o que significa que apenas ocorre a exceção dilatória do caso julgado material entre a ação em que se formou o caso julgado e a ação em que se pretende fazer projetar a sua eficácia quando entre ambas exista identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. Note-se, que a identidade das partes relevante para efeitos de caso julgado não é a simples identidade física, mas a identidade jurídica, tanto assim que, de acordo com o n.º 2 do artigo 581º do CPC, “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”. Acresce que o caso julgado aproveita a ambas as partes do processo em que foi proferida a decisão de mérito coberta pelo caso julgado, quer à parte vencedora, quer à parte vencida, e a sua força impõe-se independentemente da posição que as partes ocupem (como autor ou como réu) nas duas ações, neste sentido vide Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., págs.721 a 724; Manuel Andrade, ob. cit., págs. 309 a 311. Em sede, elementos objectivos, cumpre atentar que o pedido é o meio de tutela jurisdicional que o autor pretende que o tribunal lhe reconheça, isto é, o efeito jurídico que pretende obter com a instauração da ação (n.º 3 do artigo 581º do CPC), ou seja, o efeito prático-jurídico por ele visado (o reconhecimento judicial da sua propriedade sobre determinada coisa; a entrega ou restituição dessa coisa; a condenação do réu numa prestação de certo montante, a ilegalidade por erro nos pressupostos etc.). Por sua vez, a causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto (contrato, testamento, facto ilícito, correcções, liquidação, etc.) que serve de base ou de fundamento ao efeito jurídico que o autor pretende que o tribunal lhe reconheça (pedido) com a instauração da acção (nº 4 do artigo 581º do mesmo Código). Dito por outras palavras, “é sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento que se forma o caso julgado. É a resposta dada na sentença à pretensão do autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado”, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., págs. 711 e 712. Como decorrência do que se vem dizendo, o caso julgado apenas exerce a sua força vinculativa quando o título (causa de pedir) invocada em ambas as ações (a já decidida, por decisão de mérito, transitada em julgado, e a posteriormente instaurada) tenham a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Do exposto discorre, que a extensão do caso julgado material comede-se, assim, pelo próprio teor da decisão, tendo em conta os elementos subjetivos (partes) e objetivos (pedido, causa de pedir e exceções) da relação jurídica material controvertida submetida pelas partes à apreciação do tribunal e que este apreciou e decidiu por decisão de mérito. Destarte, sempre que não exista a enunciada tripla identidade ou coincidência de sujeitos, pedidos ou causa de pedir entre a ação já decidida, coberta pelo caso julgado, e a posteriormente instaurada, não opera a exceção do caso julgado, mas, poderá, ainda assim, ocorrer a denominada exceção dilatória inominada da autoridade do caso julgado. Mais se ressalva, com relevo nos autos, que se o autor não carrear para os autos (não os alegando) os factos essenciais da causa de pedir e a ação vier a improceder, não fica impedido de instaurar nova ação, com fundamento na mesma causa de pedir e formulando o mesmo pedido, contra o mesmo(s) réu(s), em que alegue os factos essenciais integrativos da causa de pedir antes omitidos na anterior ação, pelo que quanto àquele não há preclusão quanto aos factos essenciais, ou seja, sobre factos que são insuscetíveis de fornecer uma nova causa de pedir para o pedido formulado. Já se alegar todos os factos essenciais integrativos da causa de pedir, mas não lograr prová-los e, portanto, a ação improceder, o caso julgado operado pela decisão de mérito proferida nessa 1ª ação, impede que o mesmo instaure nova ação com fundamento na mesma causa de pedir para obter o mesmo pedido, ainda que alegue factos instrumentais ou complementares ou novos argumentos jurídicos que não tinha alegado naquela primeira ação. Assente nas premissas que se acabam de enunciar, mormente da ocorrência da tripla coincidência como pressuposto da actuação da excepção do caso julgado, revertendo ao caso dos autos, a ação de impugnação judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o n.º 2017/12.3BEPRT, foi instaurada pelos aqui recorrentes («AA» e «BB») contra a aqui recorrida (AT), quando a presente acção de impugnação judicial foi instaurada pelos mesmo recorrentes contra a recorrida. Por isso, contrariamente ao pretendido pelos recorrentes, entre aquela primeira acção e a presente existe identidade de sujeitos. Quanto à identidade de causa de pedir e do pedido, temos que nos termos do artigo 140º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), assiste aos sujeitos passivos de IRS, o direito de reclamar ou impugnar da respectiva liquidação, efectuada pelos serviços da Administração Tributária (AT), com os fundamentos e nos termos estabelecidos no CPPT. Conforme dispõe o n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, “Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º e seguintes.” A tal recurso é aplicada a tramitação prevista no artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por força do estatuído no artigo n.º 8 do mesmo artigo 89.º-A, assim tal qual referenciado no n.º 5 do artigo 146.º-B do CPPT. Por conseguinte, o contribuinte tem 10 dias, a contar da data em que foi notificado da decisão da avaliação da matéria colectável por métodos indirectos, para intentar recurso nos preditos termos. Ora, sobre esta matéria já foi chamado o STA a pronunciar-se. Com efeito, o STA em Aresto de 06.07.2011, no recurso 0422/11, na senda de jurisprudência reiterada e sólida decidiu que: “ o princípio da impugnação unitária encontra-se formulado no artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que dispõe o seguinte: “Salvo quando forem imediatamente lesivos do direito do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os acto interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”. Não obstante o seu carácter preparatório, permite-se, no entanto, que certos actos de determinação da matéria colectável possam ser autonomamente impugnáveis, sempre que entre eles e o acto final haja uma relação de evidente prejudicialidade. É na inevitável relação de prejudicialidade entre o acto preparatório (acto prejudicial) e o acto de liquidação (acto prejudicado) que reside a explicação para que tal acto, embora preparatório, se autonomize e destaque (acto destacável) e seja, por si só, e autonomamente impugnável - cf., por todos, Alberto Xavier, in Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 140 a 191; e Américo Braz Carlos, Os Actos Preparatórios de Fixação do Rendimento Colectável, sua Impugnabilidade Contenciosa, na Revista Fisco n.ºs 12/13, p. 20. Diz Alberto Xavier, in Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 243 e ss., que a lei fixou entre os dois actos um regime de prejudicialidade, cujas notas essenciais são as seguintes: sendo o acto autonomamente impugnável, quer o contribuinte, quer a Fazenda Pública têm legitimidade para interpor recurso do acto de determinação da matéria colectável; em relação à determinação da matéria colectável ocorre preclusão processual, uma vez que tal matéria não pode voltar a ser apreciada no procedimento administrativo de liquidação; e, se o acto não for oportunamente impugnado, o valor tributável torna-se definitivo, com força de caso decidido ou caso resolvido. (…)”. Ora in casu, do petitório e, bem assim da delimitação operada em D. da matéria de facto assente, ressalta à evidência que a pretensão última prosseguida pelos recorrentes é a aplicação de métodos indirectos nos termos do disposto no artigo 87º n.º 1, alínea d) da LGT. Por conseguinte, e tal como exposto na sentença sob recurso o fundamento da acção intentado sob o n.º 2017/12.3BEPRT foi “o facto de não estarem verificados in casu os pressupostos da avaliação indireta previstos no artigo 87.º da LGT, pelo que o seu uso é ilegal, impondo-se a sua anulação; “e quanto ao pedido a anulação da decisão de avaliação indirecta da matéria colectável que sobre os recorrentes recaiu por referência ao ano de 2008. (cf. petição inicial constante do processo n.º 2017.12.3BEPRT consultado no Sitaf). E, nos presentes autos, o fundamento ou causa de pedir, assenta igualmente no facto “de não estarem verificados in casu os pressupostos da avaliação indirecta previstos no artigo 87º da Lei Geral Tributária; a falta absoluta de fundamentação; a violação dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, da boa-fé e da celeridade no respeito pelas garantias dos contribuintes; o recurso da decisão de avaliação indirecta da matéria colectável referente ao ano de 2008, foi considerado improcedente, fundamentando-se também na presunção de que os recorrentes não cumpriram o ónus da prova que sobre si impendia, no entanto os Impugnantes sempre disponibilizaram e ofereceram todos os elementos que provavam e provam a origem do seu património que foi posto em crise pela Administração Fiscal, não havendo evidência nem sequer indício de que os Impugnantes tenham declarado no seu Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 2008 menos do que efectivamente tinham a declarar e ainda a nulidade da sentença” Já quanto ao pedido “(…) deve a decisão de avaliação indirecta da matéria colectável referente ao ano de 2008, ora impugnada, ser anulada na sua totalidade por falta de fundamentação legal para a sua aplicação”. Razão pela qual a sentença conclui que «Aplicando o Direito aos factos provados, verificamos que entre as duas acções existe identidade de sujeitos activos e passivos, de causa de pedir e de pedido, porquanto: as partes e o pedido são coincidentes; a causa de pedir principal (cf. fundamentos nos factos provados) nas duas acções é a violação dos pressupostos legais para o recurso à avaliação indirecta; sendo as causas de pedir secundárias da segunda acção meras decorrências do processado posterior (cf. processo n.º 2017.12.3BEPRT). Não tendo sido apresentado recurso ordinário no processo n.º 2017.12.3BEPRT, a sentença transitou em julgado, pelo que a presente ação consubstancia uma repetição daquela. Pelo que procede a excepção de caso julgado invocada, devendo a Fazenda Pública ser absolvida da instância, nos termos dos artigos 580º, n.º 1, 581º, n.º 1, 577º i) e 576º, n.º 2 do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 2º do Código de Procedimento e Processo Tributário.» (fim de transcrição) Em suma, na sua reacção inicial os contribuintes através da sua mandatária (como se pode confirmar da petição inicial dos autos 2017/12.3BEPRT) reagiram contra a decisão do Director de Finanças ..., que fixou em € 362.638,72 os seus rendimentos de IRS, referentes a 2008, mediante recurso a métodos indirectos, ao abrigo do disposto no artigo 89º-A da LGT, alegando que inexiste fundamento para a fixação do rendimento tributável por métodos indirectos, uma vez que as prestações suplementares provieram de levantamento de suprimentos, no montante de € 1.000.000,00, que ocorreu a 30 de Novembro de 2003 e, ali conclui, pedindo a anulação da decisão de avaliação indirecta da matéria colectável do ano de 2008. Sobre este “recurso” recaiu decisão do TAF do Porto de 21.09.2012, que determinou a improcedência da acção assente que “(...) Mostram-se, deste modo, reunidos os pressupostos para avaliação indirecta da matéria tributável.” e, de que “(...) os recorrentes não cumpriram o ónus da prova que sobre si impendia e consequentemente, nenhuma censura pode ser feita à actuação da Administração Tributária.”. Conforme consta do facto B., notificada aquela decisão às partes, não foi interposto recurso ordinário da mesma, tendo a mesma transitada em julgado. Destarte, proferida a sentença, despacho ou acórdão, esgota-se imediatamente o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, pelo que, salvo os casos contemplados no n.º 2 do artigo 613º ex vi artigo. 614º, nºs 2 e 3 (retificação de erros materiais) e 616º a 617º (reforma da sentença por manifesto lapso do juiz), aqueles apenas pode ser modificados /alterados por via de recurso, quando a ação em que foram proferidos admitam recurso ordinário Os recursos são os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida, visando modificar essa decisão, eliminando-a ou corrigindo-a quando inválida, errada ou injusta, pela devolução do seu julgamento a um órgão jurisdicional hierarquicamente superior (no caso dos recursos ordinários) ou sem devolução do seu julgamento a outro órgão, por reponderação (ou o reexame) da decisão competir ao próprio órgão jurisdicional que a proferiu (caso dos recursos extraordinários). Ou seja, não concordando com a mesma, por défice instrutório, erro de julgamento de facto de direito, ou um qualquer outro vício ou nulidade, impedia aos aqui recorrentes interpor recurso ordinário, sob pena desta transitar em julgado, tornando-se o nela decidido (quando se trate de sentença de mérito, como é o caso) incontestado, intra e extraprocessualmente, por mais vícios (nulidades, erros de direito e/ou inconstitucionalidades) de que possa padecer. O único mecanismo dos recorrentes para colocar em crise aquela decisão transitada em julgado é, como se sabe, o recurso extraordinário de revisão, o qual é apenas admissível nos casos contados previstos nos arts. 696º e ss. do CPC. E, foi precisamente esse o caminho seguido pelos mesmos, que daquela decisão proferida no âmbito do processo n.º 2017/12.3BEPRT interpuseram o referido pedido de revisão, sobre o qual, processado por apenso, viria a recair decisão de rejeição por não se mostrarem reunidos os seus pressupostos legais. Interposto o competente recurso ordinário, para este TCA Norte, foi proferido acórdão a manter a decisão sob recurso, ainda sem trânsito em julgado. Destarte o recurso de revisão apresentado, independentemente da decisão que sobre ele venha a recair, não fere com a sua preposição a imutabilidade da decisão proferida, logrará esse objectivo ao ser admitido e obtendo a sua procedência, mormente com alteração ou anulação da decisão em revista. A segurança jurídica que só pode ceder quando está em causa a realização da justiça material num determinado caso, concretamente analisado e justificado. Como referiu Cândida Ferreira das Neves, in O Recurso de Revisão em Processo Civil, Lisboa, 1964, pág. 109, “o recurso extraordinário de revisão, com a amplitude que a nossa lei adjectiva o consagra, constitui de certo modo atentado contra o instituto do caso julgado, mas mais no aspecto material do que formal. Num caso ou noutro, porém, o que nos parece incontestável é que ele, bem analisadas as coisas, é ainda admitido em nome da segurança jurídica; e esta circunstância como que consegue apagar um pouco, a nossos olhos, a brecha causada num instituto que nessa mesma segurança se baseia.” Ou seja, este recurso visa refletir a salvaguarda entre o caso julgado e a paz jurídica, mas não impede a sua verificação, pois que se obtiver provimento o seu pedido de revisão de sentença (pendente de admissão de recurso de revista extraordinário para o STA), sempre logrará por essa via o alcance pretendido “da realização da justiça material”. Não se pode é subverter os institutos jurídicos em análise. Neste sentido o acórdão do STJ, de 13.12.2017, in processo n.º 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1, ao referir que “perante os valores tutelados pelo caso julgado, a interposição e a aceitação do recurso extraordinário de revisão não pode ser suportado no mero inconformismo do recorrente relativamente ao resultado que foi judicialmente declarado e cuja modificação o mesmo não pode pretender alcançar como se de um recurso ordinário de apelação se tratasse”. Prosseguindo, os recorrentes, apesar de decidida com trânsito em julgado a questão de saber se estavam verificados ou não os pressupostos para avaliação indirecta do IRS de 2008, após a notificação da liquidação do tributo que naturalmente sucedeu ao acto recorrido do Director de Finanças ..., vieram apresentar nova impugnação (na origem dos presentes autos n.º 3357/12.7BEPRT) , agora deste acto tributário onde repetem a argumentação anteriormente utilizada para questionar a existência de requisitos para avaliação indirecta ao abrigo do nº 1 do artigo 89º-A da LGT. Ora, considerou, e bem, a sentença recorrida, que não podia ser reapreciada a questão da inexistência dos requisitos previstos no nº 1 do artigo 89º-A da LGT por preclusão processual derivada da impossibilidade de voltar a apreciar esta matéria em sede de impugnação da liquidação resultante da expressa avaliação indirecta (neste sentido veja-se jurisprudência do STA, acórdãos de 06.07.2011, tirado no recurso n.º 0422/11 e de 06.07.2015, proferido no recurso n.º 225/15). Por último, e quanto à construção peregrina apresentada pelos recorrentes de que os autos que correram termos sob o n.º 2017/12.3BEPRT “não pode ser considerada uma acção judicial na sua plenitude”, apelemos aqui acórdão do Tribunal Constitucional de 17.06.2020, proferido no processo n.º 0113/12.6BEPNF (133/16). O citado acórdão apreciou a questão « de saber se a previsão legal de um recurso contencioso específico para impugnar a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, na medida em que implica − como entendeu a decisão recorrida − que o contribuinte fica impedido de atacar aquela decisão em momento posterior, designadamente, no âmbito da impugnação judicial do acto de liquidação do imposto (que tenha por base a dita decisão de avaliação) viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva. (…) compatível com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva a previsão de um único meio contencioso, de natureza urgente, especificamente previsto para questionar a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto. Diga-se, desde já, que não se vislumbra em que medida tal previsão legal pode contender com o princípio da tutela jurisdicional efectiva. Pelo contrário, a norma em causa, na medida em que estabelece um meio processual urgente, específico para a impugnação judicial daquela decisão da administração tributária, não pode deixar de ser entendida como concretização do direito de acesso aos tribunais, (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição) e, em especial, da garantia de impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados, enquanto modalidade da tutela jurisdicional efectiva desses administrados (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição). Como se salientou no Acórdão n.º 416/99 (embora a propósito de questão diversa, em que estava em causa a definição dos requisitos ou pressupostos da legitimidade para recorrer contenciosamente de um acto administrativo), «não sendo o direito de acesso à justiça e aos tribunais um direito absoluto, não existe qualquer contradição entre a garantia constitucional de acesso à justiça e a delimitação pelo direito ordinário dos pressupostos ou requisitos de natureza processual para efectivação dessa garantia». Nessa medida, é de considerar que a previsão de um recurso contencioso urgente como forma de impugnar um determinado acto administrativo ainda se pode incluir na margem de conformação que a Constituição deixa ao legislador ordinário. Ponto é que a conformação legal dessa forma processual não dificulte irrazoavelmente a acção judicial (na expressão de GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª ed., Coimbra, 2007, 409). A esse respeito cumpre salientar que a urgência do meio processual não é necessariamente desvantajosa para o contribuinte impugnante, pois embora lhe imponha prazos de actuação mais curtos, assegura-lhe, em contrapartida, maior celeridade na decisão. No caso em apreço, a forma processual questionada oferece, inclusivamente, uma outra garantia ao contribuinte: a do efeito suspensivo, que é concedido ope legis com a mera entrada da petição de recurso, ficando a administração tributária impedida de praticar o acto de liquidação antes da decisão deste recurso. Trata-se, aliás, de um efeito que não é comum nem à impugnação judicial do acto de liquidação do imposto (nesta, o efeito suspensivo só se obtém através da prestação de garantia adequada − cfr. artigo 103.º, n.º 4, do CPPT), nem à impugnação dos actos administrativos em geral (cuja suspensão, em regra, só pode ser obtida através de uma providência cautelar, intentada previamente ou na pendência da acção principal − cfr. artigos 50.º e s. e 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). Resta dizer que o princípio da tutela jurisdicional efectiva também não sai beliscado pelo entendimento de que a forma processual prevista no n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT é a única via de reacção judicial contra a decisão de avaliação indirecta. É pertinente relembrar a jurisprudência deste Tribunal a respeito da duplicação ou alternatividade de meios processuais, discutida no âmbito da já revogada Lei de Processos nos Tribunais Administrativos, a propósito da acção para o reconhecimento de um direito aí prevista, e que assim se resume no Acórdão n.º 435/98 (depois secundado, nomeadamente, pelo Acórdão n.º 104/99): «O legislador constitucional pretendeu assim criar, no quadro da justiça administrativa, um modelo garantístico completo, de forma a facultar ao administrado uma tutela jurisdicional adequada sempre que esteja em causa um interesse ou direito legalmente protegido. Porém, não pode afirmar-se que o legislador constitucional tenha pretendido uma duplicação dos mecanismos contenciosos utilizáveis. Com efeito, o que decorre do nº 5 do artigo 268º da Constituição é que qualquer procedimento da Administração que produza uma ofensa de situações juridicamente reconhecidas tem de poder ser sindicado jurisdicionalmente. É nesta total abrangência da tutela jurisdicional que se traduz a plena efectivação das garantias jurisdicionais dos administrados. Mas já não se enquadra necessariamente nesta ideia de total garantia jurisdicional uma duplicação ou alternatividade de meios processuais de reacção a uma dada actuação da administração. Na verdade, não decorre do nº 5 [actual n.º 4] do artigo 268º da Constituição a exigência da admissibilidade da acção para o reconhecimento de um direito quando o particular possa interpor recurso de anulação, precisamente porque este mecanismo processual se mostra adequado à tutela do seu direito, pretensamente lesado pela actuação da Administração (estará assim assegurada a plenitude da garantia jurisdicional dos administrados, por via do recurso de anulação).» Independentemente da posição que se tome sobre a referida questão da acção para o reconhecimento de um direito, a qual é irrelevante para o caso em apreço, a ideia central vertida no aresto citado é aqui inteiramente aplicável. Ou seja, a ideia de que o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos administrados não exige que o legislador ordinário consagre diversas formas processuais − alternativas ou duplicadas − para reacção contra uma mesma actuação da Administração. A plenitude da garantia jurisdicional está suficientemente assegurada através da previsão de um único meio processual, desde que este se mostre adequado à tutela do direito ou interesse legalmente protegido que lhe subjaz. No caso vertente, o legislador optou por uma estruturação de meios processuais que tutela adequadamente o contribuinte impugnante e é até, pode acrescentar-se, adequada à natureza da actuação administrativa, cuja impugnabilidade está em causa. Note-se que a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto configura um acto intermédio, se perspectivado no âmbito do procedimento mais amplo que termina com o acto de liquidação. Mas é também um acto que encerra uma fase daquele procedimento (ou um seu incidente) em termos de se poder considerar que as questões aí decididas não devem ser retomadas em momento ulterior. Não se mostra, por isso, desadequada ou insuficiente, face ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, a previsão legal de um meio específico de impugnação judicial desta decisão − que permite a sua impugnação directa e imediatamente, que tem natureza urgente e efeito suspensivo relativamente à prática do acto de liquidação − com preclusão da possibilidade de questionar posteriormente tal decisão, aquando da impugnação do acto de liquidação.» (fim de citação do acórdão 133/16 do TC) Pelo exposto e, porque se formou caso julgado, relativamente a saber se estavam verificados ou não os pressupostos para avaliação indirecta do IRS de 2008, o que constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento de mérito e determina a absolvição da instância a sentença recorrida não merece reparo e é de confirmar. 2.3. Conclusões I. O caso julgado material constitui uma exceção dilatória nominada, que obsta a que a mesma relação jurídica, já discutida e decidida, por decisão de mérito, transitada em julgado, possa ser submetida a novo julgamento (efeito negativo de proibição de repetição da causa) e que impõe o nela decidido a todos os tribunais, às partes e, dentro de determinados limites, inclusivamente, a terceiros (efeito positivo). Nesta dimensão, a exceção pressupõe que entre a primeira ação, em que foi proferida a decisão de mérito, transitada em julgado, e a segunda ação, exista identidade de sujeitos (do ponto de vista jurídico), de pedidos e de causas de pedir. II. Considerando que são as conclusões de recurso que delimitam o objecto do mesmo temos que a questão que se coloca é a de saber se foi legal a determinação da matéria colectável dos impugnantes no ano de 2008 com recurso a métodos indirectos, questão, essa que já foi objecto de pronúncia judicial transitada em julgado, o que aliás tem expressão no probatório da decisão recorrida. III. Formou-se, assim, caso julgado, relativamente a saber se estavam verificados ou não os pressupostos para avaliação indirecta do IRS de 2008, o que constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento de mérito e determina a absolvição da instância. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso. Custas a cargo dos Recorrentes. Porto, 10 de abril de 2025 Irene Isabel das Neves (Relatora) Jorge Costa (1.º Adjunto) José António Coelho (2.º Adjunto) |