Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
DNV, devidamente identificado nos autos, no âmbito de Ação Administrativa Especial intentada contra o Município de Fafe, tendente à “anulação de ato administrativo e condenação à prática de ato administrativo devido em substituição do ato praticado”, conexo, designadamente, com a edificação de um muro, inconformado com a decisão proferida no TAF de Braga, em 17 de junho de 2016, através da qual foi o réu absolvido da instância, veio em 12/07/2017, interpor recurso jurisdicional, aí concluindo (Cfr. fls. 120v a 125 Procº físico):
I. “Com o devido respeito, o despacho proferido, no sentido da determinação do Tribunal a quo da alegada ineptidão da petição inicial apresentada nos autos pelo A., merece a veemente discordância do A., já que consegue cilindrar, numa penada, todos os princípios determinantes do Estado de Direito, da Justiça Material e da Descoberta da Verdade. Deste modo;
II. Pugna o A. pela revogação do despacho proferido, o que assenta em cinco vetores de fundamentação, a saber:
III. da necessidade de reforma da sentença;
IV. da verificação de nulidade da sentença;
V. da violação dos princípios enformadores do Estado de Direito, da Justiça Material e da Descoberta da Verdade na decisão de indeferimento do pedido de prorrogação do prazo;
VI. da declaração de inconstitucionalidade no entendimento da inadmissibilidade do pedido de prorrogação do prazo;
VII. da crítica no entendimento que o Tribunal a quo faz da interpretação da petição inicial e das consequências daí emergentes.
VIII. I – da REFORMA DA SENTENÇA
IX. Impõe-se, em sede prévia, peticionar a REFORMA do despacho, nos termos dos art.ºs 613.º e seguintes do CPCivil, mormente do art.º 616.º n.º 2, alínea a) e b), ex vi, art.º 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o que faz subjacente aos seguintes fundamentos.
X. Desde logo, invoca o Tribunal a quo que “No entanto, volvidos mais de 15 (quinze) dias, por requerimento datado de 13 de Junho de 2016, o Autor veio requerer a confiança dos Autos físicos e do P.A. apenso por 10 (dez) dias para consulta, acrescidos de outros 20 (vinte) dias para analisar o acervo documental do procedimento administrativo e cumprir com o que lhe foi determinado.”. Destarte;
XI. Incorre, o Tribunal a quo, num duplo erro, presumivelmente por lapso manifesto, que apercebido, conduzia na firme convicção do A. a uma decisão diversa.
XII. Primeiro, na invocação de que o A. veio requerer a confiança do processo “volvidos mais de 15 (quinze) dias”. É que;
XIII. A confiança do processo foi requerida DENTRO DO PRAZO que lhe foi concedido.
XIV. Como tal, desconhece-se a que título vem referida a menção a “volvidos mais de 15 (quinze) dias”, senão como um manifesto lapso, já que, nem sequer contados desde a data (30.05.2016) da notificação se perfizeram esses alegados quinze dias (até 13.06.2016).
XV. Por outro lado, em segundo lugar, existe ainda erro na invocação de que “o Autor veio requerer a confiança dos Autos físicos e do P.A. apenso por 10 (dez) dias para consulta, acrescidos de outros 20 (vinte) dias para analisar”.
XVI. Não foi isso que o A. requereu.
XVII. O que o A. requereu foi “a PRORROGAÇÃO DO PRAZO para o cumprimento do despacho, em ulteriores vinte ( 20 ) dias contados a partir da data da confiança do processo.”
XVIII. E se não fossem vinte (20) dias, que fossem dez (10) dias, cinco (5) dias, ou até quarenta e oito (48) horas, mas nunca o indeferimento.
XIX. O A., para mais na posição processual que ocupa de sujeito ativo, não pretende protelar os presentes autos, apenas pretendendo que os mesmos sejam conduzidos a bom porto, no sentido da reposição da justiça e da legalidade do ato, na convicção dos fundamentos da sua pretensão.
XX. Não se pode é conformar com a ânsia de despachar processos, quiçá com fins estatísticos - tão na moda pelas políticas de diminuição das pendências judiciais -, já que, como diz o brocado popular, “a pressa é inimiga da perfeição”.
XXI. Como tal, e com todo o mui douto respeito, entende o A./recorrente que o despacho ora recorrido padece de erros manifestos que enformam uma decisão que, além de injusta, assenta em pressupostos errados, pelo que deverá ser reformado o despacho ora recorrido, determinando-se que o pedido de confiança e prorrogação do prazo foi praticado dentro do prazo e deferindo-se ambos (confiança e prorrogação) para corresponder ao convite em prazo a fixar pelo Tribunal.
XXII. II – da NULIDADE DA SENTENÇA
XXIII. Caso assim não se entenda, foi requerido pelo A. e SEQUENCIALMENTE, em primeiro lugar, a confiança dos autos, e apenas em segundo lugar, a prorrogação do prazo.
XXIV. Sucede que, sem que se vislumbre fundamento para o Tribunal a quo poder indeferir o pedido de confiança, optou o Tribunal a quo, por omitir qualquer pronúncia quanto a tal primeiro e primitivo pedido, preferindo aviar o processo para a apreciação liminar da ineptidão.
XXV. Isto porque, com o devido respeito, requerida a confiança dos autos em primeiro lugar e dentro do prazo de resposta que tinha sido conferido ao A., aquele devia ser o pedido a ser apreciado em primeiro lugar e;
XXVI. Deferida a confiança dos autos dentro do prazo concedido para o aperfeiçoamento do articulado, já não poderia o Tribunal a quo decidir pela sua ineptidão, nem conhecer da mesma,
XXVII. Seja porque não teria o processo para decidir, seja porque reconheceria a valência do pedido de confiança para corresponder ao convite;
XXVIII. Optando, outrossim, por omitir qualquer pronúncia quanto à confiança dos autos, de modo a legitimar a decisão formulada.
XXIX. Como tal, subsiste erro manifesto da decisão, consubstanciada no facto de ter sido ignorado o pedido de confiança dos autos, prévio à apreciação do pedido de prorrogação, o qual não foi considerado;
XXX. O que determina ainda a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615.º n.º 1, alíneas c) e d) do CPCivil, por remissão do art.º 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
XXXI. Devendo ser alterada a decisão em causa por outra que revogue a decisão quanto à prorrogação do prazo e ao julgamento da ineptidão e determine a apreciação do pedido de confiança do processo, formulado em primeiro lugar, o qual não se vê como possa ser indeferido.
XXXII.III – da VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS ENFORMADORES DO ESTADO DE DIREITO, DA JUSTIÇA MATERIAL E DA DESCOBERTA DA VERDADE;
XXXIII. Ainda que assim não se entendesse e sem conceder, o despacho ora recorrido, na medida em que indefere o pedido de prorrogação do prazo para responder ao convite ao aperfeiçoamento, por mais juspositivista que o julgador possa ser, vai contra todos os princípios que regem o Estado de Direito;
XXXIV. Cilindrando os princípios de cooperação, de lealdade, de igualdade, de justa composição do litígio, de descoberta da verdade matéria, do inquisitório, da justiça, etc.. Na verdade;
XXXV. Ora, cooperação, lealdade e verdade são valores que qualquer sociedade democrática deseja que prevaleçam em qualquer situação da vida, até mesmo na vida jurídica.
XXXVI. Do mesmo modo, um tratamento igualitário, colocado entre todas as partes e entre as partes e o Tribunal determina uma marcha célere, equitativa e justa do processo.
XXXVII. Caberá ainda relevar que tais princípios supranormativos sobrepõem-se às regras formalistas do andamento processual que não conduzam a uma decisão material, quanto à apreciação dos fundamentos de facto e das pretensões formuladas e à realização da justiça e verdade material.
XXXVIII. É neste sentido que, salvo melhor opinião, o despacho recorrido viola todos esses princípios. Isto porque;
XXXIX. Estabelecem tais normas e princípios que o fim último do processo visa, nem mais, nem menos, do que A JUSTA COMPOSIÇÃO DO LITÍGIO.
XL. Verdade é que, no despacho recorrido não foi sustentado – nem poderia ser – que o aí requerido fosse impertinente ou dilatório – que não é.
XLI. De facto, é tanto mais aviltante a recusa em sede do pedido formulado de prorrogação do prazo, na medida em que viola o princípio da igualdade, seja entre as partes, seja entre as partes e o Tribunal;
XLII. Porquanto, no que tange à igualdade entre as partes, o A. não teve acesso ao procedimento administrativo, senão nos presentes autos, sendo que, pelo contrário, o R. teve o procedimento na sua posse, controlando a condução e realização do mesmo, bem como todos os atos e documentos inerentes.
XLIII. Por outro lado, quanto à igualdade entre as partes e o Tribunal, embora todos tenham legalmente consagrado o mesmo prazo, em razão de tal igualdade, para a prática de atos – cfr. art.º 156.º n.º 1 do CPCivil para os magistrados e art.º 149.º n.º 1 do CPCivil para as partes,
XLIV. Verdade é que (considerando que a notificação da contestação é de JANEIRO/2016 e o despacho de convite ao aperfeiçoamento é de MAIO/2016) o Tribunal esteve MAIS DE QUATRO MESES E MEIO (4 ½ meses) APENAS para ler a petição inicial e convidar o A. aperfeiçoar.
XLV. Não seriam mais dez (10) ou vinte (20) dias, que determinariam um atraso processual inadmissível, mais a mais considerando a prática a que nos vêm habituando os Tribunais Administrativos e Fiscais (em que processos demoram dezenas de anos);
XLVI. Seja nos termos do disposto no art.º 569.º, n.º 5 do CPCivil ex-vi dos art.ºs 586.º do mesmo diploma adjetivo civil, analogicamente aplicados e considerando a complexidade dos presentes autos, bem como do acervo documental do procedimento administrativo, como foi requerido;
XLVII. Ou ainda que, ao abrigo dos princípios jurídicos da colaboração, do inquisitório, da justa composição do litígio, e dos princípios cívicos da razoabilidade e do bom senso.
XLVIII. Ora, o despacho não mereceria censura e até se poderia admitir que o prazo fosse outro que não aquele que foi requerido, mais a mais porque, conforme demonstrado supra, requerido dentro de prazo, mas nunca o indeferimento da prorrogação;
XLIX. Sob pena de violação dos direitos constitucionais do A., designadamente de acesso ao direito, aos tribunais e à justiça – cfr. art.º 20.º, designadamente no seu n.º 4 da CRPortuguesa - e de igualdade – cfr. art.º 13.º da CRPortuguesa.
L. Nestes termos e por tudo quanto resulta supra exposto, deverá ser revogada a decisão recorrida quanto ao indeferimento do pedido de prorrogação do prazo e substituída por outra que admita tal pedido de prorrogação do prazo para corresponder ao convite ao aperfeiçoamento, ainda que em prazo a fixar pelo Tribunal.
LI.IV – da INCONSTITUCIONALIDADE;
LII. Na senda do que resulta supra, invoca cautelarmente o A. a INCONSTITUCIONALIDADE do art.º 88.º n.ºs 2 e 4 do CPTA, no entendimento do normativo no sentido de que tal prazo não comporta a admissibilidade de prorrogação do mesmo;
LIII. Sob pena de violação dos princípios constitucionais de acesso ao direito, aos tribunais e à justiça – cfr. art.º 20.º, designadamente no seu n.º 4 da CRPortuguesa -, de igualdade – cfr. art.º 13.º da CRPortuguesa – e de justiça material.
LIV. O entendimento constante da decisão recorrida, no sentido de que o n.º 4 do art.º 88.º do CPTA, ao dispor que “A falta de suprimento ou correção, nos termos previstos no n.º 2 das deficiências ou irregularidades da petição determina a absolvição da instância”, quando foi requerida a prorrogação do prazo conferido dentro do prazo concedido, não admite a prorrogação daquele prazo, é inconstitucional.
LV. O direito ao acesso aos tribunais consagra uma garantia fundamental do acesso aos tribunais e é uma concretização do princípio do Estado de Direito que apresenta uma dimensão prestacional na parte em que impõe ao Estado o dever de assegurar meios tendentes a evitar a denegação de justiça.
LVI. Por sua vez, o princípio da igualdade, quando concatenado com o acesso ao direito e aos tribunais e a necessidade de descoberta da verdade matéria e justa composição do litígio, determina uma igualdade tendencial entre todos os intervenientes;
LVII. Devendo, por tudo isso, ser declarada a inconstitucionalidade do n.º 4 do art.º 88.º do CPTA, ao dispor que “A falta de suprimento ou correção, nos termos previstos no n.º 2 das deficiências ou irregularidades da petição determina a absolvição da instância”, quando foi requerida a prorrogação do prazo conferido dentro do prazo concedido, não admite a prorrogação daquele prazo, revogando-se assim a decisão recorrida.
LVIII. V – da INEXISTÊNCIA DE INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL;
LIX. Finalmente, ainda que sem conceder, mesmo que não fosse admitida a confiança dos autos e/ou a prorrogação do prazo requerido, sempre se verifica que, salvo melhor opinião e com o devido respeito, a petição inicial não padece de erro, insuficiência, confusão que determine a sua ineptidão e conduza à absolvição da instância do R..
LX. A verdade é que se não pode confundir ineptidão com deficiência de alegação.
LXI. Apenas havendo lugar a ineptidão no caso de a petição ser completamente omissa quanto ao pedido ou à causa de pedir; mas, aparte esta espécie, daí para cima são figuras diferentes a ineptidão e a insuficiência da petição.
LXII. Quando muito e sem conceder, uma eventual preterição de qualquer forma mais nítida de exposição dos factos não é suscetível de configurar uma total ineptidão da petição inicial;
LXIII. Na certeza de que todos os elementos essenciais a dirimir o litígio se encontram nos autos.
LXIV. De facto, o A. alegou suficientemente a relação factual subjacente nos artigos 1.º a 9.º da petição inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
LXV. E identificou os atos cuja legalidade pretende ver apreciada, designadamente:
LXVI. ordem de demolição voluntária, em 10.04.2013, com fundamento em “execução de anexo encostado ao vizinho, por ter parecências em termos de cércea”, quando na realidade a cércea é motivada pela execução de terraço e muro, com parte inferior térrea não utilizável, e respetivo ofício 1438/2014 de 24/03;
LXVII. despacho da Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística do R. proferido em 24.03.2014, no sentido de “1 - O presente projeto licenciado, cumpre os afastamentos legais e regulamentares aplicáveis à operação urbanística. Relativamente ao afastamento de uma garagem ao limite do lote vizinho, o projeto não prevê qualquer garagem encostada ao limite lateral. 2 - De facto verifica-se em obra que foram executados dois espaços ao nível da cave, de um e outro lado da edificação principal, mas que não estão previstos no projeto licenciado. Estes espaços segundo o projeto são térreos e sobre eles não está previsto lages de betão armado como se verifica em obra.”;
LXVIII. despacho do R. de 30.04.2015, que alega que a construção viola a constituição de servidão de vistas do prédio vizinho;
LXIX. despacho de 12.05.2014, da Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística do R., onde ordena a cassação do original do título de Admissão da Comunicação Prévia de Obras de Edificação emitido a favor do A. e;
LXX. Despachos do R., de 12.11.2014 e 18.02.2015, sempre no prazo de trinta dias, “a demolição do muro e placa de cobertura executada em desacordo com o que havia sido licenciado”
LXXI. Deste modo, o Tribunal a quo tem a elencação dos factos e identificação dos atos na petição inicial, determinantes da causa de pedir e do pedido;
LXXII. Tanto que o R. percebeu perfeitamente o teor integral da petição inicial e dela se defendeu, contestando-a ponto por ponto.
LXXIII. E o Tribunal, fizesse um esforço, perceberia perfeitamente quais os atos que estão em causa.
LXXIV. Do mesmo modo, quanto à junção dos documentos, os mesmos estão no procedimento administrativo, que está na posse do Tribunal, daí a remissão para os mesmos, por globalmente incorporados no processualismo impugnado.
LXXV. Ainda que o Tribunal a quo não quisesse conceder prazo ao A. para os juntar, bastaria então consultá-lo !!!
LXXVI. O que não se pode conceder é que seja julgada a ineptidão da petição inicial, quando o Tribunal a quo tem na sua posse todos os elementos necessários à apreciação dos autos.
LXXVII. Mais do que isso, algumas das questões suscitadas pelo A. e até prévias, são questões formais emergentes do próprio procedimento administrativo, como sejam a preterição do direito de audição, a incompetência/falta de legitimidade do R..
LXXVIII. Não pode, por isso, o Tribunal a quo declarar que a petição inicial é inepta ou que faltam os documentos.
LXXIX. Devendo ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue apta a petição inicial e ordene o prosseguimento dos autos, assim se fazendo Justiça!
O Município de Fafe veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 30 de setembro de 2016, tendo apresentado as seguintes conclusões (Cfr. fls. 158 e 158v Procº físico):
“I – A douta sentença recorrida, está bem fundamentada, quer de facto, quer de direito, sendo assim, formal e materialmente, uma sentença justa.
II – Ao teor se adere, o que por si só infirmará os fundamentos do recurso, já analisados e decididos pelo Tribunal recorrido.
Nestes termos, e nos melhores de direito, que por Vossas Excelências serão supridos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, confirmando-se a douta sentença recorrida, tudo com as legais consequências.
Decidindo assim, farão Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.”
Em 18 de outubro de 2016 foi no TAF de Braga proferido Despacho de admissão do Recurso (Cfr. fls. 161 Procº físico)
O Ministério Público, notificado em 22 de novembro de 2016, veio a emitir Parecer em 6 de dezembro de 2016, no qual, a final, se pronuncia no sentido de ser revogada a decisão recorrida e ordenada a baixa dos autos à 1ª instância com vista à sua subsequente tramitação.
Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importará verificar a suscitada “nulidade decorrente da omissão de pronuncia, materializada no facto de não ter versado e decidido sobre a requerida confiança do processo”, mais se invocando diversos erros de julgamento na interpretação e aplicação do direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Factos e Circunstâncias Relevantes
Consta da Sentença Recorrida:
“Porque da petição inicial constavam, de forma particularmente desarticulada e confusa, menções à LGT (Lei Geral Tributária), ao CPP (Código de Processo Penal), ao (novo) CPA (Código de Procedimento Administrativo), num arrazoado jurídico desconexo de factos concretos que os suportassem, mais se referindo, nos artigos 11 a 17 da p.i., alguns (alegados) “atos administrativos”, praticados em procedimento que terá corrido termos nos serviços do Réu, sem os identificar cabalmente ou deles juntar qualquer prova, referindo apenas “cfr. Doc./Procedimento Administrativo”, a fls. 94 dos autos físicos, foi proferido despacho, datado de 27 de Maio de 2016, determinando ao Autor que, em 10 (dez) dias, identificasse corretamente os atos que efetivamente pretende ver impugnados, juntando cópias dos mesmos.
No entanto, volvidos mais de 15 (quinze) dias, por requerimento datado de 13 de Junho de 2016, veio o Autor requerer a confiança dos Autos físicos e do P.A. apenso por 10 (dez) dias para consulta, acrescidos de outros 20 (vinte) dias para analisar o acervo documental do procedimento administrativo e cumprir com o que lhe foi determinado.
Vejamos, pois.
Segundo o artº 78º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que fixa os “requisitos da petição inicial”:
“(…)
2 - Na petição, deduzida por forma articulada, deve o autor:
(…)
d) Identificar o ato jurídico impugnado, quando seja o caso;
(…)
g) Expor os factos e as razões de direito que fundamentam a ação;
(…)
l) Indicar os factos cuja prova se propõe fazer, juntando os documentos que desde logo provem esses factos ou informando que eles constam do processo administrativo;
(…)”
Diz o artº 88º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
“1 - Quando, no cumprimento do dever de suscitar e resolver todas as questões que possam obstar ao conhecimento do objeto do processo, verifique que as peças processuais enfermam de deficiências ou irregularidades de carácter formal, o juiz deve procurar corrigi-las oficiosamente.
2 - Quando a correção oficiosa não seja possível, o juiz profere despacho de aperfeiçoamento, destinado a providenciar o suprimento de exceções dilatórias e a convidar a parte a corrigir as irregularidades do articulado, fixando o prazo de 10 dias para o suprimento ou correção do vício, designadamente por faltarem requisitos legais ou não ter sido apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
3 - Nos casos previstos nos números anteriores, são anulados os atos do processo entretanto praticados que não possam ser aproveitados, designadamente porque do seu aproveitamento resultaria uma diminuição de garantias para o demandado ou os demandados.
4 - A falta de suprimento ou correção, nos termos previstos no n.º 2, das deficiências ou irregularidades da petição determina a absolvição da instância, sem possibilidade de substituição da petição ao abrigo do disposto no artigo seguinte.”
(…)
Tendo presentes tais “irregularidades”, foi proferido despacho, datado de 27 de Maio de 2016, a fls. 94 dos autos físicos, determinando que o Autor, em 10 (dez) dias, nos termos dos artigos acima, identificasse corretamente os atos que efetivamente pretende ver impugnados, juntando cópias dos mesmos.
No entanto, volvidos mais de 15 (quinze) dias, por requerimento datado de 13 de Junho de 2016, o Autor veio requerer a confiança dos Autos físicos e do P.A. apenso por 10 (dez) dias para consulta, acrescidos de outros 20 (vinte) dias para analisar o acervo documental do procedimento administrativo e cumprir com o que lhe foi determinado. Ora:
O prazo para aperfeiçoamento ao abrigo do princípio pro-actione é o legalmente estipulado e, neste caso, foi concedido e esgotado.
A maior ou menor complexidade do processo (e do procedimento) devem ser aferidas e ponderadas pela respetiva parte, in illo tempore, aquando da propositura da ação, não podendo beneficiar de uma descriminação positiva, por conta da mesma, já em juízo, iniciada a marcha processual e à revelia do legalmente prescrito.
Cumpre, pois, indeferir, assim, a requerida prorrogação de prazo, ficando precludida a necessidade de consulta dos autos ou do P.A. apenso.
Igualmente, cumpre extrair consequências do vertido no nº 4 do artº 88º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, acima transcrito, absolvendo-se o Réu da instância.”
IV – Do Direito
Vem pelo Autor interposto Recurso decorrente da decisão proferida pelo tribunal a quo ao ter absolvido da instância o Município de Fafe, nos termos do Artº no artº 88.º, 2 e 4, do CPTA.
A referida absolvição da instância assentou no facto do TAF de Braga ter entendido que em resultado do convite que fez para que fossem juntos aos autos cópias dos atos impugnados, a agora Recorrente se ter limitado a requerer a confiança do processo e do respetivo procedimento administrativo, mais requerendo a prorrogação do prazo para o cumprimento do referido convite.
Vejamos:
DA NULIDADE DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
Imputa o Recorrente à Sentença Recorrida, nulidade decorrente de omissão de pronúncia, resultante do facto de nada ter sido decidido relativamente à requerida confiança do processo, o que consubstanciará na nulidade prevista no artigo 615.°, n.º 1, al. d), do CPC.
Refira-se desde logo que se não vislumbra a verificação da invocada nulidade.
Efetivamente as causas determinantes de nulidade estão taxativamente enunciadas no atual Artº 615.°, n.º 1, do CPC, tal como se encontravam já na precedente versão do mesmo CPC, no seu Artº 668.°, n.º 1.
Tal como evidenciado pelo Ministério Público no seu Parecer, verifica-se desde logo que existem causas de nulidade formais, designadamente, na al. a) do seu n.º 1 do referido normativo, ao que acresciam causas de natureza material, constantes das alíneas b) a e), do n.º 1 da mesma norma.
No que aqui releva, refere-se no n.º 1 do Artº 615º CPC, que "É nula a sentença quando: (...) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (...)".
Já a este respeito se pronunciou este TCAN, designadamente e entre muitos outros, no Acórdão de 20/11/2014, no Processo n.º 00417/11.5BEPNF, no qual sintomaticamente se sumariou o seguinte:
"1 — O art.° 95°, no 1 do CPTA impõe que o tribunal deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
2 - Resulta dos artigos 660º do CPC e 95° n°1 do CPTA, que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sejam de natureza processual [artigo 660° n°1 do CPC] ou substantiva, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras [artigo 660° n°2 do CPC], e deve limitar-se a tais questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras [artigo 660° n°2 in fine e 95° n°1 do CPTA in fine].
3 — O tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciarão se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões."
Atento o referenciado, não se vislumbra efetivamente que o tribunal a quo tenha omitido pronúncia relativamente a qualquer questão face à qual devesse pronunciar-se, em função da decisão proferida.
Independentemente da valia da decisão proferida, o que é facto é que o tribunal a quo se limitou a absolver o Município da instância, no pressuposto de que o aqui Recorrente não havia dado cumprimento ao convite que lhe fora feito no sentido de corrigir instrumentalmente a PI apresentada.
Neste contexto mostrar-se-ia inútil qualquer pronúncia relativamente à requerida confiança do processo, a qual se mostraria inútil e prejudicada em decorrência da decisão proferida.
Em face do que precede, mostra-se inexistir a suscitada omissão de pronúncia, improcedendo assim a invocada nulidade.
DOS ERROS DE JULGAMENTO DE DIREITO
Importa desde logo reiterar que o tribunal a quo, por despacho de 27/05/2016, convidou o Autor a juntar os atos objeto de impugnação, tendo concedido, para o efeito, um prazo de 10 dias.
O referido Despacho foi notificado por carta registada expedida em 30/05/2016, em face do que se presume que a notificação tenha ocorrido em 02/06/2016.
Assim, independentemente do seu conteúdo, a resposta dada pelo Autor em 13/06/2016, sempre se mostraria tempestiva, uma vez que 12 de junho era domingo.
Em qualquer caso, na resposta dada, não veio o Autor a apresentar os atos objeto de impugnação, tendo antes vindo a requerer a confiança do processo e do respetivo procedimento administrativo, mais se requerendo a prorrogação do prazo para o cumprimento do despacho, em ulteriores 20 dias, contados a partir da data da confiança do processo.
Perante tal resposta, o tribunal a quo limitou-se a proferir a decisão aqui objeto de impugnação, absolvendo o Município da instância, nos termos do art.° 88.º, n.º 4, do CPTA.
O Recorrente veio consequentemente a imputar um conjunto de erros de julgamento à referida decisão, decorrentes, designadamente, de inconstitucionalidade da interpretação do invocado normativo, por suposta violação dos princípios de acesso ao direito, aos tribunais e à justiça, da igualdade e da justiça material, em violação dos artigos 20.º, n.º 4 e 13.º da CRP.
Como referem Mário Aroso e Carlos Cadilha, em anotação ao Artº 88º do CPTA, trazida pelo Ministério Público no seu Parecer, «Em todos os outros casos, em que a correção oficiosa não seja possível, o n.º 2, prevê que o juiz profira um despacho de aperfeiçoamento, que poderá ter duas finalidades: (a) providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias; (b) permitir a correção de irregularidades formais do articulado, «designadamente por faltarem requisitos legais ou não ter sido apresentado um documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa».
"O despacho de aperfeiçoamento traduz-se num convite do tribunal ao demandante para suprir ou corrigir o vício de que enferma a petição, em termos de assegurar o prosseguimento do processo.
"(...) O despacho de aperfeiçoamento poderá ainda dirigir-se a aspetos substanciais do articulado, corporizando meras deficiências, que poderão respeitar à alegação da matéria de facto ou à formulação do pedido ou da causa de pedir, como sejam aqueles que resultem do incumprimento do disposto nas alíneas g), h) e l) do n.º 1 do artigo 78.º (...).
"(...) Contrariamente ao que sucede na lei processual civil, que nada refere quanto às consequências da inação da parte perante o convite do tribunal (cfr. artigo 508.° do CPC), o n.º 4 deste artigo 88.º é claro ao estabelecer que "a falta de suprimento ou correção (...) das deficiências ou irregularidades da petição determina a absolvição da instância", o que parece significar que a falta de requisitos legais do articulado ou a insuficiência na descrição da matéria de facto são tidas como nulidades processuais, que, não tendo sido supridas, geram a impossibilidade de prosseguimento do processo. (...)
Acresce que o n.º 4 penaliza a atitude não cooperante do autor, quando não dê satisfação ao convite do tribunal, com a impossibilidade da substituição da petição. Esta solução está em consonância com o disposto no n.º 2 do artigo 89.º, onde se prescreve que "a absolvição da instância sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento não impede o autor de, no prazo de 15 dias contados da notificação da decisão, apresentar nova petição, com observância das prescrições em falta (...)". Ou seja, só quando a absolvição da instância resulte do incumprimento do convite do tribunal para o suprimento ou correção de deficiências é que não é possível a apresentação de nova petição, com o aproveitamento dos efeitos que decorram da petição primeiramente apresentada.» (in «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos» 3.ª edição revista - 2010, págs. 584, 588, 589 e 590).
Em bom rigor, embora se admita que o peticionado conterá algumas imprecisões semânticas, denotando ainda uma pouco intuitiva e explicita identificação dos atos objeto de impugnação, tais circunstâncias, só por si, não poderão determinar a absolvição do Município da instância, a pretexto de uma, inexistente, intempestividade na resposta ao convite ao aperfeiçoamento.
Sem prejuízo daquilo que vem de se referir, a Petição inicial, ainda assim, identifica com um mínimo de inteligibilidade os atos objeto de impugnação, o que desde logo determina a injustificação do sentido da decisão proferida e aqui Recorrida.
Tanto assim é, que a aqui Entidade Recorrida soube identificar os atos objeto de impugnação, não obstante ter vindo a suscitar a exceção da caducidade do direito de ação.
Neste contexto, não se poderá deixar de entender como admissível e não meramente dilatório, que o aqui Recorrente tivesse sentido a necessidade de vir aos autos requerer a confiança do processo e a concessão de um prazo suplementar a fim de proceder à sua consulta e ao subsequente cumprimento do despacho para aperfeiçoamento.
Aliás, o facto de alguns dos atos objeto de impugnação estarem identificados na PI como “Cfr. Doc./Procedimento Administrativo”, sem mais, e tendo o despacho de aperfeiçoamento do TAF de Braga referido que deveriam ser juntas “cópias de tais atos”, evidencia a necessidade do Recorrente em querer aceder ao PA, a fim de, designadamente, obter os referidos atos.
O que se não mostra coerente e adequado é o facto do tribunal a quo ter singelamente ignorado o requerido pelo então Autor, tendo desde logo, e sem mais, declarado a absolvição da instância do Município.
Atento o facto já verificado de que a resposta dada se mostrou tempestiva, sempre o tribunal a quo teria de se pronunciar relativamente ao seu conteúdo, em homenagem, designadamente, ao seu poder inquisitório e atentos os princípios da promoção do acesso à justiça e da cooperação, estabelecidos nos artigos 7.º e 8.º, n.ºs 1 e 3, do CPTA.
Como evidenciado pelo Ministério Público, verifica-se que a decisão meramente formal adotada pelo tribunal a quo, contraria, designadamente, o princípio pro actione, ínsito no artº 7º do CPTA, violando ainda os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da promoção do acesso à justiça (Cfr. Artº 2º CPTA).
Reitera-se assim que importaria que o tribunal a quo, atenta a tempestividade do requerido pelo então Autor, tivesse pois proferido decisão de mérito, apreciando as razões subjacentes à requerida prorrogação de prazo, ainda que, e porventura, reduzindo o prazo que vinha requerido.
Efetivamente, o do TAF de Braga, entendendo que o prazo requerido se mostraria excessivo, sempre poderia fundadamente, ao abrigo dos seus poderes de gestão processual, reduzi-lo para um prazo que entendesse mais adequado e razoável.
Em face de tudo quanto se mostra expendido, entende-se dever ser revogada a decisão objeto de recurso, fazendo baixar os autos ao tribunal a quo a fim de ser retomada a sua normal tramitação. * * * Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, mais se determinando que seja retomada a sua normal tramitação junto do tribunal de 1ª instância, se a tal nada mais obstar.
Custas pela Entidade Recorrida
Porto, 14 de julho de 2017
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia (Voto Vencido)
Voto vencido, considerando, em síntese:
- concordo com a lógica da decisão de 1ª instância; a parte tem prazo definido em lei para interpor a acção, preparando-a e reunindo o que para ela é necessário; não obstante, após a propositura, ainda lhe dá tempo para correcção de irregularidades; mesmo encarando que aí se possa tratar de prazo não absolutamente preclusivo, só se justificaria que assim pudesse suceder (podendo passar pela necessidade de confiança do processo e prorrogação de prazo) se houvesse razão justificativa que derrogasse essa previsão por insuficiência do padrão de lei para, no caso concreto, dar cumprimento às exigências em causa; estando ausentes razões justificativas, não levadas ao conhecimento do tribunal “a quo”, limitou-se este a dar desfecho segundo o comando legal a que devia respeito.
Porto, 14/07/2017.
[Luís Migueis Garcia] |