Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00825/23.9BEAVR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 02/21/2025 |
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Tribunal: | TAF de Aveiro |
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Relator: | LUÍS MIGUEIS GARCIA |
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Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO. PRESCRIÇÃO; INFRACÇÃO PERMANENTE; ADMINISTRADOR JUDICIAL; |
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Sumário: | I) - «Como se sumaria em Ac. deste TCAN, de 15-07-2014, “A prescrição de infracção permanente - que se distingue da infracção instantânea de efeitos permanentes - só corre desde dia em que cessar a consumação.”» – Ac. deste TCAN, de 24-04-2021, proc. n.º 1213/17.1BEAVR.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Recurso de contra-ordenações - Recursos jurisdicionais |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: O Ministério Público recorre do decidido pelo TAF de Aveiro, que julgou «extinto por prescrição o processo de contraordenação e, em consequência, ordena o arquivamento dos autos», processo de contra-ordenação (n.º 115/2019) no qual «AA», Administrador Judicial (Rua ..., Edifício ..., ...), apresentou recurso da decisão , proferida em 29/09/2023, de aplicação de coima pelo substituto do Diretor da Comissão de Disciplina dos Auxiliares de Justiça (CDAJ) da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), coima de € 2 000,00 por violação dos deveres legais previstos no n.º 1 do artigo 12.º do Estatuto dos Administradores Judiciais, e 73.º, n.º 2, alíneas a), d), e e) da Lei Geral de Trabalho em Funções Publicas, no desempenho das funções de Administrador Judicial, no âmbito dos processos de insolvência n.ºs 40/10.... e 1063/10..... Conclui (e no mesmo sentido acompanha o Mº Pº junto deste tribunal): 1ª Não se nos afigura que tenha ocorrido a prescrição do procedimento contraordenacional declarado pela douta sentença, pois a sedimentação da consumação do ilícito imputado ao Exmº Impugnante não se pode ter por verificado na data em que foi proferida decisão no apenso de prestação de contas, erroneamente, como bem prestadas, mas tão só, com todo o respeito, a partir do encerramento final dos autos nos termos em que decorre da imposição da al. b) do nº 1 do artº 233º do CIRE, ou, ainda para além desse termos, haja lugar à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência. 2ª Mantendo-se assim as atribuições legais e os correspondentes deveres estatutários, desde logo ao nível do nº 1 e 2 do artº 12º do Estatuto do Administrador Judicial aprovado pela Lei 22/2013 de 26/02, continua este investido como verdadeiro servidor da justiça e do direito e, como tal, obrigado à honra e à das responsabilidades que lhes são inerentes, ou seja, “….no exercício das suas funções, devem atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados” (sublinhado nosso) 3º Como vemos, o dever do Administrador de Insolvência, susceptível de pôr em causa a relação de confiança com o juiz titular do processo, e, sobretudo, com os credores, não cessa quando o Tribunal (induzido erroneamente na convicção de que as contas estão certas) as declare assim validamente apresentadas, sob pena de incompatibilidade também com o fim primacial a que alude o nº 1 do artº 1º do CIRE; 4º De onde decorre que “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores” (sublinhado nosso) 5º Em momento algum do processo de insolvência decorre que após a prolação da sentença de prestação de contas, fica o Administrador desonerado dos deveres legais a que se mostra sujeito, pois a omissão de qualquer acto susceptível de se repercutir no resultado da satisfação dos credores do insolvente, e dos créditos da massa insolvente, mesmo de eventual superveniente conhecimento omitido de qualquer bem, deixa de ser disciplinarmente relevante. 6º Com todo o respeito, com a declarada prescrição do procedimento, incorreu o douto Tribunal em erro de julgamento, por se mostrarem violadas as normas supra-referidas. Contra-alegou o referido «AA», rematando: I. Se bem se percebe, o que propugna o Recorrente é que o prazo de prescrição seja contado a partir do encerramento do processo de insolvência nos termos do dispsoto nos artigos 230.º e ss. do CIRE. II. Mas acontece que, no caso vertente, e conforme julgado provado na sentença recorrida (vide ponto 28. do elenco de factos julgados provados, que não foi colocado em crise no recurso interposto pelo MP), o encerramento do processo ocorreu no dia 20/10/2012, III. Isto é, em data ainda anterior àquela que o tribunal a quo assumiu como termo inicial do prazo de prescrição (que foi o dia 28/06/2013, data da decisão que valida as contas prestadas pelo AJ)! IV. Assim, aplicando-se o raciocínio do Recorrente, ter-se-ia de concluir que a prescrição ocorrera até numa data anterior à indicada na sentença recorrida. V. Não obstante, com o devido respeito, crê-se que a posição mais acertada é a assumida pelo tribunal a quo, segundo a qual o termo da (alegada) ilicitude ocorreu com a aprovação sentença que valida as contas prestadas pelo AJ. Isto porque, VI. Nos termos do disposto no artigo 233.º, n.º 1, al b) do CIRE, com o encerramento do processo de insolvência “Cessam as atribuições da comissão de credores e do administrador da insolvência, com excepção das referentes à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência”. VII. No caso vertente, conforme já referido, o encerramento do processo ocorreu no dia 20/10/2012. VIII. A partir dessa altura, as únicas atribuições que restavam ao AJ referiam-se à apresentação de contas. IX. Assim, a partir do momento em que tais contas foram validadas pelo tribunal, o ora Recorrido deixou de ter quaisquer atribuições no âmbito daquele processo de insolvência, X. E se deixou de ter quaisquer atribuições, não lhe pode ser imputada a violação de quaisquer deveres a partir desse momento, cessando qualquer situação de ilicitude que se viesse (que não vinha, pois que o Recorrido mantém a convicção de que nenhum ilícito praticou) prolongando até então. XI. Assim, nunca o termo inicial do prazo de prescrição poderia situar-se em momento posterior ao da cessação das atribuições do Recorrido, o que ocorreu com a aprovação das contas apresentadas. * Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir. * Os factos, fixados como provados pelo tribunal “a quo”: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] * A apelação: O tribunal “a quo” julgou «extinto por prescrição o processo de contraordenação e, em consequência, ordena o arquivamento dos autos», sob seguinte fundamentação: «O Recorrente alegou a prescrição do processo de contraordenação com fundamento na circunstância de que os factos relevantes para a imputação da contraordenação datam de 27.07.2011 (data da venda do veículo e depósito do valor da venda na conta da massa insolvente da sociedade [SCom01...], Lda.), 24.11.2011 ( data da comunicação remetida à credora que deu origem ao inquérito), 13.06.2012 (data de proposta de encerramento do processo de insolvência da [SCom02...], Lda.), 20.10.2012 (data de encerramento da insolvência da sociedade [SCom02...], Lda.) e 12.03.2013 (data de depósito do valor na conta da massa insolvente da [SCom02...], Lda.) e, em relação à data mais recente já decorram mais de cinco anos, em conformidade com o disposto no artigo 27.º, al. a) do Regime Geral de Contraordenações ex vi artigo 17.º, n.º 3, do Estatuto dos Administradores Judiciais. O Ministério Público e a CAAJ defendem a natureza continuada do ilícito, reiterando que ainda não ocorreu o rateio pelos credores. Vejamos, pois. Todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima é uma contraordenação (artigo 1º do Regime Geral das Contraordenações). A contraordenação tem subjacente uma conduta humana, que poderá ser por ação ou omissão considerando o princípio jurídico “nullum crimen sine actione”. A prescrição no processo contraordenacional tem fundamento em razões de certeza e segurança jurídica. Este instituto consiste na extinção de um direito em virtude do decurso de certo período de tempo que, a verificar-se, terá por efeito a extinção do processo contraordenacional. Assim, o Estado, por não o haver exercido em tempo considerado útil, perde o direito de perseguir o agente de uma contraordenação ou de executar a coima e sanções acessórias impostas. No Estatuto dos Administradores Judiciais, os processos de contraordenação contra os administradores judiciais, regem-se pelo regime subsidiário previsto no Regime Geral das Contraordenações (artigo 17.º, n.º 3 do Estatuto dos Administradores Judiciais). O artigo 27.º do Regime Geral das Contraordenações, dispõe o seguinte: “O procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido os seguintes prazos: a) Cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79; b) Três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79; c) Um ano, nos restantes casos.” Os artigos 27.º-A e 28.º do Regime Geral das Contraordenações disciplinam as causas de suspensão e de interrupção da prescrição. O artigo 27.º-A do RGCO, prevê o seguinte: “1 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso 2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”. Relativamente à suspensão, junta-se o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão ao tempo decorrido após a cessação da causa da suspensão, sendo que na esfera do processo contraordenacional a suspensão tem a duração máxima de 6 meses nas situações enunciadas no artigo 27.º- A, n.º 1, alíneas b) e c), do Regime Geral das Contraordenações. Por referência à interrupção da prescrição, consideramos, o disposto no artigo 28.º do Regime Geral das Contraordenações, que determina que “1-A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. 2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação 3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.” Relativamente à interrupção, o seu efeito instantâneo, provoca a inutilização de todo o tempo decorrido, começando a correr novo prazo prescricional (artigo 121.º, n.º 2 do Código Penal, aplicável por força do artigo 32.º do Regime Geral das Contraordenações). Não obstante, com a norma prevista no n.º 3 do artigo 28.º do Regime Geral das Contraordenações, limita-se o efeito duradouro de uma eventual interrupção, estabelecendo um prazo máximo de prescrição para o procedimento de contraordenação. Deste modo para o artigo 28.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações apenas releva o tempo de suspensão, não sendo de considerar qualquer interrupção ocorrida no procedimento. Note-se, porém, que a sua aplicação, apenas se verifica, quando, no caso concreto, estejamos perante uma situação em que se exceda aquele prazo máximo de prescrição. Por sua vez, o artigo 18.º, n.º 3 do Estatuto dos Administradores Judiciais prescreve que a instauração de processo disciplinar interrompe os prazos de prescrição das contraordenações eventualmente praticadas, iniciando-se a contagem dos prazos na data de decisão do processo disciplinar. Resulta da factualidade provada que ao Recorrente vem imputada a violação dos deveres legais previstos no n.º 1 do artigo 12.º do Estatuto dos Administradores Judiciais e das alíneas a), d) e e) do n.º 2 do artigo 73.º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, encontrando-se preenchido o tipo contraordenacional previsto no n.º 4 do artigo 19.º do Estatuto dos Administradores Judiciais. O Recorrente foi nomeado Administrador de Insolvência no processo de insolvência n.º 1063/10...., a correr termos no 2.º juízo do Tribunal Judicial de Tomar, em que é insolvente a [SCom02...]. Lda. e no processo de insolvência n.º 40/10...., a correr termos no 1.º juízo do Tribunal Judicial de Tomar, em que é insolvente a [SCom01...], Lda. (pontos 17 e 18 do probatório). No âmbito do processo de insolvência n.º 40/10...., em que é insolvente a [SCom01...], Lda., apreendeu e vendeu o veículo com a matrícula ..-..-QT, ainda que este se encontrasse registado a favor da [SCom02...]. Lda. (pontos 19 e 20 do probatório). Em 13.09.2011, a apreensão do veículo no processo de insolvência referente à [SCom01...], Lda., ficou sem ativo. (pontos 21 e 23 do probatório). Em 10.10.2011, informou, erroneamente a credora da massa insolvente sobre o destino do valor da venda (pontos 22 e 24 do probatório). Posteriormente, o Recorrente, em 21.12.2011, procedeu à apreensão do veículo ..-..-QT no processo de insolvência da [SCom02...]. Lda. e registou a venda a favor da Massa Insolvente (pontos 25 e 26 do probatório). Porém, em 13.06.2012, apresentou proposta, no processo de insolvência n.º 1063/10...., para encerramento por insuficiência da massa, o que sucedeu em 17.12.2012 ( pontos 27 e 28 do probatório). Em 17.12.2012, requereu a abertura do processo de insolvência n.º 1063/10...., considerando a transferência do saldo referente ao valor do ativo - 10.765,00 euros, valor suficiente para pagamento de despesas, honorários e rateio, tendo sido determinado pelo Tribunal que se desse sequência à liquidação da sociedade nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais (pontos 29 e 31 do probatório). Consequentemente, remeteu comunicação para a Conservatória, mencionando a existência de ativos para serem rateados (ponto 34 do probatório). Após apresentação das contas no âmbito do processo de insolvência n.º 40/10...., procedeu à transferência do valor para a massa insolvente da [SCom02...]. Lda. (pontos 30, 32 e 33 do probatório). Em 28.06.2013, no âmbito do processo de insolvência n.º 1063/10...., foi proferida sentença nos termos do n.º 3 do artigo 62.º do CIRE, na qual se julgam as contas apresentadas pelo Administrador de Insolvência, bem prestadas, com um saldo positivo no valor de €11.035,05 (ponto 35 do probatório). Ora, o Recorrente refere que o acontecimento relevante, mais recente, se situa na data da transferência do montante para a conta da massa insolvente da [SCom02...], Lda., alegadamente, em 12.03.2013. De todo o modo, a CAAJ discute que a infração tem caráter continuado considerando que, até ao momento, o valor positivo da massa insolvente da [SCom02...]. Lda. não foi, ainda, rateado e distribuído aos credores. Assim, importa, por conseguinte, delimitar temporal e factualmente a conduta do Recorrente para efeitos de contagem do prazo prescricional para determinar a natureza instantânea, continuada ou permanente da infração. Conforme prevê o artigo 5.º do Regime Geral das Contraordenações “O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.” No entendimento perfilhado por Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos: “Uma infração tanto pode ser cometida instantaneamente, como pode ser constituída por atos ou comportamentos que se prolongam no tempo. (…) no caso das contraordenações permanentes (aquelas em que o evento se prolonga por mais ou menos tempo. Nestes casos, o momento relevante para os vários efeitos substantivos e processuais (competência, prescrição, imputabilidade), por paralelismo com a situação regulada no artigo 61º, nº 2, será aquele em que é executado o último ato que integra a infração. Importa notar que, nos termos da última parte deste artigo, as infrações omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o respetivo cumprimento.” No mesmo sentido, se tem pronunciado a jurisprudência, como se pode inferir do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05.02.2019, proferido no processo 289/18.9 T8SLV.E1, quanto à qualificação das contraordenações permanentes. Assim, a contraordenação é permanente, sempre que à prática de um ato ilícito se segue a produção de evento com prolongamento no tempo do estado antijurídico típico por efeito de constante renovação da resolução criminosa do agente, o qual tem a faculdade de lhe por termo a qualquer altura. Nestas contraordenações, tal como nos crimes, existem duas fases distintas integradas numa só figura: uma primeira, em que se cria um estado antijurídico e uma segunda, correspondente à manutenção desse evento. Contrariamente, as contraordenações instantâneas praticam-se num determinado momento, ao que não obsta o facto das suas consequências se prolongarem no tempo. Aqui inexiste a constante renovação da resolução criminosa . A contraordenação continuada é constituída por uma série de condutas ilícitas que, verificadas determinadas condições, são consideradas como uma só contraordenação. A determinação do momento da prática é essencial para a determinação da contagem do prazo de prescrição No caso vertente, a acusação imputa ao Recorrente a errónea afetação do valor da venda do veículo com a matrícula ..-..-QT, no âmbito do processo de insolvência n.º 40/10.... e a omissão de informação sobre o destino do valor da venda, demonstrando falta de zelo e incumprimento da prossecução do interesse público, naqueles processos de insolvência. Logo é manifesto o seu caráter permanente, em particular, considerando a omissão do dever de informação. Assim, temos que situar o momento da prática da conduta contraordenacional, quando cessa o preenchimento do tipo objetivo de ilícito. Pois bem, o tipo objetivo de ilícito cessa, concretamente, quando é proferida sentença nos termos do n.º 3 do artigo 62.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresa, no processo de insolvência da [SCom02...]. Lda. (processo n.º 1063/10....), na qual se julgam bem prestadas as contas apresentadas pelo Administrador de Insolvência, findando a violação dos deveres funcionais, por referência, ao apuramento dos valores da venda do veículo e quanto à omissão de informação. Importa, pois, salientar que a produção de um resultado não constitui elemento típico da contraordenação, como a autoridade administrativa pretende fazer crer, ao exigir que ocorra concretização do rateio do valor pelos credores. Para determinar o momento da prática releva apenas o momento do termo da ilicitude relativamente ao tipo de ilícito imputado que, no presente caso, ocorreu em 28.06.2013 (ponto 35 do probatório). Considerando que o Recorrente está sancionado pelo preenchimento objetivo e subjetivo do tipo de ilícito previsto nos artigos 19.º, n.º 4 do Estatuto dos Administradores Judiciais, cuja moldura contraordenacional engloba coimas máximas abstratas de 50.000 euros, é de cinco anos o prazo prescricional aplicável [artigo 19.º do Estatuto dos Administradores Judiciais conjugado com o artigo 27.º, alínea a), do Regime Geral das Contraordenações] bem como, que o primeiro momento interruptivo é a notificação realizada em 21.05.2019 (ponto 8 do probatório), verifica-se que o prazo já se encontra transcorrido. Ora, entre a última data da prática dos factos (28.06.2013) e a data do primeiro facto interruptivo (21.05.2019), já haviam decorrido cinco anos. Face ao exposto, concluímos, assim, que na data em que foi proferida a decisão que procede à aplicação da coima, o procedimento por contraordenação já se encontrava extinto, por prescrição. Razão pela qual sempre fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pelo Recorrente.». Em questão encontra-se o “dies a quo” a considerar para o prazo de prescrição. Já no tribunal “a quo” o recorrente - na medida em que introduziu os autos em juízo louvando-se na “decisão de sustentação sancionatória” - defendeu uma “natureza continuada ou permanente” do(s) ilícito(s), colocando tónica em ainda não ter ocorrido rateio pelos credores, até aí, pois, sem início do prazo. A decisão recorrida - ainda que também vendo tratar-se de infracção permanente -. não foi de encontro à conclusão, antes tomando por marco temporal a sentença de prestação de contas. O fio de lógica da discordância do recorrente tem esteio na ideia de que não fica por aí o Administrador desonerado dos deveres legais a que se mostra sujeito, pois “qualquer omissão se mantém relevante e permanente mesmo para além do rateio final, ou seja, na verdade, até ao encerramento final dos autos, pois expressamente o dispõe assim também o artº 233º, nº 1. al. b) do CIRE, ao prever que só tal decisão tem como efeito normal a cessação das atribuições do administrador da insolvência, sem prejuízo também, de mesmo assim se manter na eventual necessidade de apresentação de contas, e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência, o que se compagina na íntegra com os deveres estatutários do Administrador da Insolvência.” (corpo de alegações). Mas o que antes pauta não até quando se mostra vinculação a tais deveres, é antes o tempo da prática do facto violador de tais deveres. Como reza o artigo 5.º do Regime Geral das Contra-ordenações: “O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.”. Sobre o ponto, alinha-se o que vem em Ac. RE, de 12-09-2023, proc. n.º 140/23.8T8ABT.E1: «Como refere Jescheck, é de suma importância prática a distinção entre consumação formal e consumação material ou terminação. Há crimes cuja consumação formal não coincide com a consumação material ou terminação, como é o caso dos crimes de consumação antecipada (crimes de intenção, de perigo e de empreendimento), crimes em que a consumação se caracteriza pela sua estrutura interativa (crimes permanentes, crimes em dois atos e com pluralidade de atos individuais), crimes em que o resultado final ou global se obtém através de ações que não correspondem em sentido formal à descrição do respetivo tipo (destruição completa de edifício incendiado, colocação a salvo do objeto contrabandeado depois da passagem da fronteira), e crimes de unidade natural de ação e de ação continuada, sendo que o prazo para a perseguição penal (denúncia, queixa), tal como para efeitos de prescrição do crime, não se inicia enquanto não se verificar a sua terminação, ou seja, a consumação material.»[[3]] «Quando a consumação de um crime se traduza na realização de um ato ou na produção de um evento cuja duração seja instantânea, isto é, não se prolongue no tempo, esgotando-se num único momento, diz-se que crime é instantâneo. Por exemplo, o homicídio consuma-se no momento em que se dá a morte da vítima, o furto no momento em que se dá a subtração da coisa. O crime não será instantâneo, mas antes duradouro (também chamado, embora com menor correção, permanente) quando a consumação se prolongue no tempo, por vontade do autor. Assim, se um estado antijurídico típico tiver uma certa duração e se protrair no tempo enquanto tal for vontade do agente, que tem a faculdade de pôr termo a esse estado de coisas, o crime será duradouro. Nestes crimes a consumação, anote-se, ocorre logo que se cria o estado antijurídico; só que ela persiste (ou dura) até que um tal estado tenha cessado. O sequestro (art.158.º) e a violação de domicílio (art.190.º - 1) são exemplos deste tipo de crimes.” [[4]] «Na estrutura dos crimes permanentes distinguem-se duas fases: uma, que se analisa na produção de um estado antijurídico, que não tem aliás nada de característico em relação a qualquer outro crime; outra, e esta propriamente típica, que corresponde à permanência, ou, vistas as coisas de outro lado, à manutenção desse evento, e que, para alguns autores, consiste no não cumprimento do comando que impõe a remoção, pelo agente, dessa compreensão de bens ou interesses jurídicos em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz. Nos crimes permanentes, realmente, o primeiro momento do processo executivo compreende todos os atos praticados pelo agente até ao aparecimento do evento (v. g. no crime de cativeiro do art.º 328º a privação da liberdade do violentado), isto é, até à consumação inicial da infração; a segunda fase é constituída por aquilo a que certos autores fazem corresponder uma omissão, que ininterruptamente se escoa no tempo, de cumprir o dever, que o preceito impõe ao agente, de fazer cessar o estado antijurídico causado, donde resulta, ou a corresponde, o protrair - se da consumação do delito. Desta forma, no crime permanente haveria, pelo menos, uma ação e uma omissão, que o integrariam numa só figura criminosa.» E aqui chegados, impõe-se ter presente que, «Conquanto a lei refira que o prazo de prescrição se conta a partir da prática da contraordenação, a verdade é que, em regra, a contagem do prazo de prescrição não deve nem pode ser feita a partir do momento da prática da contraordenação, tal como vem definido no artigo 5.º deste Regime Geral, mas antes a partir do momento (dia) em que o facto se tiver consumado ou terminado (concluído), de acordo com o disposto no artigo 119.º, números 1 e 4, do Código Penal (…). Por outro lado, certo é que relativamente às contraordenações não consumadas ou tentadas, bem como às contraordenações permanentes e continuadas, há que ter em atenção, também, as regras de contagem estabelecidas no número 2, do artigo 119.º do Código Penal, aqui aplicáveis subsidiariamente (art.32.º). (…) «contraordenação permanente é aquela em que o momento de consumação perdura por um tempo mais ou menos longo e, enquanto dura essa permanência, o agente encontra-se a cometer a contraordenação. Assim, tempo da comissão da contraordenação permanente é todo o espaço que vai até à terminação do facto (consumação material).»[[5]]». No nosso caso, a conduta sancionada versou errónea afetação do valor da venda do veículo com a matrícula ..-..-QT, no âmbito do processo de insolvência n.º 40/10.... e a omissão de informação sobre o destino do valor da venda, apontando o tribunal “a quo” “o seu caráter permanente, em particular, considerando a omissão do dever de informação. Assim, temos que situar o momento da prática da conduta contraordenacional, quando cessa o preenchimento do tipo objetivo de ilícito. Pois bem, o tipo objetivo de ilícito cessa, concretamente, quando é proferida sentença nos termos do n.º 3 do artigo 62.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresa, no processo de insolvência da [SCom02...]. Lda. (processo n.º 1063/10....), na qual se julgam bem prestadas as contas apresentadas pelo Administrador de Insolvência, findando a violação dos deveres funcionais, por referência, ao apuramento dos valores da venda do veículo e quanto à omissão de informação.”. «Como se sumaria em Ac. deste TCAN, de 15-07-2014, “A prescrição de infracção permanente - que se distingue da infracção instantânea de efeitos permanentes - só corre desde dia em que cessar a consumação.”» – Ac. deste TCAN, de 24-04-2021, proc. n.º 1213/17.1BEAVR. «O estado violador da lei prolonga-se sem intervalos, numa duração, digamos, assim, sem colapsos e sem limites, e a qualquer momento está sendo cometida a infracção, porque esse inimterrupto estado antijurídico é que é, exactamente, o ilícito. A prescrição, portanto, há-de correr quando cessa a permanência da acção» (Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-ordenações, 3.ª edição, pág. 249, citando A. Carvalho Filho, Comentário ao Código Penal Brasileiro, pág. 249). Nesta linha, o recente Ac. deste TCAN, de 07-02-2025, proc. n.º 1516/16.2BEPRT. In casu, “a violação dos deveres funcionais, por referência, ao apuramento dos valores da venda do veículo e quanto à omissão de informação” seguramente não mais se prolongou no tempo que até os autos estarem municiados desse apuramento e informação, sempre não ultrapassando o tempo em que a prestação de contas foi julgada; pelo que o prazo a tomar em conta para efeitos da prescrição não poderá reportar-se a mais tarde. Assim, e sem outro óbice, na decorrência do que aí mais vem alinhado, segue-se confirmação do julgado. * Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso. Custas: são suportadas pelo erário público (art.º 94.º, nº. 4 do RGCO). Porto, 21 de Fevereiro de 2025. Luís Migueis Garcia Ana Paula Martins Celestina Caeiro Castanheira |