Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01941/20.4BEPRT |
![]() | ![]() |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 02/11/2022 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | TAF do Porto |
![]() | ![]() |
Relator: | Ricardo de Oliveira e Sousa |
![]() | ![]() |
Descritores: | INIMPUGNABILIDADE DO ATO - EFICÁCIA EXTERNA - ARQUIVAMENTO DE PROCESSO |
![]() | ![]() |
Sumário: | I- A impugnabilidade do ato depende apenas deste consubstanciar uma (i) decisão materialmente administrativa de autoridade cujos efeitos produzidos (ii) se projetem para fora do procedimento onde o ato se insere. II- A decisão de arquivamento de um requerimento formulado no âmbito de um processo de apoio judiciário reflete uma (i) decisão materialmente administrativa de autoridade que não se circunscreve apenas à realidade intra-orgânica da Ordem dos Advogados, antes (ii) projetando os seus efeitos jurídicos na esfera jurídica do Recorrente e, bem assim, do advogado visado no email reencaminhado por aquele. III- Logo, por ser um verdadeiro ato administrativo dotado de eficácia externa, é suscetível de ser alvo de controlo jurisdicional.* * Sumário elaborado pelo relator |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * * I – RELATÓRIO J., devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, em 27.04.2021, julgou verificada a “(…) exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato e determinou a absolvição da instância da Ré (…)”. Em alegações, o Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) 1. O Recorrente apresentou junto do Tribunal a quo uma Petição Inicial de Ação Administrativa comum que visava a Impugnação Judicial de Ato Administrativo, nos termos previstos nos artigos 55° e 58° do CPTA. 2. Perante a pretensão do Recorrente o Tribunal a quo, em Saneador-Sentença, elaborado nos termos do artigo 88°, n.° 1, alínea a) do CPTA decidiu julgar como procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato, invocada pela Ré e, em consequência disso, absolver aquela da instância. 3. O Recorrente discorda, desde logo, da decisão da Sentença que se recorre, pois considera, de forma indubitável, que estamos perante um ato administrativo impugnável, pois não é o facto de alegadamente “inexistir uma pretensão jurídica” notória e expressada em texto ou sob outra forma pelo interessado que determina a inimpugnabilidade do ato administrativo. 4. O Recorrido deixou bem clara quais eram as suas intenções, ao remeter para o órgão competente pela apreciação das escusas, um requerimento em que questiona o deferimento do pedido de escusa do seu patrono nomeado. 5. Esta decisão do Conselho Regional do Porto - de aceitar a escusa nos termos apontados pelo Patrono então nomeado - fez com que o Recorrido se encontrasse despojado do devido Apoio Jurídico que fora concedido, pelo menos na modalidade de nomeação de patrono para exercício do patrocínio judicial, facto que por si só já é demonstrativo e claro de que a não pronúncia devida do vogal da Ordem sobre o pedido do Recorrente provocou efeitos jurídicos externos. 6. A questão de saber se estamos ou não perante um ato administrativo não foi sequer questionada em qualquer fase processual! O que aqui está em questão, que foi objeto da decisão da sentença que ora se recorre e que legitima o presente recurso, é que partindo do pressuposto que o ato é administrativo, este seja inimpugnável - ora, tal o Recorrente não pode concordar. 7. Isto porque produção de efeitos jurídicos externos é um elemento de raiz caraterizador e, mais, definidor do que é um ato administrativo, não sendo isso que acautela a sua pretensão impugnatória. 8. Pela aceção do artigo 51°, n.° 1 do CPTA em conjugação com o artigo 148° do CPA somos forçados a concluir que a regra é que quando estamos perante um ato administrativo estamos perante um ato suscetível de impugnação. 9. Note-se que, não tendo sido posto em causa, em momento algum o facto de estarmos perante um ato administrativo ou não, até porque do conteúdo da sentença tal questão não é abordada, tanto que nem existe qualquer referência ao conceito do ato nem ao artigo que o define, o já referido 148° do CPA. 10. Em suma, existe uma decisão - de arquivar o requerimento apresentado pelo Recorrente - emanada por uma entidade administrativa - a Ordem dos Advogados - no âmbito do exercício da sua atividade jurídico-administrativa, logo claro que tal ato é de suscetível de ser impugnado, ou não estivéssemos perante um ato administrativo! 11. Entende o Recorrente, como acima o expressou, que tal referência à alegada caducidade do Direito é um erro de escrita, sendo involuntária tal cominação, no entanto, por mero dever de cautela, cumpre aqui defender que nunca poderia uma alegada exceção de natureza claramente dilatória - tanto que importa a absolvição da instância - cominar na caducidade de um direito e na impossibilidade do Recorrente vir a exercer os seus direitos e o devido reconhecimento da sua causa de pedir. (…)”. * Notificada que foi para o efeito, a Recorrida Ordem dos Advogados requereu a alteração do domicílio profissional e a retificação do erro material operado na decisão judicial recorrida consubstanciado na qualificação da matéria excetiva como sendo de caducidade do direito e não de inimpugnabilidade do ato impugnado.* A decisão judicial recorrida foi retificada por despacho nos termos que fazem fls. 101 e seguintes dos autos [suporte digital].* O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.* O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.* Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.* II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR* * O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se o despacho saneador-sentença recorrido, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito. Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir. * * III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…) 1. Em 19.08.2019, o Autor enviou ao Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ré um correio eletrónico, através do qual reencaminhou um e-mail enviado a Dr. D., com o seguinte teor parcial: “(…) Exmos. Senhores Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Porto Conselho Regional do Porto Ordem dos Advogados NP 134581/2019 Reencaminha-se email. Com os melhores cumprimentos. O beneficiário J. -----------------Forwarded message-------------------- De: J. <X@gmail.com> Date: segunda, 19/08/2019 à(s) 15:29 Subject: Re: NP 134581/2019 To: D. <X@adv.oa.pt> Boa tarde Dr D. Obrigado pelo email. Faltaram dois factos importantes: a) Mentir no requerimento feito ao tribunal quando no mesmo existia o meu pedido de substituição, o qual ele teve conhecimento e foi notificado; b) Comunicar ao AE a entrada da ação, ultrapassando os princípios éticos e de seriedade profissional, por isso a matéria deontológica já aberta. Consequentemente a total perda de confiança. As aplicam-se para os dois lados, advogados e beneficiários, e não só para um só lado. Se fosse um advogado a referir isso, imediatamente era aceite o pedido de escusa. Como é um simples e mero beneficiário, então o enquadramento e a decisão é diferente O arbítrio das decisões é passível de impugnação. Aceitar que um advogado peça escusa só por não ter tido compatibilidade com o beneficiário, sem mais explicações, e que foi aceite, mas se fosse um beneficiário imediatamente era recusado. Quero dizer que os advogados podem mentir nos pedidos de escusa, podem arranjar os argumentos mais incoerentes para o seu pedido de escusa, mas que serão aceites pelo CRP. O contrário não seria possível, ainda acrescido de os despachos serem contra o beneficiário. Dois pesos e duas medidas. (...)” (cfr. doc. 2 da p.i.). 2. Em 12.09.2019, foi emitido pela Ré ofício com o seguinte teor parcial: “(…) Exmo. Senhor, Com referência ao assunto em epígrafe, informa-se V. Exa. do despacho exarado, de 12 de setembro de 2019, pelo Exmo. Senhor Dr. R., Vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, com competência delegada (Despacho do Senhor Presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados de 27 de janeiro de 2017, publicado em D.R., 2a Série - N° 81 de 26 de abril de 2017), cujo teor a seguir se transcreve: “O beneficiário nada requer limitando-se a reencaminhar um e-mail que enviou ao seu patrono, pelo exposto extraia-se o requerimento do processo e arquive-se em local onde deverão ser colocados os requerimentos do beneficiário em que se limita a fazer considerações laterais ao processo AJ." R. (….)” (cfr. doc. 1 da p.i.). 3. A p.i. dos presentes autos deu entrada no presente Tribunal no dia 15.10.2020, via SITAF (cfr. fls. 1 dos autos). * Motivação da matéria de facto: No que respeita aos factos provados, a decisão da matéria de facto constante dos pontos 1 a 3 do probatório efetuou-se com base nos documentos e elementos indicados no elenco de factos provados, à frente de cada facto, em conjugação com a posição assumida pelas partes, ao longo dos seus articulados (…)”. * III.2 - DO DIREITO Cumpre decidir, sendo que a única questão que se mostra controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se o despacho saneador-sentença recorrido, ao julgar procedente a suscitada exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato posto em crise nos autos, e, consequentemente, ao absolver a Ré da instância, incorreu em erro de julgamento de direito. Vejamos, convocando, desde já, a fundamentação de direito que, neste particular conspecto, ficou vertida na sentença recorrida: “(…) Vejamos então se procede a exceção da inimpugnabilidade do ato, desde já se dizendo que a mesma procede totalmente. Nos presentes autos, o Autor vem impugnar o ato da Ré que determinou o arquivamento de uma mensagem de correio eletrónico por si enviado aos serviços da Ré, com fundamento no facto de, em tal mensagem, nada ser requerido (cfr. ponto 2 do probatório). Ora, nos termos do art. 51.°, n.° 1, do CPTA, '“Ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico- administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos.” O ato em crise nos autos limita-se a determinar o arquivamento de correspondência que foi endereçada à Ré, não produzindo qualquer tipo de efeito na esfera jurídica do Autor. Na verdade, o Autor havia enviado uma sua mensagem, enviada a um seu anterior Patrono, para os serviços da Ré, mas nada de concreto havia requerido perante tais serviços, nem nenhuma pretensão formulou que importasse decidir (cfr. ponto 1 do probatório). Salienta-se que o envio de uma argumentação esgrimida perante um terceiro, desacompanhada da formulação de um pedido ou requerimento específico dirigido à Ré, não constitui esta última entidade no dever de decidir. Se assim é, inexiste uma pretensão jurídica do Autor que tenha resultado prejudicada pela determinação de arquivamento por parte da Ré que aqui vem impugnada. Assim sendo, o ato impugnado é um ato inimpugnável, nos termos do art. 51.°, n.° 1, do CPTA, por não ter produzido quaisquer efeitos jurídicos externos na situação do Autor, que nenhuma pretensão havia formulado perante a Ré através do requerimento de 19.08.2019 (cfr. ponto 1 do probatório). Procede, pois, a exceção de inimpugnabilidade do ato que vem invocada pela Ré (…)”. Examinando a fundamentação vertida na decisão judicial recorrida, e cotejando a mesma com a natureza do alegado pelo Recorrente em esteio do presente recurso, adiante-se, desde já, que o assim decidido não é de manter. Para explicitação do juízo que se vem de expor, mostra-se útil começar por deixar um breve enquadramento teórico necessário para a apreciação da questão. A nossa Lei Fundamental garante aos administrados o direito a impugnarem junto dos tribunais administrativos quaisquer atos ou condutas desenvolvidos pela Administração Pública que os lesem na sua esfera jurídica e independentemente da sua forma [artigo 268.º, n.º 4 da CRP]. Para a definição do que constitui ou deve ser conceptualizado como “ato administrativo impugnável” importa considerar, desde logo, o comando constitucional enunciado no n.º 4 do artigo 268.º da CRP. Ora, o C.P.T.A., no seu artigo 51.º, veio definir, como princípio geral, o que é tido como ato contenciosamente impugnável, colocando o acento tónico na “eficácia externa”, prevendo-se no preceito legal que “(…) ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os atos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (…)” [n.º 1]. Naquela definição parece mostrar-se pressuposto um conceito material de ato administrativo que se mostra enunciado no artigo 148.º do C.P.A., mas, no entanto, como refere J.C. VIEIRA DE ANDRADE “… o conceito processual de ato administrativo impugnável não coincide com o conceito de ato administrativo, sendo, por um lado, mais vasto e, por outro, mais restrito. É mais vasto apenas na dimensão orgânica, na medida em que não depende da tradicional qualidade administrativa do seu Autor … - artigo 51.º, n.º 2. É mais restrito, na medida em que só abrange expressamente as decisões administrativas com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os atos cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 51.º, n.º 1) - devendo entender-se que atos com eficácia externa são os atos administrativos que produzam ou constituam (que visem constituir, que sejam capazes de constituírem) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respetiva eficácia concreta …” [in A Justiça Administrativa - Lições, 2011, 11.ª edição, págs. 182/183]. Daí que se compreendam ou insiram no conceito legal de “ato impugnável” todos os atos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos, assim se respeitando a garantia constitucional impositiva, garantia essa que acaba, todavia, por ser estendida pelo legislador ordinário a todos aqueles atos que, mesmo não sendo lesivos de direitos subjetivos e de interesses legalmente protegidos, são dotados de eficácia externa. Atos com eficácia externa são todos os atos administrativos que determinem a produção de efeitos externos, independentemente da sua eficácia. Tudo isto para concluir que a impugnabilidade do ato depende, no patamar mínimo, deste consubstanciar uma (i) decisão materialmente administrativa de autoridade cujos efeitos (ii) se projetem para fora do procedimento onde o ato se insere. Volvendo ao caso concreto, importa convocar a resenha processual relevante: Em 19.08.2019, o Autor enviou ao Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ré um correio eletrónico, através do qual reencaminhou um e-mail enviado a Dr. D., com o seguinte teor parcial: “(…) Exmos. Senhores Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Porto Conselho Regional do Porto Ordem dos Advogados NP 134581/2019 Reencaminha-se email. Com os melhores cumprimentos. O beneficiário J. -----------------Forwarded message-------------------- De: JLCunha Couto <X@gmail.com> Date: segunda, 19/08/2019 à(s) 15:29 Subject: Re: NP 134581/2019 To: D. <X@adv.oa.pt> Boa tarde Dr D. Obrigado pelo email. Faltaram dois factos importantes: a) Mentir no requerimento feito ao tribunal quando no mesmo existia o meu pedido de substituição, o qual ele teve conhecimento e foi notificado; b) Comunicar ao AE a entrada da ação, ultrapassando os princípios éticos e de seriedade profissional, por isso a matéria deontológica já aberta. Consequentemente a total perda de confiança. As aplicam-se para os dois lados, advogados e beneficiários, e não só para um só lado. Se fosse um advogado a referir isso, imediatamente era aceite o pedido de escusa. Como é um simples e mero beneficiário, então o enquadramento e a decisão é diferente O arbítrio das decisões é passível de impugnação. Aceitar que um advogado peça escusa só por não ter tido compatibilidade com o beneficiário, sem mais explicações, e que foi aceite, mas se fosse um beneficiário imediatamente era recusado. Quero dizer que os advogados podem mentir nos pedidos de escusa, podem arranjar os argumentos mais incoerentes para o seu pedido de escusa, mas que serão aceites pelo CRP. O contrário não seria possível, ainda acrescido de os despachos serem contra o beneficiário. Dois pesos e duas medidas. (...)” (cfr. doc. 2 da p.i.). Sobre este requerimento, recaiu despacho exarado em de 12 de setembro de 2019, pelo Exmo. Senhor Dr. R., Vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, com competência delegada, do seguinte teor: “O beneficiário nada requer limitando-se a reencaminhar um e-mail que enviou ao seu patrono, pelo exposto extraia-se o requerimento do processo e arquive-se em local onde deverão ser colocados os requerimentos do beneficiário em que se limita a fazer considerações laterais ao processo AJ.". Inconformado, o Autor interpôs a presente ação visando a declaração de ilegalidade, por nulidade, do dito despacho de 12 de setembro de 2019, que não logrou obter qualquer provimento. Isto porque o Tribunal a quo considerou inimpugnável com base no entendimento, no mais essencial, de que o “(…) o ato em crise nos autos limita-se a determinar o arquivamento de correspondência que foi endereçada à Ré, não produzindo qualquer tipo de efeito na esfera jurídica do Autor (…)”, inexistindo, por isso, “(…) uma pretensão jurídica do Autor que tenha resultado prejudicada pela determinação de arquivamento por parte da Ré que aqui vem impugnada (…)”. Ou seja, o Tribunal a quo fundou a inimpugnabilidade do despacho impugnado na falta de lesividade do mesmo. Julgamos, porém, que os termos em que o Tribunal a quo desenvolve a sua argumentação são destituídos de plena certeza jurídica. Realmente, a assunção por parte do Tribunal a quo de no sentido de que “(…) inexiste uma pretensão jurídica do Autor que tenha resultado prejudicada pela determinação de arquivamento por parte da Ré que aqui vem impugnada (…)”, além de ser de rigor discutível, encerra uma representação que “peca por defeito” no domínio da possibilidade sindicabilidade contenciosa dos atos administrativos. De facto, um ato administrativo pode não ser lesivo. Contudo, se for dotado de eficácia externa, é susceptível de alvo de controlo jurisdicional. É o que sucede no caso em análise. Na verdade, a decisão de arquivamento de um requerimento formulado no âmbito de um processo de apoio judiciário aqui censurada reflete uma decisão materialmente administrativa de autoridade que não se circunscreve apenas à realidade intra-orgânica da Ordem dos Advogados, antes projetando os seus efeitos jurídicos na esfera jurídica do Recorrente e, bem assim, do advogado visado no email reencaminhado por aquele [cfr. ponto 1) do probatório coligido]. Efetivamente, o despacho impugnado não é configurável como sendo um ato preparatório ou instrumental que visa disciplinar e orientar o procedimento administrativo iniciado com o requerimento entregue pelo Recorrente. Diferentemente, apresenta-se como uma atuação administrativa totalmente definitória do dito procedimento administrativo, direcionada no sentido do encerramento da discussão administrativa iniciada com requerimento formulado pelo Recorrente. Independentemente da maior ou menor valia do requerimento apresentado pelo Recorrente – se mostra perfeito ou não em termos de formulação de uma real pretensão - a verdade é que a Administração tomou um posição definitória sobre a matéria nele versada visada com notória repercussão “além portas”. Torna-se, por isso, patente, que o ato ora impugnado consubstancia um verdadeiro ato administrativo dotado de eficácia externa, suscetível, por isso, de ser alvo de controlo jurisdicional. Por conseguinte, impõe-se conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar a decisão judicial recorrida e determinar a baixa dos autos à 1ª instância, para que aí prossigam os seus ulteriores trâmites processuais, se outra causa a tanto não obstar. Assim se decidirá. * * IV – DISPOSITIVONestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a decisão judicial recorrida e determinar a baixa dos autos à 1ª instância, para que aí prossigam os seus ulteriores trâmites processuais, se outra causa a tanto não obstar. Custas pela Recorrida, ficando esta, porém, exonerada do pagamento da taxa de justiça que seria devida pelo impulso processual nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado. Registe e Notifique-se. * * Porto, 11 de fevereiro de 2022,Ricardo de Oliveira e Sousa Rogério Martins Luís Migueis Garcia |