Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01695/04.1BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 12/07/2006 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Drº Carlos Luís Medeiros de Carvalho |
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Descritores: | COMPETÊNCIA EM RAZÃO MATÉRIA. TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. ENTES PRIVADOS |
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Sumário: | Dado inexistir qualquer norma legal vigente que sujeite as sociedades de natureza privada aqui RR. ao regime específico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público que é reclamado pelo art. 04.º, n.º 1, al. i) do ETAF como condição “sine qua non” para a extensão do âmbito da jurisdição administrativa ao julgamento e efectivação de tal responsabilidade nos tribunais administrativos estes carecem de competência em razão da matéria cabendo a mesma aos tribunais comuns. |
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Data de Entrada: | 11/25/2005 |
Recorrente: | A. e outra |
Recorrido 1: | S..., SA, e A..., SA |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Negar provimento ao recurso |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A… e M…, identificados nos autos a fls. 02, inconformados vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 15/02/2005, na parte em que julgou procedente a excepção de incompetência em razão da matéria e absolveu da instância na acção administrativa comum, sob forma sumária, que os mesmos haviam deduzido também contra as RR., aqui ora recorridas, “SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES S…, SA.” e “A… – AGÊNCIA PARA A MODERNIZAÇÃO D…, SA”, ambas devidamente identificadas nos autos, e na qual era peticionada a sua condenação solidária no pagamento, a título de indemnização emergente de responsabilidade civil, da quantia de € 11.554,90, acrescida de juros desde a citação até efectivo pagamento. Formulam, nas respectivas alegações (cfr. fls. 155 e segs. – paginação suporte em processo físico), as seguintes conclusões que se reproduzem: “(...) 1. A Douta sentença fez uma errada interpretação da al. i) do n.º 1 do art. 04.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. 2. O regime específico de responsabilidade das Câmaras Municipais é aplicável aos particulares que a elas se encontram vinculados por um contrato administrativo. 3. Mediante esse contrato de empreitada, a Câmara delegou poderes públicos nas empresas privadas. 4. As empreitadas de obras públicas são contratos administrativos. 5. Um contrato administrativo encerra uma relação jurídica de direito administrativo e não de direito civil. 6. O Tribunal Administrativo e Fiscal é também competente por conexão. 7. Já que tem competência para apreciar uma relação jurídica de direito privado no âmbito de um processo administrativo – extensão da competência à decisão de questões prejudiciais. 8. O que está em causa nos presentes autos é um contrato de direito administrativo, sendo a empreitada de obra pública um contrato administrativo e público. 9. As empresas privadas em causa – por força do contrato público – são equiparadas às empresas concessionárias. 10. A Ré A… actuou em nome da CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO. 11. O contrato celebrado pela Ré A… (em nome da CMP) e a SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES S…, S.A. é um contrato de empreitada de obras públicas e como tal um contrato administrativo – n.º 2 do art. 09.º do ETAF. 12. O Tribunal Administrativo e Fiscal tem competência para conhecer das acções sobre contratos administrativos e das acções sobre responsabilidade civil das autarquias por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública – alíneas g) e h) do n.º 1 do art. 51.º do ETAF. 13. O dano causado no imóvel dos Autores deve-se a um acto de gestão pública – a requalificação da marginal do Rio Douro.” 14. O Tribunal Administrativo e Fiscal é competente para conhecer o pedido dos Autores. (…).” Das RR., aqui ora igualmente recorridas, apenas a “A… (…), SA” apresentou contra-alegações (cfr. fls. 172 e segs. – paginação suporte em processo físico) nas quais formulou as seguintes conclusões: “(…) a) As diversas conclusões apresentadas pelos Recorrentes são, salvo sempre o devido respeito, erradas legal e juridicamente; b) Na verdade, as RR. – A… e Sociedade de Construções S… - são duas entidades de direito privado – sociedades anónimas; c) Pelo que não existe o pressuposto identificado na parte final da alínea i) do artigo 4.º do ETAF, isto é, norma legal que estabeleça como aplicável a estas entidades de direito privado o regime específico da responsabilidade do estado e demais pessoas colectivas de direito público; d) Logo, não se incluindo legal e expressamente a resolução de tais litígios no âmbito dos tribunais administrativos, cabe aos tribunais comuns a sua resolução (cfr. Artigo 212.º, n.º 1 CRP); e) Acresce ainda que, a actuação da A… em nome da CM Porto ou a do Empreiteiro em nome da A…, no âmbito relação jurídica de que resulta a produção do efeito danoso susceptível de indemnização, não difere daquela em que estaria, um outro qualquer particular que tivesse tido uma conduta semelhante; f) Verifica-se que não existe, entre as partes, qualquer supremacia de uma sobre a outra, característica própria da relação jurídica de direito público (não há por parte da A…/Empreiteiro o uso do ius imperium); g) Assim, a análise material da relação jurídica controvertida demonstra que não estamos perante uma relação jurídica administrativa, mas de uma relação de direito privado, pelo é competente para o seu conhecimento o tribunal comum. (…).” Conclui pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida. O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts.146.º e 147.º ambos do CPTA veio apresentar parecer inserto a fls. 203/205 dos autos (paginação suporte em processo físico) no qual sustenta a improcedência do recurso jurisdicional e manutenção da decisão recorrida. As partes notificadas daquele parecer nada vieram requerer ou declarar (cfr. fls. 206 e segs. – paginação suporte em processo físico). Pelo despacho inserto a fls. 212 v. foi determinada a junção aos autos da documentação constante de fls. 214/245 (paginação suporte em processo físico) (respectivamente, escritura de constituição da A…, versão actualizada dos respectivos estatutos, protocolo celebrado em 23/06/1996 entre CM Porto e o então MEPAT e protocolo complementar outorgado em 14/12/1998), documentação essa que notificada às partes não mereceu qualquer tomada de posição. Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos remetidos à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos recorrentes, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” [cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 8ª edição, págs. 459 e segs.; Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 737, nota 1; Dr.ª Catarina Sarmento e Castro em “Organização e competência dos tribunais administrativos” - “Reforma da Justiça Administrativa” in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 69/71]. A questão suscitada pelos recorrentes resume-se, em suma, em determinar se na situação vertente a decisão recorrida ao absolver da instância por procedência da excepção de incompetência em razão da matéria viola ou não o disposto nos arts. 04.º n.º 1, al. i), 09.º, n.º 2, 51.º, n.º 1, als. g) e h) do ETAF [cfr. conclusões supra reproduzidas]. 3. FUNDAMENTOS 3.1. DE FACTO Para a apreciação do objecto do presente recurso tem-se em conta o seguinte quadro factual: I) Os AA., aqui ora recorrentes, deduziram acção administrativa comum, sob forma sumária, contra os RR., MUNICÍPIO DO PORTO, “A… – AGÊNCIA PARA A MODERNIZAÇÃO D…, SA” e “SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES S…, SA”, para apreciação e efectivação de situação de alegada responsabilidade civil daqueles decorrentes da realização pela segunda em nome do primeiro, na sequência de outorga de contrato de empreitada de obras públicas documentado a fls. 39/52 dos autos, de obras de requalificação da marginal do Rio Douro das quais terão derivado danos no prédio pertença dos AA., descrito nos autos conforme certidão de fls. 37/38 (cfr. fls. 02 a 16 e 37 a 52 dos autos - paginação suporte em processo físico - cujo teor aqui se dá por reproduzido); II) Dá-se como integralmente reproduzido o teor da certidão da Conservatória do Registo Comercial relativa à “A… (…), SA” constante de fls. 29/36 dos autos (paginação suporte em processo físico); III) Dá-se igualmente como reproduzida a escritura de constituição da “A…, (…), SA” e a versão actualizada dos respectivos estatutos (cfr. docs. de fls. 215 a 234 dos autos - paginação suporte em processo físico); IV) Em 23/06/1996 foi celebrado entre CM Porto e o então MEPAT acordo escrito denominado de “PROJECTO DE VALORIZAÇÃO DA ZONA ORIENTAL DA CIDADE DO PORTO NO ÂMBITO DO PROGRAMA METROPOLIS” - “PROTOCOLO DE COLABORAÇÃO ENTRE MINISTÉRIO DO EQUIPAMENTO, DO PLANEAMENTO E DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO (MEPAT) E A CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO (CMP)”, acordo esse que se mostra documentado a fls. 235 a 242 dos autos (paginação suporte em processo físico) e cujo teor aqui se tem por reproduzido; V) Na sequência do “Protocolo …” aludido em IV) veio a ser celebrado em 14/12/1998 entre a CM Porto e a COMISSÃO COORDENAÇÃO DA REGIÃO NORTE um novo acordo escrito denominado de “PROJECTO DE VALORIZAÇÃO DA ZONA ORIENTAL DA CIDADE DO PORTO NO ÂMBITO DO PROGRAMA METROPOLIS - PROTOCOLO COMPLEMENTAR”, acordo esse que se mostra documentado a fls. 243 a 245 dos autos (paginação suporte em processo físico) e cujo teor aqui se tem por reproduzido. «» 3.2. DE DIREITO Considerada aquela realidade factual importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional. Invocam os recorrentes, como fundamento material de recurso, que a decisão recorrida contraria, em suma, o que decorre dos arts. 04.º n.º 1 al. i), 09.º, n.º 2 e 51.º, n.º 1, als. g) e h), sendo que, segundo inferimos, o primeiro normativo seria do actual ETAF e os demais do ETAF/1984, porquanto no actual ETAF aqueles últimos normativos não têm paralelo, não se consagrando nos mesmos o regime legal que decorria ou se mostrava previsto do anterior texto legal. Na verdade, só efectuando ou realizando esta leitura da alegação dos recorrentes é que poderá ser dado algum sentido útil à mesma neste âmbito visto que a entender-se que os normativos em crise são ou estão todos insertos no actual ETAF então a invocação dos arts. 09.º, n.º 2 e 51.º, n.º 1, als. g) e h) mostra-se completamente desajustada e desarticulada com o aludido texto legal improcedendo. Ora considerado o entendimento antecedente diga-se, desde já, que a alegada violação relativa ao disposto no n.º 2 do art. 09.º e nas als. g) e h) do n.º 1 do art. 51.º ambos do ETAF/1984, de que padeceria alegadamente a decisão judicial recorrida, improcede clara e inequivocamente porquanto os citados normativos não se aplicam aos presentes autos (cfr. arts. 02.º e 09.º da Lei n.º 13/02, de 19/02, 04.º da Lei n.º 107-D/03, de 31/12, 05.º e 07.º da Lei n.º 15/02, de 22/02) visto que os mesmos, tendo sido deduzidos após 01/01/2004 (no caso em 26/07/2004 - cfr. fls. 02 dos autos) regem-se pela actual redacção do ETAF, sendo que este não comporta normativos com o aludido teor. Note-se, aliás, que no âmbito do ETAF/1984 o entendimento doutrinário e jurisprudencial uniforme, assente na dicotomia “acto gestão pública”/”actos gestão privada”, apontava claramente no sentido da incompetência dos tribunais administrativos para a apreciação e efectivação da responsabilidade civil extracontratual de entidades privadas, mormente, dos empreiteiros de obras públicas relativamente a acções/omissões lesivas decorrentes da execução daquele contrato de empreitada cabendo a mesma aos tribunais da denominada jurisdição comum, visto aquelas entidades não revestiam de qualquer das características previstas na invocada alínea h) do n.º 1 do art. 51.º do ETAF/1984 e inexistia normativo expresso a atribuir aquela competência aos tribunais da jurisdição administrativa (cfr., neste sentido entre outros, Acs. do STA de 27/02/2002 - Proc. n.º 047980, de 26/06/2002 - Proc. n.º 0222/02, de 23/10/2002 - Proc. n.º 048415, de 05/06/2003 - Proc. n.º 0620/03, de 25/01/2005 - Proc. n.º 0681/04; Tribunal de Conflitos de 29/06/2004 - Proc. n.º 01/04, in: «www.dgsi.pt/jsta»). É que do aludido art. 51.º, n.º 1, al. h) do ETAF/1984 não se podia extrair qualquer regra no sentido da atribuição da competência aos tribunais administrativos para conhecer e decidir de questões como a que se mostra em presença já que se tratava de uma norma de repartição de competências entre as diversas espécies de tribunais administrativos da competência globalmente atribuída à jurisdição administrativa por normas anteriores, sendo que a distinção entre actos de gestão pública e de gestão privada só fazia sentido quando estava em causa tão-só a função administrativa. Os entes privados, mormente, os empreiteiros não entravam em nenhuma das categorias de pessoas jurídicas enumeradas na lei substantiva ou processual como podendo ser civilmente responsabilizadas nos tribunais administrativos, nem a respectiva actuação ou omissão – qualquer que tenha sido no caso concreto – decorria sob a égide de normas de direito administrativo. A responsabilidade civil que na jurisdição administrativa podia ser dirimida é a que tinha como sujeitos passivos os órgãos e agentes da Administração pública. Na verdade e reportando-se mais especificamente aos empreiteiros podia a relação jurídica entre o empreiteiro e o ente público dono da obra ser regulada pelo direito administrativo, se as respectivas prestações tivessem por fonte um contrato administrativo de empreitada de obra pública, mas as relações com terceiros pertenciam seguramente à esfera do direito privado já que a função dos arts. 36.º e 37.º do DL n.º 55/99, de 02/03 (RJEOP), ao regular a responsabilidade do empreiteiro, não era tingi-la de uma coloração de direito público, mas apenas estabelecer a delimitação de fronteiras entre a responsabilidade do dono da obra e do empreiteiro, restringindo aquela aos casos de deficiências e erros de concepção dos projectos e instruções escritas directas dadas pelo dono da obra. Os únicos casos em que a jurisprudência admitia a intervenção de uma entidade de direito privado era a das empresas seguradoras para as quais os entes públicos réus haviam transferido a sua responsabilidade, e isso no pressuposto de que, nessas hipóteses, não havia qualquer transformação ou descaracterização substancial da lide susceptível de derrogar regras sobre competência, pois o tribunal não aprecia a responsabilidade daquelas empresas visto a única responsabilidade a dirimir era a do ente público demandado (vide Acs. deste STA de 29/05/2003 - Proc. n.º 01960/02, de 16/03/2004 - Proc. n.º 01715/03, de 22/09/2004 - Proc. n.º 0529/04, de 18/01/2005 - Proc. n.º 0555/04 todos in: «www.dgsi.pt/jsta»). Encerrada esta primeira questão/fundamento cumpre aferir da alegada infracção ao regime legal decorrente do art. 04.º, n.º 1, al. i) do ETAF. Como nota prévia e antes de entrarmos no âmbito da análise da questão colocada importa ter presente conforme adverte o Prof. Manuel de Andrade que "(...) a competência do tribunal - ensina Redenti - afere-se pelo 'quid disputatum' (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)"; é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do A.. E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes. (...) É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão" (cfr. "Noções Elementares de Processo Civil", Coimbra 1979, pág. 91) (no mesmo sentido e entre outros, Acs. STA de 03/05/2005 - Proc. n.º 46218; Acs. do Tribunal de Conflitos de 03/11/2004 - Proc. n.º 07/04, de 18/01/2006 - Proc. n.º 020/03, todos in: «www.dgsi.pt/jsta»]. Por outro lado, a competência do tribunal, em geral, não está dependente da personalidade judiciária de demandante(s) e demandado(s) ou sequer da legitimidade das partes, sendo que para a aferição da mesma nada releva um julgamento quanto à procedência da pretensão ou da acção. Tal é, aliás, o entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme [cfr. ao nível jurisprudencial entre outros, Acs. do STA de 03/03/1999 - Proc. n.º 40.222, de 23/03/1999 - Proc. n.º 43.973, de 13/10/1999 - Proc. n.º 44.068, de 26/09/2000 - Proc. n.º 46.024, de 06/07/2000 - Proc. n.º 46.161, de 27/02/2003 - Proc. n.º 285/03, de 18/01/2005 - Proc. n.º 0555/04 todos in: «www.dgsi.pt/jsta»]. Isolada supra a questão que ainda importa decidir nos autos cumpre trazer à colação os normativos do sistema legal que relevam, em nosso entendimento, no caso presente para apreciação da bondade da decisão recorrida. Assim, importa atentar ao que se disciplina, primeiramente, nos arts. 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), 01.º e 04.º ambos do actual ETAF. Determina o art. 212.º, n.º 3 da CRP que: "(...) Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. (...)." Prevê-se no n.º 1 do art. 01.º do ETAF, sob a epígrafe de “Jurisdição administrativa e fiscal”, que: “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.” E no art. 04.º, sob a epígrafe “Âmbito da jurisdição”, dispõe-se que: “1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: (…) i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público; (…).” Feito o cotejo dos normativos que relevam para a decisão da matéria de excepção que constitui o objecto de apreciação importa, agora, fazer a sua interpretação conjugada e deles extrair as regras normativas de competência para o caso em presença. Frise-se que o art. 212.º, n.º 3 da CRP constitui uma regra definidora dum modelo típico do âmbito-regra da jurisdição administrativa enquanto jurisdição própria, ordinária, e não como uma jurisdição especial ou excepcional, ou mesmo facultativa, face aos tribunais judiciais, servindo tal preceito constitucional para consagrar os tribunais administrativos como tribunais comuns em matéria administrativa [cfr. Prof. J. M. Sérvulo Correia, in: "A Arbitragem Voluntária no Domínio dos Contratos Administrativos", em "Estudos em Memória do Prof. Dr. J. Castro Mendes", Lisboa 1995, pág. 254, nota 34; Prof. J. C. Vieira de Andrade, in: "Direito Administrativo e Fiscal", Lições ao 3º Ano do Curso de 1995/96, págs. 10 a 12 e in: “A Justiça Administrativa (Lições), 8.ª edição, págs. 107 e segs., em especial, págs. 113 a 116]. Daí que estando aos tribunais administrativos atribuída a jurisdição comum em matéria administrativa a qual é definida nos termos decorrentes do próprio ETAF aos tribunais administrativos pode aplicar-se, devidamente adaptado, o disposto no art. 66.º do CPC, pelo que as causas, em matéria de relações jurídicas administrativas, que não sejam atribuídas por lei a outra jurisdição são da competência dos tribunais administrativos [cfr. Profs. J. J. Gomes Canotilho e V. Moreira, in: "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª edição, pág. 214; Ac. Tribunal de Conflitos de 25/10/2005 - Proc. n.º 06/04 in: «www.dgsi.pt/jsta»]. Refira-se que no actual ETAF a delimitação do âmbito da jurisdição administrativa passou a ser consagrada numa formulação ou enumeração que é simultaneamente positiva (cfr. arts. 01.º e 04.º, n.º 1) e negativa (cfr. n.ºs 2 e 3 art. 04.º), sendo que tal enumeração é meramente exemplificativa. Tal como refere, a este propósito, o Prof. J. C. Vieira de Andrade (in: ob. cit., págs. 118 e 120) “(…) O âmbito da justiça administrativa não se determina, (…), simplesmente no plano substancial e no plano funcional, com base na Constituição, dependendo ainda do recorte orgânico-processual que seja dado à jurisdição administrativa. (…) entendemos que a enumeração positiva é, em princípio, meramente concretizadora da cláusula geral que deriva da Constituição, mas tem de ser considerada aditiva, quando seja inequívoco que visa atribuir competências que não caberiam no âmbito definido por essa cláusula. Do mesmo modo, a enumeração negativa é, em parte, meramente concretizadora da cláusula geral e, portanto, delimitadora do âmbito substancial da jurisdição, mas contém igualmente disposições que restringem manifestamente tal âmbito, devendo reconhecer-se-lhes um carácter e um efeito subtractivo.” Assente este critério de definição e delimitação do âmbito da jurisdição administrativa em termos gerais entremos na análise, em particular, da al. i) do n.º 1 do art. 04.º do ETAF e sua concatenação com os arts. 10.º, n.º 7, 37.º, n.º 2, al. f) do CPTA. Mais especificamente a questão em crise prende-se com o determinar e apurar se a alínea i) do n.º 1 do art. 04.º do actual ETAF possui eficácia e aplicabilidade prática enquanto não for publicado o novo regime legal que prevê e disciplina a responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos, mormente, o regime que decorre do seu art. 01.º, n.º 5 do anexo à Proposta de Lei n.º 56/X (que correspondia igualmente ao mesmo normativo na Proposta de Lei n.º 95/VIII) no qual se prevê que as “… disposições que, no presente diploma, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”. Debruçando-se sobre o normativo do ETAF em crise e para além do posicionamento doutrinal citado na decisão judicial recorrida (no caso tese defendida pelos Profs. Freitas do Amaral e M. Aroso de Almeida in: “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, págs. 38/39; Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha in: CJA, n.º 40, págs. 20/21) o Prof. Mário Aroso de Almeida e o Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha (in: ob. cit., pág. 179/180, e nota 16) sustentam que “(…) um factor de crescimento da competência contenciosa dos tribunais administrativos resulta do preceituado na alínea i) do n.º 1 do mesmo artigo 4.º, que se reporta aos litígios que tenham por objecto a responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas. (…) (…) A norma que, no plano do direito substantivo, dava concretização prática ao disposto neste preceito era a do n.º 5 do artigo 1.º da proposta de lei n.º 95/VIII (…). É discutível se aludida norma do ETAF fica sem alcance prático enquanto não entrar em vigor um novo regime de responsabilidade civil da Administração que contemple a extensão da respectiva disciplina às entidades privadas de mão pública, ou se ela já é exequível em função do regime que em cada caso for especificamente aplicável a cada uma dessas entidades privadas. Na verdade, desde que, nos termos do artigo 14.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, um contrato de concessão ou um diploma legal estabeleça expressamente poderes de autoridade a favor dos concessionários ou de outras entidades privadas que exerçam actividades de interesse económico geral, talvez se possa entender que os actos praticados ao abrigo de tais poderes ficam abrangidos por um regime de responsabilidade civil de direito público, do mesmo modo que se aceita que os mesmos actos sejam impugnados na via contenciosa (cfr. artigo 51.º, n.º 2, e 100.º, n.º 3). (…).” Também sobre o normativo e alínea em análise o Prof. J. C. Vieira de Andrade remete para a jurisprudência o papel de definir o seu âmbito, referindo, contudo, que “(…) a alínea i) limita o conhecimento pelos tribunais administrativos das acções de responsabilidade de sujeitos privados – entre os quais parecem estar incluídos os entes privados de ‘mão pública’ (os ‘falsos privados’) e os privados que exerçam poderes públicos, designadamente os concessionários – em função da aplicabilidade do regime substantivo específico da responsabilidade de direito público. (…) Trata-se de uma aplicabilidade que a lei pode determinar, designadamente quanto a privados que exerçam poderes públicos, embora, em coerência com a alínea d), talvez se deva presumir a aplicabilidade do regime substantivo de direito público, pelo menos relativamente à responsabilidade pelo exercício de poderes públicos por concessionários (por exemplo, concessões translativas, de serviços públicos ou de obras públicas) e por entes administrativos privados (por exemplo, as administrações portuárias). Por isso, entendemos que há-de ser a jurisprudência a determinar em que medida houve ou não alargamento, designadamente enquanto se mantiver a diferença de regimes substantivos de responsabilidade civil em função do carácter público ou privado da actuação administrativa danosa. (…).” (in: ob. cit., págs. 127 e 128 e notas 190). Nas palavras do Dr. M. Esteves de Oliveira e outro (in: “Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Anotados”, vol. I, pág. 61) quanto ao entendimento do âmbito da mesma alínea é referido, no mesmo sentido, aliás, pugnado pelo Prof. J. C. Vieira de Andrade, que “(…) parece-nos (…), até em coerência com a alínea d) deste preceito legal, que talvez fosse de considerar aplicável o referido regime substantivo de direito público do Estado à responsabilidade pelo exercício de poderes públicos por concessionários (v.g., de obras) e por entes privados de mão pública – ficando assim (já) integrados na jurisdição administrativa os litígios sobre a responsabilidade extracontratual desses sujeitos privados (e seus servidores) por danos resultantes de acções e omissões de gestão pública, mas mantendo-se excluídos dela os litígios que se fundem em actos da respectiva gestão privada (…).” (vide ainda anotação XIV ao art. 37.º do CPTA, pág. 271). Por fim, o Prof. Pedro Gonçalves sustenta que “(…) as entidades privadas com funções públicas podem ser demandadas na acção administrativa comum, sempre que a sua actuação, mesmo que desprovida de autoridade, se encontra publicizada por normas de direito administrativo: assim sucede, por exe., com as acções sobre contratos por elas celebrados enquanto ‘entidades adjudicantes’ e, provavelmente no futuro, com as acções de responsabilidade civil extracontratual derivada dos actos que pratiquem no desempenho de funções públicas. (…) ’Provavelmente no futuro’, porque actualmente a jurisdição administrativa não é, em geral, competente para apreciar acções de efectivação da responsabilidade civil extracontratual de entidades privadas, com ou sem funções públicas; na verdade, não há qualquer lei que determine a aplicação a entidades privadas do regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas; cfr. artigo 4.º/1/i do ETAF. A sujeição das entidades privadas investidas de funções públicas à jurisdição administrativa apresenta outros contornos quando se encontram armadas com competências de autoridade: cfr., entre outros, os artigos 4.º/1/d do ETAF e 51.º/2 do CPTA. Mas, nesse caso, a forma processual em que elas se apresentam como partes demandadas é a acção administrativa especial. (…)” (em “A acção administrativa comum” - “Reforma da Justiça Administrativa” in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 161/163 e notas 78 e 81]. O mesmo Autor sustenta “(…) a norma parece dever interpretar-se no sentido de atribuir à jurisprudência administrativa a competência para apreciar a responsabilidade civil de entidades privadas apenas nos casos em que a lei da responsabilidade civil das entidades públicas lhes seja aplicável. Nesta situação especial, a cláusula de atribuição de competência assume-se, simultaneamente, como uma cláusula de atribuição incompleta, no sentido de fazer depender a competência dos tribunais administrativos de uma outra indicação legislativa, e como cláusula de exclusão, já que exclui da jurisdição administrativa as acções de responsabilidade civil de sujeitos privados fora das situações nela contempladas – no sentido de que, nos termos daquela norma, a jurisdição administrativa só é competente para apreciar a responsabilidade civil de sujeitos privados ‘quando a esses sujeitos for aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público. (…) O âmbito de aplicação da norma depende, pois, ’do regime jurídico substantivo (de Direito Administrativo ou de direito privado) que, in casu, seja aplicável ao sujeito privado. (…) Apesar de a interpretação do artigo 4.º/1,i) do ETAF dever, em geral, seguir os critérios acabados de referir, parece-nos, por uma razão de coerência, que deverão ser os tribunais administrativos a julgar os pedidos de indemnização por prejuízos provocados por actos e actuações de entidades privadas para cuja apreciação são competentes: é manifestamente assim no caso de prejuízos decorrentes de actos administrativos praticados por entidades privadas. (…)” (in: “Entidades Privadas com poderes Públicos”, págs. 1081 e 1082, nota 446). E continua aquele Professor “(…) a responsabilidade por actos praticados pela entidade privada no exercício da função pública será, em princípio, efectivado nos termos da lei civil (com a competência dos tribunais judiciais para o julgamento das acções propostas nesse âmbito). O mesmo já não deverá, contudo, suceder quando a actuação da entidade privada se encontra especificamente regulada por regras de direito público, situação que se verifica exactamente quando ela surge investida de poderes públicos de autoridade. Nessa eventualidade, a responsabilidade da entidade privada pela prática de actos de direito público deve efectivar-se nos termos que regulam a responsabilidade civil da Administração; competente para julgar as acções de responsabilidade será, então, da jurisdição administrativa. (…)” (cfr., in: ob. cit., págs. 1093 e 1094, devendo ainda ter-se em atenção págs. 1094/1095, nota 479) (cfr. ainda sobre esta temática Dr.ª Ana Raquel Gonçalves Moniz in: “Responsabilidade civil extracontratual por danos resultantes da prestação de cuidados de saúde em estabelecimentos públicos: o acesso à justiça administrativa” – FDUC/Centro de Direito Biomédico, págs. 46/47 e 50, bem como notas 55 e 56). Das opiniões sucessivamente transcritas perpassa e constitui denominador comum o entendimento de que se se pretendeu, por um lado, estender o âmbito da jurisdição administrativa com a al. i) do n.º 1 do art. 04.º do ETAF, por outro, todavia, tal extensão está “refém” ou na dependência do que vier, no futuro, a ser concretizado no texto legal que disciplinará o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, termos em que, salvo as situações enunciadas de responsabilidade pelo exercício de poderes públicos por parte de concessionários e por entes privados de mão pública e aquelas em que inexiste disposição de direito substantivo que preveja a aplicação e sujeição ao regime específico de responsabilidade do Estado e demais entes públicos, as entidades privadas não podem ser demandadas nos tribunais administrativos visto o citado normativo, face à sua falta de alcance prático, não legitimar a propositura e julgamento de pretensão fundada na responsabilidade civil extracontratual daquelas entidades ou pessoas. Adquirido e por nós assumido igualmente este entendimento por ser aquele que melhor se quadra e enquadra nas boas regras interpretativas dos comandos/normativos legais emitidos pelo legislador ordinário (cfr. art. 09.º do Código Civil), comandos/normativos esses a que os tribunais no exercício da sua função de julgar devem obediência nos estritos termos enunciados no art. 08.º do citado Código, importa, então, reverter ao caso em presença e aferi-lo à luz dos dados probatórios nele recolhidos e regime legal atrás explicitado, sendo certo que também aquele entendimento já colheu vencimento no acórdão do STA de 25/01/2005 (Proc. n.º 0681/04 in: «www.dgsi.pt/jsta») quando em sede discursiva se refere a dado passo que “(…) o novo ETAF, ao definir o âmbito da jurisdição administrativa, só admite que nesta se aprecie a «responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados» se, relativamente a estes, houver dispositivo que pontualmente lhes estenda «o regime específico da responsabilidade do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público» (cfr. o art. 4.º, n.º 1, al. i). E isto significa que, na ausência de um dispositivo desse género, e ressalvada a ocorrência de quaisquer outras razões extravagantes – que no presente caso nem sequer se figuram – a jurisdição administrativa continua hoje, por regra, a não conhecer da responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito privado, ainda que elas sejam de capitais exclusivamente públicos e estejam incumbidas do desempenho de actividades de interesse público (…).” Ora analisada a situação em discussão, mormente, considerada a factualidade atrás fixada, temos a decisão judicial recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe foi assacado quanto ao julgamento e procedência da excepção dilatória de incompetência em razão da matéria e consequente absolvição da instância por parte das RR., aqui ora recorridas. Na verdade, quer a “A… (…), SA”, quer a empresa empreiteira “Sociedade de Construções S…, SA”, são inequivocamente, pelos elementos recolhidos e produzidos nos autos, entidades ou pessoas colectivas de direito privado, constituídas à luz e segundo as regras que norteiam as sociedades comerciais. Por outro lado, constitui um dado adquirido e que é, à luz dos posicionamentos atrás colhidos, em nosso entendimento consensual o de que inexiste qualquer norma legal vigente que sujeite aquelas sociedades de natureza privada ao regime específico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público e que é reclamado pelo art. 04.º, n.º 1, al. i) do ETAF como condição “sine qua non” para a extensão do âmbito da jurisdição administrativa ao julgamento e efectivação de tal responsabilidade nos tribunais administrativos. Para além disso à luz dos vínculos legais e contratuais que emergem dos autos não se vislumbra como podem aquelas RR. ser qualificadas ou consideradas como “entidades concessionárias” ou a elas “equiparadas” como sustentam os aqui recorrentes em sede de alegações de recurso já que em parte alguma aqueles vínculos legitimam ou sequer permitem lícita e legalmente fundar um julgamento com aquele alcance. Com efeito, quanto à “A… (…), SA” não se vislumbra que os protocolos de colaboração entre MEPAT/CMP e CMP/CCRN (cfr. docs. insertos a fls. 235/245 - paginação processo em suporte físico) e os seus respectivos estatutos documentados nos autos (cfr. fls. 29/36 e 215 a 234 - paginação processo em suporte físico) ou ainda que o procedimento concursal que esteve na origem da celebração do contrato de empreitada de obras públicas igualmente inserto no processo, permitam configurar ou que haja sido instituída uma qualquer concessão administrativa em seu favor (de obras públicas, da exploração do domínio público, de gestão de outras actividades públicas ou de actividades exercidas com base em bens públicos, de serviços públicos), parecendo-nos inequívoco que o concreto contrato administrativo de empreitada de obras públicas outorgado entre as RR., aqui recorridas, em parte alguma configura a constituição ou estabelecimento duma concessão administrativa nalguma das modalidades referidas e enquanto acto jurídico de direito público bilateral em favor quer da “A… (…), SA” quer da “Sociedade de Construções S…, SA” que lhes confira ou atribua o direito a exercerem uma actividade pública como o direito de utilizarem um bem público (cfr. doc. inserto a fls. 39 a 52 - paginação processo em suporte físico - e art. 178.º, n.º 2, als. b), c), d) e e) do Código de Procedimento Administrativo]. Entendida a “concessão” enquanto acto bilateral e constitutivo de direitos através do qual uma pessoa colectiva de direito público permite a uma ou algumas pessoas determinadas a utilização e exploração dum bem público em seu proveito próprio, por um certo tempo e em dadas condições não se vislumbra, pelos elementos documentais recolhidos e pelos vínculos legais e contratuais em presença, que no caso “sub judice” qualquer uma das RR. possa ser qualificada como “concessionária” e muito menos existe fundamento legal que permita efectuar uma equiparação às mesmas do regime legal a que estão sujeitas as entidades concessionárias. Ambas são pessoas colectivas de direito privado e a circunstância relativamente à “A.. (…), SA” de parte dos detentores do seu capital social serem entidades públicas - v.g., o Estado e a CMP - não altera a natureza da sociedade e a sua caracterização como sujeito de direito privado exterior à Administração. Assim, e nesta linha de entendimento no qual se fundou igualmente a decisão judicial recorrida, temos que a competência para conhecer da acção dos autos enquanto e na parte instaurada contra as RR., aqui ora recorridas, cabia aos tribunais comuns e não à jurisdição administrativa de harmonia com o regime legal vigente que decorre da concatenação dos arts. 04.º, n.º 1, al. i) do ETAF, 01.º, 02.º e 03.º do DL n.º 48.051, de 21/11/1967, pois, neste último diploma inexiste qualquer dispositivo que estenda ou sujeite os entes privados ao regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos e à jurisdição administrativa. Frise-se, por último, e fazendo uso do posicionamento expresso pelo Prof. Pedro Gonçalves, que aqui acolhemos quanto à demanda dos empreiteiros por actos ou omissões havidos na execução de obras que sejam lesivos e constitutivos de responsabilidade civil extracontratual que “(…) entre o empreiteiro de obras públicas contratado por uma entidade pública e os interessados … não existe qualquer relação de direito administrativo … . (…), havendo danos, os mesmos interessados já não poderão propor, nos tribunais administrativos, uma acção de indemnização: trata-se, por um lado, de danos provocados por actos de gestão privada e, por outro, não há qualquer norma que permita demandar, para esse efeito, o empreiteiro na jurisdição administrativa. Quanto à qualificação dos actos dos empreiteiros contratados por entidades públicas como actos de direito privado, trata-se da consequência imediata de o contrato de empreitada de obras públicas se situar no domínio de uma ‘privatização funcional’. Deve, apesar de tudo, dizer-se que a circunstância de, neste caso, existir uma distribuição legal de responsabilidades entre empreiteiro e o dono da obra e o facto de uma tal distribuição ser efectuada por uma norma de direito administrativo podem viabilizar o entendimento segundo o qual a responsabilidade do empreiteiro (também perante terceiros) é, afinal, imposta e regulada por uma norma de direito administrativo. Ainda assim, quanto à possibilidade de ele ser demandado na jurisdição administrativa permanece o obstáculo consistente em não haver uma norma que determine a aplicação, no caso, do regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público – cfr. art. 4.º/1/i). (…) entende-se que não há justificação legal para alterar o sentido da jurisprudência que, no âmbito da legislação processual de 1984-85, vinha considerando serem os tribunais administrativos incompetentes para apreciarem acções de responsabilidade intentadas conjuntamente contra empreiteiros (entidades particulares) e donos de obras públicas (entidades públicas) por actos ilícitos praticados pelos primeiros em execução de contratos de empreitada: na verdade, a competência dos tribunais administrativos – para se pronunciarem sobre a responsabilidade derivada de tais actos – não passa a existir pela mera circunstância de o empreiteiro ser demandado conjuntamente com o dono da obra pública. (…) No caso dos empreiteiros que provocam danos a terceiros em execução de contratos de empreitada de obras públicas, a conclusão só seria diferente se, eventualmente, a lei viesse a aplicar-lhes o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público; cfr., art. 4.º/1/i) do ETAF (…)” (em: “A acção administrativa comum ….”, págs. 163/164 e notas 81 e 83) (sublinhados nossos). Em suma: tendo em conta a natureza das recorridas que são entes ou sujeitos de direito privado e não pessoas colectivas de direito público, a competência para conhecer da sua responsabilidade civil extracontratual cabe aos tribunais comuns, e não aos tribunais administrativos. Não enferma, por conseguinte, a decisão judicial recorrida das ilegalidades analisadas e que lhe foram assacadas, improcedendo “in totum” o recurso jurisdicional com as legais consequências. 4. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando-se a decisão judicial recorrida. Custas a cargo dos recorrentes, com redução a metade da taxa de justiça [cfr. arts. 73.º-A, n.º 1, 73.º-E, al. a), 18.º, n.º 2 todos do CCJ e 189.º do CPTA]. Notifique-se. D.N.. Restituam-se aos ilustres mandatários judiciais os suportes informáticos gentilmente disponibilizados. Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” art. 01.º do CPTA). Porto, 07 de Dezembro de 2006 |